Donzela, Mãe e Anciã!



“Tudo é dor e toda dor, vem do desejo,
De não sentirmos dor.
Quando o Sol bater na janela do teu quarto,
Lembra e vê, que o caminho é um só”.
(Quando o Sol bater na janela do teu quarto - Legião Urbana)





Depois de despertar do estado de torpor em que se encontrava ao tê-la visto, a cabeça de Harry começou a fervilhar em pensamentos. Só agora ele começava a se dar conta de que havia se comprometido a fazer algo que ele não tinha a menor noção do que seria.

Quando a Sacerdotisa que estava com ele o deixou aos cuidados de Dagda, ele foi levado para conhecer as dependências do Edifício dos Sacerdotes. Dagda conversava tranqüilamente com ele, mas sem dar detalhes do que o jovem grifinório estava prestes a encontrar.

Passou o resto daquele dia e do próximo isolado de todos em um quarto reservado. A única pessoa que viu, foi Dagda, que vinha lhe trazer as suas refeições. Até nisso ele era tratado de modo diferente; como bebida tinha apenas água e para comer apenas pão com mel e frutas, principalmente maçãs e cerejas. Para tentar distrair o jovem, Dagda explicou que aqueles eram alimentos rituais, cheios de simbologia.

“O Pão” - disse ele a Harry - “é o alimento espiritual. Alimenta tanto o corpo, quanto a alma. Já o mel, é o alimento dos deuses e representa o renascimento. As cerejas são associadas ao auto-sacrifício, por sua cor lembrar o sangue. E a maçã simboliza a fertilidade, a vida. Aliás, você sabia que o significado de Avalon é Ilha das Maçãs?”

Por mais que parecesse tedioso ficar ali, isolado de seus amigos e sua garota (e nessa hora ele sentia alguma coisa revirando o seu estômago) Harry não podia negar que eram interessantes as coisas que conversava com Dagda. Aquela tranqüilidade toda parecia fazer com que ele notasse mais facilmente a magia intensa que pairava sobre aquele lugar. Teve tempo suficiente para pensar em sua vida, em suas escolhas. E engraçado que uma de suas escolhas o levou até ali, até Avalon, para provar ser merecedor de uma Insígnia Sagrada. Isso era totalmente inesperado!

Aos poucos, a calma e o clima místico e solene daquele lugar foram tomando conta de Harry, o inebriando com uma sensação de êxtase profundo. Ele já não sabia dizer em que dia ou hora estava. Não sabia dizer por quanto tempo estava ali. Sua mente era assolada por imagens difusas e ele tinha a nítida impressão de estar sonhando, apesar de saber que estava muito bem acordado.

Após ter passado dois dias no Edifício dos Sacerdotes, finalmente havia chegado o dia da tão esperada prova. Mas, por incrível que pareça, ele não estava nervoso, ou ansioso. Muito pelo contrário. Harry estava em um estado de espírito tão calmo, que ele próprio se impressionou com isso.

A madrugada ainda não havia chegado ao seu final e Harry voltou a ter o estranho sonho que tivera na primeira noite em que passara em Avalon. Ele e Gina dançavam em volta de uma fogueira, como se participassem de um ritual. Ela estava coroada com flores silvestres e parecia tão diferente, como se fosse uma deusa. O cabelo ruivo dela, balançando de um lado para o outro, parecia crepitar, assim como as chamas da fogueira. Quando estendeu os braços para envolver Gina num abraço, viu que as chamas da fogueira produziam uma visão sobre seus braços. Parecia-lhe que carregava dragões enroscados nos braços e que conforme a luz do fogo incidia sobre eles, os dragões se movimentavam e Gina parecia brincar com as estranhas criaturas.

Só que diferente do que aconteceu no outro sonho, dessa vez ele conseguia se lembrar do que acontecia depois.

Enquanto a garota se aninhava em seus braços, o enlaçando fortemente, ela se aproximou de seu ouvido e começou a lhe sussurrar coisas, parecendo um encantamento que se misturava e se fundia com o som agradável da música que tocava de fundo:

-Um encontro com os teus maiores medos e desejos. É isso o que te espera...

E quando ele se separou de seu abraço, ouviu de algum lugar muito distante o som de batidas contra uma porta. Ele tentou se firmar e entender o que Gina lhe dizia, mas a escuridão começou a tragá-lo e ele despertou.

Tateou no escuro em busca de seus óculos, ainda com os olhos fechados. Quando conseguiu abri-los, viu que o dia começava a amanhecer e as batidas na porta continuavam.

-Já vou! - gritou, indo abrir a porta.

Quando a abriu, ficou surpreso ao ver que Dagda não estava sozinho. Junto dele havia mais dois Sacerdotes de expressões graves e solenes. Seguravam archotes brilhantes, usavam vestes cinzentas e seus rostos estavam praticamente ocultos por capuzes. Apenas Dagda tinha o rosto descoberto.

Com um gesto silencioso, Dagda indicou o corredor de pedras escuras onde estavam. Eles caminharam silenciosamente. Os dois Sacerdotes que seguravam os archotes iam à frente, iluminando o caminho de Harry e Dagda.

O jovem estava em um estado de surpresa tão grande, que não sabia ao certo o que fazer. Mas preferiu ficar calado. Ele tinha a ligeira impressão de que isso era o mais correto a fazer naquele momento. Talvez o som de sua voz fosse quebrar o clima de mistério e ele fosse descobrir que, na verdade, estava dormindo.

Após caminharem por alguns minutos, entrando e saindo de outros corredores escuros, chegaram a um aposento modesto, como tudo naquele lugar. Era semelhante ao quarto em que Harry ficara nos últimos dois dias, mas era um pouco maior. O rapaz tomou um belo de um susto quando notou que os dois sacerdotes encapuzados retiravam as vestes dele e começavam a pintar o seu corpo com símbolos estranhos em tinta azul.

Harry lançou um olhar confuso a Dagda, mas este estava concentrado em preparar algo num dos extremos do quarto, onde havia uma mesa pequena. Voltou a olhar para os homens encapuzados, e viu que estes, enquanto faziam os desenhos mágicos em seu corpo murmuravam palavras desconhecidas, encantamentos tão antigos que Harry nem ousava imaginar quão velhos seriam.

Depois que os Sacerdotes terminaram de gravar os símbolos estranhos no corpo de Harry, ele foi vestido com uma simples calça branca, tendo o peito magro, totalmente nu. Dagda se aproximou, trazendo um cálice de prata em suas mãos, oferecendo-o a Harry. O rapaz aproximou o cálice dos lábios, não sem antes fazer uma careta estranha ao sentir o cheiro forte da bebida destilada. Com um único e longo gole, ele sorveu grande parte do líquido forte e amargo, que desceu queimando até chegar em seu estômago. Quando ele fez menção de tomar outro gole, Dagda o reteve com um gesto.

-Isso já foi o suficiente! - Foi a única coisa que ele disse, e logo voltou a se calar, deixando o silêncio místico reinar no aposento.

Os dois Sacerdotes encapuzados cobriram Harry com um manto pesado e escuro; um deles indicou a saída, guiando Harry por gestos e o outro colocou um pequeno punhal curvo em sua mão. A estranha comitiva voltou a caminhar por entre os corredores do edifício e logo eles chegaram a saída que dava para o bosque de carvalhos. Conforme andavam, Harry foi notando que começava a ver tudo embaçado, com se fossem grandes borrões disformes. Mas ainda assim ele era capaz de notar por debaixo do capuz do manto escuro que usava, que ao longo do caminho havia vários Sacerdotes e Sacerdotisas com o rosto encoberto e segurando archotes brilhantes. Nenhum deles falava nada e nem olhava para ele. Uma simples palavra não-consagrada poderia profanar o momento solene.

Quando Harry retirou os óculos, para poder coçar os olhos, viu que ele conseguia enxergar melhor, como se nem precisasse usá-los. E não era só isso. A sua audição estava melhor, podia escutar o cantarolar suave dos pássaros ao longe com mais clareza.

O que Dagda havia dado para ele beber? Pois parecia que após ter ingerido o estranho e amargo líquido, os seus sentidos estavam mais aguçados. Como se o seu corpo fosse mais sensível e percebesse com mais intensidade o universo. Como se só agora, ele tivesse consciência que fazia parte de algo maior, infinito.

Quando finalmente chegaram na orla do estranho bosque, Harry sentiu que o manto escuro havia sido tirado de seus ombros. Estava em um estado de dormência tão grande, que mal se dava conta da presença dos três Sacerdotes o guiando. O ar fresco da manhã envolveu o seu peito nu como um abraço e fechando os olhos, deixou que aquela magia irresistível o guiasse.

Quando voltou a abrir os olhos, viu Dagda o encarando seriamente. Um olhar penetrante e ao mesmo tempo terno. Com uma voz grave, diferente da voz suave que ele tinha, proferiu:

-Você terá de atravessar o bosque de Carvalhos.

Harry parecia confuso.

-É só isso o que eu tenho de fazer? - indagou, franzindo a testa.

-Você não sabe o que o aguarda lá dentro.

-E você não pode me dizer o que é?

Dagda ponderou por alguns momentos, e soltou um suspiro.

-Isso, meu rapaz, eu realmente não posso responder, já que não sei do que se trata.

E após Dagda dizer isso, os três Sacerdotes viraram as costas e deixaram Harry sozinho, sem saber ao certo o que fazer.

“Pelo menos estou com a minha varinha”, ele pensou, enquanto caminhava por uma trilha mal cuidada no bosque. Mas será que sua varinha seria realmente útil lá dentro?


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Gina acordou sobressaltada.

Escutou batidas insistes na porta, despertando-a de seu sono conturbado. Esfregando os olhos, correu para abrir a porta e deu de cara com uma Sacerdotisa a encarando com uma expressão sisuda.

-A Senhora deseja vê-la. - Foi a única coisa que disse.

A ruiva aquiesceu e voltou para o quarto para poder se vestir devidamente. Alguns minutos depois, ela já caminhava a passos largos, em direção à casa de Eriu. Quando chegou lá, viu a Grã-Sacerdotisa dando instruções para uma mocinha, que devia ser poucos anos mais jovem do que Gina. A ruiva ficou surpresa. Sempre tinha a impressão de que encontraria Eriu sentada em sua cadeira em frente à lareira, com o seu sorriso calmo e tranqüilizador.

Agora, ela parecia austera e mais velha. Como se o peso de seu cargo e de sua sabedoria estivesse mais evidente em seu rosto e em seus gestos. Mas assim que viu Gina esperando na entrada da casa, dispensou a jovem noviça com uma última recomendação e sorriu para ela, chamando-a para se sentar ao seu lado.

-Vejo que não dormiu muito bem, criança - Eriu disse, vendo que Gina tinha olheiras marcando os seus belos olhos castanhos. - Desculpe se interrompi o seu sono, mas eu realmente gostaria de lhe falar.

-Não, Eriu, não tem problema. - Gina suspirou. - Eu realmente não tenho dormido bem nos últimos dias. Pesadelos, sabe. E estão piores do que nunca.

-Do que se trata?

-Sonho com coisas que aconteceram comigo há tempos atrás e que não gostaria de relembrar.

Eriu fitou a jovem com preocupação.

-Talvez o esforço para abrir a sua Visão esteja fazendo isso com você. Conforme você força sua mente para ver coisas além, você trás à tona pensamentos e lembranças que já estavam adormecidos. Mas não se preocupe, conforme você for aprendendo a usar o seu dom, vai aprender a administrar melhor o que deseja ver!

Gina sorriu.

-Eriu, porque mandou me chamar aqui?

A Grã-Sacerdotisa lançou um olhar enigmático a garota - Em poucos minutos você ficará sabendo. Aguarde um pouco, minha jovem.

As duas mergulharam em seus pensamentos silenciosos, enquanto observavam a pequena casa pouco a pouco se iluminar com os primeiros raios de Sol daquela manhã de Primavera. Depois de alguns momentos, uma jovem Sacerdotisa entrou no aposento, fazendo uma reverência respeitosa à Eriu.

-Senhora, os dois jovens estão à sua espera do lado de fora. Posso trazê-los?

Eriu fez um gesto largo de concordância e logo, Hermione e Rony -que tinha a expressão mal-humorada de quem não estava entendendo o motivo por ter sido acordado tão cedo -entraram no recinto. Os três jovens grifinórios se olharam com surpresa, tentando compreender o motivo para estarem ali.

- Meus queridos, neste momento Harry está sendo levado para o seu teste. -a Grã-Sacerdotisa falou erguendo-se do banco onde estava sentada e fazendo um gesto para que os jovens a seguissem. - E eu os chamei aqui, pois tenho uma missão de grande importância para vocês, uma missão que será de grande ajuda para Harry futuramente.



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Uma onda sobrenatural de silêncio caiu sobre o bosque. Conforme Harry caminhava, o único som que ele era capaz de ouvir, era o farfalhar das folhas abaixo de seus pés. O bosque parecia totalmente inofensivo, um motivo forte para deixar o rapaz preocupado. Coisas calmas demais sempre antecedem tormentas devastadoras. Mas os seus pensamentos estavam confusos e ele não conseguia raciocinar com muita clareza, tudo o que ele fazia era deixar a Magia o guiar. Mal tinha consciência dos seus pés descalços e de seu peito nu e pegajoso por causa das pinturas.

Mas uma brisa suave trouxe até ele o aroma fino e delicado de flores perfumadas. Guiado por aquele aroma irresistível e que ele tinha a ligeira impressão de já ter conhecido, ele se embrenhou mais ainda na trilha do bosque e ali, ele encontrou em meio aos sisudos carvalhos, uma única cerejeira florida. Tinha flores de um rosa claro por toda a sua copa e Harry pensou que era uma das árvores mais belas que já tinha visto em sua vida.

Conforme se aproximava da cerejeira, o aroma de flores ficava mais intenso e o rapaz se deu conta de que este aroma não vinha da árvore florida. Quando ele viu uma mecha de cabelos flamejantes se agitar por detrás daquela árvore, seu coração começou a bater mais forte. O perfume que sentiu, era o perfume dela. Mas o que Gina estaria fazendo ali?

Deixando a cautela de lado, ele se precipitou em direção à jovem ruiva. Ela saiu de trás da árvore e Harry pôde vê-la melhor. Ela estava exatamente do mesmo jeito que ele a vira em seus sonhos. Usava um vestido leve e comprido rosa-claro e seus cabelos ruivos traziam uma coroa de flores silvestres. Parecia-se mais com uma dríade, uma fada. Ela sorriu e Harry se aproximou dela, hipnotizado por aquele olhar doce.

-Gina, o que você está fazendo aqui? -ele perguntou com voz baixa. Tinha a impressão de que as árvores o ouviam e cochichavam entre si.

-Esperando por você, ora. -a garota respondeu, como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo. -Estava com saudades de você, sabia?

Harry tentou pensar com clareza, mas ele se viu jogado num turbilhão de sensações e sentimentos confusos. Ver Gina ali, tão bela e tão mulher, havia mexido com uma parte dele que o rapaz fazia questão de sufocar. Não deveria pensar daquele jeito, não queria.

-Você sentiu minha falta? - Ela perguntou, colocando os braços ao redor do pescoço de Harry. Ele não conseguiu responder nada, estava em um estado de torpor tão grande que a única coisa que conseguiu fazer foi olhá-la nos olhos. E se surpreendeu com o que viu. Os olhos de Gina pareciam irradiar um fogo intenso, assim como as chamas da fogueira de seus sonhos.

-C-claro que senti, Gina, mas agora não é hora pra isso. - Ele respondeu com voz rouca.

A garota sorriu novamente, e com uma das mãos, trouxe o rosto de Harry para mais próximo de si e o beijou calorosamente. Harry não protestou. Gina apoiou as costas no tronco da cerejeira florida e trouxe o corpo de Harry para mais próximo, de modo que os dois tinham os corpos praticamente colados. Depois de um tempo se afastaram e somente fizeram isso porque já não eram capazes de respirar. Mas logo, Gina voltou a colar os seus lábios nos dele, retomando a sessão de beijos ardentes. As mãos da garota agora percorriam as costas e o peito do rapaz, provocando arrepios gostosos de prazer. Ele já não conseguia conter o desejo.

Quando novamente voltaram a se afastar, viu que o brilho nos olhos de Gina havia aumentado, como se fosse uma chama mágica. Mas dessa vez ela não sorriu. Olhou seriamente para Harry e levando as mãos aos laços que prendiam o seu vestido, começou a soltá-los lentamente. Harry ficou surpreso e quando pensou em dizer alguma coisa, viu o vestido rosa-claro deslizar de maneira displicente para o chão e revelar o corpo perfeito de Gina. Nem nos seus sonhos mais insanos, o rapaz pensou que fosse assim e, por mais que uma vozinha chata em sua mente insistisse em dizer que aquela era Gina, a irmãzinha de seu melhor amigo, ele não conseguia tirar os olhos dela.

Vendo o estado de surpresa do rapaz, Gina gargalhou divertida e voltou a abraçar Harry.

-O que foi, Potter, nunca viu uma garota nua?

-Gina, nós... - E ele não conseguiu terminar de formular a frase. Gina voltou a beijá-lo impetuosamente, como se estivesse faminta. O rapaz não conseguia pensar, não conseguia se afastar. Deixou que a garota o envolvesse em seus braços e começou a se deixar levar por aquelas sensações únicas. Sentir o corpo quente e macio dela tinha um efeito quase alucinógeno sobre ele. Estava tão envolvido que mal notou quando Gina o puxou pela mão e eles se deitaram na terra, sobre a sombra da cerejeira. As mãos dela se tornaram mais ousadas e tocavam Harry de um jeito que ele imaginou que a garota nunca pudesse fazer.

Os seus instintos mais primitivos entraram em ação e ele começou a corresponder à altura. Mas quando ele sentiu as mãos quentes e delicadas de Gina entrarem por dentro de sua roupa, a sua consciência falou mais alto novamente.

-Gina, não podemos... - sua voz saiu mais rouca ainda, a respiração entrecortada. - O meu teste... nós aqui... não é certo...

-Deixe o teste de lado. -Gina disse com voz lânguida. - Fique aqui comigo. Ou o teste é mais importante do que eu?

Harry se afastou bruscamente da garota, como se o contato com a pele dela lhe queimasse. “Então isso faz parte do teste. Gina nunca iria agir desse modo tão selvagem. Será que deram alguma coisa pra ela beber?”

-Gina, por favor, vista-se. - Ele ordenou, virando-se de costas para ela e para a cerejeira. Ouviu a garota soluçar. Provavelmente ela estaria chorando. Ficou alguns minutos assim: de costas, tentando recobrar a razão, deixando que o perfume e as sensações que a garota lhe provocara fossem se dissipando rapidamente. Sentiu vontade de voltar e aninhá-la em seus braços, mas sabia que se fizesse isso, acabaria não resistindo. Mas o bosque entrou naquele estranho e místico silêncio. Sobrenatural. Inquietante.

Quando se virou para olhar Gina, viu que ela não estava ali. A cerejeira florida também havia sumido. Harry ficou boquiaberto. Passou a mão sobre a própria fronte que estava banhada em suor e buscou sua varinha juntamente com o punhal, que haviam sido esquecidos no chão, no momento em que havia se deitado na terra. Aquela havia sido apenas a primeira etapa.

E após isso, prosseguiu sua caminhada pela trilha, tentando imaginar qual seria o próximo obstáculo que deveria enfrentar.



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Eriu guiou Gina, Rony e Hermione em direção a um aposento amplo que ficava a um nível abaixo da terra, no edifício dos Sacerdotes. Nenhum dos três jovens sabia o que estava acontecendo e nem ousaram perguntar. A Grã-Sacerdotisa caminhava de maneira firme a sua frente e uma expressão etérea estava estampada em seu rosto. Eles preferiram não perturbar isso, mas os seus pensamentos eram tão inquietos que Eriu era capaz de ouvi-los, como se fossem ditos em voz alta.

Quando chegaram finalmente no aposento, viram que, apesar de serem os únicos a estarem ali, este parecia carregado de magia e de um encanto peculiar.

Os jovens entraram e viram que havia algumas coisas dispostas ao longo do recinto: uma mesa com algumas coisas que eles não puderam ver o que eram, um caldeirão grande e uma lança colocada de modo respeitoso em cima de um pedaço de linho branco em cima da mesa.

-Vocês vão me auxiliar no preparo da Insígnia Sagrada. - Eriu proferiu com voz grave.

Os três se entreolharam com surpresa.

-Mas, Senhora... - Hermione se adiantou, sem ousar encarar os olhos cinzentos de Eriu. - Como nós vamos ajudá-la se nem mesmo sabemos se o Harry irá passar neste teste. E se ele falhar?

Gina parecia perplexa. Não havia pensado nessa possibilidade. “E se Harry falhasse?”. Afinal, nem sabia no que consistia esse tão misterioso teste. Mas o olhar seguro de Eriu parecia muito certo do que fazia.

-Vocês acreditam que o jovem Harry irá falhar? - Foi a única coisa que ela indagou.

Como nenhum dos três ousou dizer que não acreditava nisso (o que realmente era verdade), aproximaram-se da mesa, aguardando as instruções de Eriu.

-Como vocês são as pessoas mais próximas de Harry, acredito que um encantamento forte pode ser feito. Quero que coloquem suas melhores qualidades e conhecimentos em favor dele. A missão de Harry é muito difícil e ele precisa da força e do apoio de vocês.

Os três concordaram e logo começaram a trabalhar.

A lança que estava colocada cuidadosamente sobre o linho branco, era a Insígnia Sagrada que representava o elemento Ar. Mas na Visão de Eriu, ela aparecia sob a forma de uma Adaga, ou seja, ela deveria ser remodelada de acordo com o uso que o “escolhido” fosse dar a ela. E uma Adaga era bem mais fácil de manejar do que uma comprida lança.

Gina se aproximou do caldeirão e invocou o fogo. As chamas mágicas brilhavam de um jeito diferente, lambendo o fundo do caldeirão escuro. Ficou por alguns momentos fitando as chamas crepitantes, deixando que sua mente fosse tomada e inebriada pelo momento. Em um momento ela estava olhando para o caldeirão e para as chamas do fogo, no outro ela era capaz de ver Harry caminhando no bosque de carvalhos. Tudo era confuso e estranho. Havia uma cerejeira e o rapaz caminhava naquela direção, mas não entendia o que estava acontecendo, apenas ouvia Harry dizer o seu nome de um modo estranho, cheio de desejo.

Gina cambaleou e sentiu os braços fortes do irmão amparando-a.

-Gina, você está ok? - O ruivo perguntou, parecendo preocupado.

Hermione se aproximou, com a mesma expressão preocupada de Rony.

-Deixem Gina. - A voz musical de Eriu foi ouvida. - Ela está entrando em um estado de transe. Ela é capaz de sentir o que está acontecendo com Harry na floresta.

-O fogo de seu desejo o consumiu e o tragou, mas ele conseguiu resistir...ele resistiu...ele resistiu... -A ruiva balbuciava com um olhar vago. Ergueu-se lentamente e se aproximou do caldeirão invocando o fogo para que este queimasse com mais intensidade.

Eriu se aproximou da lança que jazia encima da mesa e com todo o cuidado a recolheu. Depositou-a dentro do caldeirão e viu o seu metal derreter ante o poder irresistível das chamas...



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O calor causado pela floresta abafada, juntamente com o estado de perturbação em que ele se encontrava por ter sido testado através de Gina, deixou Harry atordoado por algum tempo. Ele não tinha muita noção das horas, mas seu estômago lhe dizia que já havia avançado muito pela manhã. Estava começando a ficar faminto.

Conforme caminhava, ouviu ao longe o ruído suave de água em movimento. Conforme avançava na trilha o ruído ficava mais alto e junto com o ruído chegava até ele o cantarolar de uma voz doce e musical. Ele conhecia aquela voz, já havia ouvido-a antes.


Hush my love now don’t you cry
Acalme-se meu amor, agora não chore
Everything will be all right
Tudo vai ficar bem
Close your eyes and drift in dream
Feche seus olhos e divague no sonho
Rest in peaceful sleep
Descanse em um sono tranqüilo


Em um passado praticamente esquecido, era aquela mesma voz que embalava o seu sono infantil, que o acalmava toda noite antes de dormir. A mesma voz que ele queria ouvir mais uma vez, daquela mesma maneira alegre e sossegada. Cheia de vida e de alegria...


If there’s one thing I hope
Se há uma coisa que eu espero
I showed you
Ter mostrado a você
Hope I showed you
Espero ter mostrado a você


E a canção? Ah, a canção... ele mal se lembrava dela, mas tinha a mais absoluta certeza de que era a mesma canção que sua mãe cantava quando ele era apenas um bebê, quando ele ainda era inocente e despreocupado. Quando ele ainda tinha uma família...

E conforme ia se aproximando do local de onde o som se originava, uma sensação agradável de paz ia dominando o seu espírito. Os dedos que seguravam a varinha começaram a se afrouxar, enquanto com passos lentos ele se aproximava de um pequeno regato de águas límpidas.


Just give love to all
Apenas dar amor a tudo
Just give love to all
Apenas dar amor a tudo
Just give love to all
Apenas dar amor a tudo


Nas margens do pequeno regato, havia uma amoreira carregada de frutos suculentos, que com suas folhas abundantes fazia uma sombra agradável e convidativa. Era como um oásis em meio a um deserto impiedoso e solitário. Os sentidos de Harry se aguçaram mais ainda ao sentir o aroma perfumado dos frutos da amoreira. Uma vozinha em sua cabeça insistia em dizer que ele deveria se manter alerta e cauteloso. Mas ele realmente deveria se preocupar com aquilo no momento quando aquela voz doce o estava fazendo esquecer todos os seus medos? A voz suave da mulher era semelhante ao canto da fênix, que enchia o seu peito de coragem.


Oh my love…in my arms tight
Oh, meu amor... Em meus braços sustentada
Every day you give me life
Todo dia você me dá vida
As I drift off to your world
Como eu afastei-me do seu mundo
Will rest in peaceful sleep
Descansará em um sono tranqüilo.



Então Harry achou que não teria problemas se ele se sentasse por alguns minutos sobre a sombra da árvore e comesse alguns frutos. Ele realmente estava com fome e seus pés estavam doloridos de ficar andando por tanto tempo descalço. As amoras eram as frutas mais saborosas que Harry tivera o prazer de provar. Doces. Suculentas. Divinas...

Após se deliciar com os frutos vermelhos, Harry provou um pouco da água límpida do regato, aproveitando para limpar um pouco do suor que estava em seu rosto. Enquanto estava sentado na margem do regato, começou a ter uma sensação esquisita, como se tudo estivesse acontecendo em câmera lenta. Os seus olhos começaram a ficar pesados, muito pesados...

Ele se sentia tão cansado, tão fatigado. Como se não fosse um rapaz jovem, em pleno auge da vida, mas um homem velho que já vivera por demais neste mundo.


I know there’s one thing that
Eu sei que há uma coisa que
you showed me
Você me mostrou
That you showed me
Que você me mostrou



E a voz que cantarolava ao longe o acalmava mais ainda, fazendo com que sentisse o seu corpo mais e mais entorpecido. Sua cabeça pesava, ele precisava descansar. No momento, nem se lembrou de provas, Armas Mágicas ou Insígnias Sagradas. Tudo o que ele queria era deitar a cabeça e dormir um pouco. Ele tinha a sensação de estar repousando nos braços macios e carinhosos de uma mulher que continuava a cantarolar em seu ouvido. O embalando como se fosse um bebê.

A sensação de peso havia cessado. Agora, o contrário ocorria. Ele estava se sentindo leve, como se flutuasse. Os seus pensamentos pareciam não existir mais. Não havia dor, nem cansaço e nem sofrimento. Com os olhos fechados, deixou que aquela sensação o tomasse por completo.


Just give love to all
Apenas dar amor a tudo
Let’s give love to all
Vamos dar amor a tudo



E agora a canção havia cessado. Mas a sensação de leveza ainda estava presente em seu espírito. Não havia canção, mas havia uma voz. A mesma voz que estivera cantando e a voz falava algo com ele. O chamava.

-Harry...

A mesma emoção que ele sentiu quando ficou em frente ao espelho de Ojesed o dominou. Era sua mãe. Ele não era capaz de vê-la, mas tinha certeza que era ela. Como? Ele próprio não tinha como afirmar, mas tinha a mais absoluta certeza que era ela. A voz era inconfundível. Ele sempre ouvia aquela voz em pesadelos, sempre suplicante, apavorada, pedindo para que a vida de seu filhinho fosse poupada. Oh, sim, e mesmo nos pesadelos, um pedacinho de Harry ficava feliz em poder ouvir a voz dela.

-Mãe... - Ele balbuciou, a voz fraca e trêmula.

-Harry, meu querido, venha até nós, venha... - A voz doce da mulher o chamava.

E as pálpebras de Harry continuavam a pesar de um modo absurdo. Aquilo não era normal. Ele ainda era capaz de ouvir a voz doce e melodiosa de sua mãe o chamando. Ele precisava alcançá-la. Ele queria alcançá-la. Faltava só mais um pouquinho. E rolando um pouco para o lado, Harry abriu os olhos rapidamente, assustado. O som suave da voz o havia distraído de tal maneira, que ele não havia percebido o quanto estava perto da margem do regato e quando rolou para o lado, acabou caindo lá dentro. O rapaz estranhou ao ver como o regato era profundo e como suas águas de repente, pareciam mais escuras e assustadoras.

Ele tentou alcançar a superfície, mas não conseguia.

-Venha, Harry, não me deixe esperando mais...

Ao mesmo tempo em que ele queria chegar à superfície do regato, ele queria se aproximar da voz. Era uma sensação angustiante. Ele estava dividido entre as duas possibilidades, mas não poderia ir atrás da voz, estava começando a ficar sem ar. Mas de uma maneira estranha, algo lhe dizia que ele precisava atravessar o regato, que aquele era o caminho para chegar ao outro lado do bosque.

Reunindo toda a força que possuía em um único movimento, Harry se dirigiu para a margem do regato, sorvendo o ar freneticamente para dentro de seus pulmões. Respirava rapidamente, trêmulo e atordoado. Os braços estavam doloridos, pelo esforço que fizera para nadar para chegar à margem oposta do regato que agora lhe parecia mais uma poça d’água.

Nem se preocupou em olhar para trás, quando percebeu que tinha conseguido atravessar o regato e havia voltado para a trilha que o levaria para o final do bosque, para o seu objetivo. Estava encharcado, a calça de tecido fino grudando em seu corpo, mas nem ligou. Ele só pensava em chegar logo e terminar aquilo o mais rápido possível.


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Enquanto o metal se derretia e borbulhava dentro do caldeirão, o estado de êxtase em que Gina estava parecia ter contagiado todos naquele recinto. Era como se cada gesto, cada suspiro se tornasse um encantamento.

Gina, vendo o metal borbulhar dentro do caldeirão, era capaz de ver o andamento de Harry no bosque. Ela arfava e ofegava, como se ela própria estivesse quase se afogando nas águas misteriosas do regato. Como se ela e Harry fossem uma única pessoa e dividissem as mesmas emoções. Rony a observava surpreso no começo. Gina não parecia mais a garotinha sapeca que fora sua irmã, mas uma verdadeira feiticeira, alta, poderosa e ao mesmo tempo temível, digna de reverência.

Eriu estava ao lado de Gina em frente ao caldeirão, murmurando uma canção desconhecida, parecendo em transe também Ela era a própria face de Cerridwen, que em seu caldeirão, encerra os segredos do mundo, a sabedoria de todo o universo.

Quando o metal havia chegado no ponto certo, com um gesto silencioso Eriu indicou uma pedra escura que jazia esquecida em cima da mesa. Com um aceno da varinha Rony levitou a pedra para o meio do aposento e sob a luz bruxuleante do fogo que estava abaixo do caldeirão, ele e Hermione foram capazes de ver que a pedra tinha o formato do contorno de uma adaga esculpida em seu interior. Eriu e Gina se afastaram do caldeirão e com um novo aceno de sua varinha, Rony fez com que o caldeirão de erguesse desajeitadamente no ar e despejasse o seu conteúdo borbulhante dentro da fôrma de pedra que repousava sobre o chão.

Aos poucos eles foram capazes de ver o metal liquefeito ocupar cada espaço vago da fôrma, transformando-se em uma Adaga. Um cabo ricamente trabalhado foi encaixado numa das extremidades desta e possuía pequenas pedras Jades, simbolizando pureza, perfeição e a imortalidade da alma.


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Caminhando resoluto, um pensamento rápido como um raio atravessou Harry. “Eu sou um bruxo, oras”. Ergueu a sua varinha e com um gesto largo, secou o seu corpo ensopado. Sentia-se um pouco melhor assim, mas ainda sentia frio. Um vento gélido e penetrante o envolveu, fazendo com que tiritasse. Ele estranhou isso. Antes de atravessar o regato, estava praticamente derretendo de tanto calor e agora estava praticamente congelando. Até mesmo a atmosfera do bosque estava diferente, parecia que uma névoa densa, quase palpável pairava acima da copa dos frondosos carvalhos.

O problema não era o frio súbito e a névoa densa que se estendia ao longo da sua trilha, mas uma sensação de pânico que dominava Harry. Ele escutava sussurros, vozes desesperadas que pareciam estar em agonia. Todas chamando por ele, pedindo por ajuda.

E enquanto caminhava, com as vozes agourentas o perseguindo, uma sensação de culpa o consumia. Flahs de imagens perturbadoras passeavam diante de seus olhos como se fosse um filme macabro.

...Uma mulher ruiva protegendo o seu filho com o corpo e suplicando por sua vida...

...Uma voz rasgando a noite escura, proferindo a maldição da morte e o corpo de Cedrico Diggory, desabando no chão totalmente sem vida...

...O rosto em choque de seu padrinho, enquanto o seu corpo desabava lentamente para dentro do estranho véu no departamento de mistérios...

...O rosto de Rony ficando estranhamente azul, quando ele quase fora envenenado por engano...

...Dumbledore caindo, após receber a maldição da morte de alguém em que ele confiava...

E ele se sentia extremante responsável por cada uma daquelas cenas. Como se ele próprio fosse o causador delas. Culpa, medo, vergonha. E o desespero começou a tomar conta dele. Desabando sobre os próprios joelhos, tapou os ouvidos e fechou os olhos, tentando fazer com aquilo acabasse. Mas as imagens ainda o assolavam e ficavam cada vez piores. Ele via Rony e Hermione sendo torturados por um bando de comensais, as vozes frias e zombeteiras num coro de várias vozes proferindo a mesma maldição: “crucio”. As expressões de sofrimento e dor em seus rostos eram desesperantes.

-Não, não é minha culpa...

A imagem se desvaneceu, dando lugar a outra ainda mais horrível. Harry via o corpo de Gina largado no chão, como se fosse uma boneca de pano. Extremamente pálida, os lábios que sempre foram tão doces e rosados estavam arroxeados, e vários cortes estavam espalhados por seu corpo, como se mil facas a tivessem atacado. O corpo imóvel, sem vida, morto.

Harry se encolheu mais ainda, como se só assim, ele fosse capaz de fazer aquilo parar. O vento gélido penetrava em cada poro de seu corpo, aumentando a sensação de pânico. A névoa se tornava mais sólida, como se estivesse encarcerando ele.

“Harry, nada disso é real. Você está em Avalon, em segurança e nada disso está acontecendo... Concentre-se”

E erguendo-se com dificuldade, Harry ergue sua varinha contra a estranha névoa e proferiu com voz firme:

­-EXPECTO PATRONUM!

Um cervo prateado irrompeu de sua varinha e saiu galopando velozmente em direção à névoa. Harry não soube o motivo de ter feito isso, mas sabia que era o mais correto. Como uma intuição. Aos poucos, o frio e o medo que estavam impregnados em cada canto de seu corpo foi se dissipando e uma onda agradável de calor foi de instalando rapidamente.

O patrono de Harry foi abrindo caminho para ele, afastando todas aquelas imagens horripilantes que o assolaram. O pensamento que Harry teve para poder conjurar o patrono em meio aqueles pensamentos nefastos, foi o primeiro beijo que ele deu em Gina. Foi por ela que Harry se ergueu decidido. Ela que depositara suas confianças nele, que o amava. Foi a lembrança do amor dela que fez Harry prosseguir.

Agora, a trilha parecia mais obscura, as árvores estavam mais próximas e as copas dos carvalhos formavam um teto acima de sua cabeça, mal deixando os raios de sol penetrarem sobre ele. A penumbra predominava e a única coisa que Harry conseguia ver com clareza, era o brilho prateado de seu patrono que ainda caminhava a sua frente, como se fosse seu guia.

O coração de Harry batia rápido, a adrenalina correndo velozmente em suas veias. Algo fez com que ele olhasse para o seu lado esquerdo. Enquanto os Carvalhos tinham a copa de suas árvores cobertas de folhas verdes e vistosas, havia um único, na penumbra, que estava carregado de folhas amareladas, que caiam lentamente para o chão.

-Lumus!

Harry se aproximou, como se aquela árvore fosse um imã. Apontou sua varinha e a luz fraca e incerta que se desprendia dela iluminou a árvore. Havia um vulto envolvido em vestes negras, tendo um enorme caldeirão fumegante à sua frente. Seu rosto estava oculto, mas o rapaz era capaz de notar nitidamente o poder que se desprendia daquela pessoa.

Os passos cautelosos eram marcados pelo som das folhas amareladas que farfalhavam sob seus pés descalços. O vulto ergueu o rosto que estava voltado para o seu caldeirão e tirou o capuz que lhe ocultava o rosto. Era uma mulher idosa, de idade indefinida, mas que irradiava poder e sabedoria. Sorriu de maneira enigmática para Harry e seu patrono, e o rapaz se aproximou mais, sem temer nada.

-O Gamo Rei sempre dá lugar ao jovem gamo... - A velha falou, com voz etérea. - Ele conhece a jovialidade da Donzela e o entusiasmo da Mãe, mas no final, ele sempre vem a mim, a Senhora da Noite. Eu que sou todas elas e elas são em mim...

Harry piscou confuso. Do que diabos aquela velha estava falando?

Ela continuou remexendo em seu caldeirão, encarando os profundos olhos verdes de Harry, como se fosse capaz de ver o que estava gravado em sua mente e em seu coração.

-Você conseguiu resistir ao fogo de seu desejo carnal, aquilo que seu corpo anseia possuir, o frescor e perfume da Donzela da Primavera. Atravessou as águas da Senhora do Crepúsculo, deixando que o desejo de rever sua mãe não interferisse na missão que deves cumprir. Ah, sim, isso tudo deve ter sido doloroso e ao mesmo tempo acolhedor. Amor e pesar andam lado a lado, criança... -A velha sorriu e a sua voz era calma, tranqüilizadora de um jeito misterioso. -E por fim, conseguiu atravessar a névoa contendo os seus maiores medos. Curioso saber que o teu medo está em não ser capaz de proteger os que ama. Isso mostra que tens desprendimento.

Ela fez um gesto silencioso e Harry ficou em frente ao caldeirão, onde era capaz de rever as cenas que se passaram no bosque, como se fosse uma penseira.

-Eu prezo isso nos meus escolhidos. Sacrifício nem sempre significa sangrar na pedra fria de um altar pela libertação dos cativos, mas ser capaz de abrir mão de seus desejos para algo maior. E sou capaz de ver que você é capaz disso, Harry.

E nesse momento, ela e Harry se encararam.

-Q-quem é a Senhora? - Ele perguntou vacilante, os dedos apertando a varinha firmemente em uma mão e o punhal na outra.

-Eu? - Ela gargalhou brevemente e Harry cambaleou para trás, ao ver o vulto de vestes negras crescer de uma maneira assustadora. - Eu sou a Senhora da Vida e da Morte, Aquela que conhece todos os segredos. Eu, que sou a Donzela, a Mãe e a Anciã e que sou também a face oculta da morte. Chamada por muitos nomes: Rhianon, a Senhora da Alvorada; Brigit, a Senhora do Entardecer e Cerridwen, a Senhora da Noite. Assim como também sou a Morrigu, a Rainha Espectro, que tem poder sobre as almas. - E voltando a assumir a postura calma de uma avó compreensiva, Harry voltou a se aproximar. - Mas não tema a mim, criança. Não é a mim que você tem de temer. Venha, se aproxime.

Com uma força surpreendente para alguém que parecia ser tão velha, a Senhora puxou os braços de Harry em sua direção com uma das mãos. Com a outra passou o dedo dentro do líquido do caldeirão fumegante. Harry estava petrificado. Não tinha a menor noção do Mistério pelo qual estava participando. A Senhora retirou o dedo de dentro do caldeirão e passou em um dos braços de Harry; ele sentiu uma ardência forte, como se seu braço estivesse em chamas, enquanto Ela passava o seu dedo firme, como se estivesse fazendo um desenho. Em seguida, fez o mesmo gesto no outro braço.

E foi com grande surpresa que Harry viu em seus braços, os mesmos dragões azuis que vira em seus sonhos, enroscando em seu braço e tremeluzindo ante a luz branco-prateada que vinha do caldeirão. A luz aumentou rapidamente e o rapaz fechou os olhos, com medo de se cegar. Quando voltou a abri-los, viu que a luz tinha sumido, assim como a Anciã e o Caldeirão.

Olhou para todos os lados e viu que estava no fim da trilha do bosque. Caminhou mais alguns metros e viu os Sacerdotes e Sacerdotisas o aguardando com expressões solenes. Dagda estava entre eles e ao ver Harry, abriu um breve sorriso.


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Antes que o metal dentro da fôrma se esfriasse, Eriu lançou um breve olhar para Hermione e ela compreendeu que era a hora da sua contribuição. Gina havia conjurado o fogo mágico e através de seu transe mágico emprestava um pouco de sua energia e de seu amor para Harry. Rony havia empregado a sua força para manejar o metal liquefeito que se tornaria a Insígnia Sagrada. E agora, era a vez de Hermione.

Nenhum dos três grifinórios havia empregado a sua magia daquele modo e nem sabiam que eram capazes de tanto, mas o clima de Avalon fazia um poder ancestral despertar neles.

Eriu retirou a Adaga quase fria de dentro da fôrma. Seus olhos estavam desfocados e ela continuava a murmurar a canção ritual, tão antiga quanto o próprio tempo. A canção passada de geração em geração e que havia sido ensinada pela própria Deusa.

Enquanto a Grã-Sacerdotisa segurava a Adaga, com profundo respeito, Hermione se aproximou e com um movimento gracioso de sua varinha, fez alguns desenhos ao longo da lâmina da Adaga. Runas Antigas, símbolos mágicos de proteção e força, para ajudar o campeão.

Gina enquanto via fios de Ouro Branco se desprendendo da varinha de Hermione e ornamentando a bela Adaga de prata, viu que seu corpo havia sido transportado para o bosque. Antes ela só via, mas agora tinha a impressão de estar lá realmente. Exatamente como no sonho que tivera com Harry a muito tempo atrás.

Ela o viu caminhando resoluto na trilha do bosque e depois de um tempo, um cervo prateado sair galopando a sua frente.

-O Gamo Rei tem de cair, para que o seu filho reine... Ele corre, corre e vence... O Gamo Rei se desprende de si mesmo e entrega a vida para salvar a todos... o Escolhido... Cerridwen lhe deu a vitória... ele triunfou...

E sentindo as pernas bambearem, Gina recobrou a razão e se viu amparada pelo braço de Rony. Olhou assustada para ele e Hermione e procurou o olhar de Eriu. Viu que a Insígnia estava nas mãos da Grã-Sacerdotisa, envolta em linho branco e que esta lhe sorria ternamente, não mais a face temível da Grande Mãe, mas apenas a mulher que lhe emprestara o corpo.

-O Harry... ele conseguiu!


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Sobre o capítulo: Sem dúvida nenhuma, esse foi o capítulo mais difícil que eu escrevi. Além de ter sido o mais longo. Só agora me dei conta que estava falando dele a mais de um mês, hein? Sinto se decepcionei alguém com a esperança de ter o ritual do Gamo-Rei com a Donzela Caçadora, mas eu não era capaz de imaginar o Harry fazendo isso...sorry. Espero que não tenha ficado muito sem noção, mas pra mim faz todo o sentido, e tive que pesquisar um monte de coisas sobre simbolismo. Um pouco das coisas do teste foram inspiradas no livro “A senhora de Avalon” e “A Filha da noite”, ambos da Marion Zimmer Bradley. A confecção da Insígnia, foi inspirada no livro “Angus, o primeiro guerreiro”, pra vocês verem que eu não sou tão criativa assim.
Creio que eu não vá demorar tanto com os próximos capítulos. Acho que vão ficar mais fáceis de escrever.
Ah, a música que aparece no meio do capítulo é Lullaby - Creed.Eu acho essa música um tanto nostálgica e tem um pouco a ver com o que imaginava para o momento.
Bem, acho que é só. Aguardo ansiosamente os comentários.
Grande beijo e até o próximo

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