Capítulo Especial




Era exatamente nove horas quando o sinal que anunciava o fim da aula de Poções soou, para a alegria geral da classe do professor Snape naquela noite. Apressados, os alunos correram a arrumar as suas coisas para, livres da última aula do dia, se dirigir ao salão principal onde um apetitoso jantar os aguardava.

Hermione, como de costume, não estava com pressa. Ainda precisava terminar de fazer algumas anotações em seu livro, e de modo algum seu estômago seria responsável por fazê-la esquecer qualquer coisa. Sentiu uma mão tocar seu ombro gentilmente.

- Ei – Harry falou. – Vou andando na frente. Cho insistiu em me ver antes do jantar... Eu não queria ir, mas...

- Ok – Mione disse procurando parecer displicente. Não ergueu os olhos do que estava fazendo para encará-lo.

- Certo, então – a mão do rapaz escorregou de seu ombro – Falo com você mais tarde.

Hermione ouviu os passos de Harry se afastando. Lançou um olhar para a porta, vendo-o arrumar a mochila sobre as costas e desaparecer pelo corredor. A garota mordeu o lábio inferior.

- Você decididamente precisa superar isso, Hermione – murmurou para si mesma.

Terminou de rabiscar umas últimas palavras no rodapé do livro sob o olhar irritado de Snape, que estava parado diante da porta da sala aguardando para poder fechá-la.

- Granger, se você não se importa – sibilou o professor, aborrecido.

- Desculpe, professor – Hermione disse, juntando as suas coisas apressadamente e correndo para fora da sala antes que Snape tivesse tempo de descontar algum ponto da Grifinória.

Assim que colocou os pés para fora da masmorra, no entanto, trombou violentamente com um garoto da Sonserina, de modo que seu material ainda fora da mochila espalhou-se desastradamente aos seus pés.

- Por que você não olha por onde anda? – ela exclamou zangada, mas o rapaz já havia desaparecido na curva do corredor. – Perfeito – resmungou, ajoelhando-se para juntar as suas coisas.

Snape passou por ela no minuto seguinte, um sorrisinho sarcástico que Hermione teve o prazer de não enxergar desenhado nos lábios finos.

- Cinco pontos serão descontados da Grifinória pela sua falta de cuidado, Granger – ele falou, passando reto por ela. – Uma monitora, mas que vergonha... Que vergonha... – e sumiu das vistas de Hermione antes que ela tivesse tempo de processar a injustiça.

Furiosa, a menina empilhou seus livros com força um sobre o outro. Agarrou sua mochila e abriu o zíper violentamente, socando todo o seu material dentro dela de maneira descuidada. Teria algumas folhas amassadas para ajeitar depois, mas isso não importava no momento. Ficou de pé com o pensamento de que poderia matar o primeiro estrupício que lhe aparecesse na frente e...

- Ah! – Hermione berrou, deixando sua mochila cair no chão com um baque surdo.

Duas mãos geladas haviam se colocado diante de seus olhos, fazendo-a pular de susto sem sair do lugar.

“Ok, quem quer que seja, espero que esteja psicologicamente preparado para sofrer uma morte violenta e dolorosa!”

- Desculpe – Rony murmurou, soltando o rosto da amiga. – Era só uma brincadeira... Você deveria adivinhar...

Hermione virou-se para encará-lo, sentindo uma pontada de remorso.

- Oh... Sinto muito, Rony... Eu não sabia que era você – ela tentou explicar.

- Acho que esse é o objetivo, não? – Rony deu um sorrisinho que Hermione demorou um pouco a retribuir. – Deixa que eu lhe ajudo com essas coisas – ele disse, ajoelhando-se para juntas o material da garota que escorregara para fora da mochila ainda aberta na queda.

- Obrigada – a menina disse sem jeito. – Eu sou uma estúpida... Desculpe, Rony... Mesmo...

- Está tudo bem – ele disse sorridente. Levantou-se e devolveu a mochila para Hermione. – Só queria fazer você rir, mas... Acho que eu não sou tão bom nisso quanto Fred e Jorge...

- Acredite, eu prefiro muito mais o seu modo de fazer piada – Mione disse ao que eles começaram a caminhar.

- Certo, se você diz... Ah, espere! – Rony falou, colocando-se no caminho da garota. – Eu não sou meus irmãos, mas ainda tenho alguns truques.

- Rony... – Hermione falou com um pouco de impaciência.

O garoto abriu os braços, mostrando que não tinha nada nas mãos, e então precipitou-se para Hermione.

- Ei – ela falou esquivando-se.

- Espere – ele disse calmamente, colocando a mão no rosto da amiga e puxando uma rosa de trás da orelha dela.

Rony sorriu, o talo verde da flor entre seus dedos.

- Merlin – Hermione riu encantada, apanhando a rosa das mãos do menino. – Você é um bobo...

- Sem espinhos, reparou? Sim, eu penso em tudo! – Rony ergueu os braços sobre a cabeça displicentemente.

- Vejo que sim... – Hermione murmurou sorrindo, acariciando as pétalas da flor gentilmente com seus dedos.

Ela ergueu os olhos para Rony, corando ao perceber a forma como ele a estava observando. Havia um brilho diferente em seus olhos, algo que normalmente não estava lá. Hermione sentiu-se subitamente nervosa.

- O que foi? – Rony perguntou, percebendo que ela fugia de seu olhar. – Qual o problema? Não gostou da flor? Posso tentar um lírio da próxima vez, ou... tulipas...

- Oh não, Rony, eu adorei... De verdade – Hermione falou arriscando olhar para ele outra vez.

- Mione – ele disse, se aproximando. Ela baixou as vistas para o chão. – Olhe para mim.

Rony colocou a mão sob o queixo dela, levantando seu rosto e obrigando-a a encará-lo. Eles nunca haviam estado tão próximos assim, nunca... Hermione poderia contar as sardas no nariz do rapaz, se quisesse. E, ela reparou pela primeira vez, os olhos dele eram lindos... Como ela nunca reparara antes? Estava tão ocupada prestando atenção nos verde esmeralda de Harry, é claro...

- Merlin, você é tão... tão... - Rony gaguejou.

- Não diga – Hermione cortou, e antes que pensasse, antes mesmo que tomasse consciência do que estava fazendo, ela o beijou.

Rony tinha gosto de chiclete e cerveja amanteigada. Se tivesse que adivinhar, ela nunca diria que poderia gostar tanto. Ele beijava de uma forma apressada, como se tivesse medo do momento que seus lábios se separassem. Hermione achou inevitável comparar com Harry, que era gentil e carinhoso a cada movimento. De qualquer forma, o jeito um tanto bruto de Rony não deixava de agradá-la.

- Rony – ela disse num murmúrio, os olhos entreabertos – Vamos com calma, tudo bem?

O rapaz respirou fundo, afastando-se.

- Eu estou ficando cansado de ir com calma – ele falou parecendo magoado.

- Eu sei – Mione disse. – Mas estamos no meio do corredor das masmorras, e se alguém da Sonserina nos apanhar aqui...

- E daí? – Rony indagou. – Eu não acho que estejamos fazendo nada errado aqui.

- É, eu sei, acontece que nós somos monitores e...

- Acontece que eu não posso esperar mais – Rony disse, empurrando Hermione contra a parede numa atitude que deixou a menina totalmente sem ação. Ele a beijou novamente, e dessa vez havia mais violência em seus movimentos. Mione percebeu que não queria que ele parasse, porém, estava apavorada com a perspectiva de serem pegos em flagrante por alguém.

- Rony, por favor – ela disse, desviando o rosto. – Aqui não...

- Ótimo! – ele exclamou com irritação, afastando-se dela. – Ótimo, como quiser!

E com essas palavras o rapaz apressou-se em sumir das vistas de Hermione, ignorando os chamados da menina.

- Céus – Hermione murmurou para si mesma – Por que ele tem que agir como se tivesse 6 anos, e não 16?

Ela sacudiu a cabeça, jogando seus vastos cabelos para trás, e ajeitou a mochila sobre os ombros. Dirigiu-se em seguida para o salão principal, onde a maior parte de seus colegas já se deliciava com a fartura do jantar. Uma rápida olha e soube que Rony não estava lá – nada muito surpreendente, considerando-se a maneira intempestiva com a qual ele a deixara minutos atrás. Ele era tão imaturo...

- Você demorou – Harry falou quando ela tomou lugar diante dele.

- E você veio rápido demais – ela respondeu, servindo-se de frango assado. Procurando parecer a mais desinteressada possível, acrescentou: - Pensei ter ouvido você dizer que ia se encontrar com a Cho...

Harry resmungou qualquer coisa ininteligível, parecendo aborrecido com a lembrança.

- É, eu fui – ele falou ranzinza – E aproveitei para terminar com ela.

O coração de Hermione deu um salto, e as suas bochechas coraram fora de seu controle.

- Sério? Por quê?

- Bem – Harry começou, brincando com a comida em seu prato desanimadamente – Eu não podia mais agüentá-la, para ser sincero. A Cho é bem legal e tudo o mais, mas está sempre surtando porque eu ando com você. Ela é muito ciumenta... Simplesmente não dá para manter.

- Você deveria ter dito a ela que nós somos como irmãos – Hermione falou displicente.

Harry chegou a abrir a boca para responder, mas se calou. Mione percebeu que ele a observava de maneira pensativa. Ela ergueu os olhos para encará-lo. Harry tinha uma expressão indecifrável no rosto. Sempre fora assim desde que o conhecera. Nunca sabia dizer ao certo o que estava se passando pela cabeça do amigo, nem mesmo depois de anos de convivência. Mas o modo como as sobrancelhas dele se erguiam lhe dizia pelo menos uma coisa: Harry estava pensando, e o que quer que fosse, era-lhe bastante incomodo.

- Você acha mesmo? – ele indagou afinal.

- Que você deveria ter dito a ela? É claro, afinal...

- Não – ele a interrompeu. Havia um ar intrigado em suas palavras. – Você acha mesmo que nós somos como irmãos?

- Existe algum motivo para que eu pense de outro modo? – ela perguntou quase como se o desafiasse.

Harry permaneceu alguns minutos sem resposta, o olhar fixo no rosto de Hermione e os lábios entreabertos. Riu-se, então.

- Não – falou com um sorriso. – Você está certa... como sempre.

Ao dizer isso o rapaz voltou novamente sua atenção para o jantar, deixando Hermione com o coração um pouco mais partido do que ela imaginava ser possível. Era isso o que ele pensava, então. Dessa forma que a via, como uma irmã, nunca como uma mulher que pudesse lhe interessar. Se era assim, por que a beijara aquele dia no jardim? Ele não parecia estar beijando uma irmã, decididamente. Oh, Harry, como podia ser tão insensível?

Hermione sempre acreditara que ele era diferente dos outros meninos. Mais doce, mais gentil, mais presente... E, provavelmente, ele o era. Então talvez o que não conseguisse aceitar é que o problema não era com ele, e sim com a própria Hermione. Harry não podia gostar dela... e não era culpa dele, pois é inegável que ninguém manda nos seus sentimentos. Ela nunca seria mais que a “amigona” dele. Estava na hora de começar a se acostumar...

A garota permaneceu em silêncio durante os minutos que se seguiram, mantendo os olhos fixos na travessa de arroz sem realmente enxergá-la. Harry continuava a saborear seu jantar, talvez até mais distante dali do que a própria Hermione. Quanto tempo se passou? Talvez uns dez minutos... Talvez menos. Quando despertou de seus devaneios, a garota ergueu os olhos para a jarra de suco de abóbora e estendeu o braço para servir-se.

Naquele exato momento, um fato não necessariamente singular mas bastante inusual aconteceu, atraindo a atenção de todos no salão. Uma grande coruja de igreja com penas de um tom alaranjado sobrevoou solitária o céu enfeitiçado do salão principal, planando sobre as cabeças dos estudantes. Em seu bico, algo que fazia todos os jovens bruxos cruzarem os dedos sob a mesa, desejando com todas as forças que não fossem o destinatário.

Hermione não estava preocupada. Seus pais dentistas não faziam a menor idéia do que se tratava um berrador, e muito menos teriam a capacidade de enviar-lhe um. E, é óbvio, também não havia o menor motivo para que fizessem isso.

- Oh, Merlin... Então você contou mesmo? – Hermione ouviu Lilá murmurar para Parvati num tom de voz chocado.

O que quer que Parvati tivesse contado, nem Mione nem ninguém presente naquele salão deixaria de saber dentro de alguns instantes. Quando a coruja deixou cair o envelope vermelho diante de uma pálida Padma Patil, os rostos das pessoas assumiram expressões que misturavam surpresa, entendimento e compreensão. Hermione sentiu o coração acelerar, temendo o que ela e todos os presentes ouviriam em ótimo som dentro de alguns segundos.

Padma estava paralisada diante do berrador, parecendo completamente apavorada. Ela estava sentada à mesa da Lufa-Lufa com Hannah, onde a reação dos colegas ao saber do romance das duas fora menos negativa. O envelope vermelho já estava começando a soltar fumaça de forma ameaçadora. Hermione viu Hannah pegar a mão de Padma e falar alguma coisa que lhe soou como “É melhor você abrir. Não se preocupe, eu estou aqui.” Talvez encorajada pelas palavras da namorada, a menina obedeceu. Com as mãos trêmulas, ela apanhou o berrador e abriu o lacre.

O que se ouviu a seguir foi uma explosão em forma da voz feroz de um homem que era provavelmente o pai das gêmeas Patil.

“JÁ SEI O QUE ESTÁ SE PASSANDO. ACHOU MESMO QUE PODERIA ESCONDER DE NÓS PARA SEMPRE? MAL POSSO DESCREVER O TAMANHO DA VERGONHA QUE VOCÊ ME FEZ SENTIR.”

“EU SEMPRE SOUBE QUE VOCÊ SERIA UM PROBLEMA. DESDE CRIANÇA ESTRANHA, DESDE SEMPRE QUERENDO SER DIFERENTE. NÃO PENSE QUE EU NÃO SEI PORQUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO ISSO. QUER ME INSULTAR MAIS UMA VEZ, NÃO É? TESTAR OS LIMITES DA MINHA PACIÊNCIA... POIS BEM, DESSA VEZ VOCÊ CONSEGUIU! ENQUANTO INSISTIR COM ESSA PALHAÇADA, CONSIDERE-SE SOZINHA NO MUNDO.”

“VOCÊ ME DESONRA.”

Essa última frase ecoou no ar durante algum tempo, enquanto o berrador se desintegrava diante dos olhos arregalados de Padma. O silêncio no salão principal era digno de um velório. Hermione lançou um olhar esperançoso à mesa dos professores, desejando encontrar algum sinal que indicasse que alguém ia fazer alguma coisa para que a pobre garota se sentisse melhor – se é que isso era possível. Porém, todos pareciam paralisados. McGonagall estava boquiaberta, e Dumbledore mantinha os olhos fechados de maneira pensativa.

Hermione percebeu que estava há minutos derramando suco de abóbora sobre a mesa, mas isso não chegava a ser um problema: o líquido laranja desaparecia ao tocar a madeira, e a jarra enchia-se automaticamente. Ela olhou para Harry, que parecia um pouco atordoado. Talvez mais pelo volume da voz que pelo conteúdo das palavras em si, mas isso não vinha ao caso naquele momento.

Padma levantou-se, completamente desprovida de cor, e caminhou lentamente para longe da mesa da Lufa-Lufa. Havia um certo torpor em seus movimentos, como se ela não estivesse consciente do que estava fazendo. Hannah foi atrás dela.

- Pad, espera... – disse, fazendo um movimento para apanhar a mão da menina.

- Não... – ela puxou o braço.

- Pad, por favor...

- Deixe-me em paz! – ela exclamou, e saiu correndo parecendo completamente desnorteada.

Hannah ficou parada no meio do salão durante alguns segundos, paralisada. Olhou ao redor, um pouco trêmula.

- O que vocês estão olhando? – ela indagou em voz alta. – O que vocês estão olhando?!

E foi a sua vez de sair correndo, mas de uma forma muito mais violenta e decidida que a namorada.

Lentamente o burburinho de vozes voltou a encher o salão, com os estudantes um tanto chocados comentando excitadamente a cena que haviam acabado de presenciar. Os professores, em sua maioria, pareciam chocados com a estupidez do pai das gêmeas Patil, e alguns alunos pareciam compartilhar desse pensamento. Mas, de um modo geral, a maior parte dos estudantes pareciam - por que não dizer – empolgados diante daquele novo acontecimento.

O famoso tilintar que todos estavam acostumados a ouvir precedendo o discurso de abertura do ano letivo de Dumbledore soou de forma sutil, e toda a conversa desapareceu quase que instantaneamente. O salão principal voltou a sua atenção para o diretor, que estava de pé para pronunciar-se.

- Meus caros alunos – começou ele – Não é do meu feitio intrometer-me em assuntos particulares dos alunos dessa escola, porém, seria muita negligência de minha parte deixar de dar umas palavrinhas sobre esse assunto.

E ele continuou falando durante alguns breves minutos, mas Mione já não estava prestando atenção. Não conseguia afastar seus pensamentos de Gina, imaginando o que a garota diria se estivesse ali. Estava se sentindo desagradavelmente mal. Ignorar o fato de que ameaçara colocar a amiga naquela mesma situação era uma tarefa impossível. Ninguém precisava ser gênio para saber que Rony jamais aceitaria aquela história da irmã com Luna de forma tranqüila. Não, não Rony. Ele não poderia agüentar a idéia de ter mais um possível motivo para ouvir pessoas como Malfoy falando mal da sua família. Rony nunca aceitaria... e é claro que Gina sabia disso.

Quando Hermione, ainda atordoada pela descoberta que acabara de fazer, procurou a amiga, não foi com o intuito de tentar entendê-la. Achava que aquilo era ruim para Gina, e pior ainda para os Weasley. Um pensamento imbecil e precipitado? Provavelmente. Mas naquele dia forçar a separação de Gina e Luna pareceu-lhe simplesmente a coisa mais óbvia e certa a se fazer. O quão enganada estava... Será que Hermione poderia algum dia perdoar a si mesma por tamanha intransigência?

- Mione – a voz de Harry trouxe a garota de volta a realidade. Mione reparou que o diretor já havia encerrado seu pequeno discurso, e lentamente os alunos deixavam o salão principal rumo aos salões comunais das suas respectivas casas.

Ela ergueu os olhos para o amigo, um pouco distraída.

- Sim?

- Eu preciso terminar aquela análise que o Snape pediu para amanhã – o rapaz resmungou com um ar cansado. – Você ainda vai demorar aqui? Caso contrário, talvez queira ir comigo até a biblioteca e... bem... quer dizer, eu realmente não faço idéia de como começar, e reparei que você já acabou a sua...

- Eu não vou deixar você copiar o meu trabalho, Harry – Hermione falou com censura, aborrecida.

Por uma fração de segundo, pensou em mandá-lo pedir ajuda a Cho Chang – ela com certeza não iria se recusar a auxiliá-lo... se tivesse cérebro o bastante para isso, é claro -, mas achou que aquela seria uma resposta muito “sim, eu tenho ciúmes!”, e conseguiu controlar a língua a tempo. Além disso, Harry acabara de lhe contar há pouco que terminara com ela... Não fazia sentindo escorregar uma alfinetada dessas agora.

- Eu não quero copiar o que você fez – Harry retrucou sem muita energia. – Na verdade eu só estava querendo a sua companhia, porque agüentar o bafo da Madame Pince no pescoço não é uma tarefa das mais fáceis. Quando você está por perto ela aborrece menos.

Hermione fitou o amigo por alguns minutos.

- Está bem. Mas eu não vou deixar mesmo você copiar a minha análise – a garota advertiu, levantando-se. – E só vou ficar com você até as dez horas. Tenho reunião dos monitores depois.

Harry sorriu para ela, satisfeito, e os dois seguiram sem pressa para a biblioteca. Não havia muito movimento no local àquela hora, de modo que os dois conseguiram uma mesa só para eles. Harry puxou um pergaminho com o rascunho de seu texto e mostrou para Hermione. Apesar de ter dito que não ia deixar o rapaz copiar seu material, a garota acabou escrevendo praticamente sozinha o resto do trabalho de Harry.

Enquanto ela arranhava o pergaminho com a pena, o rapaz a observava de maneira desanimada. Ele estava com uma aparência bastante cansada, com olheiras escuras sob seus brilhantes olhos verdes. Hermione imaginava se ele estaria dormindo. Achava que não. Harry não era o tipo de pessoa que encarava com facilidade uma desilusão amorosa. Nenhum psicólogo trouxa teria dificuldades para constatar que o fato se devia a carência óbvia que o garoto tinha de carinho. Tendo perdido os pais tão cedo, Harry se apegava muito facilmente às pessoas. Acabara de perder Sirius, provavelmente toda a família que ele tinha. Não devia estar sendo nada fácil ficar sem o apoio de Gina...

“Mas eu estou aqui” Hermione pensou com amargura. “Ah, Harry, por que você não consegue ver?”

- Terminou? – o rapaz perguntou, percebendo que Hermione parara de escrever.

- Bem... Já está praticamente pronto – a garota falou, passando os olhos pelo pergaminho. – Faltam algumas poucas coisas, mas – ela olhou o relógio em seu pulso – eu realmente tenho que ir. Acho que você consegue se virar agora, não?

Harry apanhou o pergaminho da mão de Hermione e passou os olhos rapidamente. Fez um aceno positivo com a cabeça e sorriu.

- Obrigado, Mione... Eu não sei o que seria de mim sem você – e dizendo isso, ele inclinou-se e beijou gentilmente o rosto da amiga.

O coração de Hermione pulou, tomado por uma felicidade momentânea. Em alguns segundos, no entanto, uma série de pensamentos desagradáveis tomou posse da sua cabeça. “Pois é, Hermione, você é a amigona dele” e “Beijou o seu rosto... péssimo sinal, péssimo...” são bons exemplos. Ela fechou os olhos e desviou o rosto, ficando de pé em seguida.

- Não precisa agradecer, Harry – ela falou, juntando seu material lentamente. – Eu nunca deixaria de lhe ajudar, você sabe disso.

- Sei – Harry sorriu.

Hermione forçou um sorriso em retribuição, e acenou para ele despedindo-se.

- Vejo você depois.

Ela caminhou para fora da biblioteca, imaginando se Harry a estaria acompanhando com o olhar. Parou no vão da porta e arriscou uma espiada por cima dos ombros, constatando que ele já voltara a sua atenção para o pergaminho. Mione suspirou, baixando os olhos. Por que continuava se iludindo cultivando um sentimento que já sabia não ter futuro? Era perda de tempo procurar traços de interesse em Harry. Ele decididamente não tinha olhos para ela.

Talvez a coisa certa a fazer fosse dar uma chance ao Rony. Ele era bobo, desajeitado, infantil e imaturo, mas gostava consideravelmente dela. Hermione já havia feito o rapaz esperar muito... Pelo quê? Nem ela sabia ao certo. Estivera esperando uma mudança de sentimentos em Harry, mas a cada dia isso parecia algo mais impossível de acontecer. Precisava esquecer, e Rony parecia ser o único capaz de ajudá-la nisso. A garota sorriu internamente, decidindo que falaria com ele no momento adequado.

Hermione estava começando a subir um lance de escadas quando seu olhar identificou um vulto sentado no vão de um grande vitral colorido. Ela apertou os olhos para identificar a pessoa, pois a luminosidade da lua impedia que enxergasse com clareza num primeiro momento. Era Hannah Abott, e ela estava com o rosto enterrado nas mãos numa atitude que levava Mione a pensar que a menina estava chorando.

A garota hesitou por alguns momentos, e se aproximou de Hannah. Não tinha certeza se aquela era a coisa certa a fazer. Talvez ela quisesse simplesmente ficar sozinha. De qualquer forma, Hermione sentia que precisava tentar ajudar de algum jeito. Talvez para que o peso em sua consciência pelo que fizera com relação a Gina e Luna ficasse um pouco mais suportável.

Ela estendeu a mão e tocou o ombro de Hannah amigavelmente. A garota ergueu o rosto num sobressalto, surpresa. Enxugou rapidamente as lágrimas com as costas das mãos, parecendo constrangida.

- Desculpe, eu já estava indo para o dormitório. Não precisa alertar o Filch – a menina fez menção de se levantar, mas Mione a impediu.

- Não, tudo bem – falou pressurosa – Eu não pretendia dar-lhe uma advertência ou coisa assim...

Hannah pareceu um pouco surpresa.

- Ok, então... Eu nem vi você chegar – ela murmurou, voltando os olhos para seus tênis.

- Reparei que você estava aqui por acaso. Por pouco você não me passa despercebida. Eu não quero aborrecer você nem nada, só vim perguntar como a Padma está... E você também, é claro.

Hannah soltou um longo suspiro, e respondeu sem animação:

- Eu não sei como ela está. A Pad sumiu depois daquilo no salão principal.

- Ela deve ter ido para o dormitório da Corvinal, não? – sugeriu Hermione.

- Duvido muito – a menina respondeu simplesmente, num tom de voz que sugeria que as suas tripas estavam se contorcendo de forma desagradavelmente incômoda.

Mione ficou sem saber o que dizer durante alguns segundos.

- Eu não a culpo por querer se isolar... Quer dizer, foi realmente horrível aquele berrador...

- O pai dela é um troglodita imbecil – Hannah falou, o rosto afogueado. – Ele nunca se importou com a Pad... Foi sempre só a Parvati. Desde sempre. É uma família muito horrível para se ter...

- Ah, bem... – Hermione murmurou – Ele não sabe o mal que está fazendo para a filha...

Hannah deu uma risadinha sarcástica.

- Sabe sim, sabe muito bem. Aquele sujeito é um estúpido. Não é a primeira vez que ele age dessa forma com a Padma. Simplesmente porque ela não é a filhinha perfeita que ele gostaria... A Parvati é o modelo para ele. A Padma sempre foi um incômodo para o Sr. Patil. Quando eu a conheci, no primeiro ano, ela estava sentada nessa mesma janela... Chorando. Eu me aproximei e perguntei o que havia acontecido, e ela me disse que estava preocupada porque seu pai ia ficar muito decepcionado quando soubesse que ela não havia sido selecionada para a Grifinória, e sim para a Corvinal. Eu disse a ela que aquilo era uma bobagem. Que pai não ficaria feliz de ter uma filha na casa famosa por abrigar os alunos mais inteligentes? Até consegui fazer ela se sentir um pouco melhor. Bom, no dia seguinte ele escreveu uma carta para Parvati dizendo o quanto estava satisfeito por ela ter sido selecionada para a “melhor casa de Hogwarts”. Sequer mencionou o nome de Padma...

- Isso é horrível – Hermione falou, indignada. – E a mãe delas não faz nada?

- Ah, ela é totalmente submissa a ele – Hannah disse com o olhar perdido. – O grande problema é que a Pad, apesar de tudo, é muito apegada a família. Ela tem uma adoração que você não imagina pela Parvati...

- E agora ela mal olha na cara da irmã – Mione suspirou – Deve estar sendo muito difícil para ela... Aliás, para vocês duas, não é?

Hannah encolheu os ombros.

- Eu não me importo com o que os outros pensam. A Pad sim... É bem mais complicado para ela...

- Se eu puder ajudar de alguma forma – Hermione deixou a sugestão entre aberto, ao que Hannah respondeu apenas com um breve sorriso.

- Obrigada, Hermione. Só o fato de você estar aqui conversando comigo normalmente, sem me olhar como se eu fosse uma atração de circo, já ajuda bastante. Eu fico feliz por saber que posso contar com você.

- É o mínimo que eu poderia fazer. Já cometi um forte erro antes... Não poderia fazer a mesma coisa outra vez – Mione falou novamente como se tivesse esquecido que Hannah estava com ela.

A menina a encarou com uma expressão curiosa. Hermione corou ligeiramente, e desviou os olhos para o relógio em seu pulso.

“Por Merlin, estou atrasada para a reunião dos monitores... Ah, espera, você também deveria estar lá, não?”

- A reunião foi adiada... O Rony Weasley não avisou você?

- Não – ela disse confusa.

- Mas eu falei com ele depois da quarta aula. Ele disse que ia encontrar com você depois e dar o recado.

- O Rony deve ter esquecido – Hermione murmurou, pensando consigo mesma que, considerando a forma intempestiva com que o rapaz a deixara horas atrás, o fato era facilmente explicável.

Hannah ergueu as sobrancelhas.

- Pedirei que outra pessoa dê o recado, da próxima vez... – e escorregou para o chão, pondo-se de pé ao lado a outra menina. Passou as mãos sobre as vestes, numa tentativa não muito bem sucedida de desamassá-las.

- Aonde vai? – Mione perguntou distraída.

- Para a Lufa-Lufa.

Mas alguma coisa no tom de voz da garota, e no modo como ela parecia relutar em olhar para Hermione - como se temesse uma repreensão -, dizia-lhe que Han tinha outros planos. No entanto, resolveu ignorar suas suspeitas e esquecer momentaneamente o distintivo que brilhava em seu peito.

- Se precisar de alguma coisa... – começou.

- Eu sei – Hannah sorriu. – E agradeço mais do que você imagina.

A menina acenou um adeus e caminhou lentamente para longe dela. O que Hermione não imaginava é que aquela não era a última vez que encontraria a colega da Lufa-Lufa naquela noite.

Conforme pressentira, não havia em Han a menor intenção de voltar para o salão comunal de sua Casa. Ela estava decidida a procurar Padma, pois tinha um pressentimento frio e desagradável na boca do seu estômago. Achava que algo muito errado estava acontecendo, e infelizmente não costumava se enganar nessas situações. Desse modo, Hannah iniciou mais uma vez sua busca por Padma pelo castelo. Enquanto uma Hermione pensativa brincava com os cadarços de seus tênis, sentada no lugar que a colega antes ocupara, a garota olhava sala por sala, corredor por corredor, em todos os lugares possíveis, e até nos improváveis.

Mione despertou de seus devaneios ao ouvir o som de metal chocando-se contra a pedra bruta misturado às gargalhadas de Pirraça vindo de algum corredor próximo. Ele provavelmente derrubara algum pedaço de armadura ou, na pior das hipóteses, tentara acertar alguma criatura desprevenida, mas errara. Deu-se conta de que já estava ficando arriscado circular pelo castelo. Se Filch a encontrasse, não teria a desculpa de estar fora do salão comunal devido a assuntos relacionados à monitoria – ele, evidentemente, havia de ter sido avisado do cancelamento da reunião daquela noite.

A garota tomou o rumo da torre da Grifinória, sempre atenta a qualquer ruído que denunciasse a aproximação do zelador. Sua cabeça fervilhava pensamentos, de modo que já podia prever grande dificuldade em adormecer naquela noite. Não que fosse alguma novidade para ela, é claro. Desde o terceiro ano sofria de insônia, mas esta costumava agravar-se em vésperas de provas ou, como era o caso agora, quando tinha muitas informações novas para digerir.

Primeiro: Rony e seu beijo. Hipocrisias à parte, ela não podia negar que gostara - o que significava que precisava reavaliar seus conceitos urgentemente. Além disso, havia a conversa que tivera minutos atrás com a colega da Lufa-Lufa, surpreendendo até a si mesma com a naturalidade com que apoiara o relacionamento da menina. Sim, necessitava de rever seus princípios o mais rápido quanto fosse possível e, talvez, tomar alguma atitude mais drástica para reparar o que fizera a Gina meses atrás.

Distraída na analise de seus pensamentos, Mione sentiu como se todo o sangue de seu corpo estivesse congelando rápida e definitivamente ao sentir uma mão quente e úmida segurar seu pulso. Filch. Excelente! Como se já não tivesse coisas o suficiente para se preocupar...

Hermione se virou.

***

Enquanto isso, algumas curvas e metros a diante, uma Hannah Abbot já exausta de tanto procurar empurrou desanimada uma porta que se encontrava entreaberta. Apertou os olhos para poder enxergar na escuridão, sentindo suas narinas serem invadidas por um aroma agridoce extremamente enjoativo. Após alguns segundos, conseguiu distinguir um vulto na escuridão e tateou os bolsos para apanhar sua varinha.

Com um movimento de pulso ágil, acendeu as luminárias que pendiam do teto. Então enxergou...

- Pad...?

***

- Rony – ela disse, deixando escapar um suspiro de alívio. – O que você está fazendo fora do salão comunal a esta hora?

- Bem, vim procurar você, não? – o rapaz resmungou, desviando os olhos e soltando-lhe o pulso. – Esqueci de avisar que a reunião dos monitores foi cancelada por causa dos treinos de quadribol dos times da Sonserina e da Corvinal. Desculpe... Você deve ter ficado um tempão esperando...

Ele parecia esperar que Hermione estivesse extremamente aborrecida com a sua pessoa. No entanto, para a própria surpresa da menina – que só agora parara para pensar no assunto -, ela não estava. De qualquer forma, isso não era motivo para deixar que ele pensasse que estava tudo bem deixá-la plantada à porta da sala dos monitores. Não. Rony não precisava saber que outra pessoa a avisara, mas estava decidida a não castigá-lo muito severamente. Bastava que ele se sentisse culpado pelo que fizera.

- Você precisa aprender a separar questões pessoais de problemas da monitoria – Mione falou, e soou muito mais friamente do que desejara.

- Eu sei, me desculpe – Rony resmungou contrariado.

Hermione voltou a caminhar sem esperar por ele, que a seguiu apressado.

“Vai ficar muito zangada por causa disso?”

- O que você esperava, uma condecoração?

- Ah, Mione! Você sabe que sou eu quem tem motivos para estar realmente aborrecido com você e, no entanto...

- No entanto você deixou que eu perdesse o meu tempo esperando uma reunião que jamais aconteceria – Hermione cortou. – Só para descontar a sua frustração em mim.

- Isso não é verdade! – Rony protestou num tom de voz bem mais alto do que seria aconselhável. – Eu juro que não fiz de propósito! Quer dizer, você sabe que eu não seria tão...

- Idiota? Ridículo? Imbecil?

- É! – o garoto gaguejou.

Hermione precisava controlar-se para não rir. Ah, Rony... Tão desajeitado! Enquanto ouvia as enroladas tentativas de explicação do amigo, começou a sentir um acréscimo de ternura por ele. A lembrança do beijo veio-lhe com uma sensação morna e reconfortante, fazendo seu coração bater levemente mais apressado.

“Você não está prestando atenção!” o garoto exclamou totalmente indignado, e colocou-se diante da garota obrigando-a a encará-lo.

- Rony – Hermione suspirou.

- Quantas vezes eu vou ter que repetir. Se eu digo que não fiz de propósito, é porque eu...

Mas o resto da sentença Hermione jamais conheceu. Talvez fosse simplesmente o efeito de toda a estranheza daquele dia. Ou, quem sabe, ela estava apenas permitindo-se ser um pouco menos Hermione Granger. O fato é que ela já havia colado seus lábios aos de Rony antes que pudesse pensar a respeito, e a sensação de pegá-lo tão desprevenido pareceu-lhe incrivelmente interessante. Pela primeira vez naquela noite, não havia nada em sua cabeça. Era apenas ela, Rony e aquele beijo... E percebeu que gostava daquilo.

Se havia alguma mágica naquele momento, rompeu-se tão repentinamente como começou. Uma voz rouca e trêmula exclamou o nome de Hermione, fazendo-a pular para trás e afastar-se de Rony com as bochechas extremamente vermelhas. Quando virou para encarar o indivíduo que os pegara em flagrante, a menina deparou-se com uma Hannah Abbot de olhos arregalados.

- Hermione – a garota repetiu.

- O que houve? – perguntou Mione, tomada por um péssimo pressentimento.

- Por favor, ajude... Ela... Alguma coisa... Não sei o que... Ela...

Rony ergueu uma sobrancelha, dividido entre a surpresa e o divertimento. Hermione correu para junto de Hannah, voltando pelo caminho que acabara de percorrer antes de interromper os passos para beijar Rony.

- Acalme-se, ok? - Mione colocou as mãos sobre os ombros da menina gentilmente. Percebeu que ela estava tremendo extremamente descompassada. – Eu não estou entendendo...

Hannah gaguejou algumas coisas sem sentido até que seus olhos fixaram-se em Rony, que se aproximara alguns metros.

- VÁ PROCURAR AJUDA! – ela berrou descontrolada. – O QUE ESTÁ ESPERANDO, VÁ AGORA!

Foi como se ela tivesse despertado de um transe. Voltou-se novamente para Hermione, que com o susto a havia soltado. Agarrou-a pela gola do casaco.

- Padma bebeu alguma espécie de veneno e está agonizando. Ela vai morrer se não fizermos alguma coisa! Você tem que vir comigo!

Hermione sentiu seu coração levar um choque. Deixou-se arrastar por Hannah, ainda atônita com o que acabara de ouvir. Antes de desaparecer na curva do corredor conseguiu, de algum modo, raciocinar, e berrou para Rony que fosse buscar Snape. Não ficou para ver se ele a obedeceria.

Hannah a puxou alguns metros adiante no corredor transversal e escancarou com um chute uma porta que estava entreaberta. Hermione sentiu-se nauseada com a cena que viu, ao mesmo tempo em que um odor agridoce de morte inebriava seus sentidos. Padma, sofrendo tremedeiras que eram quase convulsões, jazia no chão caída em uma posição completamente deformada. Seus olhos arregalados encaravam o teto, e um filete de saliva escorregava pelo canto de sua boca – tomada pela dor, ela estava perdendo a sanidade.

Hannah se atirou ao lado dela, puxando a namorada para seu colo e abraçando-a desesperada.

- Agüente, por favor, agüente – soluçou – Já estamos trazendo ajuda. Você vai ficar bem, eu sei que vai... Olhe para mim, por favor.

- Desculpe – Padma balbuciou, desviando seus olhos úmidos para Hannah.

- Não, eu não vou desculpar! Eu nunca vou desculpar então você não pode... Não pode – Hannah apertou Padma contra seu peito com força. Ergueu os olhos para Hermione. – Por favor, faça alguma coisa...

Mas a garota estava completamente sem ação.

- Onde está o frasco que ela... – foi a única coisa que conseguiu dizer, lutando para fazer seu cérebro funcionar.

Han não respondeu, mas Mione o avistou logo que terminou de falar. Estava caído a poucos centímetros da mão direita de Padma e, por sorte, ainda conservava o resto de um líquido azul arroxeado. Hermione apanhou o recipiente e aproximou-o do nariz, constatando a origem do cheiro que impregnara a sala. Então, com uma sensação quente na boca do estômago, a garota percebeu que conhecia aquele perfume – e descobriu que sabia o que fazer.

- Hannah – Hermione disse rígida. A garota não se moveu, continuando a chorar agarrada ao corpo cada vez mais fraco de Padma. – Hannah, venha aqui.

Dessa vez a menina ergueu o olhar para ela.

“Eu sei o que ela bebeu. É extrato de Mortalha Roxa em dose extremamente concentrada.”

- O quê? – Hannah gaguejou, obviamente sem entender.

É claro que Hermione não esperava que ela o fizesse. Quando Snape avisou que estaria dando uma aula extra a respeito da planta que quase acabara com a vida de Luna Lovegood na manhã de sábado, a maior parte de seus colegas deixou que a informação entrasse por um ouvido e saísse furtivamente pelo outro sem deixar o menor registro. Hermione foi uma das únicas pessoas que deixou de ir a Hogsmeade naquele fim de semana para assistir a tal aula. Sabia, portanto, que não podia perder tempo explicando para Hannah o que estava se passando naquele exato momento no organismo de sua namorada. Precisava fazê-la confiar na competência de Hermione.

- Levante-se – disse. – Faça o que eu estou mandando se quiser salvá-la, está bem?

A garota obedeceu, afastando-se relutantemente de Padma e indo ao encontro de Mione.

- Diga – falou trêmula.

- Eu sei que você não quer se afastar dela, mas vai ter que fazer isso. Entendeu?

Hannah acenou com a cabeça.

- Agora, eu quero que você vá correndo atrás do Snape e diga a ele o que a Padma bebeu. E o que foi que ela bebeu, Hannah?

- Extrato de...

- Mortalha Roxa. Repita.

- Morta...

- Ótimo – Hermione cortou. – Agora corra!

Hannah tropeçou nos próprios pés e disparou para fora da sala.

Assim que a garota desapareceu, Hermione apanhou sua mochila e puxou seu livro de feitiços. Ajoelhou-se no chão perto de Padma, e folheou o material apressadamente até encontrar o capítulo que desejava. Passou os olhos rapidamente sobre as linhas que explicavam teoricamente o funcionamento do Feitiço Indutor de Altas Temperaturas. Mordeu o lábio inferior. Era complicado. Se perdesse o controle do que estava fazendo, poderia acelerar a morte de Padma através da desnaturação de suas enzimas. De qualquer forma precisava tentar, caso contrário ela não resistiria até que Snape chegasse com o antídoto.

Apoiou gentilmente a cabeça da garota em seu colo, e encostou a ponta da varinha na sua têmpora. Sussurrou o feitiço. Um brilho róseo iluminou o ambiente, desaparecendo logo depois. Hermione encostou os lábios na testa de Hannah para sentir sua temperatura. Passou-se um minuto. Dois. Três. Ela começou a aumentar.

À medida que os graus da temperatura corpórea de Padma subiam, aumentavam seus acessos de tremedeira. Hermione mantinha os lábios encostados em sua testa. Puxou o livro de feitiços e conferiu o tempo que precisava para induzir em um indivíduo uma febre de 40ºC. Três a cinco minutos a partir do momento em que a temperatura subisse seu primeiro um grau. A garota checou o relógio. Só mais alguns segundos, então e... Pronto.

Com as mãos um pouco trêmulas, Hermione encostou novamente a ponta da varinha na têmpora de Padma e aplicou o contra-feitiço. Passaram-se alguns minutos, e então a febre começou a baixar. Mione despiu seu casaco e colocou na garota, abraçando-a. Não demorou muito para que conseguisse o efeito que desejava: Padma começou a ficar encharcada de suor.

Só havia um modo de retirar o veneno da Mortalha Roxa do corpo de um indivíduo, e era através dos poros de sua pele junto com o suor. Era esse efeito que o antídoto conseguia, em proporções muito maiores e numa velocidade absurda, sem prejudicar o metabolismo da pessoa. A diferença do caso de Luna para o de Padma era a forma com que haviam entrado em contato com o veneno da planta. A primeira se arranhara no espinho da Mortalha, de modo a sofrer um processo lento e gradual de absorção da substância que acabaria por levá-la à morte em alguns dias, caso não tivesse bebido o antídoto. Já Padma ingerira o veneno, e em uma dose concentrada. Pelos cálculos de Hermione, estaria morta em menos de meia hora se Snape não trouxesse logo a poção.

Não fazia idéia de quanto tempo conseguira para Padma ao fazê-la suar daquele jeito, mas não podia ser mais que alguns minutos. De modo que foi com extremo alívio que Hermione viu Snape invadir o aposento seguido pela professora Sprout, McGonagall, Hannah e Rony respectivamente.

- Como ela está? – Hannah perguntou com a boca seca, fazendo menção de se aproximar.

- Afaste-se, Abbot – Snape sibilou, empurrando-a para o lado.

Sprout passou os braços ao redor de Hannah, e Hermione imaginou se aquilo seria um abraço ou um ato de contenção. Grosseiro como de costume, o professor de poções mandou que Mione soltasse Padma e se juntasse aos outros. Ela obedeceu, porém sentindo-se ofendida. Observou Snape puxar um frasco com um líquido branco fumegante de dentro das vestes. Forçou com os dedos os lábios de Padma a se abrirem e fez com que a garota bebesse cada gota de seu conteúdo.

Alguns minutos se passaram sem que ninguém ousasse falar. Snape observava a garota com seus olhos frios e indecifráveis. Sprout e McGonagall estavam visivelmente confiantes no talento do colega. Rony permanecia boquiaberto, e Hannah parecia visivelmente apavorada. Hermione estava exausta demais para conseguir pensar. Todos assistiram a tremedeira de Padma diminuir aos poucos e o perfume da Mortalha Roxa ficar cada vez mais forte à medida que o corpo da menina transpirava mais e mais. Hannah soltou um ruído seco quando as pálpebras da menina se fecharam devagar.

Snape ergueu os olhos para eles.

- Ela vai ficar bem.

Hannah teria desmaiado se Sprout não estivesse lhe segurando, pois seus joelhos fraquejaram. Enquanto todos respiravam aliviados, ela desabava em lágrimas outra vez.

- Calma, minha querida, tudo vai ficar bem agora – a professora Sprout falou num tom maternal.

Snape e McGonagall levaram a Padma desacordada para a ala hospitalar, e a professora de herbologia tentou, sem sucesso, persuadir Hannah a descansar um pouco – ela recusou-se veementemente e implorou que Sprout a deixasse acompanhar a recuperação de Padma. Sem outra alternativa, a bruxa acabou cedendo. Deixaram a sala e seguiram atrás de Minerva. Rony e Hermione ficaram sozinhos.

Ambos estavam atordoados demais para falar alguma coisa nos primeiros minutos. Tudo acontecera muito rápido. Foi Rony quem quebrou o silêncio.

- Então, salvando vidas... Harry morreria de inveja.

Hermione não se deu ao trabalho de lançar-lhe um olhar assassino. Suspirou, cansada.

- Ao invés de falar besteiras, porque você não vem aqui me abraçar?

Rony corou, constrangido, mas fez o que ela sugeriu. Ficaram algum tempo assim, sem precisar dizer nada. Então se deram as mãos e, finalmente, caminharam de volta ao salão comunal da Grifinória.

***

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