A invasão



Já passava da meia-noite quando Gina Weasley se levantou da mesa de jantar e chamou os convidados para tomar café, chá e licor na sala de estar. Rony saiu do seu lugar e puxou a cadeira da mulher com gentileza. Hermione sorriu, encantada. Harry foi até os garotos, que não tinham deixado seus postos mesmo sentindo sono, para avisá-los que era melhor descansarem. James e Sirius se recusaram a ir para o quarto. Queriam ficar mais tempo com os adultos, embora muitas vezes se desinteressassem pelo que falavam. Enquanto o grupo se dirigia para a sala, os meninos ficaram no corredor.

- Você ouviu que o dragão chinês encantou a espada do meu pai? – murmurou Sirius para o primo.

- Ouvi. O meu padrinho salvou a vida do meu pai com essa espada – observou James, orgulhoso tanto de Harry quanto de Rony.

- Quero ter uma espada igual – respondeu Sirius e começou a fingir que empunhava uma, desferindo golpes imaginários no ar. – Pow! Pow! Pow!

- Espadas não fazem esse barulho – contrapôs James.

- Que barulho fazem, então? – perguntou o menino, ainda brincando de espadachim.

- Barulho de vento? – arriscou o ruivinho.

Sirius não teve tempo de replicar. Pinsky se aproximou dos garotos. Estava com os brilhantes.

- Vocês são sempre assim tão animados?

James preferiu ficar quieto, mas o primo, sempre cortês, abriu um sorrisinho.

- Quer brincar com a gente?

- Acho que sou um pouco crescida para brincar de espada.

- Quer brincar de outra coisa?

- Nem sei. Nunca fui de brincar muito quando era criança.

- Você não fazia nada? – inquiriu James, curioso.

- Nada demais. Minha mãe não gostava de bagunça, Jamie.

- James!

- Minha mãe também não gosta muito, mas deixa – cortou Sirius, conversando com Pinsky. – Só teve uma coisa que ela proibiu. A gente descia pelo corrimão da escada, mas aí meu primo torceu o pé por causa disso um dia e agora não dá mais para fazer isso.

- Não foi minha culpa – protestou o garoto.

- Mas a gente não pode mais escorregar do corrimão – disse Sirius, voltando-se para o primo.

- Não pode mais dessa escada. Só que a da rua ela não falou nada – disparou James.

Sirius abriu os olhos azuis com uma expressão marota.

- É mesmo! – e correu para o hall de entrada.

James permaneceu parado por um instante. Mexeu nos cabelos vermelhos, pensando se deveria seguir o primo ou se seria melhor subir ao quarto e ficar quietinho lá, a salvo de possíveis broncas por bagunçar demais.

- Para onde ele foi?

- Eu vou atrás dele. Lá é meio chato para os adultos – respondeu, saindo de perto de Pinsky com ligeireza. James avançou pelo corredor, passou pelas armaduras que o tio ganhara uma vez de um bruxo milionário que quisera presenteá-lo pelo bem que fizera ao acabar com Voldemort. O ruivinho logo encontrou a porta da saída da casa e para lá se dirigiu. A última armadura, no entanto, saltou à sua frente antes que o menino pudesse tocar a maçaneta de prata. Ela colocou o escudo que ostentava diante dele, barrando sua passagem.

- Para onde vais? – perguntou uma voz metálica que vinha da armadura.

- Vou para a rua. O Sirius saiu.

- Para onde vais? – insistiu a armadura.

- “Só eu sei o meu destino”- respondeu James, em tom solene.

A armadura voltou a seu lugar, liberando o caminho para o garoto. James fez uma careta. “Armadura burra. Faz tempo que eu e o Sirius sabemos a senha”, pensou, abrindo a porta. Do lado de fora, estava Sirius escorregando pelo corrimão. Não era comprido quanto o da escada que levava aos quartos. Mas o menino se divertia assim mesmo.

- Você demorou – gritou Sirius, deslizando até tocar seus pés no chão.

- Esse corrimão é tão pequeno. Nem tem graça – resmungou James, fechando a porta.

- Tem graça, sim. Cadê a Pinsky?

- Eu não trouxe.

- Por que não? Ela é nossa amiga.

- Ela não é minha amiga.

- Tá bom. Eu vou buscar a minha amiga - e Sirius subiu os degraus, girou a maçaneta para voltar para o interior da casa, tirou um tênis e deixou o calçado impedindo a porta de se trancar.

James deu de ombros. Olhou para o corrimão. Era pequeno, de fato. Porém o garoto pendurou-se nele. A descida seria breve. Soltou as mãos e deslizou. Já estava de pé, ajeitando a roupa quando a porta se abriu. Era o primo de volta, trazendo Pinsky pela mão. Ela parecia espantada.

- Vocês vieram brincar aqui? Do lado de fora? Não é perigoso?

- Não. Nessa rua só vivem trouxas e eles não enxergam a gente – explicou Sirius, subindo no corrimão.

Pinksy ajudou o menino a se ajeitar no corrimão. Sirius desceu uma vez. Duas, três, quatro. James deixou de resistir e também escorregou outras tantas vezes, sempre dispensando a ajuda da moça. Ela acabou aderindo à brincadeira e deslizou uma única vez, dando risada ao cair no chão. Fora uma queda engraçada que fez os meninos gargalharem.

- Não tenho a prática de vocês. Que ridículo – e acompanhou os garotos nos risos. – Ei, estou tontinha ou tem um número aí no canto?

- É o 12, o número da minha casa – apressou-se Sirius, subindo mais uma vez no corrimão.

Mas antes que ele soltasse as mãos, os três ouviram a porta se abrir. Na soleira, surgiu Harry, com o cenho franzido.

- Ah, vocês estão aí...

- Oi, pai. A gente estava...

- Estou vendo o que os senhores estão fazendo. Agora, chega. Está na hora de vocês deitarem.

- Ah, pai! – lamentou Sirius.

- Sinto muito, Harry. Acho que eu deveria ter avisado que...

- Não se preocupe, Pinsky. O Sirius sabe muito bem que não é para sair de casa sem minha autorização ou da Gina.

- Não, pai. Você disse que eu não podia sair sem ter um adulto comigo. E a Pinsky é adulta!

- Espertinho! Acontece que a Pinsky não tem a menor idéia de que foi usada por você. Peça desculpas para ela. Ande – respondeu Harry, tirando o filho de cima do corrimão.

- Harry, isso é realmente necessário? – atrapalhou-se a jovem.

- Desculpe, Pinsky – resmungou Sirius, coçando a cabeça.

Harry escancarou a porta para que todos entrassem. Sirius foi o primeiro, seguido por James, que não soltara um pio. Os dois se dirigiram para o quarto. Pinsky veio atrás, ainda desconfortável.

- Por Merlin, eles não vão ficar de castigo por minha causa, vão?

- Não. Não é castigo. É só a hora de eles irem para a cama.

- Eu queria ficar mais um pouco – queixou-se Sirius.

- Outro dia, talvez, querido – replicou uma voz que surgiu no corredor.

Gina vinha da sala. Ela estendeu a mão para os garotos e acompanhou a dupla até o primeiro degrau da escada. Deu um beijo de boa-noite nos dois. Harry a prendeu pela cintura e cochichou em seu ouvido o que os marotinhos tinham feito. “Como eles passaram pelo guardião?”, espantou-se a ruiva, mantendo a voz baixa. E o marido sussurrou que outra hora perguntariam isso para os garotos. Em seguida, ainda segurando-a pela cintura, o bruxo a puxou em direção ao lugar onde os adultos conversavam. A auror ainda se virou para chamar Pinsky.

- Os meninos são ótimos, só que nós também temos algumas qualidades – brincou.

Pinsky fez que sim com a cabeça.

- Claro – balbuciou. E, atenta às mãos de Harry firmes na cintura da mulher, decidiu ir embora. – Ahn, já abusei demais da hospitalidade de vocês. Melhor ir embora e avisar minha tia que dei o recado. Ela deve estar ansiosa...

A moça se despediu rapidamente de todos. Pegou o pó de Flu que Harry lhe entregara e sumiu na lareira.




*****




Draco Malfoy estava se sentindo muito importante nos últimos dias. Continuava recebendo corujas do ministério da magia americano e agora também era convidado rotineiramente a participar de jantares e reuniões com Charlotte Jones. Desta vez, fora chamado para uma conversa ligeira, sobre seus investimentos. A ministra praticamente o aconselhara a aplicar seus recursos em negócios feitos na Inglaterra. “Afinal, meu jovem, esta é a sua terra. Oh, é verdade, nos Estados Unidos você fez um bom dinheiro. Porém aqui você também pode sair ganhando”, dissera durante o encontro de meia hora que tiveram pouco antes do almoço.

O rapaz de cabelos platinados se despedira de Charlotte, que ficara ocupada com a secretária, conferindo a agenda. Draco atravessou a ante-sala vazia e se encaminhou para o corredor a fim de pegar o elevador. Estava perto quando ele apareceu. As portas se abriram para que um funcionário saísse. Draco poderia ter acelerado os passos, entretanto notou Harry e Rony numa conversa ao pé do ouvido. Estavam tão entretidos que não perceberam o jovem loiro a dois metros do elevador. Ele recuou e resolveu dar um tempo no gabinete da ministra. Retornou à sala, imaginando o que poderia dizer à secretária que justificasse sua permanência ali.

- Ah, senhor Malfoy, esqueceu algo?

- Eu ia perguntar da Gina. Não a encontrei no último jantar da ministra. Ela está de férias?

- Não. Ela pediu para não ser mais designada. Acho que tem outros planos... – respondeu Pinsky sem muita convicção.

- Ok. Então, bom... eu gostaria de mandar um agradecimento para ela por conta de umas sugestões que me deu na decoração da minha casa.

- Oh, que gentil. Mande flores para a casa dela. O senhor deve ter o endereço já que são amigos.

Draco pestanejou. Por um segundo, sua mente voou para longe. E a secretária estranhou a atitude.

- Não gostou da sugestão? Prefere que eu chame o senhor Potter?

Ele sorriu.

- Não é necessário. É que não me recordo o número – sussurrou, colocando a mão no queixo, pensativo. E como para demonstrar que tinha realmemte a informação jogou uma isca para verificar se Pinsky caía no truque. – É Largo Grimmauld... hummm... não! O número não vem. Pode me dar?

- Lamento, senhor. Mas eu não tenho acesso a esse endereço. O máximo que posso dizer é que o número deve ser o 12. Foi o que pude ver por um incrível acaso. Mas se quiser a ministra poderá passar o endereço. Sei que madame Jones tem.

O rapaz meneou a cabeça.

- Não precisa. Tenho certeza que é o Largo Grimmauld. Obrigado pelo número. Eu não me lembrava mesmo. Vou poder mandar o agradecimento. Valeu pela ajuda.

Draco se despediu de Pinsky, que logo após bateu à porta da ministra para avisar que estava de saída. Charlotte perguntou se a dor de cabeça tinha passado. “Ainda não. Mas tem uma sopa que servem no Caldeirão Furado contra ressaca. Não é o meu caso, só que tenho certeza que é tiro-e-queda para qualquer tipo de enxaqueca”, respondeu a jovem. A ministra a liberou e pediu que na volta a secretária lhe trouxesse um creme de ervilhas. “Estou sem fome hoje”, acrescentou. Pinsky fez que sim, apanhou sua bolsa e se retirou.




*****




Harry voltava do almoço com Rony. Tinha sido uma pausa breve. Sem a presença de Vada, o chefe dos aurores acabara com o trabalho sobrecarregado. Não tinha idéia de quantas mensagens chegavam diariamente para ele. Muitas sem ter qualquer relação com sua função no ministério. Algumas falavam de problemas domésticos. Outras pediam conselhos e feitiços para assuntos sem a menor importância. E também havia aquelas que faziam propostas as mais absurdas, desde pedidos de casamento (“onde está escrito que bigamia é proibida entre bruxos?”, questionava a remetente) até de adoção (“você certamente será melhor pai do meu bebê do que o traste que se diz meu marido”).

- Rony, você não tem idéia do que as pessoas escrevem... – lastimou-se.

- Nem quero saber. Essa triagem da Vada realmente é valiosa – assobiou o subchefe.

- Olá, Harry. Muita correspondência hoje? – perguntou Tonks ao se aproximar da dupla e encarar a pilha de pergaminhos que estava na mesa do chefe.

- Por favor, não vamos falar sobre isso. Ei, como está o Lupin? Foi uma pena vocês não poderem ir lá em casa ontem.

- Com noite de lua cheia, melhor não arriscar. Ele está tomando direitinho as poções. Mas o coitado fica muito fraco. E foi tudo bem?

- Foi ótimo. As visitas ficaram até bem mais tarde.

- Isso foi bom porque enquanto a Pinsky esteve lá não dava para a gente conversar abertamente sobre... certos assuntos. Você entende, não é, Tonks?

- Como assim, Rony? A Pinsky esteve na casa do Harry? Não sabia que você era assim tão chegado à sobrinha da Vada.

- Não é isso – rebateu Harry, ligeiramente ruborizado. – Ela apareceu para levar um recado da Vada. E daí a gente convidou para jantar.

- Humm – murmurou Tonks, com um ar malicioso que fez Rony rir, deixando o chefe ainda mais vermelho.

- Vocês dois, fora da minha sala – rosnou, puxando alguns pergaminhos para ler.

Esteve ocupado com papéis durante a tarde. Rony, por sua vez, organizava o material das investigações do sumiço da arca. Quando finalmente se reuniram para discutir os documentos que o ministério alemão enviara a respeito de Saint Petrus veio um recado voando direto para a mesa de Harry. O pergaminho tremia, como se estivesse cansado de flanar pelos corredores, e trazia um lacre vermelho gritante.

- É do ministério alemão. Olha o emblema, Harry.

O bruxo pegou o recado e quebrou o lacre. Os óculos escorreram para a ponta do nariz. Logo, uma ruga funda se formou na testa de Harry e Rony ficou doido para saber do que se tratava.

- Temos de ir!

- Para onde?!

- Para o lugar que visitamos ontem – e puxou Rony pela manga para apressá-lo.

Harry pegou sua capa, avisou Tonks que sairia em missão urgente junto com Rony e que não esperassem por eles. “Vamos demorar”, afirmou antes de arrastar o amigo que ainda exibia uma expressão de curiosidade máxima.




*****




A tarde chegava ao fim, trazendo consigo nuvens escuras e pesadas no céu londrino. Gina olhou para o alto e ficou aliviada por estar tão perto de casa. Não temia a chuva, porém não queria que Sirius se molhasse. Não que isso fosse incomodar o filho. O menino estava extasiado com a miniatura de elefante que tinha nas mãos. Já falara umas três vezes que gostaria de ser o paquiderme. Se gotas começassem a cair, era capaz de ele ficar feliz e fingir que seu novo bichinho estava brincando de jogar água para o alto.

- Mãe, nós vamos voltar para o zoológico outro dia? Eu quero ver os elefantes de novo.

- Sim, querido. Um dia com o James, a Lilly, seus tios e o seu pai. A gente pode fazer um piquenique lá.

- Uau! Aposto que meu primo nunca viu um elefante de perto.

- Ahn, não aposte. Não sei se a Mione levou o James para o zoológico, mas lembre-se que sua tia foi criada entre trouxas e os trouxas têm o hábito de fazer esse passeio. É bem possível, portanto, que o seu primo já tenha ido ao zoológico.

- Não pode ser, mãe. Senão o James falaria dos elefantes para mim.

- Bom, nem todo mundo gosta tanto assim de elefantes, filhote.

- Eu queria ser um elefante. A professora McGonagall pode me ensinar a me transformar nele?

- Você se transformar nisso? O que eu faria com um animal imenso desses em casa? – riu Gina.

- Dá para fazer muitas coisas com uma tromba.

- Por exemplo?

- Hummm... – e enquanto pensava entraram no Largo Grimmauld.

Gina puxou Sirius para perto de si e investigou com o olhar os arredores. Os vizinhos estavam ocupados demais para prestar atenção neles. Uma música alta vinha da casa 11.

- Muito bem, querido. Segure firme na minha mão e feche os olhos.

- Eu sei o nosso endereço. Também posso fazer a casa aparecer...

- Muito bem. Experimente, então.

Sirius tentou, tentou e tentou, sem sucesso. Suspirou.

- Eu sou fraco, mãe? – desapontou-se.

- Não, Sirius. Você é apenas muito jovem. Logo, logo, vai conseguir.

E Gina, com a mão do filho bem apertada na sua, concentrou-se para que a mansão surgisse diante deles. A casa apareceu do nada e os dois subiram os degraus apressadamente. As primeiras gotas caíam. Assim que entraram, ela acendeu as luzes da residência.

- Que estranho. Por que será que a Winky não iluminou os ambientes? Ah, depois verifico isso. Sirius, vou à toilete rapidinho. Diga ao Dobby para preparar seu banho.

- Mas já???

- Acabamos de chegar da rua. Melhor um banho agora. Você pode levar seu elefante com você.

- Oba! – e subiu as escadas aos gritos. “Dobby, Dobby”.

Sirius entrou em seu quarto iluminado por pares de velas aqui e ali. Levou seu elefante até a janela e se distraiu com o brinquedo, completamente esquecido de Dobby. Fez uns barulhos com a boca para fingir que a miniatura falava com ele. “Vou pedir para o meu pai te dar voz”, murmurou, mexendo na tromba, que apontava para cima. De repente, o menino viu no reflexo do vidro uma sombra cruzar rapidamente pela porta que deixara aberta. Ele se virou para trás e não viu ninguém.

- Dobby?

Um trovão ribombou do lado de fora e o menino deu um salto. Olhou pela janela e notou que a chuva apertara. Passado o susto, franziu a testa, aborrecido.

- Não quero brincar de histórias de terror, Dobby. Minha mãe disse que é para você preparar o meu banho. E hoje eu tenho companhia: o meu elefante.

Sirius ouviu o ruído da torneira se abrindo no banheiro que havia em seu quarto. Voltou a se ocupar com a miniatura. Não percebeu que um vulto negro se aproximou da porta. E que avançou silenciosamente pelo dormitório. O som da chuva se misturava ao da água da banheira. Sirius estava alheio à invasão até que as luzes de seu quarto se apagaram. O garoto se assustou. Virou-se para a porta. Estava fechada. Seus olhos não se ambientavam à escuridão. Não enxergava nada.

- Dobby? – gemeu.

Um relâmpago riscou o céu e iluminou fracamente o dormitório. Sirius pode distinguir apenas uma figura alta, vestida de negro por completo. Não conseguiu identificar o rosto.

- Quem é você?

A figura se aproximou, sacando das vestes uma varinha. Os olhos azuis de Sirius mudaram de cor.

- Mãe! – gritou, mas sua voz saiu abafada pelo medo.

Um feitiço voltou a clarear por instantes o quarto. Um feitiço arremessado sobre o garoto.





*****




Gina tinha acabado de sair do lavabo quando teve uma sensação ruim. Não entendeu o que era. Foi até a sala de estar e divisou um arranjo de flores sobre a mesinha do café. Seria de Harry? Ela olhou as rosas vermelhas e encontrou um cartão branco preso à cesta. Abriu o envelope e leu apenas “de um admirador secreto”. Ficou intrigada.

- Winky, quem trouxe estas flores?

Um trovão ressoou à distância. Winky não apareceu. Gina foi até a cozinha e chamou pelos elfos. Eles costumavam dormir ali, num canto que escolheram perto do forno, por mais que Harry tivesse oferecido o sótão para o casal. “Mas que diabos está acontecendo aqui”, perguntou-se, espantada. Havia algo de errado. Harry teria dispensado os elfos? Mas sem que ela soubesse? Gina não compreendia. Então, pensou em Sirius. Seu instinto lhe dizia algo. Deixou a cozinha às pressas e já estava subindo os primeiros degraus até que parou por um segundo. Era seu filho, clamando por ela. Havia alguém na casa. Agora tinha certeza disso.

- Sirius! – gritou, correndo pelas escadas.

Subitamente, as luzes se apagaram na mansão inteira. Gina sacou a varinha.

- Não na minha casa! – e fez as luzes voltarem.

Mas um nevoeiro denso tomou conta do espaço, atrapalhando sua visão. A bruxa correu do mesmo jeito. Não precisava enxergar para saber onde ficava o quarto do filho.

- Sirius!

Tocou a maçaneta que queimou sua mão como se fosse brasa incandescente.

- Ahhh! – e disparou um feitiço para abrir a porta. Mas ela voltou a se fechar antes que Gina pudesse entrar. – Maldito seja! Não toque no meu filho! Bombarda!

A porta explodiu em várias partes. E do quarto vieram três bolas de fogo lançadas contra ela. Gina as arrebentou no ar, porém um líquido viscoso saiu de dentro delas espalhando-se por todos os lados. Uma parte caiu sobre o rosto, o cabelo e o corpo da auror. “Era um truque. O fogo era para disfarçar”, e procurou se limpar o mais rápido possível enquanto correu para o quarto. A ponta de sua varinha iluminava os arredores, cortando o nevoeiro. Perto da janela, descobriu um vulto. Estava de negro. Embora estivesse inclinado, notava-se que era alto e magro. Gina não conseguiu enxergar o rosto. Aproximou-se e percebeu que Sirius estava ali, com os olhos arregalados e molhados. Sua boca se movia sem parar, mas nenhum som escapava de seus lábios. Uma mão enluvada comprimia sua mandíbula, forçando-o a olhar para cima. E o menino tentava puxá-la com suas mãos pequeninas e se esticava na ponta dos pés no desespero de ficar mais alto e menos oprimido pelo sufoco na garganta.

- Solte o menino! – ordenou, com a varinha apontada para o vulto.

Uma risada rouca ocupou o espaço.

- Você não está em condições de negociar.

Os dedos compridos se fecharam ainda mais na garganta de Sirius e o menino se sacudiu, agoniado.

- Páre! O que você quer? – perguntou Gina, com o coração aos saltos. “Preciso encontrar uma saída. Preciso encontrar uma saída”. Não reconheceu a voz, que estava modificada por magia. Isso ela conseguia identificar.

- Já tenho o que quero. É uma questão de segundos – respondeu com arrogância.

Gina não adivinhou do que se tratava. Subitamente, porém, ela se sentiu arrastada para trás. O que era estranho porque suas pernas não se moveram. Gritou ao se ver longe dos dois, do filho e do vulto que o aprisionava. Correu até eles e quanto mais corria, mais distantes eles ficavam. O invasor e Sirius permaneciam imóveis, entretanto, deslocavam-se em curva enquanto Gina procurava alcançá-los. Ela parou por instantes, com a respiração acelerada pelo esforço. Viu um rio de águas escuras surgir por trás dos dois e algo se elevou do leito, abrindo seus braços. A auror gemeu.

- Não. É o espírito do rio Flama. Você descobriu o rio?

Não houve resposta. Aflita, Gina notou que o espírito se ergueu mais e se precipitou sobre a dupla. Ela gritou outra vez e arremessou uma azaração contra o demônio do rio. Não permitiria que aquela criatura maligna encostasse em Sirius. O espírito, entretanto, não recuou e se jogou contra os dois, cobrindo o garoto com suas águas escuras.

- NÃO! SIRIUS! – urrou.

Ela saltou sobre as águas. Não conseguia nadar. Na verdade, não sentia o líquido. Era como se o rio não existisse. Andou aos tropeços até que encontrou um corpo pequenino. Agarrou-se a ele. Chorava com uma dor que desconhecia. Aguda, profunda, dilacerante. Virou o rostinho do corpo para si. Não conseguia ver as feições de Sirius. Não conseguia ver nada. A escuridão aumentava. E Gina desmaiou.

- Achei que você era uma boa auror – comentou a figura de negro, que soltou Sirius.

O menino correu até Gina. Soluçava em silêncio. Não compreendia por que sua mãe começara a correr em círculos no quarto. Aquela cena fora assustadora. Pior, no entanto, tinha sido ver sua mãe atirar um feitiço contra o armário, destruindo-o. Parecia ter enlouquecido. E por que sua mãe se agarrara ao seu dragão de pelúcia entre os braços e chorara tanto antes de desmaiar? Sirius se esforçava em falar com ela, só que sua voz sumira. Ele não entendia. Como se captasse seus pensamentos, a figura de negro deu uma risadinha.

- Eu tenho uma habilidade especial para poções. Sempre me dei nas aulas. Usei a minha preferida, a alucinógena. Basta uma gotinha encostar na pele. Uma gotinha.

Após isso, pegou Sirius pela mão. Fez com que o corpo de Gina levitasse e a arrastou pelo ar, com a varinha, deixando para trás toda a destruição provocada pelas visões de terror da auror.





*****




Quando Harry aparatou na sala já era bem tarde. Olhou para o relógio. Gina deveria estar dormindo. Passou a mão pelos cabelos. Estava esgotado. Naquela tarde, ele e Rony tinham voltado à cidade que abrigava a antiga escola Saint Petrus. Schmidt os avisara que a vila tinha sido estranhamente atacada por lobos. Lobos! Os moradores estavam atemorizados. Nunca tinham antes visto tantos. E eles tinham surgido por todos os lados, afugentando os animais, cercando as pessoas, arrancando com os dentes tudo o que surgisse à frente. Tinham ferido homens e mulheres. E havia gente que para escapar se embrenhara na floresta. Entre eles, herr Schmied, o zelador do reformatório.

Harry surgira no local pouco depois de os lobos terem retornado para a mata. Ele teve de conduzir a reconstrução da cidade enquanto Rony liderou um grupo de buscas pela floresta. Junto com Schmidt, Harry dava ordens a obliviadores alemães para fazerem com que os habitantes apagassem de suas mentes aquele dia trágico. A noite ia alta quando Rony retornara com o corpo sem vida do ferreiro. Tinha sido a única vítima fatal da misteriosa invasão.

- Vocês sabem por que isso aconteceu – choramingava a viúva, uma bruxa gorducha de cabelos brancos e nariz avermelhado. – Vocês desenterraram uma história e meu marido pagou o preço. Deve ser a maldição de alguma das internas. Oh, por Merlin, vocês têm de ir atrás de todas as internas, descobrir o paradeiro delas e encontrar a responsável por esse crime odioso.

As palavras persistiam ecoando nos ouvidos de Harry. Isso e mais o reencontro com Binder no ministério alemão provocavam-lhe um gosto amargo na boca. Teria preferido que tivessem discutido. Porém o loiro de olhos injetados ouviu tudo o que se passara com um ar do chefe que não espera nada melhor de seus funcionários. “Sim, foi uma tragédia. Mas o que eu podia esperar de vocês?”. Era aquilo que parecia pensar. Harry estava mortificado, só que não conseguia reagir. A morte do zelador tinha sido um duro golpe. Antes de retornarem para casa, Rony comentou baixinho que não tinha atinado ainda com o motivo do ataque. “Cara, a mulher está certa. Esses lobos têm a ver com Saint Petrus. Agora, vem cá. Por que eles surgiram só hoje? O zelador estava aí todo esse tempo”. Harry respondera entre dentes. “É porque descobriram que a gente está investigando o que aconteceu com Saint Petrus. Foi isso. Quiseram apagar pistas”. Rony insistiu. “Pistas? O zelador já tinha contado tudo para a gente. E por que os lobos invadiram a cidade? Não faz sentido”. O chefe dos aurores então encerrara a conversa. “Vingança, Rony. Talvez seja só por vingança”.

Harry subiu as escadas, na dúvida se acordaria Gina para narrar-lhe tudo o que se passara. A opinião dela seria importante. Bocejou. Bem gostaria de um chá, mas não despertaria Dobby tão tarde da noite. Ao atingir o corredor dos quartos percebeu um odor diferente. Não identificou o que era. Era como se tivessem queimado folhas verdes. “Nossa, isso causaria uma fumaceira danada”, murmurou, cansado. Então, notou a porta do quarto do filho entreaberta. “Oh, magnífico. Sirius deve estar dormindo na minha cama. Vai ver teve um pesadelo”. E se dirigiu para a suíte do casal. Entrou no dormitório ainda escuro. Com um movimento da mão acendeu a vela próxima à porta. Olhou para sua cama. Vazia.

- Gina?

Confuso, voltou ao quarto de Sirius. Assim que entrou, acendeu as luzes e ficou horrorizado. Gritou os nomes do filho e da mulher. Chamou Dobby e Winky. O silêncio foi a resposta. Revirou o dormitório. Correu para a suíte. Vasculhou tudo. Desceu para o andar de baixo. Gritava. Percorreu o corredor com um bolo na garganta. “Não. Por Merlin, não!”. Seus olhos encontraram um objeto brilhante no chão. Era um pedaço de armadura. Disparou para a porta do hall de entrada e se deparou com o elmo do guardião encantado que criara para impedir que Sirius saísse sozinho de casa. Tocou-lhe com a varinha.

- Onde eles estão?

- Eles... partiram – respondeu a voz metálica, entrecortada.

- Para onde?

- Para... fora.

- Quem estava com eles?

O elmo ficou mudo. Harry bateu com a varinha sobre ele mais uma vez.

- QUEM?

- Um... homem... que... sabia... o endere... – e sua voz desapareceu para sempre.

Harry escancarou a porta. Jogou um feitiço sobre os degraus para revelar pistas. Mas quem invadira sua casa sabia o que fazia. Não havia marcas. Logo lembrou da conversa com Rony. O ataque dos lobos tinha ocorrido para desviar sua atenção. Alguém planejara aquilo para levar Gina e Sirius. O chefe dos aurores correu de volta para a sala. Precisava convocar Rony, Hermione, Tonks, Lupin, o mundo inteiro. Foi quando viu um vaso de flores na mesinha do café. Não tinha se dado conta dele antes. Avançou até ele e descobriu o bilhete. Porém para sua mente torturada só havia um nome que poderia estar por trás daquela mensagem pretensamente enigmática.

- Draco Malfoy – urrou, esmagando o cartão entre os dedos.











Ufa! Demorou para sair este capítulo. Espero que para os demais meu tempo esteja mais tranquilo. Parece que sim. Parece. Bom, corri para terminar este episódio e não revisei. Obrigada mais uma vez pela paciência. Até o próximo cap. Bjs. K.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.