A descoberta



Hermione tinha aprontado a mesa para o jantar. Pediu para que o filho lavasse as mãos. James não demorou mais do que um minuto. Puxou sua cadeira. Ajeitou-se e esperou. Um som no hall de entrada da casa o avisou. Seu pai tinha acabado de aparatar. Rony adentrou a cozinha em silêncio, pensativo.

- Boa noite, pai!

- Boa noite, filhote. Tudo em ordem, Mione? A Lilly está dormindo? – perguntou assim que deu um beijo na mulher.

James recebeu do pai um afago nos cabelos vermelhos. Em seguida, Rony se jogou na cadeira.

- Quase – respondeu Hermione, tocando-lhe o braço com carinho. – Eu a deixei no berço. A caixinha de música está tocando para niná-la. O que você tem?

- Nada demais. Foi só um dia difícil no trabalho. O que temos para jantar?

- Humm – despistou a jovem, fazendo surgir primeiro o prato de salada.

- Ah, vou tentar adivinhar: legumes. Serão cozidos no vapor, grelhados ou empanados, James?

O menino ergueu os ombros e curvou a cabeça, num gesto significativo. Não sabia.

- Algo errado com legumes? – perguntou Hermione, candidamente.

- Não. Aliás, se eu fosse um coelho seria o coelho mais feliz da face da Terra.

A mulher riu. Sentou-se em frente ao marido. E imediatamente surgiu uma travessa fumegante.

- Uau! Carne assada com batatas – comentou Rony, entusiasmado. – É bom variar.

- Tinha certeza que você diria algo assim. É claro, vou continuar empenhada em dar alimentos saudáveis para minha família. Mas não posso privar vocês de algumas delícias. Outro dia eu senti falta de batatas fritas!

- Mione, você sabe que eu nunca te contesto. Exceto quando estou certo.

- O detalhe é que você acha que está certo na maioria das vezes – replicou, sarcástica.

- Oh-ho. É por isso que eu te adoro. Tem sempre a noção de onde deve mirar antes de dar o golpe final – murmurou.

- Vocês estão brigando? – sondou James, curioso.

- Não, garotão. Quando ela briga, a coisa é realmente assustadora – brincou, servindo-se de mais carne.

- Rony, páre com isso. Que tal contar como foi na Alemanha?

O auror fez uma cara de desânimo.

- Não avancei um milímetro na investigação. O ministro nunca tinha comentado o caso com a mulher. A viúva permitiu que eu olhasse tudo. Até me entregou um monte de pergaminhos que ela pensava jogar fora. Mas, pelo que apurei, não tem nada mesmo. Conversei até com a antiga secretária do homem. Foi ela, aliás, que avisou o Binder sobre o que eu estava fazendo.

- E o que isso tem demais?

Rony deu uma risada nervosa. E relatou o que se passara na sala de Harry. A mulher abriu imensamente os olhos, largou seu prato pela metade e ouviu tudo até o final com a respiração acelerada. Estava tão indignada que perdera o apetite.

- O Harry ter expulsado esse cara foi pouco. Devia ter metido um soco nele! – comentou, raivosa.

- Opa! Não esperava uma reação tão violenta da sua parte – retrucou Rony, intimamente satisfeito de perceber que ela e ele tinham sentido a mesma coisa.

- Se há algo que me deixa fula é ver alguém ser atacado de forma tão gratuita. Ainda mais quando é alguém querido – bufou. – E não é só por Tonks e Sirius. É pelos metamorfomagos! Como se eles fossem amaldiçoados... Ah, ainda estou furiosa...

- Acalme-se, Mione – respondeu o ruivo, erguendo-se para fazer uma massagem nos ombros da mulher. E, vendo que o filho os observava, emendou: – James, não conte essa história para o seu primo. Ele é ainda muito pequeno para entender.

O menino assentiu e continuou comendo seu jantar. Rony e Hermione prosseguiram a conversa, mas falando de Lilly. James terminou seu prato e pediu licença para ver TV. A família tinha um aparelho que transmitia a programação bruxa e também a trouxa, para quando os senhores Granger estivessem em casa. Sua mãe concordou e o liberou da mesa. O garoto não acompanhou o restante do jantar, mas decorrida meia hora seus ouvidos captaram a voz irritada da mãe. E desta vez ela estava mais alta e aguda. Tanto que Lilly acordou e disparou a chorar, obrigando Hermione a sair da cozinha apressadamente, quase derrubando o filho no chão.

- James, vá ver a TV!

Em seguida, surgiu Rony com o rosto avermelhado e uma expressão de quem tinha quebrado a janela com uma pedra. Encarou o garoto e suspirou.

- Lembra que eu disse que é assustador quando sua mãe briga?! Pois é...

Tinha revelado para a mulher em detalhes o que Harry fizera para afastar Gina das missões dos aurores. E Hermione, esperta como sempre, o questionara de tal modo que acabara descobrindo que ele, Rony, tivera uma pequena participação na história. “E você não fez nada para impedir essa besteira?”, rosnara Mione. “Eu não achei que fosse acabar assim”. A mulher o fuzilara com os olhos. “Vocês, homens, nunca acham nada!”, berrara, despertando a filha e pondo fim ao sossego da casa.

- Quer ver TV comigo, pai? – convidou James, pressentindo que era o melhor a fazer naquele momento.

Rony apenas balançou a cabeça. Sua mente o açoitava com uma pergunta: por que tinha de se meter em confusões junto com o Harry? Devia ser coisa do destino.





*****




Com um clique suave na maçaneta da porta, Gina entrou silenciosamente no quarto de Sirius. As luzes estavam apagadas e apenas a iluminação do corredor, que entrava pela fresta aberta, permitiu que a mulher pudesse olhar o rosto do filho, que ressonava. Ela tocou a testa do menino e afastou uma mecha de cabelos escuros. Debruçou-se para beijar o menino e ficou ali contemplando o sono de Sirius. Quando se ergueu, ouviu um murmúrio.

- Ele está bem. Demorou para dormir. Esteve um pouco agitado nesta noite. Tinha algo estranho, mas agora parece tranqüilo.

Harry estava sentado numa poltrona, no escuro. Depois que saíra da casa da ministra, resolvera aguardar pela mulher no quarto de Sirius, o lugar que calculava que ela iria olhar antes de se deitar – caso voltasse para o largo Grimmauld. Gina hesitou antes de se pronunciar. Porém decidiu que seu filho era mais importante do que sua mágoa.

- O que houve?

Ele se aproximou. Naquele instante, ao perceber os olhos verdes tristes, algo mexeu com ela. Gina se perturbou um pouco. Ainda queria puni-lo pelo que fizera, no entanto, um sentimento mais forte nublou sua intenção por breves segundos. Esteve a ponto de abraçar Harry. Conteve-se à espera da resposta.

- Não sei. Eu levei o Sirius comigo no ministério. Até uma parte do dia, estava tudo ótimo. Ele se divertiu bastante – sorriu levemente. – Depois, a Vada o levou para comer algo. E na volta estava estranho. Ficou agarrado em mim um tempão. Perguntei para ele se tinha acontecido algo.

- E aconteceu?

- O Sirius disse que não. O que você acha? É só cisma minha?

Os dois se fitaram. Harry engoliu em seco. O comportamento de Sirius tinha, de fato, o preocupado. No entanto, algo mais o angustiava. Tinha receio de perguntar a respeito de Draco.

- Pode ser. Quando o Sirius acordar, converso com ele.

Gina abaixou os olhos para observar o garoto. Percebeu que Harry estendia seu braço para tocá-la. Ela recuou.

- Ahn, que bom... que você voltou... a falar comigo – atrapalhou-se o bruxo ao se dar conta que a mulher tinha se afastado.

- Estou falando com o pai do meu filho... – resmungou, teimosa. – E é só por causa dele.

- Nossa, isso machuca, sabia?! – perguntou, chateado.

Ela não respondeu. Encaminhou-se para o corredor e Harry a seguiu.

- Como é a nova casa do Draco Malfoy? – disparou à queima-roupa.

Gina estacou e virou o rosto surpreso para ele. Antes que a mulher abrisse a boca, o auror prosseguiu.

- Fui para a recepção. A Charlotte me convidou e eu resolvi aparecer. Só por sua causa. Tentei te procurar, mas me pegaram antes – sorriu mais uma vez seu sorriso vexado. – Daí, fiquei preso na sala de jantar com aquela gente chata. E soube que o Draco, por coincidência, era um dos convidados. Isso foi... bem ruim.

- Ciúmes? – desafiou Gina, com um olhar orgulhoso, encontrando uma maneira de espicaçar o marido.

- Eu? – negou com cara de pau. – Foi ruim porque ele, o cara de fuinha, não é gente que se preze.

- Ok. Se é isso que tem para dizer...

- Não! Tem mais. Soube que você foi até a casa dele, junto com umas pessoas. O Draco arrumou um lugar novo para viver, então?! Humm, o que ele conta?

- Você está perguntando como chefe dos aurores ou como Harry Potter?

- E não é a mesma coisa?

- Se for como chefe dos aurores, eu encaminho um relatório amanhã.

- Se for na outra opção, qual vai ser a resposta?

- A casa dele é linda. Só que tem uma decoração um pouco fria. Precisa ainda de uns toques. Uns toques femininos.

Harry sentiu uma picada invisível. Seu rosto pegou fogo, algo que Gina não podia enxergar direito devido à fraca luminosidade.

- Toques femininos? Foi o que ele disse para você? Bem espertinho esse cara...

- Eu disse para ele.

Outra picada acentuou o calor.

- Posso perguntar em qual contexto?

- Ele levou o grupo para conhecer a propriedade e no final pediu a opinião de todos. Fui a única a fazer uma crítica.

- Não duvido. Ele deve se cercar de bajuladores. Sempre foi disso. E... caham... tem mais alguma coisa para me contar?

- Nada.

- Ele não quis sondar... o que eu estou fazendo? O que eu estou investigando?

- Não. Acredite. O Draco não está interessado em você – ironizou.

- Ele está interessado em quê? – inquiriu, exibindo sinais de nervosismo.

Era a hora da represália. Gina voltou para o quarto do filho, deixando Harry na soleira.

- Em mim, ora. Vou dormir – alfinetou e bateu a porta na cara do marido.

Harry sentiu o estômago revirar. Apoiou a testa na porta fechada. Colocou a mão sobre a maçaneta, porém não a girou. “Não acha que já paguei por tudo que fiz? A essa altura, você está me devendo, Gina Weasley”, disse, com a voz rouca. Ficou naquele estado por um curto tempo. Depois se dirigiu ao quarto do casal. Não tinha idéia que a ruiva fizera o mesmo que ele. Tinha encostado o ouvido na madeira para ouvir melhor. Quase se arrependera da frase que pronunciara. Por pouco não abriu a porta quando escutou a queixa de Harry. A vontade dela era correr até o marido. O orgulho, entretanto, foi mais forte. “Amanhã. Se ele pedir desculpas de novo, vou perdoá-lo”, suspirou, enquanto conjurava lençóis e travesseiros para se acomodar no sofá do dormitório de Sirius.





*****


Dobby acordou Harry abrindo completamente as cortinas de seu quarto. Pediu a seu senhor que se apressasse porque a senhora Gina e o menino Sirius já estavam na cozinha tomando o café. O bruxo cobriu os olhos com a mão. Resmungou algo e jogou os lençóis para um canto. Estava aborrecido. Sonhara que sua mulher tinha saído de casa. E que Draco tivera a audácia de vir buscá-la e ainda levar seu filho com eles. Em seu devaneio, gritara, discutira, tentara impedi-los de ir embora. Angustiado, perguntara ao rival como conseguira localizar seu endereço. Ele respondera, aos risos, que tinha sido fácil. O clarão da manhã e a voz do elfo doméstico o despertaram, arrancando-o do pesadelo.

Ao entrar na cozinha, reparou que Sirius estava acomodado no colo da mãe. Os dois conversavam em voz baixa, abraçados. Não podia imaginar quadro mais bonito. E súbito percebeu que ele estava fora do “quadro mais bonito”. Em outras circunstâncias, isso não o teria perturbado. A lembrança do sonho, porém, provocou-lhe um gosto amargo na boca.

- Pai, você acordou. Bom dia. Contei para a mamãe tudo o que eu fiz ontem.

- Que legal. E a mamãe te contou tudo que ela fez ontem? – perguntou, mordaz.

Gina deixou o queixo cair, mas não lhe deu o sabor da vitória. Permaneceu muda.

- Contou, sim.

- Tudo mesmo? Ela deve ter escondido alguma coisa...

- Harry!

- Ah, está falando comigo? Ou é com o pai do Sirius?

O menino deu um risinho, achando engraçada a pergunta do pai. Gina mordeu os lábios. Mas calculou o que se passava. “Ele deve estar fulo da vida com o que eu disse ontem à noite. Hummm, até parece que isso me intimida”.

- Senhor, aceita um chá?

- Oh, olá, Winky. Ainda não, mas obrigado – replicou com o sangue pulsando acelerado pela indiferença de Gina. – Ei, como foi seu dia ontem? E com você, Dobby? Estamos num momento em que contamos tudo o que fizemos ontem.

- Eu fui com meu pai ao ministério – disse Sirius, ainda no colo de Gina.

- Por Merlin, podemos tomar café sem toda essa barulheira?

Harry se sentou, com uma expressão mal humorada. Não entendia como podia estar tão irritado. Quer dizer, entendia, sim. Draco era um idiota e Gina nunca deveria ter namorado com ele. E muito menos ter ido à casa dele a noite passada, e nem ter dito que ele estava interessado nela. Gina estava indo longe demais. O auror bateu com a xícara na mesa e ela se espatifou. Winky rapidamente a consertou e quis saber se ele queria mais chá.

- Não. Eu não quero.

A mulher suspirou. Afastou seu prato, colocou o filho no chão e se levantou.

- Vamos para a sala, querido. Nós já terminamos.

Eles caminharam de mãos dadas e se instalaram no sofá para continuar conversando. Gina procurava descobrir o que se passara com Sirius na véspera. Notara que o garoto se agarrara a ela como um náufrago se segura numa bóia. Não compreendia o que havia de errado, entretanto suspeitava que podia ser sua briga com Harry. E pensou no marido. “Se ao menos ele facilitasse hoje! Arre, mas o homem está impossível. Quem me mandou falar mais do que a boca?”, lastimou para si. O “homem impossível” entrou na sala no minuto seguinte. Esbaforido.

- Você não precisa falar comigo. Ou com o pai do Sirius! Que seja. Mas eu vou dizer...

- Um minuto. Desculpe, Sirius, mas vou criar uma barreira para que você não escute as bobagens que os adultos às vezes falam... – e puxou a varinha para poupar o filho da discussão. – Prossiga.

Harry sorriu com sarcasmo.

- Quanta tranqüilidade, Gina Weasley! Quanta civilidade da sua parte! Desse jeito, eu passo pelo lunático, não é?!

- Vai continuar ou não? Não gostaria de manter esta barreira sobre o Sirius por muito tempo.

- Ah, isso ele vai entender perfeitamente. Uma barreira! Ele vai se sentir excluído...

- Eu lido com isso. Não se preocupe. Bom, pelo visto, você não tem nada de útil a me dizer. Mas eu tenho: a Vada apareceu na lareira assim que eu desci. Ela contou que o departamento de aurores da Alemanha enviou o nome da pessoa que irá acompanhá-lo na casa do senhor...

- Está querendo desviar o assunto, é?!

- Isso, Harry, se chama gentileza – respondeu, contrariada.

- Voltou a botar em prática? Ultimamente, você não andava muito gentil.

- Sei porque você está agindo desse jeito. É por causa da história do Draco.

- Ainda bem que você reconhece – despejou, zangado.

- Eu já disse o que aconteceu lá. Não tem razões para você ficar bravo.

- Não estou bravo. Estou indignado. É um absurdo o que você fez.

- Eu só fui tomar um chá na casa dele porque quando o Draco me convidou acabamos falando da mãe dele e eu vi como ele se abate ao lembrar do que ocorreu no passado.

- Deveria se abater pelo que ELE fez no passado. O Draco tentou NOS afastar, se é que você não se recorda disso, “mocinha”!

- Minha memória continua boa, “mocinho”!

- Magnífico. Então, já que sua cabeça está funcionando direitinho, pode dizer agora que você se arrepende do que fez ontem à noite...

- Você vai dizer que se arrepende pelo que fez?

- O que uma coisa tem a ver com a outra?

- Hmpf!

- Não vou dizer de novo. Eu já disse um monte de vezes. Você quer que eu fique me humilhando?

- Hmpf!

- Legal – ironizou. – Deixou de falar comigo de novo. Ou você estava falando apenas com o pai do Sirius?

E, bufando, desaparatou. Gina engoliu em seco. Nunca tivera uma briga dessas com Harry. Era ridículo. Pareciam ter regredido à infância. Desmanchou a barreira mágica e notou que Sirius estava de novo com os olhos verdes.

- Você acha que estou sendo ruim com o seu pai? Está com pena dele? – perguntou num sussurro.

- É que ele já pediu desculpas por não ter terminado o cereal ontem. Você brigou com ele de novo por causa do cereal?

- Cereal? Que baboseira é essa?

- Meu pai falou que você brigou com ele ontem por causa disso.

- Ah, que lindo. O Harry faz as besteiras e eu que sou a maluca?! Nunca briguei por causa disso! Foi por, ahnnn, outro motivo. Um dia te explico direitinho.

- Acho que o James está certo. Adultos sempre falam que querem explicar as coisas, mas sempre demoram para explicar – emendou o garoto.

- Ele falou isso? Pelas barbas de Merlin, o Jamie é um sabe-tudo, igualzinho à mãe.





*****




Uma mulher loura vestida com um tailleur cinzento parou junto à recepção do ministério da magia inglês. Carregava uma pasta nos braços e uma bolsa a tiracolo. Ajeitou os óculos de armação preta.

- Bom dia. Gostaria de falar com o pessoal encarregado do setor de relações exteriores.

O funcionário da portaria encarou a jovem. Ela tinha um sotaque que não conseguiu identificar.

- Tem horário marcado?

- Na verdade, não. Tenho um pergaminho de referência, com recomendações de funcionários do Ministério da Magia da Alemanha. Eu sou alemã.

- Recomendações para quê?

- Gostaria de cumprir um programa de treinamento com vocês. Já que o encontro da Confederação Internacional dos Bruxos será aqui, em Londres, creio que poderia aprender um pouco mais se participasse dos preparativos finais para o evento.

O homem balançou a cabeça negativamente.

- Acho difícil, jovem. O pessoal das relações exteriores ainda não chegou. E de qualquer modo uma decisão dessas só pode ser tomada pelo staff da ministra. É ela que dá a última palavra. Sinto muito. Melhor enviar uma coruja...

- Não queria perder tempo...

- Mas terá de esperar. Na Alemanha, os compromissos são agendados, não é? Aqui também são.

- É que só recebi ontem este pergaminho com as referências necessárias...

- Melhor voltar outro dia, depois de ter agendado uma reunião – encerrou o funcionário.

A mulher loura balbuciou qualquer coisa inaudível. Seus olhos se encheram de água. Fez uma cara tão triste, mas tão triste que o sujeito teve pena da jovem. Alguns bruxos que chegavam para trabalhar começaram a observar o quadro com curiosidade. Era de comover uma pedra de gelo a visão daquela moça elegante com uma expressão de dor e angústia capaz de cortar corações. Logo, um grupo se formou ao lado dela com ofertas de lenços e perguntas sobre o que estava acontecendo. O funcionário da portaria acabou envergonhado de sua atitude.

- Gente, e o que eu posso fazer? Não tem ninguém do departamento de relações exteriores ainda.

Mas um bruxo se antecipou. Tinha visto Pinsky Peterson aparatar no hall de entrada. “Ela pode ajudar! É a secretária de Madame Jones”, declarou. Os funcionários cercaram a moça morena e desandaram a falar ao mesmo tempo a respeito do drama da visitante alemã, que só queria uma oportunidade de trabalhar e aprender. Pinsky não teve saída. Dirigiu-se à loura e também ficou igualmente impressionada com os olhos azuis cintilantes de lágrimas.

- Mas o que é isso?! Não precisa chorar por causa disso.

Pinsky se inteirou do assunto e imediatamente exibiu seu melhor sorriso.

- Ora, é tão fácil resolver esse problema. Quer ajudar na organização do encontro? Que tal trabalhar comigo? Estou muito envolvida com o evento. Sou o braço-direito da ministra.

A secretária de Charlotte Jones conversou mais um pouco com a moça e tratou de acelerar sua admissão nas dependências do ministério. A jovem também sorriu ao ser autorizada a acompanhar Pinsky em sua sala. “Estava ansiosa para entrar aqui”, murmurou.





*****




Harry entrou na seção de aurores com o cenho franzido. Vada tentou interpelá-lo com uma série de pontos anotados num pergaminho, mas o auror passou direto por ela, dizendo de modo soturno um “bom dia” que encerraria qualquer discussão. A mulher foi perspicaz o suficiente para compreender que o chefe estava muito mal humorado e não insistiu. Uma risadinha vinda do outro lado da sala atraiu a atenção da secretária.

- Ele está mordendo, hein?!

Era Rony, que se encaminhou para a sala do cunhado com um copo de café numa mão. O ruivo puxou uma cadeira diante da mesa de Harry. Ajeitou-se e se pôs a estudar a expressão do rosto do auror. Arriscou uma pergunta, que fez em tom baixo.

- O dia não começou bem?

- A sua irmã está passando dos limites – protestou, empurrando para longe a papelada que Vada tinha depositado em sua mesa. – Você não vai acreditar, mas ontem à noite ela foi até a casa do Draco Malfoy!

- Como?

Depois de Harry ter explicado o que se passara na noite anterior e naquela manhã, Rony fez o copo de café desaparecer em sua mão. Matutou, matutou e matutou.

- Já reparou como você perde as estribeiras quando se trata do Malfoy?

- O quê? Não tinha um comentário mais brilhante para fazer?

- Esqueci meus cartões com comentários brilhantes em casa. Mas é sério. Entendo que você tenha ficado doido ao descobrir que a minhoca branca...

- Minhoca branca bronzeada. Tá ridículo o cara com aquela aparência “ah, eu sou um lobo do mar”.

- Não disse? Eu nem falei dele direito e você já está nervoso. Minha opinião é que você deveria ter mantido a calma e ter conversado decentemente com a Gina. Suspeito que ela tenha te provocado para ver até onde você iria. Cara, eu não imaginava que você fosse tão ciumento.

- Eu não sou ciumento – rosnou. – Só me irrito com certas coisas. Você ficaria irritado do mesmo jeito se o Krum tivesse levado a Mione para “conhecer” a casa dele.

- Hummm – começou, colocando os pés sobre a mesa de Harry. – Eu tenho ciúmes até hoje. Faz um tempo, ele procurou a Mione porque tinha sofrido uma lesão durante uma partida de quadribol. Queria uma opinião dela. E deve ter sido uma opinião impressionante porque depois o Krum convidou minha mulher para tomar um café.

- O que obviamente ela recusou – grunhiu.

- Não recusou. Mas a Mione me chamou para ir junto. Eu não podia. Tinha uma missão para concluir. Fiquei me roendo de ciúmes. Só que o que eu podia fazer? Nada, exceto confiar na minha mulher.

- Eu confio na Gina, só que visitar o Malfoy foi demais para mim.

- Você está fragilizado com tudo o que aconteceu, Harry. Se bem conheço minha irmã, ela não fez isso para te castigar. Deve ter ido à casa dele por educação. Ou algo assim. O castigo foi te provocar depois. E talvez tenha feito isso porque você a irritou de alguma forma. Vamos falar francamente: a Gina te adora. Já demonstrou isso muito claramente. Todo esse tempo esteve do seu lado e nunca permitiu que alguém duvidasse de você. Vocês estão num momento difícil, só que vai passar. Basta que vocês dois, cabeças-duras, parem com as picuinhas.

Harry ficou olhando a mesa durante um minuto. Em seguida, encarou o velho amigo. Tinha se apaziguado.

- Desde quando você é mais sensato do que eu?

Rony sorriu.

- Deve ser a convivência com a Mione.

- É. Enquanto eu e a Gina somos dois teimosos – suspirou Harry. – Acho que você está certo. As picuinhas precisam acabar. Você sabe: também adoro a sua irmã. Sem ela eu não sou nada.

- Muito bem, cara. Diga isso para ela. E tenho certeza que a briga de vocês se encerra hoje.

- Valeu, Rony – respondeu Harry, agradecido. Porém, na seqüência, fez um movimento ligeiro com a mão, uma magia para repelir os pés do cunhado da sua mesa. O gesto foi tão rápido que por pouco o ruivo não cai da cadeira de susto. – Desculpe, Senhor Sensatez, mas pés na mesa não são modos de um cavalheiro.

- Arre, não posso me sentir à vontade, não?!

- Aposto que a Hermione não te deixa colocar os pés na mesa.

- Apostar para quê? Você sabe que é isso mesmo – disse, fazendo uma careta.

- A conversa está ótima, mas vamos ao trabalho. Você vai analisar o material que recolheu na casa do salsicha. Ops, do hambúrguer. Oh, céus, é herr Hamburg – fingiu estar chocado com o suposto engano. – Certo? Eu vou para Berlim atrás da família do ex-chefe dos aurores – e puxou um pergaminho que estava em cima dos outros, destacando-se na papelada. – Aqui tem uma carta assinada pela secretária do Binder. Hummm, você não vai adivinhar quem será meu “acompanhante” na investigação.

Harry estendeu o pergaminho para o auror. Rony assobiou. Era, de fato, uma surpresa.





*****




A casa era simples. Não havia jardim, nem flores na janela. Nem um tapetinho na entrada da sala para receber os visitantes. Harry olhou a decoração com curiosidade. Nada de toalhas nas mesas ou objetos enfeitando as paredes. Também não notou vestígios de pó. O elfo doméstico que os introduzira na residência se afastara para chamar sua senhoria. O auror virou-se para o lado e falou bem baixinho com a pessoa que o acompanhava.

- O que me diz desta casa, herr Schmidt? Já esteve aqui antes?

O pacato bruxo que tinha sido destituído do departamento de mistérios e que tinha sido o último a ver a arca da Ordem dos Inseparáveis negou com a cabeça.

- Herr Dietrich não gostava de visitas. E não admitia intimidades. Além disso, esta não era sua casa, e sim da mãe dele. Se quer saber minha opinião, é um lugar bem organizado e limpo.

- Calculei que responderia isso, herr Schmidt – sorriu Harry. – Ainda está espantado que o Binder tenha te designado para me acompanhar?

- Certamente, senhor. Não sou auror!

- Ah, mas depois que vi seu nome, analisei a situação e sei por que ele fez isso. Binder não pretende me ajudar. Deve estar furioso por causa de uma... hummm... desavença que tivemos. Ao mesmo tempo, não quer me perder de vista. Portanto, enviou um burocrata para documentar meus passos. Ahn, me perdoe a franqueza – murmurou, sondando a reação de Schmidt, que permaneceu quieto. – Ele provavelmente pediu um relatório meticuloso.

- É meu dever, senhor – replicou Schmidt, aparentando desconforto. – E também minha natureza. Tudo o que faço é meticuloso.

- Tirando a arca, não é mesmo? – provocou Harry, observando o bruxo para tentar avaliar o quanto poderia confiar nele.

- E-eu já e-expliquei o que houve, senhor. E la-lamento meu erro – retorquiu, com as orelhas incandescentes.

Calaram-se porque surgiu uma mulher de cabelos grisalhos e cara feroz. Os cantos caídos dos lábios sugeriam que sorrisos deviam ser raros. As sobrancelhas espessas e pesadas aumentavam a sensação de que não era uma pessoa que costumava dizer “ah, já vai? Fique mais um pouco”.

- Como vai, frau Dietrich? – perguntou o auror.

- Fräulein. Não me casei – resmungou a senhora. – O que querem comigo? Não sei de nada especial a respeito da vida do meu irmão.

- Queremos saber um pouco mais sobre o que ele fez nos últimos anos. O que puder lembrar até a data da morte dele.

- Não tenho boa memória. E eu não passava muito tempo com ele.

- O que a senhora puder lembrar vai ser de grande valia. E nem faz tanto tempo que ele morreu, não é?! Dois meses...

- Dois meses?! Não. Já são seis meses.

Harry embatucou. Schmidt ergueu um dedo para pedir licença e se manifestar.

- Perdão, fräulein Dietrich. Mas disso tenho certeza absoluta: até dois meses atrás o seu irmão freqüentava o ministério.

- Eu também tenho certeza do que digo. Frank morreu há seis meses. Ele estava muito doente e só pediu que nós procurássemos meu sobrinho para avisar de seu estado. Foi o tempo de ele chegar e Frank se foi. Não houve cerimônia. Styx não quis.

- Styx? – cortou Harry, completamente assombrado com a revelação de fräulein Dietrich.

- Meu sobrinho. Ele não procurou vocês? Eu bem que estranhei que o ministério tivesse demorado tanto para mandar flores. Era o mínimo que deveriam fazer depois de tantos anos de serviços prestados pelo meu irmão. Mas não... Vocês só mandaram uma coroa fúnebre muito tempo depois – protestou a mulher, com o rosto cada vez mais amarrado.

- Há algum engano – interrompeu Schmidt. – Herr Dietrich esteve no ministério, sim. Eu mesmo o recebi em minha sala semanas antes de sua morte. Recordo de ter comentado isso com a bibliotecária. Herr Dietrich raramente ia até minha sala!

- E isso não foi há mais de seis meses? Foi? – inquiriu Harry, sentindo que havia uma importante descoberta diante de seus olhos.

- Não. Deve ter sido há três meses. Eu... – e Schmidt calou-se por instantes. – Estranho. Não lembro o que conversamos. Err, é muito estranho – e acrescentou, sem jeito. – Bom, creio que minha memória tem me traído ultimamente.

- Talvez, herr Schmidt. Mas não descarto a hipótese de que sua memória tenha sido alterada. E que o senhor não seja a única pessoa ludibriada no ministério – concluiu com a voz grave. E retornou sua atenção para a alemã de cabelos grisalhos. – Fräulein Dietrich, lamento, mas esta conversa vai se estender por mais tempo do que eu poderia supor. Se tiver álbuns de família, diários, por favor, peço para apresentá-los. Preciso analisar tudo o que puder.

A mulher retorceu o rosto. Estava visivelmente contrariada. Mas Harry também estava com uma expressão bem marcada na face. Não sairia dali sem esclarecer o novo mistério que surgira. Sem ter em mãos a verdadeira história de Dietrich.














Bom, estamos chegando na metade do caminho. Como vcs podem notar, meu tempo anda curto. Mas não desisto e tento atualizar o mais rápido que posso. Ahn, para não deixar dúvidas: gosto da Alemanha e dos alemães. Se às vezes caricaturizo mais um ou outro personagem é só porque o roteiro que elaborei na cabeça me exige isso. E conheço alemães ótimos, divertidos e muito, muito interessantes. ;-) Bjs e até o próximo cap. K.

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