Virada de sorte



Os gritos vindos da sala foram o suficiente para acordar todos na sede da Ordem da Fênix. O primeiro a chegar à sala foi Remo Lupin, afobado, ainda abotoando o casaco que usava por cima do fino pijama de algodão. Ao chegar à porta, viu Harry desmaiado no chão, seu rosto cheio de sangue. Snape o segurava pelos ombros, enquanto Dumbledore recitava um encantamento para que o garoto se recuperasse.

- Severo, você? Mas...

Dumbledore fez um sinal com a mão para que Lupin aguardasse alguns segundos. O olhar preocupado de Snape para Harry o convenceu mais do que qualquer palavra que o diretor pudesse ter dito a respeito de sua personalidade, e então ele aguardou, fechando a porta. Aos poucos, o hall de entrada da casa já estava cheio de gente; todos aqueles que estavam dormindo e acordaram com os gritos.

- Remo, o que aconteceu? – perguntou Molly, descendo as escadas – Ouvimos gritos! Foi o Harry? Dumbledore? Mas o quê... – disse, vendo a porta fechada e Lupin parado em sua frente – Por que você não quer deixar ninguém entrar?

- Dumbledore está realizando um encantamento para a cura de Harry. Parece que ele teve outro sonho daqueles - disse, olhando para Hermione – Vamos para a cozinha e aguardar. Tenho certeza que saberemos com detalhes o que aconteceu muito em breve.

- Está se referindo a... Você-Sabe-Quem? – perguntou Molly, enquanto todos esperavam apreensivos pela resposta de Lupin.

- Vamos aguardar Dumbledore – foi a resposta que tiveram.

Todos foram para a cozinha e, poucos instantes depois, um cansado Dumbledore passou pela porta, tentando evitar a frustração em seu rosto. Por mais que soubesse da possibilidade de Voldemort invadir a mente de Harry, ver pessoalmente a cena não era nada agradável. Todos observavam ansiosos, esperando que contasse o que havia acontecido.

- Creio que todos já imaginem o que aconteceu esta noite – disse seriamente, sentando-se na cadeira que Moody conjurou para ele – Harry corre muito perigo, e nós também. Voldemort está abusando de sua ligação e tenta dominá-lo enquanto está dormindo, através de sua mente.

- Mas ele pode fazer isso? – perguntou Rony – Quer dizer, lançar uma maldição mesmo não estando no mesmo lugar que a pessoa?

- Não creio que seja exatamente uma maldição, Rony – respondeu Dumbledore calmamente – Mas algo semelhante. O que temia há alguns anos está acontecendo agora. Voldemort tentou usar Harry para me matar.

Foram ouvidos gemidos por toda a sala. A sra. Weasley fechou os olhos e levou as mãos ao coração, enquanto era consolada por Arthur.

- Matar você? – disse Tonks, desesperada – Então ele sabe que você...

- Sim, ele sabe – interrompeu Dumbledore – Ontem, na Toca, os Comensais me viram. Acredito que os planos de Voldemort tenham mudado um pouco depois da minha morte, mas agora ele terá que refazê-los. Isso nos dará algum tempo, mas a calma é apenas aparente. Harry – disse, olhando para todos – Precisa destruir os horcruxes. Não teremos muito tempo, mas é o suficiente para encontrarmos aqueles que já desconfiamos. Ele tem o verdadeiro medalhão e sabemos que um dos horcruxes possa estar no ninho de unicórnios em Hogwarts. Se Harry estiver bem o suficiente pela manhã, gostaria de sugerir que todos nós partíssemos para lá o mais rápido possível.

- Como ele está, Alvo?

- Ficará melhor, Molly. Está dormindo na sala, e Snape está cuidando dele.

- Snape?! – perguntou Moody, com raiva – Dumbledore, mas que diabos...

- Moody – interrompeu Dumbledore, com os olhos serrados – Severo precisa da confiança de vocês tanto quanto tem a minha há tempos. Harry precisa dele agora; todos nós precisamos. Ele sofre em sua situação, então entenda.

- Mas...

Alastor Moody não conseguiu pronunciar mais nenhuma palavra após o olhar conclusivo de Dumbledore, e em seguida este saiu da cozinha, voltando à sala, deixando todos os olhares confusos e perturbados atrás dele.

Ao entrar no recinto, viu Harry deitado no sofá, dormindo silenciosamente. Sua cicatriz estava em carne viva, como se tivesse sido feita há apenas algumas horas. Snape estava sentado na mesma poltrona de antes, fitando o garoto sem sequer piscar. Estava cuidando dele e mal se mexeu quando Dumbledore entrou.

- Severo – disse, quando Snape olhou para a porta que se fechava – É hora de ir. Você acha que consegue mais uma vez?

Snape suspirou e, com o mesmo ar frio de sempre, respondeu:

- Tenho que conseguir, não?

Dumbledore se aproximou, andando calmamente, suas vestes se arrastando no carpete marrom da sala. Sentou-se ao lado do ex-professor de Poções e o encarou como a um filho.

- É difícil para todos nós, Severo. Mas eu confio em você, e sei que agora Harry também. Seja forte. Você precisa descobrir o que Voldemort está planejando.

- Eu conseguirei – respondeu Snape - Devo encontrá-los em Hogwarts da próxima vez?

- Ssim – disse Dumbledore, levantando-se - Devemos partir amanhã cedo, se Harry estiver bem.

- Ele estará bem – disse Snape, olhando mais uma vez para o garoto no sofá - Só está dormindo agora.

- Então vá, criança. Tudo depende de você, agora.

E, com um olhar de apreensão, porém equilibrado como o usual, Snape deixou o Largo Grimmauld.




Lord Voldemort estava sentado em sua confortável poltrona, ao lado de uma lareira fumegante. Suas mãos entrelaçadas articulavam seus longos e finos dedos, expressando uma moderada ansiedade. À sua frente, um homem baixo e gorducho estava agachado, beijando seus pés.

- Sim, meu Lorde, sim – disse Rabicho, recompondo-se – Eu avisarei assim que ele chegar! Devo ir agora?

- Vá, imprestável – disse Voldemort – E faça o que mandei com os corpos. Antes de falar comigo, Snape deve ter a poção terminada. Não antes! Diga a ele quando chegar que quero a poção pronta antes do amanhecer. Caso contrário, ele estará morto antes mesmo que resolva contar a verdade.

- Ver-verdade, meu senhor? – disse Rabicho, com as pernas mais trêmulas que bandeira ao vento. Mal teve tempo para dizer qualquer outra palavra, quando um impaciente Voldemort sacou sua varinha e disse com ímpeto:

- Crucio!

Os gritos de Rabicho ecoavam por todo o lugar. A dor da maldição Cruciatus era insuportável. Ele sofreu durante alguns minutos e, em seguida, foi expulso da sala com outro feitiço.

Ao chegar no outro cômodo, viu a porta abrindo-se e fechando, a neve entrando pela sala com fúria. Uma figura de preto fechava a porta atrás de si; sua capa balançava com o vento.

- Snape! – disse Rabicho, com seu sorriso falso tradicional – O Lorde das Trevas...

- Saia da frente, sei o que devo fazer – disse Snape friamente, passando pelo bruxo baixinho.

- Se não quiser morrer, me ouça antes.

Snape parou de andar, absorvendo as palavras que acabara de ouvir. Rabicho percebeu a sua apreensão e sorriu sarcasticamente.

- O que disse? – retorquiu Snape, virando-se.

Rabicho empinou o peito, sentindo-se responsável por um comunicado importante.

- O Lorde das Trevas ordenou que você terminasse a poção antes de falar com ele novamente. Ele só falará com você quando tiver a poção de Inferi. Caso contrário, estará morto.

- Entendo – respondeu Snape secamente. Inferi?, pensou.

- A poção deve estar nas mãos do mestre antes do amanhecer. E é isso. – mal terminou de falar, Rabicho deixou a sala e foi para outro aposento, provavelmente para dormir. O efeito da maldição Cruciatus durava algumas horas, até dias, dependendo da intensidade. E ele estava sofrendo aquilo diariamente, o suficiente para deixá-lo em estado de paranóia constante.

Snape continuava de pé na mesma sala. A neve que estava em sua roupa agora estava derretendo sob seus pés, e tudo o que ele conseguia pensar era no que estava prestes a fazer. Desceu rapidamente as escadas e bateu com a varinha em determinados pontos da parede, fazendo esta se abrir aos poucos, dando passagem a um corredor escuro e secreto no qual já tinha ido muitas vezes. Ao chegar no cômodo em questão, logo separou os ingredientes da poção e começou a trabalhar rapidamente. Tinha poucas horas até a noite terminar e precisava estar tudo pronto antes. Já havia preparado aquela poção muitas vezes antes. Por quê, pensou, estava tão nervoso agora?.

Suas mãos deslizavam pela mesa enquanto cortava agilmente algumas sementes em minúsculos pedaços, juntando-as a um caldeirão que já fumegava com a imersão de outros ingredientes. Parou um instante e deitou a testa sobre as mãos, que estavam apoiadas na mesa. Estava cansado.

Esperou alguns instantes, que poderiam ter sido horas, até que a poção chegasse ao ponto perfeito de saturação, e guardou todo o seu conteúdo em um frasco suficientemente grande. É provável que ele precise de mais, só com isto aqui.

Limpou rapidamente a superfície da mesa que utilizara para preparar a poção e passou pela passagem na parede, do mesmo modo como entrara. O corredor escuro parecia não ter fim. Sua mente estava girando, tamanha sua tensão.

Inferi, pensou novamente, enquanto subia as escadas com o frasco na mão. Era isso o que pretendia com os corpos, então?

Ao chegar na sala onde estava Voldemort, notou que este o olhava de forma diferente, com muito mais ódio no olhar. A primeira coisa que fez, ao chegar, foi estender a mão e mostrar-lhe a poção.

- Muito bom – Voldemort resmungou, segurando o frasco.

- Devo mais alguma coisa ao meu Lorde? – disse Snape, se agachando em frente a Voldemort.

Durante alguns segundos, trocaram olhares. Snape estava apreensivo, mas conseguia, como sempre, bloquear suas emoções e sua mente, para que não fosse descoberto. Voldemort, no entanto, o olhava com uma profundidade que parecia furar sua alma. Ficaram assim durante algum tempo, até que Voldemort estalou os dedos e Snape viu pelo menos uma dúzia de Comensais surgirem das sombras, fazendo um círculo em torno dele.

Mas o quê...

- Você sabe o que aconteceu com os traidores, Severo? – disse Voldemort friamente, com um tom de sarcasmo na voz.

- Meu Lorde, eu não...

- Silêncio! - ele disse, com seus olhos de cobra arregalando-se – Nada mais será dito por você nesta sala. Lúcio!

O Comensal de cabelos longos e platinados apareceu na luz, olhando friamente para Snape. Parecia saber o que aconteceria. Com uma ordem no olhar de Voldemort, ele virou-se para o homem no chão.

- Traidores nunca sobrevivem para contar história – disse, levantando a varinha para o peito de Snape.

- Acredito que os incompetentes também não – vociferou Snape, o que atraiu a fúria de todos. A sala ecoava com gritos de “mate-o!”. Em poucos segundos, ninguém sabe ao certo, pois foi tudo muito confuso, Snape se levantou e gritou:

- Incêndio!Abaffiato!

Tudo ao redor começou a pegar fogo e a fumaça provocada pelas chamas fez com que todos perdessem a visão e, também, a audição, ainda que temporariamente. Ele saiu correndo como pôde, segurando a respiração e rumando à porta do lugar. Vai dar tempo, pensou. Vai dar tempo...

Estava quase abrindo a porta quando foi interrompido pelo som de:

- Petrificus totallis!

Seu corpo parou imóvel e, com força, bateu nas tábuas do chão. Não podia se mexer; tudo o que conseguia enxergar era um Rabicho rindo com prazer ao seu lado. Cada vez mais perto estavam os murmurinhos dos Comensais, que deviam estar chegando onde estavam. Ele não podia fazer nada; morreria ali, exatamente da forma como imaginava e temia durante tantos anos. Fora descoberto. As vozes chegaram cada vez mais perto e, de repente, silenciaram. Esperou pelo momento da morte, mas ela não veio.

- Devo matá-lo, mestre? – perguntou Rabicho, com visível excitação na voz.

- Não! – disse Voldemort, chegando perto de Snape. Seus pés passaram ao lado de seu rosto e ele pôde ver a pele áspera e esverdeada que tomava o seu corpo – Ainda precisaremos de algumas poções e ninguém aqui é competente o suficiente para prepará-las. Você, seu imprestável – disse a Rabicho, ignorando os demais – Leve-o. Prenda-o bem e fique com a sua varinha. Ele precisará dela quando for preparar mais poções. Quanto a vocês – disse, olhando para os Comensais atrás deles – Preparem imediatamente o nosso exército. Há pouca poção neste frasco, mas por alguns dias deve bastar. Rápido, vamos!

E saiu da sala junto com os Comensais, enquanto Rabicho levitava o corpo de Snape, levando-o ao lugar onde ficaria preso.

- Achou que poderia escapar, não é mesmo, Seboso? Os dementadores adorarão a sua companhia.

Os olhos de Snape se apertaram. Não podia se mexer, fora descoberto e agora estava preso. Dumbledore lhe daria como morto, caso não voltasse mais. Tudo tinha acabado. Ele nunca sairia dali; preferia ter morrido, de fato. Mas a morte, ele sabia, era a melhor das saídas quando se tratava de Voldemort, e isso não caberia a ele decidir quando seria a sua hora. Não mais.




- Harry, você está bem? – a voz de Lupin entrava vagamente na cabeça de Harry e este forçava despertar – Acorde. Já é hora.

Harry abriu lentamente os olhos e viu a figura de Remo Lupin ao seu lado, sorrindo-lhe gentilmente.

- O que, o que aconteceu? – perguntou, passando a mão sobre a cicatriz, que ardia intensamente – Não me lembro de nada.

- Você se sente melhor?

- Sim, mas...

- Então sente-se – disse Lupin, puxando a poltrona para mais perto do sofá – Molly trouxe alguns pães e leite para você. Coma, você precisa. Enquanto isso, eu lhe conto o que aconteceu.

Harry pegou um pedaço de pão e mordeu com vontade. Tinha perdido a noção do tempo e não sabia há quantas horas (ou dias) estava dormindo. Sua cicatriz estava doendo e tudo o que se lembrava, ironicamente, é que tinha ido à cozinha pegar um pedaço de pão.

- Onde está Dumbledore? – disse, com a boca ainda cheia – Eu o vi, lembrei, estava conversando com...

- Snape? – respondeu Lupin, apertando as mãos – Sim, ele também estava aqui. Ambos foram embora, Harry. Snape foi fazer o que tinha que ser feito e Dumbledore voltou a Hogwarts. Queria estar lá antes de chegarmos.

- E quando nós vamos?

- Se você estiver se sentindo melhor, agora mesmo. Dumbledore pediu que fôssemos assim que você levantasse.

- Mas... o que aconteceu? Minha cicatriz, ela... está doendo muito.

- Harry – disse Lupin, se ajeitando na cadeira e dando um longo suspiro – Ouça bem o que vou lhe dizer, porque é bastante importante. Voldemort está usando a ligação que existe entre vocês para prejudicá-lo. Ele está usando o vínculo que existe desde aquela noite quando matou Lílian e Tiago, para atacar você.

- Como assim? Não, eu... eu não me lembro de nada que tenha acontec...

- Harry, escute. Há algumas noites você teve um sonho e estaria morto se não fosse por Hermione, que viu você no parapeito da janela, ameaçando cair. Ontem, você tentou...

- Eu tentei o quê?

- Você tentou... matar Dumbledore.

- O quê? – disse, inconformado – Não, não é possível, eu me lembraria de algo assim...

De repente, começou a ter alguns relances do sonho que teve na noite passada. Lembrou-se do cemitério, da voz gélida ao seu lado pedindo que fizesse algo...

- Você se lembra, não é? – disse Lupin, percebendo a alteração das expressões no rosto de Harry, que agora tinha um olhar vago e preocupado.

- Sim. Eu... me lembro. Mas... como? Como ele pode?

- Suspeitamos que ele esteja lançando a maldição Imperius em você enquanto dorme, Harry, porque sua mente está desprotegida. Dumbledore, no entanto, discorda da nossa opinião.

- O que ele acha?

- Ele disse que se trata de algo semelhante, mas que não é a maldição. Dumbledore sabe muito mais do que qualquer um de nós juntos, Harry, e se fosse algo que ele soubesse resolver, certamente já teria tomado providências.

- Mas ele já tomou – disse Harry, largando o copo de leite após um longo gole – Eu escutei quando estava conversando com Snape e pediu a ele que me ensinasse oclumência novamente.

- Ótimo, ótimo então – disse Lupin – Creio que ele já saiba como proteger você.

Harry tentou sorrir em resposta, mas tudo o que conseguiu fazer foi retorcer um pouco o canto dos lábios. Não sabia exatamente se deveria ficar feliz com o que acabara de ouvir.

- E então, você acha que está bem? – disse Lupin, levantando-se – Estão todos ansiosos para vê-lo de pé.

- Acho que sim.

Harry se levantou e foi em direção à porta. Lupin, no entanto, o interrompeu.

- Ãhn, Harry? – disse, enquanto o garoto parava de andar e se virava para ouvir – Gina ficará aqui. Não sozinha, é claro, mas com Molly, Arthur e mais alguém. Você sabe, é mais seguro para vocês dois.

- Entendo.

Lupin sentiu a tristeza na voz de Harry. Ele sabia que o garoto entendia a situação, mas era obviamente algo que o fazia sofrer. E ele já tinha poucos problemas com o que se preocupar, não é verdade?

- Snape estará lá? – perguntou.

Lupin sorriu.

- Acredito que sim.

- Você sabe, Remo, que ontem a Fawkes estava ajudando Snape com algum machucado?

- É mesmo? – respondeu, encarando Harry e entendendo onde ele queria chegar.

- Ele não é tão mal assim, sabe? Continua sendo o mesmo ranzinza, seboso e narigudo professor de Hogwarts pra mim, mas ele não é tão mal.

- Eu sei, Harry – disse Lupin, sorrindo e colocando a mão sobre o seu ombro – Eu sei. Vamos então?

Harry fez que sim com a cabeça e ambos atravessaram a porta, onde uma calorosa recepção o aguardava. Partiriam em poucos momentos para Hogwarts, sem sequer imaginar o que tinha acontecido com seu ex-professor de Poções.

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