Uma Flor




O antigo portão de ferro já havia sido afetado pela ferrugem. Luna sempre se perguntara por quê o seu pai não colocava um feitiço para protege-lo. Acabou chegando a conclusão de que ele simplesmente não se importava. Todos os anos ele dizia "Oh, precisamos dar um jeito nisso...“, mas ficava apenas nas boas intenções.

Luna estendeu a mão para o portão que fechava a entrada para o cemitério da sua família. Deslizou os dedos pela grade, sujando-os de ferrugem, e empurrou. Conforme previra, o portão estava aberto, e suas dobradiças chiaram ao serem utilizadas depois de tanto tempo.

A garota atravessou o portal e contemplou a vista do cemitério sob a aurora do amanhecer. Era um espetáculo melancólico até mesmo para Luna, que visitava o lugar no mínimo duas vezes ao ano, nos aniversários de nascimento e morte de sua mãe. Mas a visita, hoje, não tinha um motivo especial. Só queria estar perto dela no único modo físico que, infelizmente, lhe restara.

Começou a caminhar vagarosamente. Um ar de abandono e tristeza pairava sobre o local. A grama seca e mal cuidada estava tão alta que, em alguns trechos, chegava até as canelas de Luna. Os canteiros de flores haviam sido completamente tomados por ervas daninhas, e a pequena estradinha de pedras brancas que guiava os visitantes confortavelmente por entre os túmulos praticamente desaparecera. Isso não representava necessariamente um problema para Luna, no entanto, pois ela conhecia o lugar como se fosse o jardim da sua casa.

Muitas vezes, quando pequena, e até mesmo antes de perder a sua mãe, Luna brincara ali. Um ambiente um pouco macabro para uma criança, é verdade. Mas ela nunca fora o que a maioria das pessoas consideraria uma menina normal. Nem depois de grande, Luna pensou com um suspiro.

O cemitério da família Lovegood ficava a alguns quilômetros da sua casa, e a pequena e travessa Luna logo descobrira o local por sua própria conta. Não sabia exatamente do que se tratava, a princípio. Mas gostava de pular por sobre as lajes de pedra, e escalar a estátua do que mais tarde descobriria ser o seu trisavô. Quando seu pai descobriu o novo lugar favorito de sua filha, ficou bastante incomodado. Os mortos não devem ser perturbados, dissera ele. Pediu que Luna limitasse suas brincadeiras ao jardim da casa. É claro que ela não obedeceu.

Quando sua mãe morreu, no entanto, Luna achou que o cemitério não era, de fato, tão divertido assim. Teve alguns pesadelos envolvendo sua mãe e a estátua do seu trisavô ganhando vida. Descobriu, então, porque as pessoas não faziam questão de ir ao cemitério... Mas nunca deixou de levar uma flor para sua mãe nas datas especiais.

Uma flor... Dessa vez não tinha sequer uma flor para presenteá-la. Não, isso seria muito grosseiro de sua parte.

Luna olhou ao redor, e localizou um pequeno ponto colorido perdido no meio da floresta verde de folhas. Caminhou até lá, atravessando o mato particularmente alto daquele local. Sentia as folhas roçando suas pernas desprotegidas. Quando ajoelhou-se para apanhar a flor, sentiu uma pontada de dor na sua perna direita. Deixou-se cair sentada com uma careta. Devia ter se lembrado de colocar uma calça comprida, pensou, examinando o ferimento pouco abaixo do seu joelho. Luna puxou a meia para cima, tampando o machucado, e ficou de pé em seguida. Apanhou a flor e retornou à trilha.

Mais alguns minutos e estava diante do túmulo de sua mãe.

“Katherine M. Lovegood
Amada mãe e esposa
1954 – 1988”

Luna abaixou-se lentamente e sentou-se sobre a pedra fria, os olhos fixos na pequena fotografia circular de sua mãe, que lhe sorria e acenava. Deixou a flor escorregar pelos seus dedos e cair sobre a sepultura.

- Ei, mamãe – cumprimentou Luna, suspirando. – Faz algum tempo que não venho visitá-la... Sinto muito. Tenho estado ocupada com várias coisas... Eu sei que não justifica. Tenho uma porção de novidades para você, mãe, mas não vou contar nenhuma delas porque, bem, você está morta.

Luna parou de falar, surpresa com suas próprias palavras. Sempre conversava com a alma de sua mãe, mas dessa vez simplesmente sentia que não podia.

“Eu amo você, mamãe. Mas não posso mais continuar fingindo para mim mesma que você não se foi. Quando eu fugi da escola para vê-la, pensava em conseguir algumas respostas. Mas a verdade é que não há nenhuma, não é mesmo? Você não pode me ajudar dessa vez... Não acho que alguém possa. Não, eu não estou deprimida. Só não estou muito bem.”

“Sinceramente, eu não sei explicar com palavras o que estou sentindo. Mas a sensação é a de que alguma coisa dentro de mim está apodrecendo. Preciso respirar, mamãe... Mas está tão difícil.”

Luna apanhou a flor e começou a brincar com ela entre os dedos. O retrato de sua mãe a olhava tristemente.

“Ela apareceu na minha vida como um raio de luz, mostrando o caminho para fora do mundo imaginário em que eu estava presa. E eu a amo tanto, mamãe... Será possível que eu tenha me enganado desse jeito? Eu não sei. Eu não sei a resposta. Mas eu sei que não posso mais ficar implorando por um lugar na vida dela, se nela não existe mais espaço para mim. Não posso mais sonhar com ela, se não existe lugar para mim em seus sonhos. E não, eu não vou mais chorar... Porque as lágrimas que ela chora não são por minha causa. Eu não vou mais me importar, mamãe, porque ela já não se importa mais. Nunca mais. Nunca mais outra vez.”

***

Luna sonhou com luzes e cores. Sua mãe em um vestido cor de rosa, e as duas dançando de mãos dadas num jardim florido. Espere. Não, não era a sua mãe, mas sim Gina, que se embalava num balanço cada vez mais rápido. Isso afligia Luna. Ela ia cair e se machucar. Tentou dizer para Gina parar, mas a garota não lhe dava ouvidos.

Quando o balanço já estava bastante rápido, a ruivinha soltou as cordas e pulou para o chão. Caiu de bruços. Luna achou que ela provavelmente arranhara o pulso e os joelhos. Aproximou-se correndo, e abaixou-se para ver como a amiga estava.

- Gina, você está bem?

- Estou legal – ela respondeu, levantando o rosto. Mas havia sangue escorrendo de seus olhos.

- Você está sangrando, Gin!

- Não, Luna... Estou chorando.

Luna acordou com uma gota de chuva caindo em seu nariz. Levantou-se, sentindo o corpo dolorido, e olhou ao redor, reconhecendo o cemitério. Acabara pegando no sono sobre o túmulo de sua mãe, e, ao que parecia, dormira o dia inteiro, pois já estava começando a escurecer.

- Boa tarde, Bela Adormecida. Ou seria boa noite?

Luna virou-se, assustada.

- Papai! – exclamou com assombro. – O que o senhor está fazendo aqui?

- Buscando a minha filha no cemitério... Um pouco tétrico, mas eu já estava até me sentindo à vontade o suficiente para pensar em deitar no túmulo do lado e tirar uma soneca.

Luna suspirou.

- Como o senhor descobriu que eu estava aqui?

- Não descobri, foi apenas uma dedução – o bruxo deu um pequeno sorriso.

- O senhor não está zangado? Por eu ter fugido da escola e tudo o mais?

- Estou. Mas estou mais feliz em saber que você está bem. – o Sr. Lovegood respirou fundo. – Sei que sou meio ausente, filha, mas... Talvez você não saiba, mas é muito importante para mim. Na verdade, eu não estaria exagerando se dissesse que você é tudo de precioso que eu tenho.

- Papai, não precisa fazer isso... – Luna disse, constrangida. – Eu sei que sentimentalismo não é exatamente a sua área de maior domínio.

O Sr. Lovegood deu uma risada divertida.

- E agora você falou exatamente como a sua mãe... Eu não sei se já lhe disse isso, Luna, mas você está ficando bastante parecida com ela.

- Não, não estou – a garota retrucou.

- Está. Você não se lembra de alguns detalhes, era muito pequena. Mas eu sei que essa covinha no canto da sua boca quando você sorri é a mesma que se desenhava no rosto da sua mãe quando eu lhe falava as minhas bobagens.

- Eu lembro disso – Luna protestou.

- Certo, desculpe. Então você herdou a minha boa memória, porque a da sua mãe não era das melhores. Na verdade, ela era tão esquecida que precisava colocar feitiços de localização em todos as coisas para poder encontrá-las.

- Eu sei.

- Ok. Você sabe tudo sobre a sua mãe – Louis suspirou. – Eu gostaria de poder lhe contar algo novo sobre ela para que você desse um sorriso, mas já percebi que não será possível.

- Sinto muito, papai. Mas sorrir é uma das coisas que eu menos tenho feito nos últimos tempos.

A expressão no rosto do Sr. Lovegood escureceu. Ele retirou os óculos e limpou-os calmamente na barra das vestes, pensativo. Luna se arrependeu da última coisa que dissera. Não queria preocupar seu pai, sabia que ele já tinha problemas o bastante no trabalho. Além disso, falar sobre as suas tristezas e desilusões amorosas não era algo que esperava fazer com seu pai. Eles tinham uma boa relação, mas não suficientemente aberta para esse tipo de conversa.

- Eu não sei exatamente o que está se passando por essa sua cabecinha – Louis disse, interrompendo os pensamentos da filha. – Também não sei quem ou o que está fazendo você sofrer, Luna, mas eu posso lhe dizer que, independente do que for, não é bom o bastante para merecer a sua tristeza. Você é uma menina linda e inteligente, da qual eu tenho um orgulho gigantesco. E a sua mãe também teria, se estivesse conosco. Eu só queria que você soubesse que eu a amo muito e que, não importa o que aconteça, você sempre poderá contar com o seu pai...

- Oh, por favor, papai... não me faça chorar – Luna interrompeu apressadamente.

- Certo, então me dê um abraço – o Sr. Lovegood pediu, e a menina pulou nos braços do pai, que já tinha os olhos marejados de lágrimas.

Pai e filha não disseram nada durante vários minutos, permanecendo abraçados. Luna queria falar alguma para fazer o pai se sentir melhor, mas não conseguia pensar em nada. Tentou dizer que o amava, mas as palavras teimavam em não sair da sua boca. Acabou limitando-se a dar um beijo na bochecha do bruxo e abraçá-lo bem forte, o que, ela imaginava, valia por mil palavras.

- Vamos embora – disse o Sr. Lovegood, afinal. – Não vou castigar você nem coisa do tipo, mas, por favor, prometa que nunca mais vai fugir da escola outra vez!

- Eu prometo.

- Ótimo. Porque eu ganhei alguns cabelos brancos essa noite, e não gostaria de passar por isso de novo. Merlin, estou ficando velho para uma filha adolescente!

Luna riu.

***

Gina estava ansiosa. Não conseguia permanecer parada em um lugar por muito tempo, caminhando de um lado para o outro no salão comunal da Grifinória. De cinco em cinco minutos corria a espiar pela janela, mas não havia qualquer sinal de Luna, e já estava escuro.

- Será que dá para você parar de andar de um lado para o outro feito uma barata tonta? – indagou Rony, irritado, debruçado sobre o tabuleiro de xadrez. Estava perdendo para Harry pela segunda vez, o que obviamente o aborrecia. – Está atrapalhando a minha concentração!

- Desculpe – Gina murmurou, afastando a cortina da janela e espichando a cabeça para enxergar o jardim.

- Você é tão irritante quando está inquieta – Rony resmungou, carrancudo, voltando suas atenções para o jogo novamente. – Então, onde estávamos?

- O meu cavalo acabou de comer o seu bispo – Harry disse, entediado. – Não agüento mais jogar xadrez, Rony... Vou ficar com caibra no cérebro.

Rony fechou a cara, mal humorado.

- Só porque você está perdendo... e Gina, será que eu vou ter que lançar um feitiço petrificante em você?

- Oh, que medo, irmãozinho. Só vejo um problema: você não sabe lançar um feitiço petrificante, porque você é um beócio que só está na escola para fazer número. – Gina respondeu sarcástica.

- Vocês querem parar com isso? – exclamou Hermione, irritada. Ela estivera sentada isoladamente a um canto, como de costume ocupada com as suas leituras. – Como podem ser tão infantis...

Gina virou para Hermione com uma careta. Estúpida. Idiota. Metida. Completamente cretina e asquerosa. Será que esquecera de alguma coisa? Ah, sim. Era uma grande ignorante também. Gina sorriu ironicamente. Hermione não olhava para ela. Hermione nunca conseguia olhar para ela. Consciência pesada, talvez? Não. Ela era a dona da verdade. É claro que não teria a capacidade de sentir culpa por ser a maior vaca do mundo na vida de Gina.

A ruivinha pensou seriamente em dar alguma resposta mal educada e grosseira para Hermione. Chegou a abrir a boca para falar, mas mudou de idéia no último segundo. Não valia a pena. Decididamente não. Ao invés disso, deu as costas para a garota e afastou-se em direção ao buraco do retrato.

- Aonde você vai? – perguntou Rony. – Quer jogar xadrez?

- Não é da sua conta, e não, não estou disposta a jogar com você, como de costume ganhar, e ter que agüentar o seu mal humor o resto da noite – Gina respondeu, e deixou o salão comunal antes que o irmão tivesse tempo de pensar em uma resposta.

Desceu as escadas lentamente, os pensamentos vagando distantes. “Minha vida está uma merda. Hermione é uma vaca, meu irmão é um imbecil, meus amigos são uns falsos aproveitadores e Luna...” Gina suspirou. “É só Luna, e isso é o bastante para me tirar o sossego”.

A menina estancou os passos, parando diante de uma sala vazia onde, por diversas vezes, ela e Luna haviam se escondido para ficarem juntas de um modo que não podiam em público. Gina olhou ao redor para ver se não havia ninguém por perto, e entrou na sala sorrateiramente. Era, na verdade, uma sala de aula que acabara servindo de depósito de carteiras e todo o tipo de material escolar fora de uso. Ninguém nunca entrava ali, pois não possuía nenhum atrativo. Desse modo, a sala era mais do que perfeita para um casal namorar escondido.

Havia uma mesa, num dos cantos, que trazia a Gina lembranças particularmente interessantes. A garota caminhou até o móvel, que, como praticamente tudo naquela sala, estava coberto por pó. Seus olhos identificaram rapidamente uma marca na mesa, onde alguém visivelmente estivera sentado. Seus lábios contorceram-se num sorriso.

- Você me deixa tão louca...

As bochechas de Gina coraram com a lembrança da voz rouca de Luna em seu ouvido.

- Gina!

A menina deu um pulo no lugar, e virou-se para a pessoa que a chamava com o rosto muito vermelho e a sensação de que, quem quer que fosse, sabia exatamente no que ela estava pensando.

- Harry – ela disse, num misto de alívio e culpa.

O garoto a encarava com uma expressão no rosto que misturava constrangimento e confusão.

- O que você está fazendo aqui? – ele perguntou, franzindo o cenho.

- Nada. Vi a porta aberta e resolvi espiar por curiosidade – Gina disse, pressurosa.

Harry não pareceu muito convencido, mas, aparentemente, ele não conseguia enxergar algum motivo para desconfiar da menina. A garota reparou que ele parecia cansado. Havia um par de olheiras sob seus olhos, que pareciam foscos e sem alegria. Estava vestindo a mesma roupa que usara no dia anterior, e esta estava bastante amarrotada e larga no físico esguio do rapaz.

Gina sentiu um aperto sufocante no peito, como se uma mãozinha maldosa estivesse comprimindo seu coração sem piedade. Não conseguia deixar de achar aquilo tudo que estava acontecendo deprimente, como uma grande piada que a vida resolvera pregar em todos eles porque estava ficando entediada. Há um ano atrás, se alguém tivesse lhe dito que era isso que o futuro lhe reservava, Gina teria achado bastante absurdo. Provavelmente teria dado umas risadas. Mas, ironicamente, era exatamente essa a sua vida agora.

Lembrou-se da primeira vez que viu Harry, na estação de trem. Não poderia dizer exatamente o que nele lhe chamara a atenção. Era um herói em carne e osso diante dela, e Gina não conseguiu evitar sentir-se intimidade na presença dele. Não que o rapaz representasse alguma imponência ou algo do gênero. Na verdade, não chegava nem perto da imagem que ela sempre tivera em sua cabeça do "Menino Que Sobreviveu".

Durante toda a sua infância, ela pensara nele como Harry Potter, aquele que derrotou o Lord das Trevas. Mas, ao se deparar com o menino magrela e franzino naquela manhã, em King’s Cross, Gina sentiu algo muito diferente do que a imagem do herói sempre lhe trouxera. Aquele era apenas um menino, apenas Harry. E era o mais maravilhoso de todos em sua simplicidade.

Ela crescera idolatrando “O Harry Potter”, mas foi pelo Harry humano que seu coração bateu mais forte. E depois desse dia, nada mais foi o mesmo em sua vida. Pensava nele a toda hora, e falava sem parar sobre o rapaz. Quando estava diante dele, no entanto, sequer conseguia pensar direito. As palavras lhe faltavam, seus joelhos tremiam... Mesmo agora ainda sentia um pouco disso. Um reflexo instantâneo, talvez. Gina não saberia dizer.

Lembrou-se das noites que passara acordada pensando nele, e – corou – em quando começou a descobrir o seu corpo por causa dele, das sensações que o rapaz lhe provocava. Quase podia sentir o gosto salgado das lágrimas em sua boca quando soube que Harry estava “vendo” Cho Chang. Nesse dia, jurou que jamais choraria por ele de novo. Começou a sair com outros meninos, tentando esquecer aquele sentimento que só lhe fazia mal. Nunca conseguiu... até Luna.

Gina não saberia dizer ao certo como ou quando seus sentimentos pela amiga começaram a mudar, mas o fato é que mudaram. Ela estava apaixonada por Luna, e amava cada pequeno pedaço da menina que a fazia ser quem era. O modo como seu olhar perdia-se no horizonte enquanto escutava Gina tagarelar sem parar, a maneira com que ela afastava o cabelo do rosto com um movimento de cabeça, os desenhos estranhos que Luna fazia no caderno de Gina durante as aulas de poções, e o fato de que, por mais que tentasse, nunca conseguia se sair melhor que a garota em nenhuma matéria, mesmo que Luna não dedicasse meia hora do seu tempo para estudar e Gina passasse o final de semana enfiada na biblioteca com Madame Pince bafejando em seu pescoço. Pequenas coisas que, somadas umas as outras, tornavam Luna a pessoa tão complexa e diferente que era. Para muitos ela era apenas uma pirada, mas para Gina era a pessoa mais perfeita dentro da sua imperfeição.

A ruiva ergueu os olhos para Harry, que a observava com uma expressão indecifrável. Teve certeza de que nunca poderia compará-lo com Luna. Eram duas pessoas maravilhosas, porém, totalmente diferentes em todos os aspectos possíveis. E ambos eram importantíssimos para Gina, não só pela forma como cada um dos dois havia modificado a sua vida, mas também pelo que significavam para ela nesse presente momento. Harry fora o homem da sua vida, e Luna... Luna era o amor da sua vida.

Ao pensar em tudo isso, a garota sentiu seus olhos marejarem de lágrimas. Desejou poder desaparecer do universo para um lugar onde não precisasse pensar em absolutamente nada, vivendo apenas para respirar. Algo parecido com uma planta, era isso que gostaria de ser. Livre dessa maldição humana chamada sentimento.

- Tudo bem? – Harry perguntou preocupado, trazendo Gina de volta para a realidade. Esta, infelizmente, não era tão melhor que o mundo de pensamentos em sua cabeça.

- Desculpe – Gina disse, limpando os olhos com a manga do casaco. – Desculpe, eu ando tão distraída... Você estava dizendo alguma coisa?

- Não. Eu só estava olhando para você e pensando – Harry disse sério.

Gina o encarou.

- Posso saber no que?

Harry suspirou, tirou os óculos e limpou-os calmamente na barra do moletom. Gina o fitava, esperando uma resposta. Ele demorou muito mais tempo do que seria necessário para lustrar a lente dos óculos e, quando finalmente terminou, ergueu-os diante dos olhos para avaliar o trabalho. Disse:

- Você pode achar que eu sou muito bobo para perceber, ou coisa assim. Mas eu sei que existe alguma outra coisa por trás dessa história toda... ou, quem sabe, outra pessoa? – ele sorriu de um modo estranho. Não um sorriso sarcástico, mas, é claro, também não um sorriso sincero. Gina não saberia classificar aquele sorriso, mas lhe provocou uma sensação de mal estar. – O fato é que, mais cedo ou mais tarde, eu vou descobrir. E quando isso acontecer, alguma coisa pode se quebrar.

- O que você quer dizer com isso? – Gina perguntou.

- Não estou falando do que eu sinto por você – Harry continuou, os olhos fixos em um ponto atrás de Gina. – Porque isso você já estragou.

- Então...?

- O meu ponto aqui, Ginevra, é...

- Não me chame de Ginevra – Gina cortou, irritada.

Ele sabia o quanto ela odiava que a chamassem assim, especialmente se fosse o próprio Harry. Sempre que o rapaz estava aborrecido ou chateado com alguma coisa que ela tinha feito, tratava-a pelo nome. A frieza com que o fazia, no entanto, causava um desconforto tão grande em Gina que sua reação imediata era zangar-se com Harry mesmo antes de saber o que ele tinha a dizer.

- Certo, desculpe – Harry disse com ar de pouco caso. Ele sempre fazia isso, sempre, Gina pensou, sentindo suas orelhas queimarem. – Apesar de tudo, eu ainda tenho uma grande consideração por você. Não acho que o fato de ter levado um pé na bunda signifique que, necessariamente, devo ficar irado e começar a odiar você com todas as minhas forças. De fato, não é assim que está acontecendo. Mas, no momento que eu souber que você... me traiu ou... ou seja lá o que for que você está me escondendo, desse momento em diante eu nunca mais vou olhar na sua cara outra vez.

Gina sentiu a respiração falhar, e precisou usar de todo o seu auto controle para não desatar a chorar na frente de Harry. Manteve a postura de quem não tem nada a pagar, pois simplesmente não deve.

- Ok – foi tudo o que conseguiu dizer.

Harry fez uma careta, parecendo irritado.

- No entanto, eu estou lhe dando aqui nesse momento a chance de me contar o que quer que exista para ser contado – o garoto disse, empertigando-se.

Passaram-se vários minutos nos quais os dois apenas se encararam. Harry esperava que Gina dissesse alguma coisa, mas isso ela não faria jamais. “Ah, Harry, se você soubesse...” Depois de algum tempo, o garoto começou a se remexer incomodamente. Obviamente esperava que Gina fosse dizer alguma coisa, de modo que o silêncio dela era tão irritante quanto o possível.

“Você não vai dizer nada?” Ele perguntou afinal.

- Não, eu não tenho nada a dizer – Gina respondeu simplesmente.

Harry bufou.

- Ok, então. Mas não diga que eu não avisei! – e, ao dizer isso, o rapaz fez meia volta e saiu pisando forte da sala. Gina revirou os olhos e saiu atrás dele, zangada.

- E ele sempre precisa agir como um grande bebezão – cantarolou ela, correndo para alcançá-lo.

- Pelo menos não sou eu o dissimulado da história – Harry respondeu, apressando o passo de modo que Gina precisou praticamente correr para alcançá-lo.

- Pelo menos eu não beijei a Hermione – Gina alfinetou, virando a curva do corredor na cola do garoto.

- Esse não é o assunto em questão – Harry retrucou.

- Por que não? Você está dizendo que eu traí você, mas a única coisa que nós dois sabemos, até o momento, é que foi você quem andou me enfeitando a cabeça – Gina falou.

Estava tão furiosa que sequer dava atenção ao pensamento de que, na verdade, ela realmente traíra o rapaz, e negar esse fato de forma tão ofendida fazia dela uma verdadeira hipócrita.

Harry fez um ruído estranho com a boca, descendo as escadas para o saguão de entrada rapidamente.

- O que você esperava que eu fizesse, a minha namorada estava pouco ligando para mim – ele respondeu sarcasticamente. – Ninguém é de ferro, e a Hermione não é de se jogar fora.

- Ok, agora você está me dando náuseas – Gina gargalhou forçadamente, pulando de dois em dois os degraus da escada atrás do menino.

- Pessoas mentirosas como você me dão náuseas – Harry bufou.

- Posso saber o que lhe dá tanta certeza assim de que eu estou mentindo? – Gina indagou.

Harry virou-se bruscamente, surpreendendo-a.

- Olhe nos meus olhos, então, e diga que realmente não há mais nada além daquilo que nós conversamos ontem! – Harry desafiou.

Os dois se encararam furiosos, ambos respirando com força. Gina chegou a abrir a boca para dizer “Não, não há!”, mas simplesmente não conseguiu. Não podia mentir para Harry, por mais que achasse melhor faze-lo. Acabou desviando os olhos, e sentiu o corpo do garoto estremecer com o que considerava ser a confirmação de suas suspeitas.

“Olhe para mim, Gina.”

- Não – ela sussurrou, os olhos fixos no chão.

- Olhe para mim.

- Não! – Gina exclamou.

Harry não disse mais nada, limitando-se a observá-la com toda a sua atenção. Ainda sem olhá-lo, Gina murmurou:

- Algumas coisas é melhor não saber, Harry...

- Eu quero saber – ele disse com firmeza.

- Não... Você não entenderia... Esqueça – Gina virou-se para ir embora, mas Harry segurou seu pulso e puxou-a de volta bruscamente.

- Eu quero saber.

Gina continuava evitando encará-lo, e a tensão entre os dois era enorme. Até que, finalmente, a garota cedeu e ergueu os olhos para ele. A primeira coisa que percebeu foram os olhos de Harry, que estavam assustadora e anormalmente escuros; a segunda, foi que eles estavam muito mais perto um do outro do que seria apropriado.

Harry também percebeu isso, e Gina viu os olhos dele desviarem-se devagar para os seus lábios. Ouviu a porta de entrada do castelo ranger preguiçosamente, mas isso não pareceu afetar o rapaz. Percebeu que ele estava se aproximando.

- Harry – disse. Ele parou. – Isso não vai mais acontecer.

O garoto desviou os olhos, libertando os braços de Gina. Ela deu um passo para trás, com um suspiro, e massageou os braços. Só então que, ao erguer o rosto novamente, percebeu que ela e Harry não eram os únicos presentes no saguão de entrada.

- Olá, Gina. E você é Harry, claro – disse o Sr. Lovegood, olhando da menina para o rapaz. – Desculpe se estamos interrompendo algo, mas será que um de você poderia me levar até a sala do Professor Dumbledore?

- Claro, eu posso levar, mas não acho que vamos conseguir entrar, porque eu não sei a senha – Harry disse displicente.

Gina, no entanto, permanecia completamente alheia a conversa. Seus olhos estavam fixos em Luna, a sua Luna, e seu cérebro não parecia apto a raciocinar direito. Seus olhos estavam cheios de lágrimas e, quando se deu conta, estava abraçando a menina com tanta força que teve certeza de que a estava machucando.

Harry e o Sr. Lovegood observavam a cena, confusos.

- Ah... Gina estava muito preocupada com ela – Harry disse.

- Eh, são amigas, elas duas...

Gina não estava ouvindo. Tudo o que conseguia pensar agora é que tinha Luna em seus braços, e que ela estava bem... Oh, ela estava bem! Gina não conseguia parar de chorar. Não conseguia se lembrar de ter sido tão emotiva assim antes, e isso era um pouco estranho. Mas há um ano atrás ela não se imaginaria abraçando uma menina daquela forma, portanto, não precisava se preocupar com isso. A Gina Weasley de hoje não era a Gina Weasley de um ano atrás, afinal.

- Nunca mais faça isso – Gina sussurrou. – Nunca mais, Lu...

- Gina – Luna disse lentamente. – Se a sua intenção é me matar sufocada, está conseguindo. Mas se não é, sugiro que pare de apertar o meu pescoço desse jeito.

- Ah, desculpe – Gina disse, sem graça.

Esperaria qualquer atitude de Luna, menos aquela frieza. Ela sequer retribuíra o abraço, percebia agora. Sentiu ainda mais vontade de chorar, mas alquele balde de água gelada que recebeu de Luna serviu para traze-la de volta à realidade, e sabia que precisava se recompor. Enxugou os olhos nas mangas do casaco, e olhou para Harry e o pai de Luna com uma expressão envergonhada.

– Me desculpem... Sr. Lovegood... Luna... eu não estou num bom dia, decididamente...

E afastou-se cambaleante e miserável para fora do castelo, passando por uma Luna estática e inexpressiva que sequer dava-se ao trabalho de olhá-la.

- Acho melhor você ir atrás da sua namorada – disse o Sr. Lovegood para Harry, os olhos ainda fixos no local onde Gina estivera.

- Não, acho melhor não – Harry disse, sacudindo a cabeça. – De outro modo, quem vai levar vocês até a sala do Dumbledore?

- É verdade, é verdade – concordou o Sr. Lovegood, limpando os lábios com um lenço cor de terra. – Vamos indo, então? Não posso demorar muito tempo por aqui, sabe.

- Pode me seguir – Harry disse.

Os dois bruxos começaram a subir as escadas, mas foram interrompidos pela voz de Luna.

- Na verdade – ela disse calmamente. – Eu sei onde fica a sala do Prof. Dumbledore, obrigada. E, Harry, eu realmente acho que você devia ir atrás dela.

Harry abriu a boca para dizer alguma coisa, mas mudou de idéia. Olhou para o Sr. Lovegood.

- A Luna pode levar o senhor até lá, então, e enquanto isso eu procuro a Profa. Minerva para que ela saiba que vocês estão aqui.

O Sr. Lovegood concordou com um aceno de cabeça e agradeceu a gentileza do garoto. Harry desapareceu atrás da diretora da Grifinória, deixando Luna e o pai sozinhos.

- Vamos? – o bruxo perguntou.

Luna acenou que sim e se juntou ao pai. Antes disso, no entanto, lançou um olhar por cima dos ombros para a porta do castelo.

- Gina...

***

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