Brota a amizade



Desde que deixara a escola para cuidar de seus irmãos fazia parte da rotina de Dumbledore acordar bem cedo todas as manhãs para praticar encantamentos numa campina distante, longe dos olhares de qualquer trouxa que habitasse as redondezas. Assim ele fez nos dias que se seguiram à chegada de Gerardo Grindelwald, o misterioso sobrinho de Batilda.


Como parte da rotina, Alvo continuou acordando às quatro da manhã durante toda a semana. Extremamente disposto para um rapaz da sua idade ele levantava, calçava um par surrado de sapatos e visitava o quarto dos irmãos antes de partir pela estradinha de terra que levava ao terreno. Quando estava cansado ou com sono demais, Dumbledore resolvia aparatar bem no lugar onde desejava, mas preferia muito mais caminhar no ar puro da madrugada a isso.


A porta da frente rangeu enquanto as dobradiças terminavam de girar à passagem do jovem. Os lampiões da rua deserta atraiam pequenos insetos desses que se encontram em qualquer noite comum. Os grilos ainda cricrilavam nos jardins escurecidos. Alvo não notou qualquer alteração no clima agradável que se fazia e partiu tranquilamente, assoviando uma velha canção pelo caminho.


O campo ficava a alguns vinte minutos do chalé da família Dumbledore e era necessário subir um pouco antes de alcançar a planície coberta de gramíneas. Do alto da pequena elevação era possível ver toda a vila de Godric’s Hollow com seus telhados marrons e as paredes brancas. As luzes das casas estavam totalmente apagadas e só se ouvia por ali os barulhos dos animais que infestavam a noite.


Alvo parou no alto da encosta antes de dirigir-se de fato ao terreno de sempre. Era uma bela visão: um campo aberto, sem qualquer árvore em sua área, apenas ornamentado com algum arbusto repleto frutas vermelhas ou estas florezinhas rasteiras que se espalham pelo chão. Na orla do campo se estendia uma floresta com árvores enormes mas muito espaçadas, permitindo o fluxo livre ali dentro.


Virando o morro Dumbledore teve a certeza de estar seguro para sacar a varinha. Dali nenhum aldeão poderia vê-lo. Estava escuro àquela hora e o rapaz achou melhor iluminar o caminho um pouco. Com um movimento quase imperceptível ele ergueu a varinha acima da cabeça e murmurou “Lumos”. No mesmo instante uma luz forte se acendeu na ponta do objeto, clareando toda estrada a sua volta.


Com os passos mais firmes e seguros, Dumbledore chegou ao centro do campo dentro de dois minutos, avançando pela vegetação rasteira em vez da estradinha que seguia em frente entre as colinas. Próximo ao local de sempre o rapaz acenou com a varinha e o ponto de luz que havia conjurado anteriormente saltou para o ar, ampliando seu tamanho e iluminando grande parte da área.


Então, de costas para a estradinha, o bruxo começou a praticar. Começou a conjurar do nada alguns pequenos prédios, casas em miniatura, mais ou menos da sua própria altura. Eles surgiam do nada, materializados a partir do ar, formando uma cidadezinha simplória e elegante. Em seguida a pequena cidade era invadida por animais do tamanho de formigas que se apresentavam pelas ruas cinzentas como um balé ricamente ensaiado: eram míseras cerejas animadas que saltavam aos montes dos arbustos.


Dumbledore riu da sua própria criação antes de agitar a varinha outra vez, fazendo com que a cidade se moldasse em uma forma muito conhecida: o magnífico castelo de Hogwarts. Ele apreciou a construção uma última vez antes de apontar a varinha para ela e fazê-la sumir. Não se desfez completamente, pois ao longe o castelo se formou em tamanho natural, resultado perfeito de uma translucidação bem executada.


A imagem faria qualquer um viajar até Hogwarts, sentir-se nas proximidades da escola margeada pela assustadora floresta. O próprio Alvo se encantou demais com a imagem e ficou a observá-la por um tempo enormemente incontável.


- Hogwarts... uma bela arquitetura, devo admitir – a voz que falava não era a de Dumbledore, vinha da margem da estrada.


Alvo virou-se rapidamente e, dirigindo a luz naquela direção, se deparou com a figura pálida de Gerardo Grindelwald. Ele se levantou da encosta onde Dumbledore parara mais cedo e caminhou na direção do jovem.


- Não se vêem castelos assim no exterior, minha tia vive dizendo isso. Os fundadores foram ardilosamente astutos na construção do prédio e, além disso, na composição da disciplina.


- Oh, sim, é fascinante! – Dumbledore voltava os olhos para a imagem, que se desfazia aos poucos.


- Deve se lembrar de mim, não?


- É claro que me lembro. Gerardo, não é? Como vai? – eles apertavam as mãos nesse momento.


- Nunca estive melhor. O ar inglês jamais me fez tão bem quanto agora. Quero que desculpe minha intromissão, mas vi você saindo muito cedo do chalé. Tive o impulso de segui-lo. Sabe, não tenho feito muitas coisas desde que cheguei. Achei que poderia... fazer companhia.


- Não há do que se desculpar. Na verdade é sempre bom ter companhia. – Dumbledore abriu um de seus sorrisos cordiais para o estrangeiro, que retribui. Era um encontro amistoso.


- É um bruxo brilhante, Alvo, como minha tia disse. Observei seus feitiços. Realmente esplêndidos.


- Aquilo não foi nada. Venho praticando aqui desde que terminei a escola. Uma questão de não perder o costume.


- Então, terminou a escola há pouco? Não tive a mesma sorte... Mas esta é uma longa história. Não é hora nem lugar para contá-la. Quero propor-lhe um desafio.


- Um desafio?


- Sim. Quero duelar com você. Estive um pouco parado nos últimos dias e preciso testar meus reflexos e nada melhor que um jovem oponente, além de tudo, suponho, um ótimo duelista.


- O que mais poderia dizer senão sim? Contudo, senhor Grindelwald, receio não ser tudo aquilo que espera.


- A modéstia já lhe faz um grande homem. Se ambas as partes concordam e já que não há resistência, que se inicie o duelo.


Dito isso, Grindelwald lançou outra esfera de luz em direção ao céu. Ela brilhou intensamente ao lado da outra, iluminando ainda mais o modesto campo de batalha.


- Creio que em seu país ainda se prezem os bons costumes – disse Alvo em tom zombeteiro, caminhando na direção de Gerardo com firmeza, a varinha presa entre os dedos.


- Sem dúvida – o oponente também caminhava em sua direção, rindo-se.


Parados um à frente do outro, elevaram as varinhas até suas faces pálidas, se encarando. Baixaram as varinhas antes de se curvarem em uma profunda reverência. Ao afastarem-se, um de costas para o outro, podiam ouvir seus passos amassando a relva coberta de orvalho antes que os dois parassem prontos para a ação.


Grindelwald foi o primeiro a se movimentar. Girou a varinha velozmente, fazendo movimentos rápidos e complicados em seguida. Da ponta do objeto partiram feixes de luz alaranjada que se dividiam em incontáveis demônios pequeninos responsáveis pelo maior ricochete de feitiços que se pode imaginar. Vinham de toda parte, mas não chegam a se chocar com o alvo principal. Dumbledore conjurara uma proteção elíptica que o protegia contra os encantamentos ofensivos, fortes demais para a resistência simples. Embora frágil, a barreira deu ao jovem Alvo o tempo exato de riscar o ar horizontalmente, explodindo todas as feras flamejantes que o rodeavam. 


Antes que o oponente pudesse realizar um novo movimento, Alvo agitou a varinha levemente produzindo uma densa névoa que se espalhou pelo campo de batalha, impedindo a visão entre os dois. Do outro lado do campo, podia-se ouvir Grindelwald rindo. Ele disse algumas palavras:


- Engenhoso, Alvo. Mas acho que precisará mais do que isso para me derrotar.


Neste mesmo momento a névoa se desfez. Mas Gerardo foi surpreendido: Dumbledore não estava mais à sua frente, nem ao seu lado, nem atrás dele...


- Fugir? Esta não é uma maneira muito elegante de se encerrar um duelo!


- Sem dúvidas que não – a voz de Dumbledore vinha de todos os lados, magicamente amplificada, e, junto a ela, uma série de fogos cortou o céu. Eles subiam, coloridos, dançando na escuridão. Os olhos de Grindelwald os acompanhavam. Chegaram ao nível mais alto que alcançavam e pararam. Então, serenamente, começaram a cair, como uma chuva de estrelas. Todavia, no meio do caminho suas velocidades aumentaram. Vinham com uma força sem igual e estavam a apenas alguns metros de Grindelwald quando este, desesperado, conjurou um animal grotesco feito de trevas, que recebeu todo o impacto.


Porém, a técnica de Gerardo foi insuficiente para conter o ataque. Os fogos ainda desciam velozmente. Ele ergueu a varinha e berrou: “Glacius”. As pequenas bolinhas não pararam no ar, caíram mais pesadas ainda. Entretanto, o choque com uma nova barreira transformou-as apenas numa poeira gelada. Todas, exceto uma, que ainda descia, cortando o ar.


Grindelwald não pronunciou mais nenhuma palavra desta vez. Faz parte desses grandes duelos o silêncio das vozes. Antes que o objeto o atingisse, ele conseguiu acertar-lhe o feitiço correto.


Subindo novamente, a bola transferiu seu caminho para a outra margem do campo, passando rente ao responsável por ela. Dumbledore precisou se jogar no chão para evitar o choque, rompendo, nesse momento, seu poderoso feitiço de desilusão. Estava visível novamente.


Grindelwald não hesitou ao lançar seu novo feitiço, que foi prontamente combatido por Alvo, que se levantava num pulo. Os feixes de luz se uniam, dando a impressão de ser um só. A luminosidade se misturava: por vezes a luz vermelha avançava contra a azul, embora Dumbledore também controlasse grande parte do duelo. Os cabelos dos dois rapazes esvoaçavam quando Alvo rompeu a ligação, guinando a varinha levemente para o alto e fazendo o solo abaixo de Grindelwald ceder. O bruxo caiu junto a toda aquela terra. Os últimos resquícios do feitiço avermelhado podiam ser visto ainda na campina. Depois do desabamento o silêncio se fez.


Nada por ali fazia barulho. Até mesmo os pássaros que cantavam no bosque ao lado se aquietaram. Apenas o riacho que corria no interior da floresta produzia algum som em todo perímetro. Alvo se assustou no princípio... poderia ter extrapolado. Mas lhe veio à cabeça o último truque que usara. Grindelwald poderia estar apenas repetindo-o.


Entretanto o tempo se arrastou e nenhuma reação ocorreu desde o rompimento da terra. O primeiro pensamento de Dumbledore agora fazia o devido sentido.


Cuidadosamente, o jovem se arrastou até a margem da cratera onde Grindelwald havia caído. Esperou um pouco mais antes de se aproximar de fato. Não havia mais tempo. Meteu o rosto na direção do buraco e a surpresa que teve foi uma das melhores da noite: toda a terra que, havia pouco, desabara, voltava velozmente à superfície. No alto da coluna, mesmo à distância, via-se a cabeleira loira de Gerardo Grindelwald.


Entretido, Dumbledore teve que se afastar rapidamente para não ser atingido pela coluna. O monte de terra preencheu todo o espaço que ocupava antes, recriando exatamente o mesmo cenário de antes. Gerardo parou graciosamente sob a grama reconstituída e esperou que Alvo se pusesse adequadamente em posição para continuar o duelo.


Como se lessem um o pensamento do outro, agitaram as varinhas do mesmo modo e da ponta dos objetos partiram raios de um amarelo muito vivo, se chocando exatamente no meio da distância que separava os dois.


Desta vez os raios não apenas confundiam, davam a certeza de que eram um só. Moldavam-se, formando um único raio que unia as duas varinhas. Alvo e Gerardo seguravam as varinhas com as duas mãos, pois o poder era tamanho que seria impossível controlar facilmente sua vibração.


Mas, misteriosamente, algo aconteceu. Os feitiços não combatiam mais, eram, de fato, um só. Os dois rapazes se assustaram quando o feixe de luz se desprendeu de ambas as varinhas e foi se atrofiando no centro, formando um ponto luminoso enorme. Ele foi crescendo, crescendo, ao olhar atento dos dois rapazes. Quando, por fim, o feitiço foi totalmente incorporado à esfera, ela voltou a inchar, crescendo incansavelmente. Os garotos se olharam, desesperados, antes que a explosão acontecesse e eles caíssem metros atrás.


 


Ao abrir os olhos vários minutos mais tarde Alvo Dumbledore se deparou com o rosto de Gerardo Grindelwald sorrindo para ele, sua mão estendida oferecendo ajuda para se levantar. A cabeça de Dumbledore latejava sob os primeiros raios de sol da manhã no momento em que ele conseguiu se por de pé.


- Foi uma explosão e tanto. Nunca vi algo parecido – Grindelwald falava calmamente, talvez resultado do baque que levara.


- Há quanto tempo estávamos caídos?


- Acho que uma meia hora. Quando ocorreu o amanhecer já vinha dando seus sinais. Levantei-me ainda há pouco.


Dumbledore mirou o terreno a sua volta. As esferas de luz que haviam conjurado bem mais cedo ainda brilhavam fracamente em meio à luz fraca do dia. O solo estava desfigurado com a explosão e ele achou melhor acertar tudo antes de voltar para o povoado.


Pegando a varinha que se encontrava caída no chão num lugar ali próximo, Alvo começou a fazê-la passear pelo ar, ajustando toda a área disforme. Quando terminou, Gerardo estava coçando os cabelos loiros repletos de pedacinhos de grama.


- Devemos ir agora – Dumbledore falava ao outro rapaz, que removera a grama com um feitiço simples – Os trouxas já devem estar acordando.


E assim se puseram a caminhar pela estradinha de terra. Foi Grindelwald quem retomou a conversa.


- Foi um grande duelo. Nunca duelei por tanto tempo. Sabia que era um grande bruxo. E acho que não fui tão mal... Afinal, empatamos, não é?


- Sim, foi um ótimo duelo. Nem mesmo os melhores duelistas de Hogwarts têm a sagacidade que vi aqui hoje. Acho que deveríamos repetir, tirando a explosão, é claro.


- Oh, sim. Não vejo a hora de ter uma nova oportunidade, brevemente. Mas o que mais me intriga é a explosão. Tenho quase certeza de que já li algo sobre isso, só não me lembro onde. Preciso rever minhas anotações. Provavelmente está entre elas.


- E eu irei também consultar meus livros. É um caso curioso. Jamais havia visto algo parecido.


E assim a conversa seguiu até a entrada da casa de Batilda. O caminho de volta foi muito mais rápido e prazeroso. À porta de um pequeno bazar os rapazes ouviram o dono conversando com o cliente:


- É claro que eu vi. Parecia que alguém estava soltando fogos na direção do campo.


- E o último, o amarelo? Ouvi um estrondo gigantesco. E olha que ainda me falham os ouvidos.


Dumbledore e Grindelwald saíram às gargalhadas pela rua de paralelepípedos margeada por chalés e pararam à frente da pequena casa de Batilda Bagshot.


- Pois é. Eu preciso ir agora. Meus irmãos estão sozinhos em casa...


- Oh, sim, claro. Também preciso ir andando. Minha tia deve estar desesperada por não me encontrar na cama. Bom dia, Alvo.


- Bom dia. Ah, eu ia me esquecendo... Assim que conseguir informações sobre o curioso caso, envio-lhe uma coruja.


- Farei o mesmo. Até a vista.


- Até.


Dito isso, os dois se viraram e seguiram seus caminhos.


Dumbledore entrou na casa silenciosa de sua família e foi direto ao quarto dos irmãos. Ariana dormia serenamente com uma das mãos na face de Aberforth.


Pela primeira vez havia dias Alvo estava feliz. Não tinha só os irmãos que tanto amava agora e os grandes nomes da magia com quem se correspondia, mas um novo e promissor grande amigo.


O rapaz fechou a porta cuidadosamente, evitando fazer qualquer barulho ao girar a maçaneta. Partiu, então, para fazer o melhor café da manhã que já entrara naquela casa nos últimos meses.


 


 

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