MUTOMBO E BRAM



Capítulo 4:


MUTOMBO E BRAM.


As cocheiras de Molnia e Ünuk, os garanhões de Godric Gryffindor e Salazar Slytherin respectivamente, serviam também como ferraria e oficina, e localizavam-se a alguma distância das tendas do acampamento, em um desnível de terreno às margens do grande lago.

Nem a bela visão do reflexo da lua cheia na superfície calma da água diminuiu o ritmo dos passos do garoto que descia o gramado em direção a elas. Passando agilmente por baixo da cerca, parou na larga entrada sem porta, junto a alguns feixes de feno, e vagueou os olhos pela estrutura que consistia em três paredes de madeira e teto, até encontrar quem procurava.

- Bram! Meu pai o chama para a refeição! Estás atrasado!

A silhueta alta e forte, visível atrás do tronco cinzento de Ünuk, sequer hesitou nos movimentos largos que fazia enquanto escovava o magnífico animal.

- Estive tratando dos animais.

Mutombo acercou-se de Molnia, acomodado na baia em frente, e acariciou seu focinho, tirando do cavalo negro um relincho baixo e satisfeito.

- Devias ter pedido minha ajuda. Sabes que gosto de cuidar deles, e assim não te atrasarias.

O outro afastou-se do animal que pateava inquieto, indo guardar a escova e os recém limpos arreios e peles usadas na montaria nos fundos da construção. Voltou de lá com passos calmos e firmes, sem denotar pressa alguma.

- Este é meu trabalho. – Declarou diretamente, encarando Mutombo sob as sobrancelhas cerradas, enquanto enxugava as mãos em um pano escuro. – Faço a refeição quando o tiver realizado.

Mutombo ergueu os ombros, sorrindo de canto.

- Como quiser... Eu só tencionava ajudá-lo. Agora que terminou, vens comigo?

Girando nos pés, tomou o rumo do acampamento, olhando por sobre o ombro para acompanhar a reação de Bram. Jogando o pano sobre um banco por ali, o escudeiro de Godric o seguiu, calado.

Bram McConnel era um rapaz robusto, de aloirados cabelos revoltos e olhos sombrios. Raramente falava, e quando o fazia, eram apenas as palavras necessárias para se fazer entender.

Tal sisudez, aliada ao fato de que o jovem provinha das Terras Altas, conhecidas pela ferocidade de seus homens, atribuíram-lhe a fama de perigoso entre seus colegas aprendizes. O fato de ter sido escolhido por Lord Gryffindor como seu escudeiro era visto com desconfiança, pois a idéia geral no acampamento era de que ele não merecia tal honra.

O oposto acontecia com relação a Mutombo.

Por volta de seus doze anos, a criança negra que Gryffindor assumira e amava como filho era quase unanimidade entre aqueles que conviviam com ele. Não que fosse de riso fácil. Em grande parte do tempo tinha a expressão concentrada e atenta, como se estivesse em constante observação e julgamento do mundo ao seu redor. Entretanto, quando se dirigia às pessoas era com tranqüilidade nos traços sérios, e distinta gentileza nos gestos e palavras.

Até Salazar Slytherin, cuidadoso ao extremo ao conceder sua afeição, apegara-se bastante ao rapazola, e não raro eram encontrados em longas conversas. Lady Helga o estimava tanto quanto aos dois cavaleiros, e mesmo não sendo uma família nos termos tradicionais, era assim que o menino os via.

As claras diferenças físicas e comportamentais entre os dois jovens gritavam aos olhos de quem os via adentrarem juntos o recinto onde eram servidas as refeições e avançarem para seus lugares. Bram distante de todos, isolado. Mutombo próximo à mesa de seu pai, em meio aos colegas que festejaram sua chegada.

A sala larga e comprida, um dos poucos aposentos além das masmorras que encontravam-se adiantados em sua construção, contava com duas mesas que acompanhavam seu tamanho, cercadas de bancos de madeira onde os aprendizes agitavam-se, esperando pela refeição. Havia ainda uma outra mesa, que embora fosse mais curta que as demais, ganhava em largura e era rodeada de confortáveis cadeiras de encosto e braços. As paredes de pedra cinzenta eram iluminadas por archotes espalhados pelo recinto, e a imensa lua da noite agradável de primavera ajudava na iluminação, visto que ainda não havia teto sobre suas cabeças.

Acomodado em uma cadeira de espaldar alto, sita à cabeceira da mesa dos mestres, Godric achava-se analisando os olhares lançados ao leão acomodado próximo de si. Temor óbvio em alguns e ternura em outros, a presença de Hérocles sempre causava reações intensas, ainda que distintas. Foi assim que percebeu logo a chegada dos rapazes e observou-os enquanto ajeitavam-se. Cumprimentou a ambos com um gesto breve de cabeça e com um sorriso, no caso de Mutombo.

Decidindo que era hora de parar de remoer pensamentos e partir para decisões, voltou a atenção para o amigo sentado a sua frente, a voz grave demonstrando contrariedade.

- Reluto em partir agora, Salazar. Penso que nossa presença é muito mais importante aqui do que na corte, aplacando os temores de Donald.

Slytherin, que também estivera observando os aprendizes, serviu-se calmamente de hidromel e de um generoso naco de pão, antes de retrucar.

- A aproximação de Almançor pelas águas a oeste não é um simples temor. É uma realidade preocupante para todo o reino. E nisso incluo tanto bruxos quanto seus preciosos comuns, Godric!

Os olhos castanhos dourados de Gryffindor reluziram diante da leve ironia, enquanto ele passava a mão pela barba curta, em um gesto habitual quando algo o incomodava.

- Há, com certeza, pessoas preciosas entre os comuns, Salazar. – Declarou lentamente. - Devias tentar conhecê-las...

O outro respondeu com um gesto displicente, dispensando a sugestão.

- Eu o ajudo a salvá-los de si próprios, mesmo enquanto eles perseguem nossos semelhantes! Não peças mais do que isso de minha pessoa, irmão!

Godric cruzou os braços sobre o peito, lançando um leve olhar de advertência, atenuado pelo meio sorriso jocoso.

- Não o vejo tendo problemas em conviver com Aline, Salazar. Ou sua beleza a absolve de ter nascido uma comum?...

- Aline... – Retrucou a Serpente dos Brejais em tom definitivo, encarando o outro por sobre a borda da taça. – É assunto meu.

- Ela ainda anda as voltas com feitiçarias?

A pergunta pairou no ar, sem resposta. Salazar recostou-se de maneira displicente, girando sua taça entre os dedos.

- Eu penso... – Afirmou pausadamente – que devemos voltar ao que realmente importa. Terás de partir, amigo! Donald não irá ao embate sem ti.

Godric curvou-se para frente, fixando os olhos no semblante anuviado do outro.

- Há algo mais aqui do que me contastes até agora! Diga Salazar! O que preocupa tanto, a você e ao rei, na chegada do governante de Al-Andalus? Exército por exército, sou mais o nosso que o dele...

- Herpo viaja ao lado direito de Almançor.

Um longo momento seguiu-se antes que Godric voltasse a se manifestar. Os punhos se fecharam sobre os braços da cadeira, enquanto seus olhos endureciam-se. Hérocles ergueu a cabeça para o dono ao perceber a perturbação em seu humor. Mesmo os aprendizes, até então absortos na tarefa de saciarem a fome, atentaram-se para a repentina tensão na mesa dos mestres, em uma espécie de arrepio premonitório coletivo. Bram fixou os olhos em Gryffindor, atento. Mutombo encarou Salazar.

- Então... Foi no andaluz que Herpo conseguiu guarida. – Trovoou finalmente, cheio de desprezo, o Leão das Charnecas. – O que significa que Almançor vem disposto a utilizar magia.

- De qualquer tipo e origem. – Arrematou Salazar, sério.

- Você acha que vêem com propósitos de conquista?

- Almançor talvez... Herpo vem atrás de algo mais!

A preocupação tomou o lugar do anterior desprezo enfurecido nas feições fortes de Godric Gryffindor.

- Dissestes que os andaluzes vêem pelo mar, a oeste? – Salazar confirmou. – Mas se almejassem chegar a Edimburgo, viriam pelo sul. A oeste atingirão as planícies...

- E Celidon. É por isso que acredito que Herpo vem atrás de algo mais...

- Górgonas enraivecidas! – o baque do punho fechado de Gryffindor sobre a mesa fez estremecer os pratos e taças, e alguns dos aprendizes próximos também. – Herpo está louco se pensa que nós o deixaremos passar da areia da praia!

- Você, irmão, você!

Godric respirou fundo, e sacudiu a cabeça para um lado e outro, inconformado.

- Não há o que eu diga, que o faça mudar de idéia? Farás falta, se houver batalha!

Slytherin relaxou a postura, reabastecendo a taça de hidromel. Sorriu brevemente, antes de responder.

- Vamos, Godric! Nós dois sabemos que você é o Homem de Armas! Eu sempre apreciei muito mais a companhia dos pergaminhos e de um bom vinho, do que de espadas, sujeira e sangue. Além disso... – Seus olhos cinzentos passearam pelo aposento. - Tu partes em jornada para salvar o reino, eu fico e cuido da escola. Não lhe pareces ideal?

- Fico, com efeito, mais tranqüilo em não deixar Helga sozinha com os aprendizes, principalmente com Herpo tão próximo. Se bem que... - um sorriso largo tomou suas faces - Ela não estaria realmente só!

- Ah... sim! A misteriosa Lady Ravenclaw... – Salazar sorriu também, mas com afetado deboche nos olhos semicerrados. Voltando a girar a taça entre os dedos enquanto descansava o peso do corpo em um dos braços da cadeira, perguntou com pretensa inocência. – Conte-me Godric, é verdade que ela o enganou? Tua decantada perícia em adivinhar intenções alheias foi mesmo ludibriada pela pequena recém chegada?

Gryffindor tentou parecer sério ao responder ao amigo, que agora sacudia os ombros num riso baixo e não mais dissimulado.

- Primeiro, não faças tanto caso disto, pois, segundo Helga, Lady Ravenclaw é uma bruxa poderosa. Segundo... Pequena não é palavra suficiente para descrevê-la.

Ignorando o último comentário, Salazar franziu o cenho, perguntando de maneira concisa.

- Confiarás apenas na palavra de Helga sobre ela? Achas seguro?

- Confio em Helga mais que em mim mesmo. Não consigo supô-la colocando esses jovens próximos a algum perigo, a não ser que estivesse completamente cega pela enganação. E não a vejo nesta situação desde nossa infância...

- Com certeza, conviver convosco e suas traquinagens juvenis tornou-me alguém assaz desconfiada e prevenida!

Helga Hufflepuff aproximara-se silenciosamente dos amigos, surpreendendo suas últimas palavras. Dispensando-os de se levantarem com um gesto descontraído, sentou-se pesadamente em seu lugar habitual, à esquerda de Godric.

- Pela Deusa, estou cansada! – Aceitando a taça de hidromel que Godric lhe passava, olhou para um e outro de forma perspicaz. – Acredito que estavam falando de Rowena...

- Disto também. – Respondeu Godric. – Hás de convir que tanto mistério envolvendo sua convidada é um verdadeiro martírio para nossas curiosas mentes, Helga.

Helga sorriu, enigmática. Era nítido que estava adorando a idéia de deixar os dois famosos bruxos no escuro.

- O que eu posso lhes adiantar é que ela logo estará plenamente restabelecida. Também posso dizer que possui habilidades inquestionáveis, como tu mesmo és testemunha, Godric. O restante ela mesmo contará a vocês, eventualmente.

- Estás convivendo muito com Godric, Lady Hufflepuff... Andas toda cheia de coragem... Afrontando-nos assim, abertamente! – Declarou Salazar em tom sério, embora o brilho em seus olhos o desmentisse.

- Concordo contigo, Salazar! Minha irmãzinha já toma ares de senhora do castelo, e nos põe na sua vassalagem...

Ruborizando à menção velada de sua baixa estatura, Helga puxou a varinha e girou-a de um para o outro.

- Faz tempo que ambos não sentem dor, não é?

Os três riram alto, refazendo assim a atmosfera descontraída do ambiente. Os aprendizes voltaram às suas próprias conversas e pratos. Apenas Bram engoliu rapidamente o que sobrava de sua refeição e precipitou-se para fora, sendo seguido pelos olhos de Caled Topfer e seus amigos, sentados próximos à porta.

- Vocês não vão me contar... – Perguntou Helga, terminadas as risadas. – Sobre o que mais conversavam? É algo sério, pelas suas testas franzidas e os olhares apreensivos dos jovens, que encontrei ao entrar aqui...

Godric e Salazar se entreolharam por um momento, e a Serpente dos Brejais afastou a cadeira, tomando de um gole o restante de sua bebida, já em pé.

- Deixo para ti a tarefa de contar tudo, Godric. Tenho de ir a Hogsmead ainda hoje, e já me demorei por demais...

Tais palavras trouxeram um brilho magoado ao límpido olhar de Helga, e seu sorriso diminuiu quase imperceptivelmente. Godric olhou de um para outro, compenetrado.

- Tenha cuidado! – Advertiu ela, com voz tensa, enquanto Salazar beijava sua mão, despedindo-se.

- Sempre tenho! – Após uma mesura um tanto debochada, Slytherin se foi, a capa bordada com desenhos intrincados, que lembravam serpentes prateadas, esvoaçando às suas costas.

Depois de acompanhar sua saída, Helga olhou para o alto, suspirando. Godric analisou-lhe as feições rosadas, quieto.

- Sabes que teremos que colocar um teto aqui, hora ou outra... – Gracejou ela, retomando o bom humor. – Não há sentido em enfeitiçar este aposento toda noite, para manter a temperatura agradável. Embora eu vá sentir muita falta de cear sob as estrelas!

Godric Gryffindor curvou-se na direção da amiga, ele também depositando um beijo em sua pequenina mão.

- Se gostas assim, é assim que ficará! – Afirmou solenemente, a voz baixa e grave cheia de ternura. Helga sorriu afetuosamente para ele.

O momento quase foi estragado por Cygnus Noir, que se aproximava da mesa com modos pomposos. Provavelmente vinha para desferir um de seus relatórios das atividades do dia no acampamento. Apesar da boa vontade do aprendiz, tal ritual era enfadonho e, sem exceções, trazia um muxoxo de desagrado ao mestre a quem fosse dirigido.

Hérocles, que tinha algumas restrições a Noir, observou imóvel o rapaz aproximar-se. Quando este estava perto o suficiente para não restarem dúvidas sobre suas intenções, o leão voltou-se para ele, rugindo discreta, mas perigosamente. Noir arregalou os olhos e, tão ligeiro quanto viera, partiu. Desta vez não tão pomposamente, entretanto.

Rindo baixo, Godric puxou de leve um tanto da juba dourada.

- Ele estava apenas tentando cumprir suas obrigações, amigo!

Hérocles grunhiu algo próximo a um ronronado, e voltou a deitar-se, a cauda batendo preguiçosamente contra o chão de pedras.

- Ele está sempre saindo em sua defesa, não é Godric? – Observou Helga, olhando para o animal com carinho.

- Sim, mesmo quando não é necessário... Todavia, penso que talvez logo ele tenha de fazê-lo para valer.

Helga paralisou o movimento de levar a comida aos lábios, encarando-o preocupada.

- Eu vou contar-lhe tudo. – Trovoou Godric, enquanto passava a mão pela curta barba avermelhada, recostando-se à cadeira.


==*==


No sonho, ela encontrava-se deitada em nuvens aquecidas que a mantinham descansada e confortável.

Remexeu o corpo, esticando braços e pernas, buscando usufruir o máximo da sensação agradável das nuvens em sua pele, tão segura quanto jamais sentira-se em sua jovem vida. Foi quando suas mãos tocaram um tecido áspero e frio, e Rowena foi arrebatada de seu sonho feliz.

Permaneceu muito quieta, a mente entorpecida trabalhando no sentido de entender onde estava e o que havia acontecido. Os olhos anuviados vislumbraram a cobertura arredondada de uma tenda, antes de fecharem-se novamente, agredidos pela mansa claridade que provinha de um candeeiro próximo.

Entretanto, o conforto oferecido pelo sonho persistia na realidade, e seu tato decidiu que se achava aconchegada a várias peles, extremamente macias. Entre as idas e vindas confusas de suas idéias, conseguiu lembrar-se nitidamente apenas de uma voz, que lembrava um trovão na chuva forte, dizendo-lhe que cuidariam de si.

Subitamente, todos os seus instintos, mágicos ou não, retesaram-se em alerta. Algo estava errado! Não estava mais sozinha. Ordenou aos olhos que se abrissem e lentamente suas pálpebras ergueram-se para encontrar dois olhos amarelos, dotados de fendas finas e compridas como pupilas, cercados por escamas escuras que faziam com eles gritante contraste. Uma língua muito estreita e bifurcada aproximou-se lentamente de sua face imóvel, enchendo-a de asco. Fechou os olhos rapidamente.

É um pesadelo! – Afirmou a si mesma, desesperadamente. – Um pesadelo! Acalme-se!

Ignorando por completo a tentativa do raciocínio em explicar a situação, a boca de Rowena Ravenclaw abriu-se e ela gritou com toda a pouca força que tinha, ainda de olhos fechados.

Do lado de fora da tenda, dois leões ouviram seu chamado por ajuda.










N/A: Desculpas pela demora! =( - Ah... Os infortúnios da vida real! Sempre colocando abismos entre a criatividade e o tempo que esta autora que vos fala tem para escrever!


Comentem, pleeeaseeeee!!!

Beijos muitos! Fiquem bem!




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