Os Fatos



Aquela tarde de dezembro se arrastou na sala abafada de transfiguração no primeiro andar, repleta de estudantes ansiosos pelo fim do dia letivo. Havia em cada parede quatro ou cinco gaiolas abrigando os animais utilizados nas aula. Canários, águias, lagartos, serpentes, faziam barulhos altos que, confundidos com os dos estudantes inquietos, poderiam enlouquecer qualquer um.


Porém o professor Dumbledore mantinha-se calmo, sereno, balançando as canelas finas do alto da cadeira enquanto examinava alguns trabalhos atrasados. Ás vezes erguia os olhos azuis para conferir o efeito de algum feitiço mal executado. Nesses momentos ria baixinho, acenava a varinha para reparar o dano e voltava-se para os papéis.


Quando a sineta tocou lá fora, enquanto a maioria dos estudantes guardava o material nas mochilas, Dumbledore se pôs de pé, olhando para a turma.


- Não se apressem em sair, crianças – disse o professor com um sorriso de orelha a orelha estampado no rosto. Sendo a aula de hoje, creio que em parte por causa do calor infernal que se abate sobre nós, não tão produtiva quanto o esperado...peço a vocês que, simplesmente, pratiquem o feitiço de metamorfose para nosso próximo encontro. Espero que consigam ao menos transformar seus tinteiros em espelhos tão reluzentes quanto seus olhos estavam ao ouvir a sineta. Mas não prenderei mais vocês! Aproveitem o sol!


A maioria dos alunos saía às gargalhadas em direção à porta, embora alguns deles, principalmente sonserinos, não hesitassem em disparar xingamentos baixinhos contra Dumbledore. Mas, pela terceira vez aquela semana, uma menininha magricela se adiantou para a mesa do professor.


- Ah, Minerva, acabo de ler seu artigo. Realmente perfeito, minha querida. Só encontrei um pequeno erro nas suas conclusões sobre as transformações humanas.


Minerva McGonagall corou muito por trás de seus óculos redondos. Quase da mesma cor que a gravata da Grifinória, recebeu novas palavras do professor:


- Por que isso Minerva? Não fique desse jeito! Imperfeições são normalíssimas. Aliás, para uma aluna de sexto ano, seu texto se achega muito mais aos grandes estudiosos da transfiguração que aos seus colegas de classe. Você é uma aluna brilhante, Minerva, e não me surpreenderá se um dia tornar-se professora dessa escola.


- Obrigada, professor Dumbledore! Ficou muito honrada de ouvir isso do senhor! – ela disse quase num sussurro, sua voz firme falhando a cada sílaba.


- Está aqui seu artigo. Pegue-o e corra para os jardins. Acho que ainda há alguns minutos para descansar antes do jantar.


Dumbledore estendeu o pergaminho para a aluna que o pegou delicadamente. Ela pronunciou um novo agradecimento e saiu andando rigidamente em direção à porta. No fim da fila de carteiras, antes de bater a porta, ela acenou para o professor, que retribuiu com uma piscadela do olho direito.


 


O bruxo alto e esbelto aconchegou-se ainda mais na cadeira, respirando fundo após um longo dia de trabalho.Então lembrou-se da pequena carta no bolso das vestes. Demorou encontrá-la no meio das várias guloseimas no interior das vestes. Então, depois de levar algumas balas de goma à boca, encontrou o papel de fina caligrafia. Abriu novamente a dobradura bem feita e correu os olhos pelo pergaminho.


 


“Vocês foram tão amigos, tão unidos, que espero, que no mínimo, ele tenha um pouco de consideração com aquele que o auxiliou.”


 


Realmente, uma amizade tão forte, tão intensa, talvez pudesse mesmo fazer alguma coisa, talvez fosse o único que conseguiria, ou não. Poderia fracassar, e quando estivessem frente à frente poderia desistir de fazer o que precisava fazer. Eram tantas incertezas...


 


“(...) mas, por favor, pelo bem de nosso povo (...)”


 


Pelo bem maior! Um lema tão belo, tão emocionante, tão generoso, desvirtuado daquela maneira, despedaçado por um desejo sombrio de poder, de ser mais. Dumbledore ainda não conseguia entender como tudo aquilo acontecera, como a locomotiva havia saído desgovernadamente de seus trilhos, da estrada que eles haviam traçado...


 


A noite caía lá fora quando Dumbledore se desafogou dos pensamentos e saiu caminhando novamente pelos corredores em direção ao grande salão. No meio do trajeto encontrou-se com o diretor Dippet, que veio sorridente em sua direção.


- Boa noite Alvo! Esse tempo, hein? Quando será que vamos entendê-lo?


-Ah, Armado, nada tira da minha cabeça que isso pode ser resultado de alguma experiência louca do terceiro nível. Sabe, aquela senhora que assumiu as Catástrofes Mágicas, não é, como eu diria, bem...digamos que ela não goza perfeitamente de suas faculdades mentais.


Os dois mestres caíram numa gargalhada intensa que ressoou pelos corredores silenciosos da escola. O tempo era, na altura de dezembro, sempre um ótimo assunto para se discutir.


- Sabe, Alvo, às vezes eu me arrependo muito de não ter lhe oferecido a vaga de professor assim que terminou a escola. Hogwarts teria seu melhor professor há alguns anos mais. – e sorriu novamente.


-Tudo ocorre realmente quando é preciso, Armando. Talvez eu não fosse o professor brilhante que sou há cinco anos.


Dessa vez os dois homens permaneceram calados, sérios. O assunto parecia ter entrado numa área um pouco constrangedora. Eles caminharam quase em silêncio até o saguão de entrada, Dumbledore cantarolando uma velha música, parando apenas para comentar sobre algum aluno excepcional.


Quando chegaram ao grande salão, as longas mesas de madeira já estavam repletas de estudantes usando seus longos chapéus cônicos. Armando Dippet partiu na frente, acenando para a maior quantidade de alunos que conseguia, seguido de perto por Dumbledore, que continuava cantarolando.


Ao chegarem à mesa no fundo do ambiente, sentaram-se em seus lugares de costume. Os outros professoras também pareciam exaustos aquele dia. Horácio Slughorn balançou os dedos compridos para os colegas antes de atentar para os pratos magníficos que se encheram de comida bem à sua frente.


O jantar correu perfeitamente bem, até que, de alguma ponta da mesa, um burburinho intenso começou a correr entre os professores, seguido por algumas folhas do Profeta Diário.


Foi o diretor quem passou o jornal às mãos de Dumbledore, que se sentava à sua esquerda. O professor ajeitou os óculos de meia-lua sobre o nariz torto para poder ler o texto. Ele deitou o papel sobre a mesa à sua frente, abrindo espaço entre as taças e os pratos e leu a manchete que encimava a foto de três pessoas caídas, mortas, no chão.


 


FAMÍLIA TROUXA É ASSASSINADA NA DA FRANÇA


Gerardo Grindelwald é o único responsável pelo assassinato


 


Na manhã dessa segunda-feira mais uma família trouxa foi misteriosamente encontrada morta no sul da França.


Os vizinhos que, normalmente, encontravam os Fournier acordados bem cedo estranharam sua ausência nas ações cotidianas no pequeno vilarejo de Domrémy.Procurando em sua casa, não obtiveram resposta alguma e resolveram arrombar a porta da frente.


A cena foi um choque para os habitantes do povoado. Os três familiares, Marie, Pierre, e sua filha Dominique, de sete anos, estavam caídos sobre o tapete da sala, sem qualquer indício de violência. Suas expressões de serenidade assustaram os habitantes, que comentaram o assunto o bastante para chegar aos ouvidos do Ministério.


Uma equipe de bruxos do Uso Indevido de Magia foi enviado ao local para averiguar o crime. Ao descobrirem o uso da Maldição da Morte, colheram informações no povoado até encontrarem um indivíduo supostamente sem-teto que lhes descreveu o que havia visto na noite anterior.


- Estava tudo comum naquela noite. Eu não vi nada demais na casa dos Fournier. Só o que me chamou atenção foi um rapaz muito loiro saindo da casa lá pelas duas da madrugada. Acho que me viu. Mas eu consegui fugir antes que ele pudesse vir atrás de mim. Foi quando ouvi um clique muito alto e ele desapareceu.


O homem foi suficiente para confirmar as suspeitas do Ministério. Gerardo Grindelwald, o bruxo que há mais de cinco anos assola nosso povo, havia acabado de produzir suas mais novas vítimas.Os trouxas mortos são resultado da ambição de aquele que, há alguns anos, é considerado o maior bruxo das trevas de todos os tempos.”


 


Dumbledore terminou o artigo antes que os últimos estudantes esvaziassem o salão. Estava quase sozinho na mesa dos professores quando dobrou o jornal e jogou-o na cadeira vazia a seu lado.


Na frente da mesa, Horácio Slughorn chamou seu nome.


-Alvo, vamos indo? Já é um pouco tarde, não acha?


-É claro Horácio, vamos sim! – respondeu ao colega, levantando-se agilmente.


Os dois homens seguiram pelos corredores do primeiro andar, parando à descida para as masmorras, onde o velho Slugue se despediu e desceu acompanhado por Tom Riddle, um jovem sonserino, que cumprimentou Dumbledore ao passar.


Alvo seguiu pelo corredor, batendo a varinha à porta de sua sala ao entrar. Ele precisou se firmar sobre as cadeiras para poder chegar até a poltrona onde estava sentado mais cedo. Então, acenou mais uma vez a varinha, e um objeto circular voou de um armário próximo para seu colo.


A penseira era um objeto curioso que produzia uma luz ainda mais intrigante. Estava repleta de um líquido mais espesso que a água mas não muito. Dumbledore abriu um pequeno baú na mesa ao lado, onde estavam cuidadosamente arrumados pequenos frasquinhos. Ele pronunciou um feitiço simples e um dos frascos disparou para suas mãos, prendendo-se firmemente entre seus dedos.


O professor despejou o conteúdo do frasco na penseira e mergulhou a face contraída na mistura, sua barba molhando ao contato com o líquido. Seus olhos se fecharam ao encontrar o conteúdo da bacia e ele adentrou em seu passado.


 


 


 

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