Uma Coruja



Alvo Dumbledore sentava-se firmemente na poltrona vermelha de sua confortável sala em Hogwarts, o silêncio do jardim sendo cortado apenas de vem em vez pelos gritos de um ou outro aluno divertindo-se à sombra das bétulas gigantes após o fim das aulas do dia. 


O conceituado professor de transfiguração lia, por trás dos oculozinhos de meia-lua, um velho artigo sobre as transformações animagas do século anterior. Ás vezes parecia se divertir com as baboseiras escritas no pergaminho mofado, sorria brevemente e voltava a concentrar-se no papel. Seu movimento mais brusco era erguer as mãos à boca, levando a ela alguns pedaços de bombas de caramelo.


Quando terminou o artigo, Dumbledore depositou o pergaminho na mesinha onde pousava os doces, pôs as mãos sobre os joelhos e inclinou o corpo para frente, balançando a cabeça e sorrindo, como se tudo aquilo fosse alguma coisa completamente idiota. Chegando ao outro lado da sala, próximo a uma garrafa de hidromel, um barulho a suas costas chamou-lhe a atenção.


 Dumbledore voltou seus olhos para a janela às suas costas. Ali, uma pequena coruja das torres batia fortemente o bico nos vitrais coloridos, seus olhos esbugalhados iluminados pelos fortes raios de sol de dezembro. Sorridente, o professor sacou a varinha e apontou-a para o trinco da janela. Suavemente a dobradiça torceu e a ave entrou piando pela sala, uma pequena carta amarrada em sua frágil pata.


A coruja foi pousar na escrivaninha de Dumbledore, onde se acomodou entre os papeis do professor. A passos lentos o homem se aproximou da ave e, enquanto desamarrava a carta, afagou as penas do animal. Quando, enfim, soltou a fita de cetim que prendia a carta, Dumbledore pegou alguns biscoitos na gaveta da mesa e jogou sobre os papéis. Provavelmente cansada da viagem a coruja avançou sobre o alimento. Dumbledore parecia se divertir com a cena, caminhado com o envelope em mãos.


Caligrafia fina, bem desenhada com uma tinta azul turquesa muito viva, marcava o envelope amarelado e fedido nas mãos do professor. Dumbledore se achegou à janela, onde parecia poder ver melhor as palavras em sua mão. Abriu o envelope cuidadosamente, o papel delicado escorregando entre seus dedos. A caligrafia azul turquesa do envelope voltou no seu interior com uma saudação:


Querido Alvo,


Sinto que nossa última conversa tenha sido tão curta. Nem mesmo pude demonstrar-lhe meus sinceros pêsames quanto a morte da doce Ariana. Faço isso agora, pedindo-lhe mil perdões se me coloco inconvenientemente nesse assunto.


Porém não recorro a você por esta questão. Receio dizer que a situação é pior do que qualquer outra. Acredito que mesmo em Hogwarts, afeiçoado à perfeição da arquitetura de nossos fundadores, mantenha-se informado a respeito da situação de pânico que se instalou no mundo nos últimos meses...
 


Neste ponto da carta os olhos do professor se esvaíram de qualquer luz que houvesse no ambiente. Pousados ao longe, eles se voltaram para a alma daquele homem com um futuro tão glorioso, um passado desastroso e um presente totalmente incerto. Seus pensamentos se perderam por um momento, e voltaram a se alinhar algum tempo depois...
 


Nunca imaginei que ele pudesse se transformar nisso Alvo. Aquele menino sempre foi criado com tanto carinho, tanto amor. Por vezes tentei alertar a família que Durmstrang não era uma boa opção de escola, mas, certamente, me acharam caduca demais para apitar o jogo. Se tivessem me dado ouvidos talvez não tivéssemos tamanha destruição.


Sendo sincera Alvo, vejo  em você a única coisa capaz de frear meu sobrinho. Vocês foram tão amigos, tão unidos, que espero, que no mínimo, ele tenha um pouco de consideração com aquele que o auxiliou.


Sei que é difícil para você Alvo, como é difícil para mim, mas, por favor, pelo bem de nosso povo, ponha um fim em tudo isso. Só você tem força e possibilidades suficientes para terminar esse embate.


Mostre-se como o home que você sempre foi, querido! Bravo, destemido, generoso. Lute por nós Alvo, por todos os bruxos. Dê-nos um pouco de tranqüilidade. É só o que, em nome de todos, lhe peço!


Com amor,


Batilda


Alvo Dumbledore continuou fitando a carta, fazendo-a passear entre os dedos finos. Os olhos de azul intenso mais uma vez se perderam nas letrinhas pequenas da antiga vizinha. A coruja ciscava os restos de biscoito sobre a mesa e foram seus pios que acordaram o professor da longa viajem pensante que fazia. Ele mirou a carta pela última vez com uma expressão de profunda tristeza. Pequenas lágrimas tomaram seus olhos, mas ele impediu que elas rolassem pela face marcada. Guardou a carta no bolso das vestes, bateu a roupa pesada e caminhou em direção a coruja.


Dumbledore jogou mais biscoitos sobre a mesa antes de tornar a acariciar a ave, que tentava bicá-lo. Demorou-se alguns minutos antes de lembrar de uma aula com a difícil turma do sexto ano. Partiu, então, em direção à porta, enquanto a ave, por fim satisfeita, alçava vôo em direção ao corujal. O professor partiu pelos corredores largos do castelo, trancando a porta com um aceno da varinha e carregando, no fundo do peito, a maior decepção da sua vida. 




 

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