Apesar de tudo



Capítulo 5 ~ Apesar de tudo ~

Se somos o que somos, só o somos pelo amor

que destrói e reúne os homens à sua volta

Existiu antes um destino, um plano a ser cumprido –

Existiu antes um caminho que devia ser percorrido

- The Liverpool Affair, Estação Após Estação

Lílian se levantou extremamente atrasada e indisposta naquela manhã, coisa decididamente estranha para a senhora pontualidade e disposição que costumava ser. Sentia náuseas e correu para o banheiro achando que estava prestes a vomitar, mas não havia nada em seu estômago para ser posto para fora. Por um instante, mirou o próprio rosto no espelho e achou-se horrível, pálida e com olheiras, mas não devia ser nada pra se preocupar, provavelmente apenas um dos efeitos colaterais retardados da poção cicatrizante que estivera tomando por semanas a fio até conseguir recuperar-se totalmente da azaração ferreante. Com a falta de vários ingredientes para poções provocada pela guerra, os curandeiros estavam tendo que se virar com fórmulas experimentais ainda pouco estudadas. Frank até hoje não tinha conseguido se livrar do tentáculo que despontara bem no meio de sua testa e Bode tinha ganhado um enorme par de chifres. Ele não pareceu se importar muito, estava pensando até em ficar com eles, dizia que era sua “marca”. De todo modo, Lílian ficava feliz que só estivesse sentindo náuseas esporádicas.

Desceu as escadas e deu com a sala irreconhecível: os sofás estavam encostados na parede e a maior parte do espaço era ocupada por uma enorme mesa de madeira clara muito escovada, completamente coberta de pergaminhos, mapas e livros empoeirados – vestígio da reunião da Ordem que ocorrera na noite anterior. A casa de Lílian e Tiago vinha funcionando como sede da ordem depois que a casa dos Preweet fora atacada por comensais que mataram dois membros. Era estranho para Lílian pensar nisso, parecia que as mortes cada vez mais freqüentes a estavam deixando insensível.

Resolveu arrumar tudo mais tarde e foi para a cozinha, embora não tivesse a menor vontade de comer. Em cima da mesa, estava uma bandeja com chá, suco e torradas e um bilhete que ela nem precisava ler para saber que era de Tiago:

Achei melhor deixar você dormir um pouco mais. Coma direito e tome seu tônico reanimador. Elphias disse que com duas doses por dia você vai se sentir melhor. É melhor não trabalhar hoje. Estarei de volta na terça-feira, mas se precisar me chame.

Te amo,

Tiago.

Lílian sorriu. Gostava de ter alguém cuidando dela, mas não se sentia tão mal assim. Tomou uma xícara de chá, comeu uma torrada e tomou um banho. Sentindo-se definitivamente melhor, tomou o tal tônico reanimador (“arrrgh!”) e começou a recolher os papéis da sala. Ninguém parecia se importar muito em deixar planos secretos da resistência jogados assim, mas Lílian se incumbia de recolher toda a papelada e preparar relatórios das reuniões para os ausentes.

Lá pelo meio da manhã, recebeu uma coruja de Arabela e, logo depois, uma visita de Minerva. A professora não se demorou, tinha vindo a pedido de Dumbledore ver como Lílian se sentia. Ao meio dia, Lílian saiu de casa e aparatou em um beco no centro de Londres, para a surpresa de alguns bêbados e de um cachorro que revirava uma lixeira. Tinha marcado um almoço com Marlene Mckinnon, já fazia meses que não via a amiga.

Andou algumas ruas e entrou num barzinho sujo e escuro, entre uma livraria e uma loja de discos. A multidão de trouxas passava direto e em massa, ninguém parecia notar a velha tabuleta com a inscrição “Caldeirão Furado” gravado em letras vermelhas bastante descascadas.

Marlene já a esperava lá dentro. Vestia uma pesada capa azul-marinho por cima de um elegante vestido preto com uma fivela dourada na cintura. As botas roxas de bico fina apareciam por baixo da capa, e batiam impacientemente com o salto no pé esculpido em forma de pata com grandes garras da cadeira. Puxara o capuz da capa bem para frente, de modo a deixar apenas a ponta do nariz de fora e bebia algo quente e escuro numa xícara encardida enquanto batucava na mesa com as longas unhas. Lílian achou engraçado ver a amiga bancando a enigmática, talvez o trabalho disfarçado para a Ordem da Fênix a tivesse agradado no fim das contas.

Antes que Lílian pudesse dizer qualquer coisa, Marlene abaixou o capuz e sorriu. Por alguns instantes, não souberam exatamente o que dizer, mas então Marlene começou a falar tão animada do que andava fazendo, das brigas com as tias e do namoro com Remo que pareceu até que tinham voltado à escola.

Almoçaram sem prestar atenção à comida – o prato do dia, torta de rins com couve-de-bruxelas e batatas. Só quando Tom, o barman, colocou duas xícaras de café na mesa foi que Marlene voltou a assumir um ar misterioso, parou de falar e começou a olhar atentamente para Lílian.

- Lílian, você tem alguma coisa para me dizer? – perguntou, após um exame demorado da amiga.

- Do que está falando?

- Como vai a sua vida com Tiago? – perguntou Marlene, mexendo o café.

- Bem... não me acostumo com essas viagens – respondeu Lílian, olhando para os lados, sem saber exatamente por que estava respondendo de maneira evasiva.

- E vocês – insistiu Marlene, falando displicentemente, mas sem tirar os olhos de Lílian – pensam em ter filhos?

- Daqui há alguns anos, quem sabe? Quem é que vai pensar em ter um filho nesse caos? Seria uma insensa... – subitamente, Lílian parou de falar. Acabara de lhe ocorrer um pensamento que justificava perfeitamente a pergunta da amiga.
Olhou para Marlene chocada, mas a outra meramente fez um sinal para Tom trazer a conta e continuou a falar:

- Vi Molly Weasley ontem. Está esperando o sexto filho para fevereiro. Ela e Artur me parecem muito felizes.

- Por que está falando isso, Marlene?

- Você não tem nem idéia? – rebateu, sem se importar de ser chamada pelo nome que evitava desde Hogwarts. – Sou a primeira a saber?

Lílian continuou sem palavras, olhando estática para a superfície do café.

- Pára com isso, Li, você tinha é que ficar feliz. Agora Andrômeda vai parar te encher falando o tempo todo como gerar uma criança é gratificante e maravilhoso – disse ela, num tom de quem não acha nem um pouco gratificante ou maravilhoso ter a silhueta deformada por meses a fio.

Lílian abaixou a cabeça e escondeu o rosto entre os braços, arrumando nervosamente os cabelos avermelhados.

- Como isso foi acontecer? – gemeu.

- Você quer mesmo que eu te explique? – o tom de Marlene agora era frio e sarcástico, como se aquela conversa toda lhe parecesse idiota.

- Eu e Tiago não queríamos ter filhos tão cedo – murmurou Lílian, levantando os olhos de esmeraldas para a amiga.

- Claro, Lílian Evans Potter que sempre planeja e organiza tudo. Pára de reclamar, nós duas sabemos que o Tiago vai levitar de felicidade quando souber!

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Lílian, não falou mais nada, estava em completo estado de choque. Marlene pagou a conta e a arrastou para fora do bar. Era novembro e o tempo ficava cada dia mais frio. Depois de um longo passeio, Lílian voltou para casa. No meio da tarde, recebeu uma coruja chamando-a para desfazer um complicado feitiço desilusório que escondia um provável esconderijo de comensais. Só voltou para casa na manhã seguinte e caiu na cama sem sequer trocar de roupa de tão cansada que se sentia.

No meio da tarde, recebeu uma coruja de Andrômeda e outra de Tiago, mas resolveu não contar nada, queria dar a notícia pessoalmente. Pouco depois do almoço, Minerva aparatou na cozinha e passaram a tarde organizando os relatórios das missões da última semana. A casa de Lílian e Tiago já estava lotada de papéis, talvez precisassem arrumar um baú de fundo extensível para organizar direto aquilo, pensou Lílian, quando Minerva foi embora.

Lílian continuou acordando enjoada nas manhã subseqüentes, tinha que ir ao banheiro o tempo todo, sentia um sono indescritível à tarde e ficava grande parte da noite acordada, mesmo quando não era convocada pela Ordem, pensando em como seria sua vida dali para frente.

Na sexta-feira, foi a um curandeiro especializado em cuidados pré-natais e confirmou a gravidez, não que isso fosse realmente necessário. Marlene tinha sido aconselhada a seguir a carreira de curandeira por sua habilidade de detectar as mínimas alterações na energia mágica das pessoas ao seu redor, mas a guerra irrompera e sua vontade de lutar tinha sido mais forte.

Na terça-feira, voltando de mais uma missão, ela decidiu desaparatar há algumas quadras de casa a fim de andar um pouco e pensar em como deveria contar aquilo a Tiago. Será que Marlene estava certa? Será que ele iria gostar?

Parou em frente a uma vitrine de roupas de bebê. Nos últimos dias andava fascinada por tudo que dizia respeito a crianças. Já tinha uma verdadeira pilha de livros e revistas trouxas e bruxos sobre bebês amontoadas ao lado da cama. Um par de sapatinhos azuis de tricô chamou sua atenção. Sem pensar muito, Lílian entrou e pediu à vendedora para ver um par igual.

- São para uma amiga sua? – perguntou a vendedora, sorrindo, enquanto embalava a mercadoria numa simpática caixinha.

- Não, são para mim – respondeu Lílian, sem se dar conta de que Tiago não seria mais o primeiro a saber.

Minutos depois, ela saía da loja com uma pequena caixa com um laço de fita azul. Não sabia por que tinha escolhido azul. De qualquer forma, bastava mudar a cor com mágica caso o bebê fosse uma menina, pensou, enquanto abria a porta da casa.

Uma empoeirada capa de viagem largada em cima do sofá lhe dizia que Tiago já estava de volta. Da cozinha, vinha um barulho de panelas batendo e louças se entrechocando. Deixando o embrulho sobre o aparador, ela adentrou a cozinha e teve, imediatamente, seus olhos cobertos por um par de mãos que conhecia bem.

- Deixe-me ver... Qual dos meus maridos deve ser? – brincou.

- O mais bonito deles – disse Tiago, descobrindo seus olhos e abraçando-a.

- E mais convencido também.

- Nunca senti tanto sua falta – murmurou ele, antes de beijá-la longamente.

Em seguida, ele a fez sentar e continuou a preparar o chá. Enquanto esperava, Lílian ficou imaginando como deveria começar. Decididamente, não estava nos planos do casal ter um filho tão cedo e numa época tão incerta.

Tiago por outro lado a observava pelo canto dos olhos. Havia muito tempo que Lílian andava nervosa e mal-humorada, mas, naquele dia, parecia calma e serena como ele nunca a vira antes. Algo naqueles olhos verdes definitivamente mudara. Durante o chá, ele falou o tempo todo sobre a viagem, enquanto ela o ouvia com um sorriso calmo e sonhador.

Aí tem coisa, ele pensou, quando percebeu que se levantavam da mesa sem que Lílian tivesse reclamado uma única vez da lentidão dos obliviadores e desfazerdores de feitiços do Ministério que a obrigava a fazer todo o trabalho sozinha. Ele a seguiu até a sala, onde ela apanhou a caixinha com fita azul e, de lá, foram para o quarto. Sem uma palavra, Lílian tirou um vestido do armário e o vestiu por cima da roupa mesmo.

- O que você acha? – perguntou ela, se virando para o marido.

Tiago a analisou. Lílian devia estar ficando maluca: aquele vestido era pelo menos quatro números maior que o dela.

- Um pouco grande, não acha? – perguntou ele, num tom que pretendia soar casual. Afinal, nunca é muito seguro questionar uma mulher sobre o tamanho de suas roupas.

- Mas é claro que é grande – ela respondeu, rindo. Ele ficou observando-a sem entender nada até ela lhe entregar a pequena caixa que trouxera do andar de baixo.

- É para mim? – perguntou, incerto.

- Para nós – ela respondeu, com um sorriso enigmático. Curioso, ele abriu a caixa e encontrou um par de delicados sapatinhos azuis. Subitamente, Tiago entendeu.

- O vestido só vai ficar bom daqui há alguns meses – explicou ela.

- Não me diga que...

- Vamos ter um bebê, Tiago.

Imediatamente, Tiago a agarrou e beijou com toda a saudade e alegria que sentia. Era final de novembro de 1979 e os primeiros flocos de neve começavam a cair do lado de fora embalados pelo vento gelado de inverno. Mas nenhum frio entraria na casa dos Potter. Nada no mundo poderia atrapalhar a alegria que sentiam.

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Tiago estava observando a esposa adormecida com a cabeça encostada no seu ombro. Os cabelos avermelhados se espalhavam pelo seu peito. Ele achava impossível amá-la mais do que antes, mas agora descobrira que era possível sim.

- Eu te amo – murmurou junto ao ouvido dela, sabendo que ela não o escutava.

- Eu também – respondeu Lílian, sem abrir os olhos, fazendo-o ter um sobressalto.

- Você estava acordada?

- Mais ou menos – respondeu ela, se erguendo sobre os cotovelos, fazendo com que a cascata ruiva deixasse o peito de Tiago. – Estava pensando. Tenho pensado muito nas últimas semanas.

- Pensando no que? – perguntou, abraçando-a e fazendo-a voltar a deitar. Conhecia aquele tom de Lílian. Ela estava com medo.

- Em como será nossa vida... Tiago, é uma loucura ter um filho nesses tempo, você sabe. Todos sabem.

- Lílian, não é assim. Você viu Molly, vai ter outro filho, e Alice e os Finnigan... Não vale a pena lutar se não tivermos esperança no futuro, Lílian.

- Eu sei. Foi o que Marlene disse. Mas eu fico pensando que futuro essa criança vai ter e... tenho medo por ela, Tiago.

- Não tenha – disse ele, apertando-a em seus braços, como se com aquele gesto pudesse lhe transmitir segurança. – Temos que ter esperança. Tempos melhores vão chegar e, até lá, teremos esperança.

Ela esboçou um sorriso. Ainda tinha medo, mas tudo isso perdia a importância quando Tiago falava daquela maneira. Já tinha muitas preocupações para o presente, não era hora de temer o futuro.

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Ainda naquela noite, Lílian, recebeu outro chamado da ordem (precisava apagar as memórias de quase trinta trouxas que haviam presenciado um duelo entre componentes da Ordem e comensais) e só voltou para casa de madrugada. As coisas iam definitivamente mal para a resistência, pensou Lílian ao entrar em casa.

Por alguns instantes, seus olhos se retiveram na estante da sala cheia de fotografias tiradas com seus amigos em Hogwarts. A maior e mais agitada delas fora tirada no dia da formatura. Uma multidão de jovens sorria alegremente, acenando com seus diplomas ou atirando os chapéus pontudos para o alto, inconscientes de que logo estariam se deparando com uma guerra sangrenta. Remo, Pedro, Sírius, Tiago, ela e Marlene. Mais atrás estavam Frank e Alice, Héstia Jones e Edgar e Amélia Bones. Todos aqueles sorrisos sinceros, os olhos cheios de esperança, vida, juventude, agora pareciam pertencer a outro mundo, um mundo ao mesmo tempo irreal e concreto. E pensar que aquilo tinha sido há menos de dois anos...

Muitos ali tinham entrado para a Ordem e estavam vivendo o horror daquele conflito sem sentido, obrigados a amadurecer rápido de mais e a desistir de sonhos em nome de um futuro melhor. Todos tentados a todo custo manter a esperança de que logo as coisas voltariam a ser como antes, mesmo com os problemas se tornando exponencialmente mais graves e as baixas cada vez mais freqüentes.

Tiago estava certo, toda a luta, todas as perdas só valeriam a pena se houvesse a esperança de que um futuro melhor os aguardava... melhor para a geração que estava por vir.

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Eu sei, o capítulo ficou meio lento, parece q se passa todo dentro da cabeça da Lily, vou tentar colocar + ação o próximo *se tiver tempo de reescrever*
Valew pelos comentários:

Rafaela Black: o mistério em torno da Marlene é proposital, ela só foi citada no 5º. livro, então eu tive q inventar um monte pra ela ter um papel significativo na historia. + não se preocupe q vou explicar tudo sobre ela logo-logo. Esse capitulo deixa claro que ela namora o Remo, + sabemos q ela gosta é do Sírius... vai entender... *bom, acabei de dar a pista a quem não tinha percebido que o livro revela o que vai acontecer com ela -_-'*

Bárbara: eu comecei a ler sua fic + ainda não terminei, quando terminar eu comento tah? ^-^

nha, eu esqueci d agradecer as pessoas q comentaram no fórum: Aria Acquaria e Ameria Asakura Black

E obrigada a todos q estaum lendo e ateh sábado q vem

comentem, e critiquem também, eu quero saber no que preciso melhorar o.o

Bjins pra todos _o/

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