Um homem atormentado



A senhora Weasley apertou o lenço junto à boca, como quisesse conter um soluço. Mas a mulher logo se recuperou. Fez surgir uma bandeja na mesa da cozinha e sobre ela colocou algumas xícaras de chá fumegante e um prato com biscoitos que recém tirara do forno. Com sua varinha, ergueu-a nos ares e caminhou com passos miúdos para a sala. Àquela hora, não havia mais ninguém no recinto, exceto um homem que estava de costas, olhando pela janela. A visão causou angústia à bruxa. Lembrava-se do tempo em que o homem era apenas um menino. Dias em que seu maior tormento era ter de viver com os tios mesquinhos, uma experiência até mais desagradável do que a ameaça de Você-Sabe-Quem. Sim, naquele ano distante, Harry estava para iniciar sua segunda temporada em Hogwarts. Recordadas desse modo, as preocupações pareciam até mais simples. Agora, o tormento era muito pior, mais devastador e tão angustiante que ela, Molly Weasley, não conseguia parar de chorar. Já ele quase não chorava. Ou melhor, não era visto chorando. No entanto, todos adivinhavam por suas expressões e gestos que estes eram os dias mais terríveis de sua existência.

- Harry, tome um pouco de chá comigo – pediu a senhora Weasley com a voz mais firme que pode arranjar.

- Obrigado, mas não estou com vontade – veio a resposta em tom baixo. Harry não se voltara. Continuava olhando para fora.

- Por favor, querido. Você precisa se alimentar – insistiu, aproximando-se dele.

- Não tenho fome – disse, ainda atento ao lado externo da casa.

- Filho, você não vai conseguir nada se ficar doente. E isso não pode acontecer com você, Harry. Precisa estar forte porque... porque... oh, por Merlin, eu sei que só você pode trazê-los de volta!

Harry virou o rosto para a mulher. A senhora Weasley estava muito abatida. Parecia ter envelhecido rapidamente. Estava com os olhos marejados e o lenço na mão, a postos. O chefe dos aurores abaixou a cabeça e se dirigiu para o sofá. Pegou uma xícara e a manteve perto dos lábios, sem tocá-la. Permaneceu segundos assim, imóvel. Súbito, deu-se conta que a sogra o encarava com ar muito triste. Gostaria de dizer-lhe palavras encorajadoras, mas havia um bolo em sua garganta. Constantemente, sentia-se sufocado na presença dela. Devolveu a xícara à mesa, sem ter provado a bebiba.

- Não consigo, senhora Weasley. Lamento... – murmurou.

Ela balançou a cabeça, enquanto o observava. Havia olheiras profundas em Harry. E o rosto estava extremamente pálido, o que seria notado à primeira vista se a barba que começara a crescer não escondesse a cor.

- Prometa-me que outra hora vai tentar, Harry. Tem de se esforçar e cuidar da alimentação. Não pode ser assim e...

- Senhora Weasley, faz uma semana que eles se foram! Uma semana! Como espera que eu consiga “cuidar da alimentação” no meio desse inferno? – perguntou de chofre, interrompendo a bruxa com um acesso de nervosismo.

- Eu sei. Também não tenho conseguido comer – e desandou a chorar.

Harry afundou a cabeça nas mãos. Mas foi um momento breve. Ficou de pé, andando pela sala em círculos. Sabia o quanto a senhora Weasley depositava esperanças nele. Tinha plena consciência que todas as noites a pobre mulher se deitava na cama pensando que ele encontraria sua filha e seu neto. “Ele venceu Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, Arthur. Ele trará Gina e Sirius de volta”, sussurrara outra noite. Um comentário abafado que Harry captara sem querer. Entretanto, muito tempo já se passara. Sem notícia alguma dos desaparecidos. Harry voltou para a janela, com o coração tão pesado que tinha a impressão de ter uma rocha presa ao corpo, arrastando-o para baixo.

Um movimento no jardim chamou sua atenção. Era um gnomo que corria para se esconder. Provavelmente, ele se dera conta de que havia gente por perto, rondando. Harry suspirou. Havia sempre um auror de plantão, disfarçado, para protegê-lo. Desde que sua casa fora invadida, estava instalado na Toca. Rony não arredara pé até que concordara em se mudar provisoriamente. “Não quero ninguém vigiando o largo Grimmauld, cara. Vai levantar muitas suspeitas. Sem falar que o segredo da sua residência vai ficar mais exposto. Melhor ficar na casa da minha mãe”, orientara o ruivo. Harry puxou os óculos para o alto do nariz. Tentou descobrir quem estava na vigilância. Um som familiar, no entanto, interrompeu seu passatempo.

Rony surgiu no meio da sala. A senhora Weasley foi até o filho com os olhos ainda molhados.

- O-oi, mãe. Ahnn, ainda não tenho... novidades. E-eu... mais tarde, talvez. A gente...

O comentário do rapaz entristeceu a mulher, mas ela não se entregou às lágrimas. Em seu canto, Harry fechou os punhos, fazendo força para conter a frustração e a raiva. Por influência de Rony, Hermione e do senhor Weasley, abrira mão do comando das investigações do rapto de Gina e Sirius. Ninguém acreditava que ele teria serenidade suficiente para lidar com isso.

- É. Talvez... talvez... mais tarde, não é, filho – replicou, recompondo-se. – Chá?

- Não. Eu vim aqui para falar com o Harry. Assunto do trabalho, mãe – disse, deixando claro para a senhora Weasley que eles teriam uma conversa privada. E mudou o tom ao se virar para o cunhado. – Ei, vamos até o quarto.

Os dois homens subiram as escadas em silêncio. Mal encostaram a porta, Harry puxou Rony pelas vestes.

- E então? Qual a novidade? O cara de fuinha vai sair mesmo de Azkaban?

Rony se soltou de Harry e ajeitou as vestes antes de responder.

- Sim. Ele vai sair. Não há provas contra o Malfoy. Aceite esse fato!

- Ele não tem álibi, Rony. Ninguém viu o cara o dia inteiro. É a palavra dele...

- Contra a falta absoluta de pistas mostrando que ele tem alguma participação no desaparecimento – interrompeu, com o rosto rubro. – As flores não provam nada!

- Malfoy admitiu que enviou as flores para me provocar. Está nos autos! – gritou o chefe dos aurores.

- Sim. Está. Assim como está a explicação dele a respeito do conhecimento do seu endereço – berrou Rony, de volta. E, após um segundo, com a voz mais calma, completou. – E minha mãe confirma a primeira parte. Você sabe disso.

Harry sentou-se na beira da cama, com o rosto transtornado. Recordava-se perfeitamente do depoimento do seu rival. As cenas lhe vinham à mente como num filme.



*****


Draco Malfoy fora cercado em casa por um grupo de aurores, sendo conduzido imediatamente para o ministério da magia. Descobrir a autoria do bilhete não tinha sido muito difícil para magos treinados em enfrentar bruxos das trevas. Surpreso com a “visita”, ele obedecera às ordens sem se queixar. Somente resmungara ao entrar na sala de interrogatório. Harry estava lá, com uma expressão feroz.

- O que você quer comigo, Potter?

- Você sabe! – replicou, entre dentes.

- Não é abuso de autoridade o que você está fazendo? Mandar um bando de aurores na minha casa para eu prestar depoimento sobre umas flores? Os contribuintes bruxos não vão gostar de saber como você desperdiça o dinheiro dos impostos para atender seus caprichos pessoais.

- CALE-SE! – urrara Rony, segurando Harry pelo braço, antes que ele partisse para cima de Draco.

- Deixe de ser insolente – cortara Tonks. – Você está aqui para responder nossas perguntas.

- Que perguntas? – rosnara Draco. – Vocês já entraram na minha casa falando das malditas flores. É crime mandar flores para alguém?

- Você admite, então, que mandou as flores para a casa do Harry?

- Parem com essa palhaçada. Até parece que vocês não descobriram que eu mandei. Vocês chegaram na minha casa perguntando exatamente disso. E eu confirmei. Portanto, para o inferno essa sua perguntinha! Mandei, sim. E daí? Não fiz o menor esforço de esconder isso. O máximo que fiz foi assinar como “um admirador secreto”. Ou anônimo. Sei lá. Não lembro.

- Cuidado com a maneira como fala, “senhor” Malfoy – observara Murphy, com uma ponta de sarcasmo. – Você está prestando depoimento para o chefe dos aurores.

- Ah, perdão! Eu não tinha percebido – ironizara Draco. – Talvez agora vocês queiram fazer perguntas mais diretas. Não vamos fazer o homem perder tempo.

- Calma, Harry – sussurrara Tonks, notando os olhos do amigo dispararem chispas. Em seguida, tomara a dianteira e interpelara Malfoy. – Como teve acesso ao endereço do chefe dos aurores? Por motivos óbvios, ele é mantido em segredo.

- Por ser chefe dos aurores ou por ser o senhor maravilha? – tripudiara Malfoy, que desistira da mofa ao ver que os aurores tinham dado um passo adiante, fechando o cerco. – Certo, certo, bando de mal humorados. Eu respondo. Parte do endereço eu obtive do garotinho. Um dia eu o encontrei numa loja no beco diagonal e o menino comentou assim do nada que vivia no Largo Grimmauld. Não sei por quê guardei na cabeça, mas guardei.

- Eu te explico o porquê – sibilara Harry.

Mas Rony o segurara por um braço. “Também quero amassar a cara dele, só que tanto eu quanto vocês vamos manter a cabeça fria. Não vamos botar a perder a chance de descobrirmos o paradeiro da Gina e do Sirius.”

- Foi assim?! Numa conversa com Sirius? Como você prova isso?- inquiriu Tonks.

- Arre, seu cabelo cor de rosa perturba a minha vista. Por favor, se afaste... Ei, não me cutuque. Vou responder. Foi exatamente assim que descobri parte do endereço. O menino falou e a senhora Weasley estava por perto. Perguntem para ela. Se a Gina conversou com a mãe a meu respeito, ela pode saber disso. Por que não perguntam também para ela?

Naquele momento, ninguém fora capaz de segurar Harry. Ele saltara de seu lugar, acertando um soco em Malfoy. Os dois se engalfinharam, trocando murros. Rony os separou e Tonks imobilizou o bruxo de cabelos platinados.

- Você está em maus lençóis por ter atingido o chefe dos aurores – rosnara Murphy.

- Fantástico! O sujeito me agrediu primeiro. Um homem não pode se defender?!

- Deixe, Murphy! – ordenara Harry, arrumando suas vestes. – Você disse que conseguiu uma parte do meu endereço. Nós vamos confirmar isso. Como obteve o resto?

- A secretária da ministra, a morena de olhos claros, me falou do número.

- Pinsky! Por que diabos ela te passaria meu endereço?

- Ciúmes, Potter? Vocês estão tendo um caso? Aii! Escute, mulher de cabelo estranho, é a última vez que vou reclamar. Um cutucão a mais e eu vou processar vocês por abuso de autoridade! É sério. O melhor advogado bruxo da Inglaterra trabalha para mim e eu não vou deixar isso barato. Só porque enviei umas flores para um endereço supostamente secreto isso não dá direito a ninguém...

- Por que você enviou flores para Gina Weasley Potter? E por que assinou como “admirador secreto”? Qual era seu objetivo? – perguntara Tonks, exibindo o bilhete.

- Acontece que eu e a Gina fomos namorados no passado – replicara Malfoy, saboreando a revelação ao notar o ar de espanto de Murphy e da bruxa escrevente que registrava o depoimento com auxílio de uma pena repetidora. – Quis prestar uma homenagem a uma pessoa que marcou a minha vida tempos atrás. E ainda fazer uma pequena...hummm... provocação a um antigo rival. E estou vendo que funcionou. Mas, francamente, não imaginava que o chefe de vocês fosse reagir tão mal. Deve ser por insegurança - zombara.

Tonks hesitara por um segundo, ao perceber o quanto Harry estava agitado. Porém fizera mais uma pergunta.

- Você ainda está apaixonado por ela? Gostaria de estar ao lado dela?

Todos tinham se espantado. Harry empalidecera. Rony engolira em seco. Murphy arregalara ainda mais os olhos. E mesmo Draco perdera a arrogância. Seu rosto se alterara, exibindo um ar de difícil definição.

- Isso é muito íntimo. Não vejo a razão dessa pergunta.

- Vou colocar de outra forma, senhor Malfoy. É notória a animosidade que o senhor tem em relação a Harry James Potter, conforme acaba de nos lembrar. Também é do conhecimento de algumas pessoas desta sala que o rompimento do seu relacionamento com Gina Weasley foi especialmente difícil para o senhor. Eu estava lá. E me recordo com exatidão desse dia. Acho que estou certa em dizer que essa ocasião deve ter provocado uma certa amargura. Talvez raiva, ressentimento, ódio. É bem possível, portanto, que o senhor queira se vingar do homem que se casou com sua antiga namorada, situação esta, aliás, que fez questão de ressaltar, não é?! É bem possível também que o senhor continue apaixonado por essa mulher e que, em virtude disso, tenha decidido tomá-la a força. É bem possível ainda que o senhor tenha invadido a residência do casal...

- O quê?????

- Não me interrompa! Visto que Gina Weasley Potter e Sirius James Potter foram raptados no dia do envio das flores e sendo o autor do bilhete pretensamente anômino, há suspeitas de que o senhor, Draco Malfoy, seja o autor desse crime. O que me diz agora?

Draco se erguera branco como um fantasma ao ouvir o raciocínio de Tonks. Ficara mudo por um minuto, atraindo olhares desconfiados e ansiosos por um movimento seu. Qualquer que fosse.

- A... Gina... ela foi... raptada?

- O senhor não sabia?

- Não!

- MENTIRA! – gritara Harry.

- Eu pensei que isto aqui fosse por causa... – prosseguira Draco, olhando para Tonks – ... do endereço que eu descobri e... por causa do bilhete... Há alguma pista? E-ela se feriu?

- Senhor Malfoy, ficará detido em Azkaban até que possamos confirmar sua história. O senhor confessou que enviou as flores e que fez isso para “provocar” Harry James Potter. Fato que ocorreu no dia da invasão da residência da família, que, como expliquei, é um endereço mantido em segredo e de conhecimento de poucas pessoas. O senhor reconheceu que detém essa informação e também mencionou seu antigo relacionamento com a desaparecida. Há fortes elementos contra o senhor!

- Preciso... fa-falar com meu advogado – balbuciara o bruxo.

- O senhor o fará – retrucara Tonks. – Murphy o levará para outra sala, onde poderá despachar uma coruja. De lá, seguirá para Azkaban. Se quiser nos contar “eventuais detalhes” que tenham escapado, é melhor fazer isso rápido. Ao agir com presteza e sinceridade, o senhor nos ajudará a encontrar os desaparecidos e também se ajudará.

- Não tenho nada a ver com o rapto!

- Assine seu depoimento, senhor Malfoy.

- Eu não faria isso com a Gina.

- Malfoy, assine o depoimento.

- Maldito seja, Potter. Você permitiu que isso acontecesse! Você, chefe dos aurores! Seu inútil! E se algo aconteceu com ela? Você é o culpado! Seu monte de m...

Harry cerrara as mandíbulas com força. A cor fugira mais uma vez de seu rosto.

- Basta! O senhor está preso por desacato à autoridade – interrompera Murphy, materializando um par de algemas para prender Draco. – Melhor ficar quieto ou vai apodrecer em Azkaban!

- Seu lambe-botas! Não vou assinar nada – e saíra da sala arrastado por Murphy.



*****



Harry sentia-se cada dia mais angustiado. Quase não comia. Dormia pouco. Estava sempre tenso. E não conseguia pensar em outra coisa. Tinha de ser Draco. Tinha de ser ele, que não suportava seu casamento com Gina. Tinha de ser ele, que não deveria ter esquecido a morte do pai. Tinha de ser ele, um filho de Comensal. Um dia, suspeitava, Draco faria emergir sua herança e revelaria seu verdadeiro caráter. Mostraria que seu sangue estava destinado às trevas. Essa idéia o torturou ainda mais. Precisava encontrar alguma pista que provasse sua ligação com o crime para desvendá-lo o mais rápido que pudesse. Precisava encontrar Gina. Precisava encontrar Sirius.

- Vou com você ao ministério.

- Hein? Escute, cara, você não está nos seus melhores dias. Não acho uma boa você acompanhar o depoimento...

- Quero ter certeza da participação da Pinsky nessa história.

- Eu te trago a cópia do depoimento assim que acabar.

- Não. Já decidi. Eu irei. Quero ver de perto se ela realmente andou doente.

- Ela esteve doente de verdade, Harry. A Mione cuidou de todos os exames. Pinsky não estava fingindo. E quer saber? Ela ainda não está 100%.

- Que seja. Eu irei! E quanto ao Dobby a Winky? Alguma pista de onde estão?

Rony suspirou, balançando a cabeça negativamente.

- Harry, estamos fazendo de tudo.

Ele franziu a testa e se dirigiu para a porta.

- Vamos. Não podemos nos atrasar.



*****


Pinsky torcia as mãos enquanto andava de um lado para o outro, fazendo seus saltos estalarem alto no chão de madeira. A roupa escura que usava contrastava violentamente com a palidez de seu rosto. Deu uma tossida e se atirou numa cadeira, com medo de um acesso. Nos últimos dias, experimentara vários. Sua tia correu em seu socorro.

- Menina, coloque uma veste mais quente. Só faz um dia que você saiu de St. Mungus.

- Obrigada, mas isso não é nada. O pior já passou – tentou sorrir. Em seguida, porém, pensou no que estava para acontecer. – Ou talvez não. Tia, sei que a senhora não vê o Harry faz dias, só que algum palpite você deve ter. Como ele está? O que ele diz a meu respeito?

Vada mordeu os lábios.

- Eu não tenho informações. Ele está despachando diretamente com o Rony. E o Rony não está conversando muito comigo nestes dias.

- Por que o Harry desconfia de mim?

- Não, querida. Isso é praxe dos aurores. Draco Malfoy te citou no depoimento. É isso. Você será ouvida para averiguações.

- Tia, você está querendo se enganar. Se fosse só isso, os aurores teriam me ouvido em St. Mungus. Eles não esperariam tanto tempo para marcar um depoimento aqui, no ministério.

A secretária dos aurores aprumou o corpo.

- Eu contei para eles o que nós fizemos aquele dia. Eu disse que foi por uma mera curiosidade minha. Que foi porque queríamos saber o que tinha mudado na casa do Harry. Por causa de ele não ficar mais tanto tempo no ministério. Foi isso que falei, querida.

- Ou seja, você mentiu, tia – murmurou Pinsky, entristecida. – Não era uma mera curiosidade. Eu tinha meus interesses e você apenas quis me ajudar. Ah, você tentou me proteger. Mas acho que isso não vai adiantar.

- Você só tem de confirmar minha história! Não precisa falar desses “interesses”.

- Mas e se eles descobrirem a verdade?

- Como descobririam?

- Talvez eles me peçam para tomar o Veritaserum.

- Não. Pinsky, você não é uma criminosa! Eles não pediriam isso.

- Tenho medo que o Rony peça. Amulher dele cuidava bem de mim. Não posso me queixar. Só que eu sentia o olhar dela. Era acusatório.

- Que mulher atrevida! – resmungou Vada, acariciando os cabelos da sobrinha que tanto amava.

- Se ela desconfia de mim, o marido também desconfia.

Uma batida na porta interrompeu a conversa. Murphy, o auror que vinha trabalhando com Tonks na investigação do rapto de Gina e Sirius, entrou timidamente no recinto.

- Aham... podem me acompanhar até a outra sala? Vamos colher seu depoimento, senhorita Peterson. Ahn, gostaria antes de uma xícara de chá?

Pinsky pestanejou, sem ter condições de responder de imediato. Estava assustada.

- Não, não. Quero acabar logo com isso – e passou reto pelo auror, abrindo a porta e atravessando o corredor. Vada estava em seu encalço e Murphy vinha logo atrás, um tanto vermelho pelo que acabara de ocorrer.

A jovem parou diante de uma porta aberta, na qual Tonks estava apoiada enquanto lia O Profeta Diário. A auror conferia diariamente as notícias para ver se algum jornalista descobrira o desaparecimento de Gina e Sirius. Eles vinham mantendo o caso em segredo para não interferir nas investigações. Naquele dia, mais uma vez, a mulher sentiu-se aliviada de não encontrar nota alguma a esse respeito.

- Olá, eu vim...

- Oh, entre, Pinsky. Entre. Já estamos prontos – convidou Tonks, introduzindo a moça na sala. – Vada, sinto muito, mas você terá de esperar aí no corredor. Estamos trabalhando e como você sabe os procedimentos exigem sigilo.

- Mas são só umas perguntinhas, não é?! Se o Rony não se incomodar, fico quieta num canto.

- São ordens do Harry. A propósito, ele está aqui – encerrou, entrando na sala e deixando Vada ardendo de curiosidade.

Pinsky ficou atônita ao notar que Harry estava sentado ao fundo. À distância, ela ergueu a mão para cumprimentá-lo. E o chefe dos aurores apenas meneou a cabeça, numa resposta discreta e pouco animadora. Rony pigarreou.

- Pinsky Peterson, a senhorita está prestando um depoimento aos aurores para auxiliar na investigação a respeito dos desaparecimentos de... – baixou a voz, tenso. - Gina Weasley Potter e Sirius James Potter. Nesta sala, dias atrás, Draco Malfoy relatou ter obtido com a senhorita parte do endereço de Harry James Potter. Um endereço que é secreto, como estou certo que sabe.

- Sim. Por favor, sem formalidades. Conheço todos vocês – respondeu, nervosamente.

- Ok. Já verificamos que o Malfoy esteve no gabinete da ministra no dia do desaparecimento. Quero saber se você confirma ou não essa versão que ele nos passou?

- E-eu lembro vagamente de ter conversado com ele, sim.

- Vagamente? – estranhou Tonks.

- Eu estive muito doente estes dias. Acho que isso me afetou de alguma maneira porque minha mente anda embaralhada. Eu não sei por que, mas a medibruxa que me atendeu me entregou uma documentação que prova o que digo.

- O que a senhorita teve? – perguntou Murphy, pegando o papel que tinha a assinatura de Hermione.

- É muito esquisito. Passei por fortes crises de dor de cabeça, dor de estômago, acessos de tosse. Fiquei muito fraca. Só que ainda não foi descoberto o motivo. Os medibruxos estão fazendo exames para tentar encontrar a causa.

- A pergunta que o Rony fez ainda não foi respondida – cortou Harry. – Você confirma que entregou a parte que faltava do meu endereço ao Malfoy?

- Eu lembro que tivemos uma conversa. Mas tive uma forte dor de cabeça naquele dia. Tanto que acabei em St. Mungus. Vocês checaram o horário em que dei entrada no hospital, não checaram?

- Responda a pergunta, Pinsky – insistiu Harry.

Um pouco chocada com o tratamento seco, Pinsky piscou os olhos verdes.

- Creio que sim. Que falei do número. O número aparece muito nitidamente na minha cabeça.

Preocupado com o estado psicológico do cunhado, Rony avançou um passo para retomar o comando do processo.

- Por que fez isso?

- Pensei que ele fosse amigo da Gina. Só por isso. E o senhor Malfoy comentou parte do endereço. Parecia saber mesmo.

- Não teve nenhuma intenção deliberada de enviá-lo à casa do Harry?

- Não faria isso. Sou muito zelosa dos meus deveres. E, como secretária da ministra, sei quanto a discrição é valiosa. Devo ter falado algo para ajudar. Jamais pensaria em... em... – emudeceu, sem coragem de continuar.

- No entanto, você entregou o número da casa.

- Não entendo como isso foi acontecer – murmurou. – Eu estava com muita dor de cabeça. Isso deve ter me atrapalhado.

Rony se aproximou mais e colocou as duas mãos sobre a mesa.

- Pinsky, você só teve acesso ao endereço do Harry porque apareceu de repente na casa dele na noite anterior ao rapto, usando o pó de flu e a senha que sua tia te entregou. Ela já nos contou isso. Quero saber por que fez isso.

- Foi por... mera curiosidade – estremeceu. – A gente... err, mais eu do que ela... a gente queria saber como... humm, estava a vida do Harry. Ele é tão popular. É natural ter curiosidade. As revistas falam tanta coisa a respeito dos bruxos famosos.

- Mera curiosidade? – questionou Rony.

- Por que outro motivo seria?

- Diga-me você.

- Era curiosidade. As pessoas falam coisas e... quem não gosta de saber se é verdade?

- Que coisas? – atacou o auror ruivo, fazendo Pinsky ficar ainda mais nervosa.

- Fofocas! Coisas como que o casamento deles ia mal... Fiz o que um monte de bruxos gostaria de fazer. Saber mais. É um crime?

- Invasão de privacidade é crime, sim. Mas o ponto que me pega, Pinsky, é que desconfio que você queria provocar alguma instabilidade na vida do casal. Então, entregar o endereço para o Malfoy poderia ser útil já que ele foi namorado da Gina um par de anos atrás. Quem sabe ele aparecendo de surpresa poderia deflagrar uma briga...

- Malfoy foi namorado dela? – deixou escapar com os olhos arregalados.

Harry se irritou com o comentário.

- Você tinha algum interesse em ajudar o Malfoy quando passou meu endereço para ele?

- Não!

- Então, por que passou com tanta facilidade?

- Foi um lapso. Já disse. Eu estava mal. Minha mente está enevoada até hoje. Não consigo lembrar bem do que me aconteceu nos últimos dias.

- Certo. Vamos dar um jeito nisso – observou Harry, com tanta facilidade como se estivesse oferecendo café para a moça. – O Veritaserum tem o poder de clarear a mente.

Pinsky se assombrou.

- Harry, não confia em mim? O Veritaserum é para falar a verdade.

- E também ajuda a clarear a mente. Esse efeito que busco. A poção age tirando bloqueios que nos impedem de ser verdadeiros. É uma espécie de limpeza mental. Compreendeu? Claro, também queima a garganta e tortura o cérebro em caso de mentiras. Mas acho que você não tem o que temer, não é?! – afirmou o chefe dos aurores.

Uma sombra de tristeza surgiu nos olhos verdes de Pinsky. Estava desapontada. Não fora de Rony, afinal, a decisão de lhe dar Veritaserum. Tonks sacou a poção de um armário e entregou para a jovem. Antes de beber o líquido, ela virou o rosto para Harry. Mas o bruxo estava lendo um dos pergaminhos já cobertos com a primeira parte do depoimento. “Ele nem liga para o que estou sentindo”, pensou amargamente.

A secretária da ministra bebeu um gole da poção e um sabor desagradável invadiu sua boca. Colocou a mão sobre os lábios, num impulso. A garganta ardeu, seu estômago se contraiu e subitamente sua mente se desanuviou. Encarou Harry um pouco surpresa que sua cabeça estivesse tão leve. No entanto, teve a clara impressão que seu coração estava apertado. Pinksy não conseguiria mentir nem mesmo para si. Estava profundamente abalada por não ter a confiança do homem que mais admirava no mundo. Harry dirigiu-se para a moça, com as sobrancelhas franzidas.

- Diga o que existe entre você e o Malfoy.

- Nada. Eu falei poucas vezes com ele.

Não era a resposta que Harry esperava. Ele estava crente que os dois tinham algum envolvimento.

- Vocês não estão saindo juntos ou algo assim? Por que você o ajudou?

- Não estamos saindo. Eu o ajudei apenas com o número. Continuo sem me lembrar como foi a conversa exatamente. Mas sei que somente passei essa informação.

- Escute, se você está apaixonada pelo Malfoy e tentou ser útil para agradá-lo...

- Não estou apaixonada por ele – interrompeu Pinsky, corada. – Não poderia. Estou apaixonada por outra pessoa. Por v...

- Ah! Quero tirar uma dúvida – apresssou-se Rony, impedindo que a secretária revelasse seus sentimentos. – Quando você foi para a casa do Harry, você tinha o objetivo de descobrir o endereço dele?

Pinksy olhou para o auror com os lábios entreabertos. Sua mente não lhe dizia nada.

- Eu queria ver se o Harry e a Gina estavam bem.

- Mas então você não teve o propósito de xeretar até descobrir o endereço? – insistiu o auror ruivo – Você ficou bastante tempo com os meninos. Não perguntou nada para eles nesse sentido? No jantar, você ficou sentada ao lado do Sirius. Não pediu, por exemplo, para olhar o lado de fora da casa?

- Eu sentei ao lado de Sirius? – perguntou, sem conseguir se recordar disso.

- Isso é ridículo! – vociferou Harry. – Vocês ficaram de conversinha um tempão. O Sirius mal tocou na comida. Eu lembro bem disso!

- M-mas eu não – murmurou, atrapalhada. E emendou sem entender. – Não consigo me ver na mesa do jantar... Eu... Deve ser porque fiquei doente todos esses dias.

Harry andava agitado pela sala, porém ao ouvir essas palavras parou de súbito. Arregalou os olhos.

- Os compromissos de Charlotte, você se recorda de todos?

Ninguém entendeu a pergunta. Pinsky pensou durante algum tempo até que fez um sinal negativo com a cabeça. Harry prosseguiu o interrogatório questionando a respeito de uma série de miudezas que tinham acontecido recentemente no ministério. Ela continuava sem conseguir responder adequadamente. Havia falhas em muitos pontos. Uma ruga funda começou a se formar na testa de Rony. Compreendera aonde o cunhado queria chegar.

- Um dia você estava na saída do ministério conversando com Malfoy, a Gina e mais aquela moça que você contratou – prosseguiu Harry.

- Ah, sim, aquela moça que queria trabalhar aqui, Grietl.Eu ia tentar arranjar um estágio para ela no departamento de relações internacionais.

- Tenho a impressão que você arranjou. Eu a vi nos corredores algumas vezes. Até te vi conversando com ela na cantina numa tarde.

Pinsky ouviu aquilo com espanto. Isso não escapou à percepção de Harry.

- Tonks, procure essa moça e a traga imediatamente para cá. Ela tem cabelos loiros muito claros e olhos azuis. Vá! Agora! – disse o chefe dos aurores, com a cabeça ligeiramente abaixada e a mente fervilhando. Em seguida, ergueu o rosto para o amigo. – Eu volto daqui a pouco. Toque o trabalho – e deixou a sala com passos acelerados.

- Maldição – resmungou Rony. – Para onde ele vai?

Movido pela pressa, Harry fechou a porta da sala de interrogatório com um estrondo. Vada, que tinha se erguido assim que vira Tonks sair, saltou para um lado. Cada um deles seguira direções diferentes, com expressões tão concentradas que não incentivavam uma breve interrupção para saber se tudo já tinha acabado. A mulher exalou um longo suspiro. Aquilo não era um bom sinal. Esperou uma eternidade até que se armou de coragem e abriu a porta sem bater com os dedos na madeira. Enfiou seu rosto de buldogue na fresta, atraindo a atenção dos ocupantes da sala.

- Olá. Já terminaram? Ah, não. Querida, você está bem?

- Estou assustada, triste e um pouco enjoada – respondeu, incapaz de dizer uma mentira.

- Para onde foi o Harry? A Pinsky precisa de repouso. Não dá para encurtar o interrogatório?

- Não, Vada, sinto muito – respondeu uma voz às suas costas.

Vada se afastou. Harry estava de volta, acompanhado de dois bruxos de barbas longas e de aspecto nada simpático. A secretária logo os reconheceu, porém não teve condições de perguntar o que eles estavam fazendo ali. Seu chefe pediu licença e fez com que seus acompanhantes entrassem na sala no instante em que Tonks retornava. Sozinha.

- Ela não está. Faz dias que não aparece.

- Eu já imaginava, Tonks. Vamos continuar lá dentro – disse, dando um tchau para Vada e fechando a porta atrás de si. – Com licença, senhores. Vou erguer uma barreira anti-ruídos para que eu e os aurores possamos conversar por um minuto ou dois.

Harry puxou a varinha e criou uma redoma sobre eles. Tonks revelou que Grietl, a moça misteriosa, tinha trabalhado por algum tempo, mas que depois desaparecera sem deixar informações ou meios de contato. Nem mesmo o sobrenome dela estava nos registros do ministério. “Ela apagou possíveis pistas. Talvez fosse uma espiã”, sugeriu Tonks. “Talvez uma espiã do Malfoy”, murmurou o chefe dos aurores. E desfez a proteção mágica, sem dar chance para comentários. Depois, notou que a escrevente olhava os dois bruxos barbados com muita curiosidade. Harry titubeou. Tomaria uma atitude que não queria expor a muita gente.

- Senhora Simpson, tenho um pedido delicado que espero que atenda.

A bruxa ajeitou os óculos sobre o nariz adunco e apertou os olhinhos de rato, fazendo aumentar a coleção de rugas do rosto. Fazia muitos anos que trabalhava no ministério redigindo atas de reunião e depoimentos prestados na sala de interrogatório. E em todo aquele tempo nenhum chefe dos aurores lhe pedira um favor.

- Pode dizer, senhor. Terei prazer em ajudar.

- Deixe a pena repetidora aí. Murphy se encarregará dela. Este é um momento bem difícil e gostaria de poupá-la de cenas não muito agradáveis.

- O quê? – alarmou-se a depoente, ouvindo a conversa.

- Desconfio, Pinsky, que sua memória foi modificada. Esses lapsos não são normais. Eu não pediria o que vou pedir se isso não fosse absolutamente necessário para a investigação. Quanto à senhora Simpson, pode esperar do lado de fora, por favor?

A escrevente puxou para trás alguns fios prateados que tinham escapado de seu coque. Entregou a pena para um Murphy atônito e, fazendo uma reverência para Harry, saiu de sua mesa. Mal ela se retirou da sala, Harry deu seqüência ao perigoso passo que daria.

- Conhece Tim e Bob? – perguntou, apontando os bruxos.

- Harry... – começou Tonks, com seu rosto alarmado.

- Não – respondeu Pinsky.

- São obliviadores. Os melhores do ministério. Um bom obliviador consegue apagar recordações com 100% de segurança. Obliviadores excepcionais são capazes de reverter a magia e restaurar reminiscências. Mas isso não é simples como estou falando. Se esse trabalho não for feito com muito cuidado... a pessoa pode enlouquecer – afirmou depois de respirar fundo. – No entanto, confio nas habilidades de Tim e Bob e, caso você autorize, eles irão vasculhar sua mente em busca de lembranças escondidas ou alteradas.

Tonks limpou a garganta ruidosamente, atraindo a atenção do amigo. Não aprovava a medida. Rony exibiu uma careta. E Murphy segurava a pena repetidora com tanta força que ela se agitou violentamente no ar para se libertar, espalhando tinta pela mesa e sujando alguns pergaminhos.

- Aham... acho que preciso falar a sós com você – murmurou Rony, puxando a varinha para criar outra barreira mágica à prova de mexericos. – Ficou louco, cara? Isso é muito arriscado!

- Rony, ela não está mentindo. Tem de ser um bruxo muito ardiloso para conseguir se livrar da ação do Veritaserum. O que não é o caso da Pinsky. Malfoy, pelo contrário, ele sim seria capaz de escapar da ação do soro. Por isso, não adiantava dar para ele. O cara de fuinha deve tomar alguma poção anti-Veritaserum todos os dias.

- Por mil dragões flamejantes, Harry, esqueça o cara de fuinha por um segundo. É óbvio que a Pinsky não está preparada para driblar o efeito do soro. No hospital a Mione cuidou para que ela só tomasse os remédios prescritos. Nada mais. E é claro que a Pinsky não conseguiria fazer de um dia para o outro uma poção anti-Veritaserum. Ou seja, eu também acredito que ela está falando a verdade. Só que tem uma diferença muito grande entre isso e a chance de ela estar com a memória modificada por alguém. Quer dizer, a gente precisa mesmo dos obliviadores?!

- Que outra explicação você tem para os lapsos?

- Essa doença misteriosa que ela teve.

- Não pode ser o efeito colateral de algum feitiço usado para mexer com a mente dela?

- Nunca ouvi falar disso, Harry. Você está pirando com a investigação.

- Ah é?! Por que você não me ensina como não pirar enquanto a Gina e o Sirius estiverem desaparecidos?

Rony bufou. Harry cerrara os dentes.

- Harry, é perigoso vasculhar a mente de alguém. Você pode acabar com a sanidade da Pinsky.

- Pelas barbas de Merlin, eu não farei isso! Tim e Bob são os melhores obliviadores da Inglaterra. Você já viu os dois em ação.

- Sim. Apagando lembranças! Nunca revertendo magia obliviadora! Eles alguma vez já fizeram isso?

- Não. Eu perguntei – respondeu com a voz grave. Porém seus olhos brilharam desafiadores. – Mas eu confio no potencial deles.

- Dumbledore já fez isso no passado! E não causou dano algum. Mione um dia me contou essa história que leu num daqueles livros antigos e enormes que ela tem. Se quiser insistir nessa maluquice, chame-o.

- Não tenho tempo a perder! Cada minuto que passa, é um minuto longe da minha família! – vociferou. E com a varinha desmanchou o encanto da barreira. – E então, Pinsky?

A jovem estava trêmula e com os olhos marejados.

- Pode seguir em frente. Faço isso só porque você pediu, Harry. Só por isso.

Os obliviadores se aproximaram. Tim apontou a varinha para as luzes da sala, reduzindo-as a uma claridade mínima. Bob pegou sua varinha e lançou um raio branco sobre as pupilas arregaladas da moça. Um raio tão branco que cegou todos por um segundo.



*****


Vada nunca tivera o hábito de roer unhas. Mas naquela última hora já desgastara todas. A bruxa escrevente folheava uma revista que tinha tirado da bolsa.

- Não adianta, Vada. A melhor arma contra o nervosismo é um bom chá de camomila. Ou o feitiço sono em baixa potência.

- Deixe-me em paz, Mathilda. Não é a sua sobrinha que está lá.

- Não tenho sobrinha.

- Você não tem ninguém, velha invejosa.

- Ora, ora, quem está me chamando de velha.

- Eu estou chamando, sua colega de Hogwarts! Por que os obliviadores estão lá?

- Não posso responder, Vada. Aguarde pelos relatórios que você deverá despachar. Do jeito que seu chefe está hiperativo, os documentos estarão na sua mão antes que você sossegue o traseiro na sua cadeira.

- Conte-me agora o que se passou!

- Vada, eu não chegaria aonde cheguei se não cumprisse fielmente meus deveres.

Era a terceira vez que elas discutiam enquanto esperavam pelo fim do interrogatório. De repente, viram no fundo do corredor a porta do elevador se abrir e de lá sair um bruxo bem vestido, embora usasse uma cartola antiquada. O homem trazia uma pasta nas mãos. Andou empertigado até as duas e sacou do bolso um pergaminho que trazia o símbolo da Ordem Bruxa dos Advogados.

- Quem é a senhora Vada Peterson?

- Sou eu.

- Meu nome é Jack Morris. Já deve ter ouvido falar do meu escritório de advocacia bruxa, a Morris & Son.

- Nunca – resmungou, recuperando a costumeira face de buldogue.

- Humm, um pouco de leitura diária dos jornais não faria mal – contrapôs, com um tom ofendido na voz. – Estou aqui em nome do meu cliente, o senhor Draco Malfoy. Trago aqui um documento que preciso entregar imediatamente a Harry Potter, o chefe da seção dos aurores. Eu o apresentei há questão de minutos ao departamento de Justiça, solicitando a pronta libertação...

- Sei, sei – cortou a bruxa. – Você quer soltar o Malfoy, não é?! Se esperar um pouco, logo o chefe dos aurores sairá desta sala e o senhor poderá entregar esse papel pessoalmente.

O homem deu um risinho de escárnio.

- A senhora não está me entendendo. Este documento é urgente.

- Vai ter de esperar. Exatamente como eu estou fazendo. Ninguém interrompe o trabalho dos aurores desse jeito. Se não gostou, vá se queixar com a ministra.

O advogado ficou rubro com o descaso de Vada e já estava abrindo a boca para soltar o verbo quando um clique na fechadura da sala de interrogatório se ouviu. Vada ficou de pé, com as mãos juntas no peito. O primeiro a sair foi Harry, com as vestes esvoaçando. Rony também vinha apressado. A secretária não segurou a língua:

- Harry, está tudo bem?

Ele estacou. Estava tão tenso que não percebera que havia pessoas no corredor. Virou-se para a secretária com o maxilar tão apertado que mal se podia entender o que dizia.

- Leve sua sobrinha para casa. Ela necessita de repouso. Vou para minha sala e não quero ser perturbado.

- Err, senhor Potter. Desculpe interromper, mas sou Jack Morris, advogado do senhor Draco Malfoy. Tenho comigo um documento que deve ser lido imediatamente. Estou solicitando junto ao departamento de Justiça a liberação de meu cliente, visto que até o momento não surgiram elementos que o relacionassem ao crime referido no processo...

- Ok! Vada, onde está o pergaminho que autoriza a libertação?

A bruxa fez surgir um papel com carimbo da seção de aurores e uma pena, que Harry pegou no ato. Ele assinou o papel e o devolveu à secretária.

- Satisfeito? – perguntou olhando com azedume para o advogado.

- Quase. Tenho também uma cópia da ação que meu cliente move contra o senhor por abuso de autoridade e...

- Vada, cuide disso – e se afastou com passos largos, junto com Rony.

Sentindo-se desprestigiado, o homem olhou para as outras pessoas no corredor, atrás de alguma solidariedade. Mas Vada e Mathilda tinham entrado na sala, enquanto Tonks e os dois obliviadores deixavam o local.



*****


Trancado em sua sala, Harry revirou todos os relatórios relativos ao rapto de sua família. Já tinha lido os documentos dezenas de vezes. Entretanto, estava disposto a reler tudo. Estava furioso, esgotado e destroçado. Ao acaso, separou um pergaminho encaminhado por Schmidt. Seus olhos verdes desceram as linhas num átimo. “Entrevistamos as poucas ex-internas de St. Petrus que localizamos. Até o momento, nenhum fato relevante foi encontrado. Elas não têm palpites a respeito de quem poderia ter atacado o antigo zelador, embora algumas tenham dito que o pobre homem bem mereceu o que o destino lhe reservou. Fui atrás também dos colegas de Styx Dietrich em Durmstrang. Não há pistas a respeito de seu paradeiro. Este continua misterioso”. Amassou o papel, fincou os cotovelos na mesa e enfiou os dedos entre os cabelos.

- É um pesadelo. É um pesadelo. É um pesadelo – repetiu, com as pálpebras fechadas fortemente. – E eu vou despertar dele agora.

Ergueu a cabeça e diante dele nada se alterara. Exceto que Rony estava ali, com o semblante preocupado.

- Harry, vá para casa.

- Casa? Que casa? – retrucou com raiva.

- Você não tem condições de acompanhar o dia-a-dia da investigação.

Ele socou a mesa. Mas acabou reconhecendo que o amigo estava certo.

- Eu vou ficar louco, cara – desabafou. – A gente não conseguiu nada hoje. Nada!

- Vamos agradecer por nada ter acontecido com a Pinsky.

- Eu não compreendo. A memória dela não registra nenhum “fato relevante”, para usar as palavras do Schmidt.

- Também não é assim, Harry. Err, você estava certo. Ela teve a memória modificada. Ficou claro que estamos lidando com algum bruxo poderoso. Quem apagou a memória dela tem de ser alguém com um ótimo domínio da magia. Tim e Bob ficaram impressionados com o resultado. E eu, idem. Nem as reminiscências do cotidiano nós conseguimos obter direito. É como se elas praticamente não existissem. Como se a Pinsky não tivesse vivido o dia-a-dia. Isso sim é uma loucura!

Harry não respondeu. Os músculos do corpo doíam, resultado do constante estado de contração em que estavam.

- Se a gente pudesse vasculhar mais...

- Mas a gente não podia.

- Aquele quarto... Ela falou de um quarto escuro.

- Ela só falou isso. Não há outra informação a esse respeito. Tim foi bem explícito nessa parte. Se vasculhasse mais, correria o risco de agredir a mente dela.

- Que droga. Eu sei, Rony. E quanto a essa Grietl? A Pinsky lembrou dela num almoço que elas fizeram no Caldeirão Furado. Foi uma situação muito estranha.

- É verdade. De acordo com a lembrança, essa Grietl comentou que ela estava pálida e perguntou se a Pinsky estava bem. E de repente tudo escureceu. Pinsky provavelmente desmaiou nessa hora. O detalhe é que ela acordou depois, no próprio Caldeirão Furado. E em seguida voltou para cá. Se aconteceu algo nesse meio tempo, ela desconhece.

- Grietl pode ser cúmplice do Malfoy.

- Só que enquanto não encontrarmos essa mulher, vamos ter de ficar na especulação.

Harry grunhiu qualquer coisa. Ainda assim, Rony captou o que ele queria dizer.

- Se serve de consolo, também estou frustradíssimo por não termos conseguido avançar muita coisa.

- Muita coisa?! A gente não teve avanço algum!

- Teve sim. Além de sabermos que estamos lidando com alguém poderoso, sabemos agora que a Pinsky não está implicada no rapto. Ela foi usada por alguém, de alguma forma, por algum motivo...

- Grande contribuição para a investigação, Rony! Ainda mais que esse depoimento ajudou a soltar o Malfoy – ironizou Harry, jogando o relatório amassado de Schmidt num canto.



*****


As vestes brancas de uma mulher de cabelos cor de trigo resplandeciam na penumbra de uma sala iluminada por uma lareira. Estava tão imóvel que poderia ser confundida com uma estátua. Seus olhos azuis estavam mergulhados nas chamas. Naquele momento, ruídos à porta roubaram sua quietude. Ela puxou sua varinha e a manteve firme nos dedos alvos. Passos leves caminharam pelo corredor da entrada. A mulher loura aguçou sua visão, preparada para atacar se preciso fosse. Mas isso não foi necessário. Uma figura vestida de preto dos pés à cabeça surgiu na porta.

- Por onde esteve esse tempo todo? – perguntou à queima-roupa, com as narinas dilatadas revelando o assomo de raiva que experimentava naquele momento.

- Tive problemas – respondeu, aproximando-se do balcão onde havia garrafas de vinho e algumas taças. – Lamento. Não tive condições de te avisar. Vinho?

- O que há com você? Pensei que estivesse doente para usar aquela pedra! É nisso que vem falando nos últimos anos. E na hora em que finalmente você a tem nas mãos você desaparece! E desaparece sem me falar nada. Você me deixou no escuro... Sombra!

- Ah, quieta! Sombra é um apelido ridículo.

- Dada a sua preferência pela escuridão... – murmurou com sarcasmo. – E então? O que estava fazendo esse tempo enquanto eu estive de vigia?

- Falando nisso, como ela está?

- Dopada. O tempo todo. É como se estivesse morta. Imagine quão é difícil cuidar de uma pessoa que não se move!

- Não fique brava, Greta. Amanhã, você não precisa dar poção alguma para nossa hóspede.

- Não quero saber de amanhã. Quero saber o que houve nestes dias todos.

- Você sabe o principal. Finalmente consegui colocar minhas mãos na arca – disse, com um sorriso de triunfo.

A mulher de vestes brancas sacudiu a cabeça de modo quase imperceptível. Ainda estava irritada.

- Mas até este momento não sei como você conseguiu. Caso você não se lembre, eu estava no ministério quando você desvendou o segredo. Depois, o máximo que você se dignou a me contar foi que eu deveria distrair o Potter e vir para cá porque teria de ficar de vigia. E aqui estou desde esse dia, à espera.

- Relaxe – murmurou, com um ar de triunfo, enquanto enchia uma taça de vinho. – O segredo estava na simplicidade. Apelei para feitiços complexos tentando fazer a arca aparecer. Usei magia de diversos tipos. Bruxaria antiga, quase esquecida nos dias atuais. Só que o tempo todo a única coisa que eu precisava fazer era dizer “Apareça”.

- E foi seu cérebro privilegiado que conseguiu chegar a essa conclusão? – perguntou Greta, com uma pitada maldosa.

- Potter! Foi um comentário dele feito ao acaso, presenciado pela “diligente, perspicaz e apaixonada” Pinsky Peterson – e riu, sem se importar com o mau humor da cúmplice. – Foi uma dica preciosa.

- E mesmo assim você preferiu sumir a usar logo a pedra.

- Você está me ouvindo?! Eu disse que tive problemas! Além disso, fiz adaptações ao plano original. Tive de pensar nos novos recursos que tenho agora.

- Você vai ter de pensar também em como vai driblar os aurores. Fiz uma visitinha aquele maníaco por organização, o Schmidt, e li os relatórios. Eles estão cada vez mais perto da gente! – retrucou. – Oh, que surpresa. Seu sorriso sumiu.

- Não brinque, Greta. Se eles estão perto de mim é porque devem estar perto de você. Por que raios foi inventar aquele nome?! Grietl é igual ao seu nome verdadeiro! – replicou com maus modos. – Isso foi muito estúpido.

- Mas não está fácil chegar a mim – balbuciou. – Para todos os efeitos, eu morri! É oficial.

- Sim. Você “morreu”. De que forma? Ah, atacada por lobos! Hummm. Como mesmo você distraiu o Potter?! Com um ataque de lobos! Que idéia imbecil!

- Você queria “apagar” o zelador! Você disse isso.

- Eu disse. Não planejei! Apagar o sujeito agora iria chamar a atenção de um modo inoportuno. Isso era óbvio. Você deveria ter pensado em outra coisa que não fosse prejudicar o que eu tracei desde o princípio. Aliás, não tome decisões assim à revelia. Deixe-me colocar isto bem claro: eu estou no comando!

Greta jogou-se no sofá, numa crise de nervos. Seu bonito rosto começou a se transformar, adquirindo feições monstruosas. Sua voz maviosa se alterou, tornando-se semelhante a um silvo. Era um som de causar agonia a qualquer um. A figura de preto cobriu os ouvidos por segundos. Depois, moveu-se com rapidez até ela.

- Acalme-se. Eu já me acalmei. Não vamos discutir por bobagem. Que os aurores venham. Quando estiverem realmente por perto, nós já estaremos num lugar do qual eles jamais sairão vivos. Se eles quiserem entrar, estarão assinando a sentença de morte. Duvido que tenham essa ousadia.

Aos poucos, a mulher loura voltou ao normal. Sentou-se direito no sofá. Tinha dúvidas, porém não teve ânimo de expô-las totalmente. Temia que, no final, o plano não se concretizasse como tinham idealizado no começo. Mas como poderia? Ele já tinha sido “adaptado”, como acabara de saber.

- A que adaptações no plano você se refere? Eu imagino o que você pretende fazer com a ruiva. E quanto ao menino? Ele é a moeda de troca para você garantir que “sua refém” te obedeça direitinho?

Um sorriso voltou a surgir nos lábios finos.

- Meu plano se sofisticou. Apesar dos contratempos, tive meios de pensar em algumas coisas! – e seus olhos brilharam, refletindo a luz da lareira.



*****


Harry aparatou na porta de entrada da Toca. Estava cansado. Se fosse por sua vontade, iria direto para a cama. Rony, no entanto, resolvera acompanhá-lo e mandara uma coruja para avisar à mãe que iria jantar com eles. Antes de saírem do departamento, os dois tinham conversado com Tonks, que acabara de conferir de quem seria o plantão na segurança do chefe dos aurores. Harry protestara. Não queria guarda-costas. Nem Rony, nem Tonks concordaram. Por esse motivo, ele estava irritadiço. Pendurou sua capa no mancebo que ficava no hall e para seu espanto viu que havia mais gente na casa.

Hermione caminhou até ele com uma expressão carinhosa no olhar. Ela o abraçou, emocionada. Não se viam desde a noite em que Harry anunciara o rapto de sua família. Porém não foi a presença dela que mais o espantou. Sentado numa poltrona estava Dumbledore, com a pequena Lilly nos braços.

- O que vocês vieram fazer aqui?

Rony pigarreou e se afastou do cunhado. Beijou a mulher, cumprimentou o professor, abraçou o pai e recebeu um estalo na bochecha dado por sua mãe.

- O primeiro motivo é o jantar. Nunca se deve perder a oportunidade de provar a boa comida feita por Molly – brincou Dumbledore, entregando a menina para Hermione. – O segundo é meu antigo pupilo. Não vou disfarçar. Estou preocupado com você. Com sua saúde, sua cabeça...

- Eu estou bem, professor. Minha saúde está ótima. Talvez a senhora Weasley tenha exagerado com esse negócio da alimentação.

- Oh, não foi Molly quem me procurou. Foi o Rony. Ele me escreveu tão logo acabou o interrogatório desta tarde.

- Que traíra – murmurou, fazendo-se ouvir por Hermione.

- Harry! A gente se preocupa porque gosta de você! E não fale isso do Rony.

- Gostaria de conversar um pouco com você, Harry, antes do jantar.

O rapaz fez que sim e se dirigiu para a cozinha, onde se serviu de chá. Dumbledore fez surgir uma caneca de cerveja. “Faz tempo que não tomo uma. E hoje me deu vontade de beber como os alemães”, sorriu.

- Estamos sós, professor. Pode falar.

- Como foi o inquérito?

- O Rony já não contou?

- A mensagem foi escrita às pressas. Mas o principal é que ele o descreveu como um homem atormentado pela...

Harry o cortou com irritação.

- O senhor esperava que eu não ficasse atormentado? Algo do gênero já aconteceu com o senhor? Alguma vez ficou desesperado vendo que os dias passam e você não consegue fazer nada para salvar sua família? Teve a sensação de ser um completo inútil? Ou já se deu conta que seus poderes são incapazes de te ajudar na hora mais importante da sua vida? Se experimentou tudo isso a que me referi, então, professor, o senhor experimentou apenas a metade do meu tormento.

Dumbledore balançou a cabeça ligeiramente. Ergueu seus olhos acima das lentes dos seus óculos em formato de meia-lua.

- Não se culpe, Harry. É comum que, ante uma tragédia, a gente perca a lucidez necessária para essas horas em razão da impotência. Mas permita-me dar um conselho. Quando a magia não pode nos ajudar, devemos recorrer ao nosso lado humano. Use a lógica. Até a intuição. Apenas não dependa exclusivamente dos poderes bruxos.

- Fabuloso, professor. Depois disso vou dormir mais tranqüilo.

O professor bebeu um gole de sua cerveja. Ficou pensativo e em seguida retomou a palavra.

- Você ficou muito decepcionado com o inquérito?

- É claro que fiquei!

- O que você mais esperava, Harry? Encontrar alguma pista que te levasse a prender Malfoy? Ou encontrar uma pista que te levasse a sua família?

- O QUÊ?

- Você colocou tanto na sua cabeça que o culpado só pode ser Malfoy que esqueceu o restante. Está tão concentrado em seu antigo rival que abandonou a outra ponta da investigação.

- Professor, eu quero a minha família de volta! Como pôde pensar que Malfoy está acima disso?

- Então, aja conforme o que disse. Você estava tocando a investigação da arca...

- Minha família é mais importante!

- É evidente que é. No entanto, não deixe de lado a arca. Você mesmo comentou naquela noite em sua casa que sua atenção foi desviada por um ataque a um velho funcionário daquele reformatório.

- Schmidt não encontrou nada relevante.

- Schmidt é um burocrata. Não tem espírito investigativo.

- Professor, não vou tirar nenhum auror da missão de encontrar Gina e Sirius.

- Era nesse ponto que eu queria chegar. Mantenha os aurores na busca por sua família. E permita que eu e Hermione cuidemos da parte relativa à arca.

- Vocês não são aurores.

- É verdade. Talvez para um homem atormentado pela culpa nós não possamos oferecer muito. Eu sou um velho senil e Hermione é uma mulher ocupada com a maternidade – sorriu brandamente. – Sabe, achei extraordinário que ela tenha arranjado tempo para tratar daquela moça que foi interrogada hoje. Foi um feito e tanto para alguém que está dedicada à amamentação.

- Eu não tinha pensado nisso – disse, envergonhado em não ter percebido o empenho da amiga. Sim, ela tinha se dividido entre cuidar de Lilly e atender Pinsky, mesmo estando de licença.

- O que é muito natural. Ninguém espera que você seja um super-homem. Quem teria cabeça de olhar para o resto do mundo quando há um drama maior na família? Mas como eu estava dizendo... Nós realmente podemos ajudar. Hermione é dona de um cérebro privilegiado. O meu já esteve em melhores condições. Porém creio que minha “larga” experiência como bruxo compensará – afirmou, galhofeiro. – Agora, narre-me exatamente o que se passou no inquérito.

Harry largou sua xícara de chá pela metade e contou como fora o depoimento. E o que os obliviadores tinham feito e obtido. Dumbledore bebia calmamente sua cerveja, sem fazer comentários. Terminado o relato, o chefe dos aurores soltou um longo suspiro.

- A senhora Weasley acha que só eu posso trazer a Gina e o Sirius de volta – murmurou. Sua garganta se fechou e os olhos arderam. – Se eu sou o único e ainda não tenho soluções, o que é que vou fazer? – perguntou, agoniado.

Dumbledore pousou a caneca na mesa. Seus dedos murchos tocaram no coração.

- Eu sinto, Harry, no fundo do meu peito, que ainda há muitas coisas que você irá descobrir e aprender. Não duvide de sua magia. Ela será útil. E poderá ser potencializada no momento certo. Você ainda não atingiu seu ápice como bruxo. Molly tem esperanças. E eu também. Você terá sua família de volta. Mas para isso precisa superar rivalidades antigas e abrir sua mente, mesmo que isso seja difícil. Não se concentre apenas em Malfoy. Olhe o todo, Harry, por mais que sua raiva queira te direcionar para um lado. Não estou dizendo para abandonar suspeita alguma. Somente te peço para lutar e não se entregar ao ódio. Eu sei que é fácil falar. Ninguém pode lhe cobrar a perfeição porque este é o momento mais difícil dentre todos pelos quais passou. E você passou por coisas devastadoras.

- O senhor acha que tenho de aprender algo especial?

- Neste minuto não me ocorre nada. É verdade que se você dominasse feitiços obliviadores acredito que se sairia melhor do que Tim e Bob. Oh, eles são bons de fato. Aprenderam muito com a prática e com o que está nos livros. No entanto, a magia também depende do talento. E eles nunca foram realmente talentosos. Err, Minerva puxaria minhas orelhas por eu falar mal de alguém, embora eu esteja falando a verdade.

- Acha que eu poderia ir mais a fundo sem ferir a Pinsky?

- Sim, com algumas aulas e depois de muita prática, certamente. Porém, neste caso, não julgo que seja a magia que nos dará a pista. Usemos a cabeça, Harry. Só consigo ver duas razões para que a senhorita Peterson tenha fornecido tão poucas reminiscências. Ou sua memória foi manipulada por um bruxo muito, muito, muito poderoso. Ou ela foi implantada. Apostaria nessa segunda hipótese se eu fosse homem de apostar.

- Por que? – perguntou, sentindo o sangue fluir rapidamente por suas veias.

- Por que esse bruxo se daria ao trabalho de apagar coisas tão corriqueiras? De destruir a lembrança de detalhes insignificantes, como o lugar em que você se senta num jantar? Talvez ele nunca tenha tentado apagar memória alguma. E sim colocar na mente da senhorita Pinsky que ela esteve num determinado lugar, que ela cumpriu uma determinada rotina, fazendo-a acreditar que passou por aquelas experiências.

- Poção polissuco! Acha que alguém teria...

- Talvez, Harry – interrompeu Dumbledore, erguendo-se para se dirigir à mesa de jantar. – Faça seus aurores estudarem essa hipótese. Enquanto isso, eu e Hermione podemos começar amanhã a reavaliar os relatórios referentes à arca. A convite dela e de Rony, ficarei alguns dias na casa deles. Que tal? – e pousou uma mão no ombro do rapaz. – Amanhã será o início de uma nova fase nas investigações.

Entretanto, Harry não demonstrou contentamento. Pelo contrário. Empalidecera. Dumbledore quis saber a razão daquela reação.

- Amanhã é sábado. E sábado é o dia em que eu costumava brincar com Sirius de caçar dragões. Ele adora dragões.

Dumbledore não conseguiu encontrar meio de voltar a animar o bruxo. Harry sentiu mais uma vez que havia uma pedra dentro de seu corpo, puxando-o para baixo. Arrastou-se até a sala e se despediu com a voz tão trêmula que ninguém ousou insistir em chamá-lo para jantar. Subiu as escadas de dois em dois degraus, ansioso para se recolher no quarto que um dia tinha sido de Rony. No meio do caminho, parou. Viu-se diante da porta do dormitório que fora de Gina e que vinha sendo ocupado por Sirius nas raras ocasiões em que o menino passava a noite na casa dos avós. Harry abriu a porta com cuidado. A luz da lua entrava pela janela. Ele se aproximou de uma cômoda. Havia ali um porta-retrato que exibia sua imagem agarrado à mulher, ambos sorridentes, enquanto um garotinho corria de um lado para o outro segurando nas mãos uma réplica de um dragão chinês. Sirius ria. Uma cena forte demais para ele. Harry caiu num choro desesperado. Sua dor teria sido ouvida pela casa se a porta não estivesse fechada.














Ufa! O mega capítulo ficou pronto! Quase dividi em dois, mas depois resolvi manter um só. Quero chegar ao final da história com 20 capítulos. Vamos ver se consigo... Desculpe por ter sumido. Também tive problemas, hehehehehhe. Aparentemente, terei mais tempo na semana que vem. Ou seja, tomara que eu poste o novo no final de semana. Torcerei por isso. Eu fiquei ouvindo uma banda inglesa na parte derradeira deste episódio. Combinou tanto. Tô sensível... Até. Obrigada mais uma vez pela paciência. Bjs, K.

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