Primeiras Lembranças



Borrões do que parecia uma fumaça enegrecida cortavam o espaço ao lado do professor enquanto ele afundava cada vez mais em suas próprias lembranças. A sensação de mergulhar no tempo trazia ao coração de Dumbledore um enorme sofrimento, uma dor pelo passado infeliz que tivera.


Aos poucos as primeiras imagens da lembrança começavam a se formar. O sol radiante se assemelhava àquele que iluminava os jardins de Hogwarts. Os telhados dos chalés dispersos pelo povoado marcavam de pontinhos marrons as planícies verdejantes que se espalhavam pelo local. A rua principal de Godric’s Hollow estava quase deserta. Os poucos habitantes que por ali ficavam se escondiam à sombra da primeira árvore que pudessem encontrar.


Quando os pés do professor tocaram o chão macio de um dos jardins bem-feitos do vilarejo, ele se deparou com o clima entediante que sucedera os funerais de sua mãe.


Na grama aparada do chalé encontravam-se três jovens de face corada, mesmo que marcadas pelos dramas de um passado recente. Aberforth Dumbledore encontrava-se a um canto do quintal, alimentando criaturas tão toscas quanto ele mesmo:bodes. Ele parecia se divertir levando algumas folhas de capim às bocas dos animais e, de vez em quando, escovando suas pelagens acastanhadas. Do outro lado o jovem Alvo, então com seus dezessete anos, agitava a varinha, fazendo pequenos pássaros voarem em torno da pequena Ariana. A criança sorria alegremente, sacudindo os braços entre os passarinhos e tentando agarrá-los com suas mãos frágeis. O rosto do irmão mais velho às vezes se mexia num sorriso melancólico, seus belos olhos azuis refletindo a felicidade da irmã.


Os irmãos Dumbledore seguiram suas rotinas normalmente após de Kendra, ainda que a perda da mãe tenha afetado profundamente a vida dos três. Ariana ainda era uma bruxa extremamente instável, sujeita a descontroles como o que matara sua mãe pouco tempo atrás. A garota mal poderia estar ali, sentada no jardim, se não fosse por seu irmão.


Alvo havia se formado em Hogwarts nas vésperas da morte da matriarca da família como o aluno mais brilhante que a escola já tivera, um rapaz, como todos diziam, destinado a um futuro magnífico. Preso a uma vida doméstica medíocre, o gênio passou a limitar seu poder a ajudar os irmãos. Agora Ariana poderia sair tranquilamente aos jardins, sobre influência feitiços incríveis de Alvo, que protegia o local contra presença de trouxas, além de lançar sobre a pequena poderosos feitiços de desilusão. Qualquer vizinho que passasse pelo chalé veria apenas Alvo esparramado na grama lendo alguma coisa e Aberforth, mais distante, cuidando de seus animais.


O silêncio mórbido da tarde era cortado apenas pelo canto de alguma ave próxima ou então pelas risadas doces que Ariana dava, divertindo-se com seus pássaros. De vez em quando ela se levantava e saía correndo de encontro a Aberforth.


- Ab, Ab, veja só como eles brincam comigo! São lindos, não são !?


Aberforth mirava a irmã com uma alegria extrema, embora, algumas vezes, seus olhos estivessem marejados de lágrimas. Ele pegava-a e erguia-a no ar.


- Lindos, minha querida! Lindos!


Nessas horas ele lhe dava um beijo caloroso na face rosada e pousava-a no chão. A criança partia correndo entre as sebes podadas, sob o olhar atento dos irmãos.


Tudo naquela tarde estava destinado a correr como mais um dia comum, repleto de monotonia e ações rotineiras. Porém, por volta das quatro horas, quando Ariana e Aberforth já haviam entrado pela porta da cozinha, um ruído cortou o silêncio no qual Alvo Dumbledore se afogava.


Um farfalhar de capas na rua principal surpreendeu Dumbledore. Ao virar-se, o rapaz se deparou com um vulto de capa seguindo entre as casas, uma pequena mala pendendo de suas mãos cobertas por luvas. Onde, no calor da Inglaterra, se veria uma pessoa vestida daquele jeito?


O jovem Dumbledore ergueu o pescoço para ver além da cerca coberta pelas sebes. O homem continuava a caminhar, passando, a esta altura, bem próximo da casa. Por algum momento o estrangeiro parecia perdido na rua, até que, de forma firme e decidida, dobrou em uma mureta e avançou na direção de um chalé bem próximo.


Dentro do jardim, Alvo precisou inclinar-se ainda mais para não perder o homem franzino de vista. Na soleira do chalé defronte ao dos Dumbledore, o encapuzado bateu à porta e aguardou que alguém lá dentro respondesse. Nesse momento o estranho admirou a rua deserta, como se estivesse preocupado.


Algum tempo depois a porta se abriu sutilmente e a figura baixa de Batilda Bagshot foi iluminada pelos fortes raios de sol, seus cabelos brancos inundando o que antes era uma vasta e densa cabeleira castanha. A bruxa avançou alguns passos para fora da sala escura, sempre com os olhos cansados fixos no estranho. Seus lábios se moveram e Alvo pode ouvi-la dizer algumas palavras:  


- Quem...quem é você? – sua voz tremia, se não de medo, de velhice.


O homem levou as mãos ao capuz e moveu-o firmemente. No momento em que seus dedos tocaram a parte de trás da capa, acabaram de se revelar longos cabelos loiros cacheados. Então a mulher caminhou para o rapaz e acalentou-o num abraço forte. Nessa hora um grupo raro de crianças passou correndo pela rua, impedindo Dumbledore de continuar observando e ouvindo a cena.


Quando, enfim, Alvo voltou a mirar a situação, Batilda terminava de entrar e se podia ver apenas um pedaço de seu vestido marrom deixando o exterior da casa. Em seguida, o rapaz loiro agachou-se e pegou a mala, levantando-a com facilidade. De pé novamente, Gerardo Grindelwald olhou na direção de Alvo Dumbledore. Seus olhos se fitaram rapidamente antes que a porta batesse e a imagem se desfizesse.


 


No mesmo instante que a porta da casa de Batilda se fechara à passagem do novo hóspede, uma nova cena se formara na penseira, Desta vez Dumbledore se encontrava sozinho num aposento pouco arejado que lhe cabia de quarto. Nos pés da cama bamba em que o jovem se deitava havia uma imensidão de livros, arrumados cuidadosamente, um sobre o outro.  Mas nesse momento Alvo não lhes dava atenção.


 


 


O rapaz tinha nas mãos uma pequena fotografia de um rapaz sorridente em frente a três grandes pirâmides, seu rosto marcado por pequenas cicatrizes.  Ao sol do Egito, Elifas Doge sorria e acenava para o amigo da fotografia, radiante, usando na cabeça uma espécie de proteção contra todo aquele calor. No verso da foto, Dumbledore não cansou-se de ler os comentários do ex-colega de escola.


 


Caro Alvo,


O Egito é realmente uma terra fascinante. Conheci bruxos aqui cuja magia não se encontra nem mesmo nos lugares mais inusitados de nosso país. Estou mandando junto com a coruja um pequeno presente do qual espero que goste. Sua companhia me faz, realmente, muita falta. Mande um grande abraço aos seus irmãos.


Saudosamente,


Elifas


 


Alvo girou a fotografia algumas vezes na mão antes de abrir o pequeno pacote que recebera. Lentamente, como que entristecido por não estar naquele local tão maravilhoso com o grande amigo, Dumbledore rasgou o papel pardo que embrulhava o presente. Dentro do pacote, havia, numa cúpula de vidro, uma figura animada de um camelo com um bruxo sobre ele. A miniatura do bruxo disparava de vez em quando algumas fagulhas com sua varinha, que giravam dentro do vidro, formando no ar as palavras: “Nunca estaremos sós”. Então, o bruxinho agarrava o pescoço do animal e sorria novamente por trás da proteção.


Dumbledore riu-se do presente. Provavelmente o regalo o animara muito. Elifas, desde o primeiro dia de Hogwarts, havia estado junto dele e parecia saber sempre o que dizer e quando dizer, ainda mais agora...


Ao terminar de olhar alegremente para o presente, Alvo jogou sua cabeça para baixo da cama, procurando a velha mochila onde encontraria papel e tinta para escrever uma carta ao amigo. Mas quando, enfim, encontrou o que precisava, o barulho da campanhinha soou pela casa, assuntando o rapaz. Ele manteve-se sereno, apanhando a pena e o pergaminho para redigir uma resposta, certo que Aberforth, que devia se encontrar na sala, atenderia à porta. Porém o som da campanhinha tornou a tocar.


- Ab, atenda a porta, por favor – o rapaz gritou do quarto, iniciando a carta com os dizeres “Grande Elifas,...”.


Mas não houve resposta do irmão, o qual Alvo localizou em seguida pela janela, brincando com Ariana no jardim. Então, o brilhante garoto se ergueu num salto, calçando velhas sandálias e se dirigindo para o corredor mal iluminado que conduzia à sala de estar.


Já na sala, o jovem pegou as chaves e colocou-as na fechadura, girando-as, em seguida. Quando a luz do sol iluminou a sala estreita, os visitantes se revelaram na soleira convidativa da casa. Batilda Bagshot, grande amiga de Kendra Dumbledore e sua vizinha havia tantos anos, estava, agora, na frente do rapaz. Ao ver o vizinho, suas rugas se torceram num sorriso acolhedor retribuído por ele. Ela abriu seus braços curtos cobertos por um xale grená e adiantou-se para o menino, apertando-o em um abraço.


- Oh, querido! Há quanto tempo, Alvo. Você precisa me fazer mais visitas regulares, hein rapazinho! Lembre-se, só atravessar a rua!


- É claro, é claro. Como vai, senhora Bagshot? Vejo que está muito mais saudável que no último verão.


- Felizmente sim, meu querido. Aquela maldita onda de sarapintose de me pegou na última remessa do ano passado, mas, graças aos céus, estou bem novamente.


Então, os dois mergulharam em gostosas gargalhadas, risos que vinham da alma de duas pessoas que já haviam sofrido muito, mas que superaram tudo, fazendo da vida uma eterna piada.


- Mas então Alvo, - Batilda voltara a falar – onde estão seus irmãos?


- Estão brincando pelo jardim. Mas, vamos entrar, senhora Bagshot? Eu posso fazer um chá...


- Muito obrigada, meu filho, mas não posso me demorar muito: deixei uma torta de maçã no fogo. Vim até aqui para apresenta-lhe meu sobrinho, que chegou ontem em minha casa. Gerardo, venha até aqui.


A bruxa gorducha havia virado o pescoço para trás e acenado para um rapaz loiro que estava parado próximo à rua. Ele se adiantou para os dois vizinhos parados na porta e quando chegou, Batilda tornou a falar.


 - Alvo, este é Gerardo Grindelwald, meu sobrinho-neto que chegou há pouco de viagem. Gerardo, este é Alvo Dumbledore, o rapaz do qual lhe falei.


O rapaz loiro esticou a mão para Dumbledore, que apertou seus dedos com firmeza entre os seus.


- Então este é o grande Alvo Dumbledore! Minha tia me falou muito sobre você e suas proezas... Tenho certeza que seremos muito bons amigos!


As mãos dos dois rapazes ainda estavam se apertando e seus olhos se fitavam alegremente enquanto a imagem desaparecia e o professor Dumbledore voltava à sua sala aconchegante no castelo de Hogwarts. No mesmo momento em que o nariz torto do mestre rompeu o líquido espesso, seus lábios finos se contorceram e disseram:


- Fomos.


 


 


 


 


 


 

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