Quando os sonhos acabam



Capítulo 14. Quando os sonhos acabam


De que serve o eterno criar,
Se a criação em nada acabar?
- Fausto, de Goethe


Assim que Sirius aparatou em frente à mansão McKinnon, percebeu que havia algo terrivelmente errado. O grande portão verde estava arrebentado e o escudo da família, que antes estivera soldado no alto das grades, tinha sido arremessado há vários metros de distância.
Um alerta geral havia sido enviado a todos os membros da Ordem, mas Sírius aparentemente havia sido o primeiro a chegar.
O maroto atravessou o portão cautelosamente, mas parecia que os feitiços de segurança já tinham sido neutralizados. Ao pôr os pés no jardim, ele viu algo que fez seus joelhos quererem ceder.
Flutuando pouco acima do telhado, estava o espectro de uma caveira prateada com uma cobra verde esmeralda se esgueirando boca afora. A marca negra.

An angelface smiles to me
(Um rosto de anjo sorri para mim)
Under a headline of tragedy
(Debaixo de uma manchete de tragédia)

Dentro da mansão, tudo estava um caos. Os caros sofás, as cortinas, as trabalhadas tapeçarias da sala estavam espalhadas aos pedaços por todos os lados, com milhares de cacos de vidro e fragmentos de vasos antigos que compunham a velha coleção da matriarca da família McKinnon. Mais adiante, seis corpos ocupavam a sala de jantar. Os pratos havia sido arremessados em todas as direções. Era fácil de se deduzir que haviam sido interrompidos durante o jantar.
Um dos corpos era de uma menina de oito ou nove anos. Morrera sentada em seu lugar na mesa, o corpo amolecido pendia para trás, os olhos azuis muito claros arregalados, fixos no teto, sem brilho, e os cabelos cor de ébano dos McKinnon, ainda impecavelmente presos com uma fita azul. Era a pequena Natália McKinnon, com quem Sírius costumava brincar dizendo ser sua namorada.
Ele se aproximou e fechou os olhos da menina. Uma lágrima solitária desceu pelo seu rosto.

That smile used to give me warmth
(Aquele sorriso costumava me trazer calor)

- Sírius Black! Volte já aqui com o meu diário!
A menina de cabelos cor de ébano corria pela rua perseguindo um menino um pouco mais alto, os cabelos negros caindo sobre os olhos e um sorriso debochado no rosto.
- Ou o quê? O que vai fazer se eu não devolver, Marlene? - perguntou ele, dando especial entonação ao nome da garota.
- Não me chame de Marlene! - ela se enfureceu ainda mais e pulou no pescoço de Sírius, fazendo com que os dois desabassem no chão. A garota se esticava ao máximo para alcançar o diário, mas o garoto a empurrava ao mesmo tempo em que mantinha o diário o mais longe possível dos dedos insistentes de Marlene.
A disputa foi interrompida por uma porta se abrindo. Não a porta de uma casa, mas uma porta no meio do nada, suspensa no ar. Logo depois, um pequeno lance de escadas surgiu defronte à porta e por ele desceu uma adolescente de longos cabelos platinados usando uma capa lilás.
- Chega, Sírius, devolva o diário pra ela - disse a jovem, olhando para os dois com irritação.
- Ah, Andrômeda, não se meta! - resmungou ele, empurrando Marlene com mais força.
Andrômeda Black colocou as mãos na cintura e sacudiu a cabeça, fazendo com que os cabelos esvoaçassem ao redor do rosto rosado.
- Não é isso. Tia Elladora está vindo.
Imediatamente, Sírius e Marlene se levantaram do chão e começaram a sacudir as vestes na tentativa de tirar as marcas de terra, esquecendo completamente do diário na agitação de ficar apresentável para evitar que recebessem um dos castigos de tia Elladora - castigos esses que incluíam ficar pendurada na masmorra da mansão de ponta cabeça até que o rosto começasse a ficar azul. Andrômeda os observava com a expressão de quem lamentava ter quatorze e não poder usar magia fora da escola.

Farewell - no words to say
(Adeus - sem palavras pra dizer)

- Achei que você tinha dito que não chorava... - ele ouviu a voz sarcástica e a seguiu com os olhos, encontrando Marlene McKinnon deitada no tapete do salão anexo à sala de jantar. Aparentemente, a jovem fora arremessada contra a parede e caíra estatelada no chão. A julgar pelos cortes e machas roxas em seu rosto, ela estivera envolvida na batalha contra os invasores, o que Sírius confirmou ao entrar no salão, onde havia não menos de cinco corpos de comensais, reconhecíveis pelas máscaras brancas que ainda escondiam seus rostos. Um deles estava em cima das pernas de Marlene.
- Eu o matei - murmurou ela, percebendo a expressão espantade de Sírius.
- Você... você não teve escolha... - ele se abaixou e tirou o cadáver que repousava nas suas pernas dela.
- Não, você não entendeu... eu matei esse homem - ela levantou a mão vagarosamente e apontou para o comensal que Sírius jogara para o lado. - Eu me vinguei.
Os olhos dela haviam assumido um brilho estranho, quase demente. Ela então os fechou e a cabeça caiu mole para trás, o pescoço frouxo, os movimentos respiratórios cada vez mais fracos e irregulares.

Beside the cross on your grave
(Ao lado da cruz sobre a sua sepultura)
And those forever burning candles
(e daquelas velas que queimam eternamente)

Só no final daquele dia Marlene conseguiu se afastar dos olhares dos tios e percorrer os corredores da mansão dos Black em busca de Sírius, a fim de recuperar seu diário.
Chegando ao patamar do primeiro andar, ouviu vozes que imediatamente identificou como pertencentes a Sírius e Andrômeda e as seguiu pelo corredor até o que lhe pareceu uma sala de estudos - um cômodo escuro com as paredes cobertas de tapeçarias e muitas estantes e armários cheios de livros que, conhecendo os Black como ela conhecia, certamente não tratavam de culinária ou jardinagem.
Ela já ia entrando na esperança de surpreender Sírius e conseguir arrancar-lhe o diário, quando percebeu que seu nome estava sendo mencionado na conversa:
- De qualquer modo, não é bom vocês ficarem andando pra baixo sozinhos - dizia Andrômeda. - Tia Elladora pode não gostar, Marlene não é mais uma moleca pra ficar rolando no chão com você.
- Andrômeda, eu não penso na Marlene dessa maneira - ela ouviu a voz grave de Sírius retrucar. - Não como uma garota.
Sem saber bem por que, Marlene sentiu o sangue lhe subir à cabeça e uma raiva descomunal tomou seus pensamentos. Ela então deu meia volta e desceu as escadas em direção à sala de visitas, um sorriso mesquinho tomando forma em seus rosto.
- Tia Elladora - chamou ela, assim que pisou no térreo. Uma bruxa atarracada usando vestes verde-musgo olhou ameaçadoramente para a menina, que engoliu seco e prosseguiu: - É Sírius... ele não quer devolver uma coisa que me pertence.
Sírius passou aquele natal preso no porão da mansão com três vampiros nada amigáveis. Isso porque o senhor Black conseguiu, com muita insistência, fazer Elladora desistir da idéia de mandar o sobrinho para um acampamento de domadores de hipogrifos selvagens. Marlene, por outro lado, passou a noite sentada no tapete da sala, defronte à lareira, cercada de dezenas de presentes. Mas, em seu íntimo, se sentia o mais miserável dos seres.

Needed elsewhere
(Necessários em toda parte)

- Marlene! Marlene, fique acordada! Dumbledore está vindo, ele pode te curar.
- Não me chame de Marlene - disse ela, com a voz fraca. - Natália me pediu pra lhe dar uma coisa - completou, abrindo os olhos.
- O que?
- Não posso me mexer, me levante. Mas não pense que pode aproveitar pra ficar tocando em todos os lugares, ainda tenho minha varinha aqui comigo.
Com cuidado, Sírius passou o braço pelas costas de Marlene e a ergueu, revelando uma imensa mancha de sangue que empapava o tapete e as vestes da jovem. - Chegue mais perto, não consigo falar alto.
Sírius aproximou o rosto do dela e Marlene encostou os lábios nos dele. O contato durou apenas um instante, logo em seguida ela deixou a cabeça pender novamente para trás.

To remind us of the shortness of your time
(Para nos lembrar da rapidez do nosso tempo)

- Há quanto tempo... há quanto tempo você sente isso por ele?
Uma Marlene de dezessete anos se apoiava numa faia próxima à margem do lago do castelo. Remo estava agachado um pouco mais adiante, atirando pedaços de torrada aos peixes.
- Pra ser sincera... não me lembro - ela fraziu o cenho. - Talvez desde criança.
- Você conhece o Sírius desde criança? - Remo pareceu desconcertado ao se virar para encará-la.
Mas aquilo era surpresa também para ela. Como, em quase seis anos dividindo o mesmo dormitório, Sírius nunca tinha contado aos amigos que os dois costumavam passar férias juntos quando pequenos, não por serem realmente parentes, mas por terem uma tia em comum que insistia em levar Marlene todos os anos ao Largo Grimmauld, 12?
- Conheço... Na verdade, nem me lembro desde quando conheço aquele insuportável - resmungou a garota, tentando disfarçar o desconforto de ter sito tão sumariamente esquecida. - Ele foi meio que meu karma de infância, por culpa dele nunca consegui manter uma boneca inteira por mais de alguns meses.
- Então, - continuou Remo - vocês devem se conhecer bem.
- Ah, sim - Marlene revirou os olhos. - O suficiente para eu ter certeza de que nunca haverá nada entre nós além de ódio mútuo.
- Mas... por que você não fala com ele? - o garoto parecia completamente descrente, como se Marlene tivesse falado algo bizarro como ir até a Floresta Proibida tomar chá com os centauros. - Por que você não.
- Eu já me decidi, - cortou ela - não vou contar, não quero que nada aconteça.
- Mas por quê?
- Droga, Remo, pare de ser sempre tão legal! - falou, irritada.
- Quê?
- Digo, tente parar de ser meu amigo um instante e aja como qualquer pessoa que confessa seus sentimentos por outra! Se você continuar sendo gentil comigo, nunca vamos passar de simples amigos! - Marlene falava exasperada.
- Você quer que deixemos de ser amigos?
- Não! Eu só quero que às vezes você não seja tão compreensivo, que seja egoísta, que finja indiferença, como os outros caras.
- Você quer que eu seja como um desses caras que passam a noite aos amassos com uma garota e na manhã seguinte nem olham pra elas?
- Também não - respondeu ela, rindo.
A situação era tão desesperadora quanto cômica. Ela ali, com o namorado perfeito bem diante do nariz, um garoto educado, compreensivo, gentil e amigo, e pedindo a ele que fosse idiota como os outros! Um idiota como Sírius Black.
- Mar... Marlene - chamou Remo, atônito diante do riso compulsivo da garota.
Ela simplesmente cobriu o espaço de alguns passos que os separava, agarrou-o pela gola da capa e colou os lábios aos dele. E, ao fazer isso, se sentiu imensamente boba. Tinha complicado tanto as coisas quando tudo se resumia, na verdade, a um gesto tão simples.

Tears laid for them
(Lágrimas derramadas por eles)
Tears of love tears of fear
(Lagrimas de amor, lagrimas de medo)

- Marlene... - chamou Sirius, passando a mão pelos cabelos dela.
- Eu sei que vou morrer, Black.
- Não vai não, Dumbledore... - mas ele parou a frase no meio ao perceber que sua mão estava suja de sangue, que empapava o cabelo de Marlene.
- Nem Dumbledore pode me salvar agora - ela suspirou.
- Vou aparatar com você para o St. Mungos.
- Black.
- Vamos - ele estava novamente erguendo o corpo da garota do chão, ao que a face dela se contorcia de dor.
- Black, não tem mais jeito! - gritou Marlene, a voz estridente ecoando no salão vazio. Ela fechou os olhos e lágrimas rolaram na pele pálida. Aquela era para Sirius uma visão quase que surreal. - Natália não me pediu nada, sabe... Eu... eu quis.
- Pare de falar como se fosse a última vez que fala comigo... - a voz de Sírius saiu fina, como um ganido.
- Ela vai ficar brava comigo. Mas eu mantive isso preso dentro de mim por tanto tempo... acho que pelo menos por essa falta mereço ser perdoada.
- Mas você... Remo...

Bury my dreams dig up my sorrows
(Enterre meus sonhos, desenterre minhas tristezas)

- Acorda, Marlene! No que você tanto pensa? - Lílian sacudia as mãos diante do rosto da amiga.
Estavam sentadas lado a lado numa mesa do Três Vassouras aproveitando o último passeio à Hogsmead antes de se formarem.
- Nada. Eu só estava.
- Come. Você nem tocou na comida - falou a ruiva, sorrindo largamente. Logo em seguida, sua atenção foi desviada para Tiago e Marlene voltou a olhar para a garrafa de cerveja amanteigada e para as bolhas que lentamente subiam pelo vidro amarelado.
Não tinha jeito mesmo. Nem ali, nem em casa, nem em Hogwarts, nem em lugar nenhum deixaria de se sentir assim. Seria eternamente uma deslocada, uma coisa estranha que não pertence a lugar nenhum, para sempre e em qualquer lugar, um peixe fora d'água.
- Não foi tão ruim assim, foi? - perguntou Lílian, uma hora depois, quando o grupo saia do pub.
- Não... foi bom... Eu só senti falta do Remo - respondeu Marlene, com um sorriso forçado.
- Ótimo! - disse Sírius, apoiando os braços nos ombros das garotas. - Amanhã então levo vocês pra outra comemoração, mas essa particular, só as duas e eu no meu quarto. O que acham?
- Almofadinhas, vai curar sua bebedeira e pára de falar bobagem pra elas - riu Tiago, empurrando o amigo para longe antes que Marlene tivesse tempo de gritar com ele.
- Festa boa mesmo vai ser a de amanhã! - exclamou Pedro.
- Isso se nós ganharmos mesmo a Taça Quadribol... - resmungou Alice Fenwick, uma grinfinória de rosto redondo que jogava na posição de goleira do time.
- Dessa vez nós temos que ganhar! Eu não agüentaria ver a Sonserina ganhar de jeito nenhum - disse Lílian, sorrindo para Tiago.
- Nesse caso, podemos começar a garantir o estoque de cerveja amanteigada - e, dizendo isso, Héstia Jones saiu guiando um grupo em direção à uma loja.
"Festa. É só nisso que eles pensam.", pensou Marlene. Também, com dezessete anos, tem coisa melhor pra pensar? Ela deveria estar pensando nisso também...

Oh Lord why
(Oh Deus, por que)
The angels fall first?
(os anjos caem primeiro?)

- Remo é um cara estranho. Quando ele confessou que gostava de mim, eu contei tudo pra ele - sussurrava Marlene, respirando com dificuldade. - Remo disse que já sabia e que não se importava. Ele até mesmo me aconselhou a falar com você. Mas eu disse que não, que nunca te contaria. Então ele me pediu para ser namorada dele. Falou que eu não tinha que sentir por ele o que sentia por você, queria apenas que eu aceitasse ser sua namorada... e ele não teria medo de ir pra a guerra porque... porque saberia que estava lutando por mim...

Not relieved by thoughts of Shangri-La
(Não revivido pelos pensamentos do Shangri-La)
Nor enlightened by the lessons of Christ
(Nem iluminado pelas lições de Cristo)

Marlene abriu os olhos e olhou ao redor, percebendo que ainda era noite. Da cama, podia ver a porta aberta por onde entrava um filete de luz no quarto. Foi só então que quando percebeu que estava sozinha.
Vagarosamente se ergueu da cama e caminhou até uma poltrona onde estavam suas roupas. Vestiu-se rapidamente, pegou a varinha e saiu do quarto.
O apartamento era pequeno, as paredes estavam amareladas e exalavam um leve cheiro de mofo, a calefação não era muito boa e às vezes se tinha a impressão de ouvir barulhos de ratos andando pelo forro, mas era bastante seguro. Nos últimos tempos, segurança vinha sendo a prioridade de todo mundo afinal.
A luz vinha da cozinha, juntamente com barulhos leves de louças se entrechocando. Em vez de entrar, ela ficou parada na porta por um instante admirando o jovem que se concentrava em preparar um chá.
- Ah, não, Marlene, você estragou a surpresa!
- Se não queria que eu ouvisse, devia ter colocado um Feitiço de Imperturbabilidade no quarto, Remo - respondeu ela, sorrindo.
- Estraga prazeres - brigou. Sorria largamente, enquanto arrumava as xícaras na mesa. - Espero que não se importe de termos que comer na cozinha.
- Eu já disse pra você que não me importo.
- Mas é que na sua casa... - ele pareceu constrangido ao se referir à mansão dos McKinnon.
- Minha casa é um amontoado de coisas vazias e lembranças ruins, nada mais. Eu não me importaria de comer na sua cozinha pra sempre pra nunca mais ter que voltar pra lá...

I'll never understand the meaning of the right
(Eu nunca entenderei o significado do que é certo)

- Por que ele se importa comigo afinal? Eu posso dar tão pouco em troca... Me desculpe por isso. Eu sei que você não se importa, mas eu sinto muito por ter me entregado ao Remo. Eu queria... eu queria ter me entregado pra você. Mas eu não posso mais, não com esse corpo.
- Isso não é verdade. Mesmo agora você continua linda como sempre foi - falou Sirius, tocando o rosto deca com a ponta dos dedos.
- Não é hora de bancar o conquistador, idiota.
- Eu estou falando sério, você é linda. Você é muito bonita, Marlene.
- Não me chame de Marlene, Black... - Eu vou te chamar de Marlene porque é o seu nome. E você me chame de Sírius, nos conhecemos desde crianças!

Ignorance lead me into the light
(Ignorância me carregue para a luz)

- Eu apenas... Eu me preocupo com você - disse Marlene, apertando a mão de Remo com força por cima da mesa posta para o café da manhã.
- Eu sei... Só não sei se isso é bom pra nós dois - Remo abaixou os olhos para mantê-los fixos na toalha de mesa encardida.
- Como assim?
- Digo, enquanto a guerra durar, tudo bem. Mas eu me pergunto sobre o futuro - ele continuava concentrado nas manchas do tecido.
- Você sabe que eu gosto muito de você.
- Mas gostar não é amar. Não me importo com isso agora, porque eu te amo e isso, por enquanto, parece ser suficiente. Mas eu penso no futuro - finalmente, ele desviou os olhos da mesa e olhou para a namorada.
- Você ainda está chateado por eu e Sirius sermos padrinhos do Harry? - Marlene fez uma careta de descontentamento.
- Não é isso.
- Então você quer terminar?
- Claro que não!
- Então me explique qual é o problema porque eu até agora não entendi! - ela começou a perder o controle do tom de voz e, sem perceber, falava cada vez mais alto.
- O problema é que eu fico pensando se, quando tudo acabar, você não vai correr para os braços do Almofadinhas e eu vou voltar a ficar sozinho...

Needed elsewhere
(Necessários em toda parte)

- Você não sabe - mais lágrimas desceram pelo rosto anormalmente pálido de Marlene - o quanto eu quis ser a Elvira Preewt quando te vi com ela naquele dia em que ganhamos a taça quadribol...
- Eu teria preferido mil vezes você - insistiu Sirius.
- Mentiroso... você prefere loiras descerebradas como a Preewt.
- Eu prefiro morenas teimosas e arrogantes como Marlene McKinnon.
- Men-ti-ro-so... - ela falou, pronunciando cada sílaba. - Você é um mentiroso, grosseiro, metido e cínico. Mas eu realmente... realmente.
- Você realmente...? - incitou ele, ainda com a esperança de poder mantê-la falando até a chegada de Dumbledore.

To remind us of the shortness of your time
(Para nos lembrar da rapidez do nosso tempo)

- Não fale besteiras.
- Não é besteira. Você gosta dele... - insistiu Lupin.
- Eu prometi a mim mesma que vou vencer isso - Marlene respondeu, revirando os olhos.
- Você não pode vencer uma coisa assim.
- O que importa é que Sirius nunca saberá de nada, eu juro.
- Eu não estou pedindo pra você jurar.
- Mas eu juro! - ela ergueu o corpo, abotoou a capa e cobriu a cabeça com o capuz. - Nos encontramos na reunião - e saiu, andando em passos na direção ao vestíbulo.

Tears laid for them
(Lágrimas derramadas por eles)

- Eu realmente... te amo... - murmurou Marlene. - Eu sinto muito, Remo, eu sinto muito! Eu disse que nunca contaria, eu jurei que nunca contaria, mas... Sirius, eu te amei por tanto tempo. E eu pensava que... Sirius, onde você está? - ela agitou as mãos no ar, seus olhos saíam de foco.

Tears of love tears of fear
(Lagrimas de amor, lagrimas de medo)

- Estou aqui - respondeu ele, segurando a mão dela.
- Eu... - continuou Marlene, agora falando mais devagar, a voz insistindo em falhar ante os soluços cada vez mais fortes - eu achava que íamos ficar juntos pra sempre... Por que? Por que tudo isso tinha que acontecer?

Bury my dreams dig up my sorrows
(Enterre meus sonhos, desenterre minhas tristezas)

- Eu achava que podíamos continuar assim... que eu podia continuar brigando com você - ela apertava os dedos de Sírius com tanta força que os dedos dele estavam começando a ficar dormentes. - Porque parecia que ficaríamos desse jeito pra sempre.
- Marlene... nós ainda vamos ter que suportar um ao outro por muito tempo, vamos jogar quadribol de novo. Eu não esqueci daquele balaço que você acertou em mim da última vez.
- Eu... sinto muito...

Oh Lord why
(Oh Deus, por que)
The angels fall first?
(os anjos caem primeiro?)

- Pare de chorar, vai ficar tudo bem! - insistia Sirius, embora estivesse muito claro que nada ia ficar bem.
- Black... Sirius, eu não quero morrer... Eu... eu estou com medo... está doendo.
- Você não vai morrer. Você nunca foi esse tipo de pessoa que cai com qualquer coisa. Você agüenta. Trate de agüentar mais essa vez, Marlene!
Mas ela não respondeu mais. Seu corpo estremeceu levemente nos braços de Sírius e cedeu amolecido. Um filete de sangue escorria pelo canto da boca e os olhos miraram o vazio, mortos.
Naquela noite de novembro de 1980, toda a família McKinnon foi exterminada por comensais da morte durante um atentado à mansão.

Sing me a song
(Me cante uma canção)
Of your beauty
(da sua beleza)
Of your kingdom
(do seu reino)

As folhas amareladas deslizavam lentamente sendo embalados de um lado para o outro pela brisa gelada que soprava no cemitério. Nove covas haviam sido abertas em fila. Uma pequena multidão se reunia para o enterro dos McKinnon.
Tudo aconteceu muito rápido, Dumbledore fez um breve discurso pedindo a todos que se mantivessem firmes na luta e o grupo logo se dispersou. Lílian Potter ainda ficou vários minutos parada em frente à lápide da amiga, como se ler aqueles dizeres até que ficassem irremediavelmente gravados em sua memória a ajudasse a se convencer de que aquilo tudo não era apenas um sonho ruim. As palavras pareciam ter entalado em sua garganta.

Let the melodies of your harps
(Que as melodias de suas harpas)
Caress those whom we still need
(consolem aqueles de quem ainda precisamos)

Tiago mantinha o braço em torno da esposa para mantê-la em pé e ela apoiava a cabeça em seu ombro, muda, sua dor parecia estar além de qualquer tipo de consolo.
- Sentiremos muita falta dela... - disse Artur Weasley, se aproximando do casal.
- Sim... como membro da Ordem e, principalmente, como amiga... - murmurou Tiago.
- Moly ficou chocada. Achei melhor que ela ficasse em casa.
- Acho que todos ficamos.
- O jovem Sírius não vem? - perguntou Artur.
- O Almofadinhas não gosta de despedidas.
- E Lupin, já voltou da Escócia?
- Sim... mas a tia dele está doente, ele teve que ficar com ela.

Yesterday we shook hands
(Ontem, nós apertamos as mãos)
My friend
(Meu amigo)

Mais adiante, escondido sob sombra de uma árvore já quase totalmente desfolhada, um enorme cão negro observava. Por fim, ele desviou o olhar das pessoas e mirou a lua cheia quase invisível no céu nublado de outono, emitindo um longo e sonoro uivo.

Today a moonbeam lightens my path
(Hoje um raio de luar ilumina meu caminho)
My guardian
(Meu guardião)

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Música Angels Fall First (Anjos Caem Primeiro), Nightwish

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