O fim do túnel



Capítulo 12. O fim do túnel

Não podemos ser irônicos. Nós não passamos de vítimas de tal ironia. Quando uma criança faz um desenho numa folha de papel, não podemos perguntar ao papel que desenho é aquele.
- O Mundo de Sofia, Jostein Gaaden

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- Que horas são? - perguntou Marlene, recebendo a xícara de chá que Remo lhe estendia. Estavam os dois na cozinha do pequeno apartamento de Remo e, desde que ele começara a preparar o chá, um incômodo silêncio se impunha entre eles.

- Seis e meia.

- Tudo isso? Dormi demais, tenho que estar em Hogwarts às oito e antes ainda tenho que passar na sede da Ordem. Parece que Moody tem uma coisa muito séria pra falar sobre um novo esconderijo dos Comensais.

Dito isso, ela bebeu rapidamente seu chá e começou a se levantar da mesa, quando algo lhe ocorreu:

- Por que você não vem comigo? Aposto que faz um bom tempo que não aparece na esco...

- Não - Remo respondeu muito rápido. Marlene o mirou desconfiada e ele acrescentou: - Eu ainda tenho que verificar uns artefatos das trevas que Moody me mandou e revisar uns relatórios. Frank suspeita que os comensais estejam usando um vira tempo.

- Mas amanhã você vai estar... amanhã já é lua cheia, eu pensei que poderia ficar com você mais um pouco antes de... você sabe.

- Não se preocupe. Estarei na reunião daqui a uma semana.

Marlene o mirou enigmática, mas não disse nada. Levantou da cadeira, andou até a minúscula sala e apanhou sua capa em cima de uma poltrona remendada.

- Está bem - disse ela, finalmente, da porta da cozinha.

- Marlene - começou Remo - você quer me contar alguma coisa?

A jovem passou as mãos pelos cabelos escuros e andou até a mesa, ficando de frente para o namorado. Mas não olhava para ele, seus olhos vagavam inquietos pela a parede com marcas de infiltração.

- Sírius tem dito coisas estranhas - respondeu.

- Que tipo de coisas?

- Coisas... coisas como se suspeitasse de você.

- Por que ele suspeitaria de mim?

- Não me pergunte - seus olhos continuavam a correr pela cozinha sem realmente se fixar em nada, tudo para evitar ter que olhar diretamente para Remo enquanto falava. - Ele só diz essas coisas... Eu não acho que você seja um traidor, é claro - ela acrescentou rapidamente. - Mas você deveria falar com ele.

- O que eu devo falar pra ele, Marlene? Que não sou um traidor? Se o Sírius acha que eu sou traidor, não vai acreditar em mim!

- Eu apenas... Eu me preocupo com você - disse ela, debruçando sobre a mesa e estendendo a mão por entre xícaras, um açucareiro e um prato de torradas para colocá-la em cima da do namorado.

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Tiago entrou na cozinha e encontrou a esposa tentando fazer com que Harry comesse. Ela o segurava desajeitadamente apoiado num dos braços, enquanto tentava, com a mão livre, empurrar o conteúdo alaranjado de uma colher para dentro da boca do menino. Harry, no entanto, não parecia muito disposto a comer e sempre cuspia tudo que a mãe conseguia, com muita insistência, fazer entrar em sua boca.

- Parece que ele não está gostando muito, não? - perguntou Tiago, rindo. Acabara de voltar de uma viagem de três dias.

- Não entendo o que há de errado, eu fiz tudo exatamente como dizia o livro da curandeira Denise Domy e ele não que comer... - respondeu ela, exasperada. - Lá dizia que bebês adoram isso.

- Talvez você não devesse ter substituído o suco de abóbora por essência de arbusto tremulante.

- Engraçadinho... Segure o Harry por um instante, vou ver se consigo falar com Andrômeda pela lareira.

Tiago recebeu o bebê e a colher ainda cheia de gosma alaranjada e Lílian desapareceu pela porta da cozinha.

- Vamos ver o que é essa coisa afinal - disse ele para o bebê, provando um pouco da papa. Imediatamente, uma careta tomou forma em seu rosto e seus olhos se encheram de lágrimas quando a coisa lhe desceu pela garganta. - Que tipo de mãe cruel você tem que te faz comer uma coisa dessas?

Ele jogou a colher na mesa e puxou a varinha do bolso traseiro da calça para fazer todo o resto da gosma alaranjada sumir, um segundo antes de Lílian voltar.

- Andrômeda disse pra eu amassar uma banana e... Você conseguiu! - exclamou, ao ver o prato completamente vazio.

- Ah, claro... você não acreditaria no milagre que uma boa imitação de aviãozinho pode fazer.

- Certo... O que andou fazendo consigo mesmo para ficar nesse estado? - perguntou ela, apontando inquisidoramente para uma cicatriz no rosto de Tiago que se estendia da têmpora esquerda até o queixo.

- Não se preocupe, McGonagal disse que vai desaparecer em alguns dias.

- Não é essa a questão! - protestou ela, subitamente mal-humorada, enquanto ele lhe estendia o bebê de volta. - Você tem que tomar mais cuidado.

- Eu mal pisei em casa e ela já está brigando comigo! - brincou Tiago, passando a mão displicentemente pelos cabelos, mas parou o gesto no meio ao ver que Lílian estava prestes a dar risada. - O que foi?

- Você nunca vai mudar, não é mesmo? - ela riu mais, ajeitando um Harry sonolento junto ao ombro.

Tiago olhou confuso para a esposa, depois percebeu a mão no alto da cabeça e só então se deu conta do que estava fazendo e piscou marotamente, exatamente como fazia quando a chamava para sair e ela o mandava embora aos berros em Hogwarts.

- Mas será possível, Tiago Potter, que você é incapaz de ficar perto de uma garota sem paquerá-la? - perguntou Lílian, divertida, simulando uma voz histérica de descontentamento.

- Eu não posso mais arrumar o cabelo? - Tiago fingindo-se ofendido. - Pois fique sabendo, Lílian Evans, que eu não estava te paquerando, nem tudo que eu faço na vida tem a ver com você.

- Se não quer me paquerar é você quem vai sair perdendo - Lílian saiu da cozinha e subiu as escadas em direção ao quarto de Harry. Já tinha pousado o bebê no berço, quando um par de braços a envolveu pela cintura.

- Bom, nesse caso... - Tiago exibia seu sorriso mais galanteador, os cabelos estrategicamente bagunçados exatamente daquela maneira que ela costumava odiar em Hogwarts - não vou arriscar.

Lílian girou para ficar de frente para ele e lhe deu um beijo estalado, e então começou a distribuir beijinhos por todo o rosto dele, até chegar na orelha.

- Eu quero você... - sussurrou ela.

- Não brinque com isso, estamos no quarto de Harry.

- E você acha que eu estou brincando? - Lílian sorriu provocadora e estendeu a mão para o bolso de Tiago, ao que ele recuou surpreso.

- Ei, não faça isso...

- Não fazer o que? - perguntou, tirando a varinha dele do bolso, lançando-lhe um sorriso de pura inocência.

Agitou-a levemente no ar e em instantes um perfeito feitiço de imperturbabilidade selava o quarto.

- Agora sim podemos começar a recepção - disse Lílian assim que fecharam a porta do quarto, logo antes de beijar o marido.

- Eu senti sua falta - Tiago arrebatou a esposa nos braços e já ia carregando para o quarto do casal, quando um pergaminho caiu bem em cima de sua cabeça e escorregou para o chão. Ouviram um alto pio de coruja, seguido de um esvoaçar de asas e estavam sozinhos de novo.

Tiago colocou Lílian no chão, rompeu o selo do pergaminho e o desenrolou. Seus olhos correram ligeiros atrás das lentes até que ele deixou os ombros caírem com uma careta de descontentamento:

- Dumbledore pede para irmos a Hogwarts. Agora.

- Está bem... - suspirou Lílian. - Vou chamar Aine pela lareira e ver se ela pode ficar com o Ha...

- Não vai precisar. Dumbledore quer nós três lá.

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Dumbledore andava de um lado para o outro. Não que houvesse muito para andar. A pequena sala circular atulhada de todo tipo de objeto - brilhantes, barulhentos, rítmicos e alguns até irritantes - só lhe permitia dar cinco paços em direção ao poleiro de Fawkes e então contornar a larga escrivaninha e dar mais cinco passos para chegar à porta e reiniciar o trajeto. Mesmo assim ele continuava. Cinco passos, girava os pés, passava pela cadeira com cuidado para não esbarrar no espaldar alto demais, mais alguns passos e porta.

Subitamente, Alvo interrompeu sua jornada viciosa de um lado a outro da sala circular para examinar uma bacia de pedra branca, rasa, as bordas entalhadas com runas e símbolos, e uma luz prateada emergindo de uma espécie de fumaça branca que se revirava continuamente em seu interior.

Então puxou a varinha de dentro das vestes e a encostou na têmpora direita. Manteve os olhos fechados por alguns instantes, até que um tufo de nuvem banco-prateado se acumulou na ponta da varinha. Depositou-o dentro da bacia, fazendo com que seu conteúdo etéreo se agitasse ainda mais, como um caldo prestes a ferver.

O conteúdo da bacia começou a emitir uma luz mais intensa e a fumaça se ergueu bem acima das bordas. Aos poucos, o que era só uma massa branca disforme foi adquirindo contornos cada vez mais nítidos e cores as mais variadas foram se diferenciando. O formato era de um casal. O rapaz estava extremamente pálido, os cabelos negros grudados na testa pelo suor que lhe cobria o rosto. Ele trazia, apoiada em seu ombro, uma ruiva semi-consciente, a capa cortada horizontalmente na altura do peito por uma mancha de sangue ressequido. Ela abriu os olhos e sorriu vagamente para o professor que os observava flutuando acima da bacia.

- Três vezes... - murmurou ele, brandindo a varinha e as imagens se desfizeram, dissolvendo-se no ar como nuvens indefesas.

De repente, ecoou pela sala circular um barulho de pedras se chocando e, instantes depois, a porta se abriu. Por ela entraram, calmamente, o rapaz de cabelos escuros e a moça de cabelos vermelhos que há pouco tinham tido seus espectros projetados pela bacia. Nenhum dos dois estava ferido, pareciam, na verdade, muito tranqüilos, sorridentes até demais para o humor do velho professor. A moça trazia nos braços um pequeno volume coberto por uma manta vermelha e amarela, um tufo de cabelos pretos se sobressaindo numa das extremidades.

- Viemos o mais rápido que pudemos, professor... - começou o rapaz.

Dumbledore meramente fez um gesto de varinha conjurando cadeiras para o casal e acenou para que sentassem. Então contornou a escrivaninha, se sentou na própria cadeirae entrelaçou os compridos dedos sobre a mesa, olhando fixamente para a pequena família à sua frente.

- Professor... - chamou a moça, após alguns minutos de silêncio inquietante. Alvo fez um movimento súbito e levantou da cadeira. Caminhou lentamente até a janela e começou a falar, de costas para o casal:

- Vocês acreditam em destino?

Os dois trocaram olhares intrigados e ela perguntou:

- O senhor quer dizer com destino? Que tudo já está previamente definido?

- Não, não exatamente tudo... - corrigiu Dumbledore - mas algumas coisas, algumas coisas fundamentais e imutáveis.

- Eu acredito que existem certas coisas que não podem ser evitadas - disse o rapaz. - Mas nada que tenha a ver com aqueles videntes que acham que tudo já foi determinado e que as nossas escolhas não contam.

Alvo voltou-se para os dois. Era quase surreal lembrar que um dia já tinham sido o travesso Tiago Potter e a severa monitora Lílian Evans. Incrível como o amor havia unido duas pessoas de personalidades tão distintas. Talvez fosse mesmo destino. Talvez fosse o destino que tinha estendido suas garras para os dois antes mesmo de uma guerra contra Voldermot ser sequer imaginada.

- O que o senhor queria nos dizer afinal? - perguntou Lílian, seu tom de voz ficando impaciente pelas longas pausas do diretor.

- Primeiro deixe-me confirmar uma coisa... Quantas vezes vocês escaparam dele?

- Dele?

- De Voldermot. Quantas vezes vocês, por pouco, não morreram nas mãos dele?

- Bom, - começou Tiago, apoiando o queixo na mão pensativo - teve aquela vez em que exploramos os túneis onde achávamos os Comensais haviam deixado os prisioneiros.

- E a vez em que fizemos a transferência da pedra filosofal para Gringotes - completou Lílian, ao mesmo tempo em que fechava os olhos e passava a mão na cabeça, como se quisesse afastar a lembrança.

- E a última vez, quando fomos atacados de surpresa... foi quando Lílian estava no início da gravidez.

Dumbledore suspirou longamente, pegou a varinha e mexeu o conteúdo da bacia branca que ainda estava sob a escrivaninha.

- Agora prestem atenção - disse ele, tirando a varinha de dentro da bacia.

Imediatamente, a nuvem branco-prateada voltou a se erguer no ar, a princípio com um formato pouco definido, e, aos poucos, foi, novamente, tomando contornos, a forma de uma magra silhueta envolta em xales, os olhos enormes brilhando demencialmente atrás dos grandes óculos de aros de tartaruga. Ela então começou a falar num tom de voz muito áspero:

"Aquele com o poder de vencer o Lorde das Trevas se aproxima... nascido dos que o desafiaram três vezes, nascido ao terminar o sétimo mês... e o Lorde das Trevas o marcará como seu igual, mas ele terá um poder que o Lorde das Trevas desconhece... e um dos dois deverá morrer na mão do outro pois nenhum poderá viver enquanto o outro sobreviver... aquele com o poder de vencer o Lorde das Trevas nascerá quando o sétimo mês terminar..."

O vulto girou lentamente sob a bacia por mais alguns instantes e se desfez exatamente como a imagem anterior. Lílian e Tiago olhavam estáticos para Dumbledore, enquanto este contornava novamente a mesa para voltar a sentar na própria cadeira.

- Professor... - começou Lílian, após alguns minutos - não é que eu não esteja acreditando no que ela... essa vidente...

- Trelawney... Sibila Trelawney, tetraneta da famosa vidente Cassandra Trelawney.

- Certo - ela respondeu, incerta. - Não é que eu não esteja acreditando... eu lembro de ter estudado detalhadamente os sintomas que as pessoas apresentam quando acometidas por uma visão súbita... quer dizer, os olhos desfocados, a voz, estava tudo bem claro.

- Sim, eu também achei - concordou Dumbledore.

- O que ela quer dizer é: - interveio Tiago - o senhor nos chamou aqui porque acha que ela está falando de Harry?

- Bem...

- Porque provavelmente existe mais alguém por aí que escapou de Voldermot três vezes e teve um filho no final de julho... - insistiu o rapaz.

- Vocês realmente subestimam seu velho professor... - suspirou Dumbledore. - Eu pensei, realmente pensei sobre isso. E, após uma longa investigação nos antigos relatórios e longas noites de indagações, reduzi as possibilidades a apenas duas.

- Duas?

- Sim. Dois casais igualmente corajosos para enfrentar Voldermot três vezes, e igualmente poderosos para conseguirem escapar. E os dois esperavam os primeiros filhos para o verão desse ano. Mas eu confesso que acabei por descartar vocês quando me disseram que esperavam o bebê apenas para a primeira semana de agosto. O bebê de Alice e Frank Longbotton parecia muito mais provável.

- Neville nasceu em 30 de julho... - falou Tiago.

- Exatamente. Eu já tinha tomado todas as providências,contado a eles sobre a previsão e os fiz se mudarem de Hogsmead para um lugar mais seguro, estava tudo muito bem arrumado. Mas entãovocês me surpreendem... - Dumbledore se pôs a tamborilar os longos dedos na madeira da escrivaninha.

Lílian ergueu um pouco mais o bebê nos braços e o rosto branco ficou descoberto. Ele não pareceu se incomodar, continuava a dormir tranqüilamente nos braços da mãe, alheio à possibilidade de que sua vida pudesse acabar num assassinato, ou mesmo depender de um para continuar.

- Mas... ainda pode não ser o Harry, não é mesmo? Ainda pode ser Nevile... - murmurou Tiago, enquanto passava o braço pelos ombros da esposa para aninhá-la junto a seu peito.

- Sim, pode... E eu nem pretendia alarmar vocês com essa notícia tão cedo, afinal, com a sua casa servindo de sede da Ordem, vocês não poderiam estar mais seguros. Mas um elemento novo surgiu.

Lílian e Tiago levantaram os olhos para o professor, ela já tinha os olhos verdes cheios de lágrimas e ele ficava com o rosto cada vez mais vermelho.

- Voldermot soube dessa previsão... quer dizer, não acho que ele saiba de tudo, mas de alguma coisa ele sabe. E eu sei, de fonte segura, que ele está convencido de que a criança em questão é Harry.

- Mas ele não pode saber - disse Lílian, apertando o filho nos braços.

- Não, Voldermot não pode saber. Mas isso não importa, se ele acha que a pessoa de quem fala a profecia é Harry, então temos que esconder vocês.

- Nos esconder?! - Tiago parecia subitamente chocado.

- Quero que se mudem para Godric's Hollow.

- Você quer dizer...

- Isso mesmo, Tiago, para a casa de seus pais.

- Mas professor, aquela casa não é segura, o senhor sabe o que aconteceu com os meus pais lá.

- Eu sei... Mas vamos tomar muito cuidado dessa vez. - E, ao que Lílian e Tiago lhe lançaram olhares significativos, como se esperassem que Dumbledore de repente risse e gritasse que tudo não passava de uma piada, o professor completou: - Eu realmente espero que essa previsão não se concretize. Quer dizer, queria eu ter parado aquele homem antes que ele tivesse a chance de causar tanta dor e desespero a tanta gente. Mas, se eu realmente não posso fazer isso, talvez só me reste lutar para que alguém que possa tenha a chance de tentar.

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