CELIDON



CAPÍTULO 7:

CELIDON




Os primeiros dias de Rowena na escola de magia foram preenchidos pelos cuidados de Helga, ainda preocupada com sua saúde, pela familiarização com os arredores do terreno e dos muitos aprendizes que conheceu – animados jovens de várias idades e aparências – pelas súbitas aparições e rápidas saídas do misterioso Lord Slytherin e finalmente, pela constatação que ainda não conseguia passar mais que uma hora sem olhar por sobre o ombro, sobressaltada. “O susto é o alerta de uma consciência pesada”, pensou para si mesma, enquanto adentrava a sua tenda para finalmente repousar depois de mais um dia tumultuado. Suspirando, abanou a cabeça par um lado e outro, em nova tentativa de afastar seus medos e remorsos.

Sorriu, agradecida, ao deparar com a bandeja de frutas e a jarra do delicioso suco de abóbora que os elfos, trazidos das residências de Lord Gryffindor, costumavam preparar para as refeições. As damas de companhia de Helga se esmeravam para mantê-la no mais absoluto conforto, tomando como desafio pessoal descobrir suas necessidades antes mesmo que ela própria as considerasse. Uma em especial lhe chamara a atenção... Tyl. Era uma moça de cabelos negros e olhos vivos, que olhavam para Rowena cheios de curiosidade, mas nunca com desrespeito. Não havia submissão em seus gestos, apenas educação e gentileza. Rowena poderia jogar suas poucas moedas como a jovem seria uma ótima conversa quando estivesse mais descontraída em sua presença.

Sentando-se entre as peles, tirou os sapatos e esticou os músculos tensos das pernas, alcançando em seguida um cálice do refrescante suco. Recostada na maciez cálida do leito, deixou os pensamentos vagarem para o formidável grupo que a cercava.

Percebera que os aprendizes já haviam estabelecido as diretrizes de convivência entre eles e com os mestres. Sua pequena sociedade fora dividida basicamente em dois grupos. Um, liderado claramente por Tyl e dois altos rapazes muito seus amigos, Kay e Caled. Sendo este último um dos que a recebera nos portões, ainda transfigurada em garoto. Ambos eram belos e pareciam muito desenvoltos também... De fato, não havia qualquer constrangimento em seus sorrisos abertos quando, devidamente apresentados a Rowena, curvaram-se para beijar sua mão pela primeira vez.

O outro grupo... Estes eram ainda uma incógnita. Assim como o homem a quem, sem restrição alguma, eles prestavam algo próximo à subserviência.

Não que os jovens que andavam com Cygni Noir, outro presente à sua chegada, fossem distantes ou rudes com Helga ou ela mesma. Ao contrário, eram tão amigáveis e gentis quanto os demais, e Rowena os ouvira falando sobre Godric Gryffindor com admiração respeitosa. Mas, havia algo mais entre eles e Salazar Slytherin. Um companheirismo subtendido, uma afinidade tácita... O único que parecia transitar entre os dois lados com igual facilidade e acolhimento era o jovem Mutombo. O jovem e calado Mutombo...

Seus pensamentos foram interrompidos pela chegada de seu vigia, que a fez levantar-se de um pulo.

Já na primeira noite em que estivera consciente para notar, o leão havia entrado nos aposentos com seus passos calmos e elegantes, logo após a saída da última aia. Sem demonstrar haver reparado em sua presença, Hérocles caminhou pela tenda, farejando aqui e ali. Rugiu baixo quando passou pelo poleiro prateado de Gibbor, que piou em resposta, sem assustar-se. Finalmente foi deitar-se em frente ao braseiro, e de lá ele encarou-a, abanando de leve a cauda, estudando a mulher assustada a sua frente com seus solenes olhos dourados.

- Eu não pretendo mexer em nada! E também não estou invadindo! – Rowena havia dito em defesa própria. – Foi seu dono que me permitiu ficar aqui...

O leão rugiu alto e perigosamente, e as orelhas curvaram-se, deitando sobre a magnífica juba. Se Rowena não soubesse que se tratava de uma criatura irracional, poderia jurar que ele havia se ofendido com a palavra “dono”. Sem vergonha de admitir o medo que sentia do enorme animal, tratara de deitar-se e esconder-se sob as peles. Vez ou outra espiava para os lados do braseiro, mas a fera havia aquietado, acomodando-se para dormir.

E assim fora pelas noites seguintes. Assim que ela ficava sozinha na tenda, Hérocles surgia, revistava tudo com seu faro e deitava-se para dormir em frente ao fogo. Rowena chegara a queixar-se com Helga, certa manhã. Entretanto, sua exasperação e dúvidas só aumentaram quando as sobrancelhas claras da amiga subiram altas sobre seus olhos divertidos. Helga indagou de maneira simples, enquanto observava o leão carregar duas meninas de seus onze anos de idade nas costas, levando-as pelo salão de refeições em grande estilo, para a delícia de ambas – “Vigiando-a? Achas que ele está vigiando-a?” – E sacudiu a cabeça incredulamente, sem dizer mais nada.

Gibbor também não estranhava a presença noturna do leão. Parecia mesmo gostar da companhia do felino, ou pelo menos não se incomodava com o fato de que o outro suspeitava das boas intenções de sua dona para com os pertences de Lord Gryffindor.

- Pequeno Traidor! – Sussurrou para a ave quando passou por ela, depois de trocar-se, a caminho rápido para a segurança do leito.

Um barulho alto e seco de algo se quebrando, do lado de fora da tenda, fez seu coração pular dentro do peito, tão forte e rápido quanto o salto do leão para a noite lá fora. Rowena buscou por sua varinha, que mantinha sempre ao alcance da mão, e com ela em punho, ajoelhada sobre as cobertas, com cada um dos seus sentidos alertas, ela aguardou.

Hérocles demorou pouco a voltar, e a postura calma com que o fez tranqüilizaram também à Rowena. Devagar, ele aproximou-se do leito e derrubou sobre a tapeçaria no chão um curto, mas pesado, galho de árvore que trouxera na boca. Uma das extremidades afinava-se até terminar em um ramo mais fino, e a outra apresentava as fissuras próprias de um caule partido.

Rowena olhou do galho para o leão, e de novo para o galho.

- Você não está me vigiando... – O leão sentou-se sobre as patas traseiras, parecendo esperar, com seu dourado olhar solene, que Rowena finalmente chegasse a uma conclusão óbvia e digna de sua inteligência. E ela o fez, cheia de constrangimento. – Está me protegendo.


==*==


Já era de conhecimento geral entre os homens que a primeira meia hora do dia de Lord Godric Gryffindor era gasta no ponto mais alto do terreno onde se encontrasse. Escolhia uma elevação, colina ou morro, e lá, de pé, em silêncio e sozinho, a mão direita descansando sobre o punho da espada, ele ficava a observar a primeira claridade da manhã abrir espaço entre as sombras e a neblina, entregue a pensamentos que não dividia com ninguém.

Lembranças de suas grandes aventuras, cogitavam alguns. Pensamentos sobre as batalhas que já travou e as que virão, apostavam outros. Havia ainda os que afirmavam que só o amor por uma bela mulher deixaria um homem, poderoso e ativo como o Leão das Charnecas, tão compenetrado.

Quando tais hipóteses chegaram a seus ouvidos, Ian Huntley, um dos homens de confiança de Gryffindor, sentenciara ironicamente.

- Ah, sim! Todos vocês estão certos! Ele com certeza pára todos os dias para ruminar as lembranças de suas aventuras com belas mulheres e das batalhas que elas causaram...

Bram a tudo ouvia, mas nada falava. Franzia o cenho em desacordo com quem especulava sobre a vida de Gryffindor, mas continuava em suas tarefas sem intrometer-se no falatório dos soldados.

Havia, entretanto, um par de ouvidos atentos, separados por uma cintilante cabeleira loura, que perambulavam pelo acampamento em busca de qualquer informação sobre Godric que conseguisse caçar. Talvez, se ela tivesse prestado atenção nas entrelinhas em tudo o que ouvira, ou ainda, se não fosse tão segura de que sua posição social lhe protegeria do castigo pelas indiscrições que cometesse, a bela mulher não teria subido a pequena colina silenciosamente, e nem teria passado os braços finos pela cintura do cavaleiro parado no topo, enquanto encostava a face suspirante no metal frio de sua armadura, selando assim a invasão consciente do espaço alheio.

- Bom dia, Leão!

Godric retesou o corpo, e nada respondeu por alguns segundos. Gentil, mas de maneira firme, soltou os dedos alvos entrelaçados em torno de sua cintura, e girou sobre os pés, ficando de frente para a princesa Darlene Alpin, segunda na linha de herança ao trono.

- Bom dia, alteza.

Ela percebeu a frieza educada na voz trovejante e no gesto de mantê-la afastada, e fez um muxoxo. Provavelmente, havia estudado muito aquilo em frente ao espelho para parecer charmosamente desgostosa.

- “Alteza”??? Por que tão formal?

Godric sorriu para ela, mas manteve-se a três passos de distância.

- Porque és a princesa, e merece ser tratada como tal. É o que seu tio espera dos que são leais a ele.

Darlene jogou a cabeleira para trás, deixando a mostra, intencionalmente, o longo pescoço, e levou as mãos à cintura em nova pose estudada.

- E onde... – sibilou, cheia de malícia – onde você esqueceu essa formalidade leal, nas noites em que não tinha problemas em me chamar apenas de Darlene?

Godric sacudiu de leve a cabeça, pesaroso, mas não desviou os olhos.

- Outros tempos, alteza! Não há sentido em discutirmos novamente nosso... relacionamento juvenil, concorda? Tenho a recordação de já ter resolvido isso contigo, bem como com seu tio. Há muito tempo essas águas deixaram de mover monjolos...

Podia-se dizer quase tudo da princesa, mas não que ela não soubesse retroceder ao ataque na hora certa. Mostrando-se realmente magoada, ela aprumou os ombros e tornou-se tão altiva quanto possível, nas circunstâncias.

- Meu tio... pediu-me para que o chamasse. Ele, meu irmão e os outros comandantes o esperam nos alojamentos reais. – Virando-se, iniciou a descida com passos ligeiros, dizendo por sobre o ombro. – Vá, e sujeite-se às ordens novamente. Tu, que podias ser... – Jogando as mãos para o alto, foi-se de vez, injuriada.

Godric observou-a afastar-se, sabedor que Donald não a mandaria ao seu encontro, e que ela deveria ter exigido para si a demanda. Suspirou, erguendo os olhos para o céu, e lamentou uma vez mais ter sido tão vulnerável à beleza dourada de Darlene, anos atrás, quando se indispor com a família real não lhe parecia possível, ou problemático... De qualquer forma, seu momento favorito do dia havia passado, e agora rei e soldados o esperavam.

A cadeira dourada, que fazia vezes de trono para Donald II em suas viagens, encontrava-se agora sobre um estrado de madeira lustrosa, montado em uma clareira elevada em meio às árvores centenárias. Cortinas de veludo nas cores do brasão real protegiam a comprida mesa à frente do trono dos raios diretos do sol, e guardas segurando lanças e flâmulas, alternadamente, mantinham a distância quem não fosse convidado à presença do rei.

Godric ainda não havia chegado à metade do caminho enlameado e cercado de pequenas barracas que o levariam a Donald e seus comandantes, quando Ian e Bram juntaram seus passos aos dele. Sem diminuir o ritmo, ele perguntou, com um traço de riso na voz retumbante.

- Vocês já fizeram as apostas?

- Já, Milord! – Riu Ian, enquanto Bram olhava muito interessado para o horizonte distante.

- E?...

- Eu apostei em três quartos de hora, senhor!

- Tão pouco? Tens bem pouca fé em meu gênio, Ian... – Godric parou à cabeceira do estreito corredor de pedras que dava acesso ao estrado, observando divertido à autoconfiança explícita de Ian e ao constrangimento ferrenho de Bram. Este fixara os olhos na imagem do príncipe, em pé diante do trono do tio, um pouco adiante. – E tu, Bram? Em quanto jogastes tuas moedas?

O rapaz grunhiu algo, cerrando as sobrancelhas, ainda fixado na figura encurvada de Douglas.

- Fale para fora, rapaz! – Cutucou Ian, dando-lhe um amigável, mas forte, soco no ombro.

- Uma hora inteira. – Esbravejou o highlander, lançando um olhar furioso para Ian, e depois um mais cuidadoso para Godric. – Senhor, eu não tencionei ofend... – Mas o bruxo calou-o, com um movimento amistoso da mão.

- Não te preocupes! Se ganhares, vais me pagar uma boa caneca de vinho dos elfos na primeira vila a que chegarmos e tudo estará bem! Agora... – A mudança na voz de Godric Gryffindor fora quase imperceptível, mas pôs seus homens imediatamente alertas. – Eu não espero, embora deseje, bons resultados da conversa que estou para ter. Deixem os homens de prontidão. Arranjem para que estejam prontos para partir, para casa ou para a batalha, a qualquer tempo. – Os dois assentiram, sérios. – E prestem atenção nas conversas pelo acampamento, principalmente nas murmuradas. Douglas tem ressentimentos pela minha pessoa, e seus soldados, ou quem quer que esteja do seu lado, os terão igualmente. Não seria de admirar alguma tentativa de sabotar-nos... Vão, e estejam alertas.

Enquanto Bram e Ian partiam para atender suas ordens, Godric rumou para o toldo bordado com coroas e espadas de fio dourado, constatando ao longo dos passos, com iguais doses de divertimento e impaciência, o rígido apreço que Donald tinha por seu conforto pessoal. Mesmo ali, em meio ao campo cheio de lama e sob a sombra da ameaça estrangeira. O rei, sentado de maneira relaxada na grande cadeira dourada, observava um tanto enfadado aos dois homens sentados de cada lado da mesa e a seu taciturno sobrinho. Todos tinham cálices nas mãos, apesar da hora matutina, e rugas entre as sobrancelhas.

À visão da aproximação de Godric, Donald ajeitou-se melhor na cadeira, e exclamou animado, numa suave reprimenda.

- Ah, Gryffindor! Graças aos deuses chegastes para me aconselhar! Pois aqui estou eu, um pobre coelho sendo disputado por esses velhos falcões de guerra aqui! – Arrematou com uma risada, mostrando com um mesmo gesto largo do braço roliço os três homens em sua companhia.

O cavaleiro venceu com uma passada os dois degraus que os separavam e fez uma discreta reverência, incluindo a todos no cumprimento. Douglas moveu-se de onde estava e foi colocar-se às costas do tio, encarando Godric com mal disfarçada beligerância.

- Mil perdões se demorei em demasia, majestade. Estava a tratar com meus homens...

- Sim, sim!... As atribuições de um grande comandante! Todos nós as compreendemos, com certeza! Embora nem todos aqui as possuam... – Por trás de sua cabeça coroada, os olhos escuros de Douglas luziram de ressentimento. – Folgo em saber que não foi minha sobrinha que o atrasou, entretanto... – O sorriso real pareceu enrijecer-se por um momento – Minha pequena Darlene é um tanto... extravagante, quando se trata de ti, bem sabes.

Godric preferiu responder apenas com um gesto vago de dúvida, como se não tivesse conhecimento do assunto. Era sabido que o rei ressentia-se do comportamento da sobrinha, embora seu amor cego por ela o impedisse de admoestá-la como deveria. Inevitavelmente, eram os alvos da “atenção” de Darlene que acabavam pagando, e não ela mesma.

- É claro que te lembras de nossos amigos, aqui... – Afirmou Donald.

Godric assentiu, acenando com a cabeça para os dois nobres. Cadogan era conhecido mais por sua fome de lutas que pela esperteza. Gostava da briga pela briga, sem tentar entender as causas que levaram a ela. De estatura baixa e modos rudes, tinha a seu favor a lealdade feroz ao rei que estivesse no poder, a força com que conseguia arremessar o cutelo que usava como arma, bem como muitos homens a seu serviço. Já Renfrew tinha modos refinados, a sabedoria de uma longa vida no exército brilhando em seus olhos, e a mesma gana por lutas do outro, desde que a causa defendida lhe conquistasse a fidelidade.

- Então vamos nos sentar, - Ordenou Donald, indicando para Godric uma confortável cadeira diretamente à sua direita – e decidir juntos o que fazer com esse oriental que talvez esteja nos ameaçando com uma invasão.

- Talvez esteja nos ameaçando? Talvez?... – Esganiçou Douglas, contornando a mesa até estar de frente para o tio. – O que é preciso acontecer para o senhor vê-lo como é, majestade? Um perigo e não uma ameaça hipotética!

O ar fanfarrão desapareceu do semblante do rei imediatamente. Godric observou-os, interessado.

- Acalme-se, sobrinho! Terás tua hora de falar! Agora senta-te e escuta, para variar!

O príncipe obedeceu, empalidecido e surpreso como se tivesse sido golpeado por um soco no estômago, e passou a mastigar os lábios, cheio de raiva incontida. O rei voltou sua atenção para Godric.

- Sei que Slytherin lhe contou sobre esse andaluz, Almançor, e a grande quantidade de navios e homens com que ele chegou a nosso reino...- Godric assentiu – Então, agora, quero sua opinião sobre o que sabemos de novo.

Curvando-se para frente, Godric apoiou os braços na mesa e estudou os mapas que estavam espalhados sobre o tampo por um momento, antes de voltar a falar.

- Almançor já desembarcou? Houve algum contato? Ele disse em termos concretos a que veio?

- Ainda no litoral, ele mandou-me um mensageiro, dizendo querer marcar um encontro para negociarmos os termos de nossa rendição. – Contou Donald, soando meio divertido, meio contrariado.

Cadogan rugiu um insulto grosseiro que fez Renfrew lançar-lhe um olhar exasperado e impaciente. Dando de ombros, o enfezado homenzinho voltou a beber de sua taça, bufando vez ou outra. Douglas encarava os próprios pés, emburrado. Godric passou a mão pela barba curta e recostou-se melhor na cadeira, pensativo. Olhou diretamente para Renfrew ao perguntar.

- Onde eles estão agora?

O velho comandante mexeu nos mapas, compenetrado, e apontou várias localidades.

- Foram vistos no litoral ao desembarcarem, ao leste. Um dia depois, veja bem, um dia apenas, eles estavam aqui... ao sul. Pensamos que estavam indo para a Inglaterra... – Godric negou com a cabeça, calado. Renfrew sorriu de leve. – Nos enganamos, como já percebestes... Mais um ou dois dias e Almançor e seus comandados foram novamente vistos, agora próximos à Edimburgo.

- Está brincando conosco, é certo. Táticas evasivas para nos confundir. Dizes que foram vistos... Por quem? Eles sabem dizer quantos estrangeiros são?

Antes que o barão pudesse responder, Cadogan ruminou, desgostoso.

- Quem nos dera! O primeiro batedor que pôs os olhos nesses cães abusados jurou pela própria alma que eram mais de dez mil, desembarcando armas e cavalos em nossas praias. O aldeão que os viu nas fronteiras do sul alega não serem mais que dois batalhões, e que pareciam estar apenas de passagem pelo país... Já em Edimburgo... Dez mil novamente! Dez mil que se transformam em duzentos e somem de um dia para o outro sem deixar ao menos uma pegada para trás, atravessando o reino em um dia quando homens comuns levam mais de vinte! Infernos de imundície!...

Desta feita o insulto veio acompanhado de um golpe do punho fechado na mesa, que fez as taças balançarem-se precariamente em seus pés trabalhados. Tanto Renfrew quanto Godric continuaram analisando os mapas, enquanto o rei erguia uma sobrancelha para o colérico Sir Cadogan. Douglas também o encarou.

- O que quer dizer com “homens comuns”?...

- Houve apenas um ataque, ao que sabemos, mas este único foi brutal. – Sentenciou Renfrew, com voz profunda, ignorando a pergunta do príncipe. - Aqui, nesse vilarejo próximo à floresta Celidon.

Sem olhar para o local indicado pelo dedo do barão, Godric afirmou, calmamente.

- Moray. Eles torturaram e mataram em Moray. Uma família em especial, eu suponho?

- Sim, adultos e crianças... – Respondeu Cadogan, em voz baixa, e depois caiu em abismado silêncio.

Renfrew recostou-se, incrédulo. Depois de alguns momentos atônitos, foi Donald quem saiu do aparvalhamento geral primeiro, saltitando em sua cadeira dourada.

- Sabes o que Almançor está tramando! É mesmo o meu trono? Ele vai tomar Edimburgo... Mas o que a família de camponeses tem a ver com isso? E como eles se escondem de nós se são tantos?

Godric ergueu as duas mãos, pedindo calma.

- Eu vou explicar majestade! Mas, antes... – Erguendo-se, caminhou pelo alpendre, até chegar a uma abertura entre as cortinas de veludo, de onde olhou para a movimentação fora por longos momentos. – Preciso pedir a todos que procurem manter as mentes abertas, enquanto escutarem. – Sua voz denunciava forte preocupação. Voltou-se para o rei lentamente, e de pé, mãos às costas, começou. – Moray é o lugar onde moram os familiares descendentes de Lailoken.

- Lailoken? Estás falando do profeta louco? É uma lenda, uma história de crianças... – cacarejou Douglas. O rei exigiu silêncio, os olhos fixos em Godric Gryffindor.

Godric continuou, olhando para Douglas ao responder.

- Lailoken infelizmente é conhecido dessas maneiras. Injustamente, devo acrescentar. Quanto a ser uma lenda... Lendas se originam em fatos, sempre. Quanto a profeta louco, ele foi um sábio e um profeta famoso. Mas nunca foi demente. Era um homem de grande valor e conhecimento, amigo chegado de um rei mais famoso ainda, e parceiro em sua demanda pessoal. – A voz trovoante soava pelo aposento dentre o mais profundo silêncio. – E também pessoa de confiança do homem mais influente sobre tal rei, aquele que conhecemos como o maior mago de todos os tempos.

Como esperado, a palavra “mago” fez o príncipe saltar sobre os pés, furioso.

- Tio! Tenha paciência! Estamos enfrentando uma invasão e esse... esse... Vem com suas histórias de feitiçarias!

Godric cruzou olhares com Douglas, e o príncipe recuou alguns passos. Donald II suspirou, sacudindo a cabeça.

- É bom que sua história tenha sentido, Gryffindor. Eu mesmo não estou conseguindo descobrir no que... Falas de Arthur? O Arthur?
- Se me permitirem continuar, logo chegarei à questão que os preocupa: Almançor.

O rei pensou um pouco para depois assentir, recostando-se. Douglas sentou-se também, grunhindo. Cadogan piscou para Godric, divertindo-se ao ver o outro ser ignorado.

- Como eu estava dizendo... Lailoken era amigo de Arthur e Merlin, compartilhando inclusive alguns de seus segredos. Havia um, entretanto, que mago e rei não dividiram com ninguém. E o profeta ressentiu-se da falta de confiança... Usando de toda a sua astúcia ele conseguiu, provavelmente através da aprendiz de Merlin, Viviane, descobrir que Arthur e Merlin haviam visitado diversas vezes, num curto espaço de tempo, a Floresta de Celidon. Imediatamente imaginou que o tal segredo fosse um tesouro de grande valor, ou arma de grande poder, ou ainda alguma fonte de conhecimento infindável, que seus amigos egoístas teriam escondido lá.

Quase simultaneamente, e na exata seqüência de suas palavras, Douglas, Cadogan e Renfrew, agitaram-se nos assentos. O rei nada disse.

- Lailoken reuniu sua família e estabeleceu moradia em Moray, vilarejo razoavelmente próximo a Celidon, alegando ao rei estar farto da vida na corte. Devidamente encoberto por seus subterfúgios, procurou pelo dito tesouro, entre as árvores daquele bosque, por meses a fio. Até que finalmente encontrou o que buscava. – Godric sentou-se novamente, e seus olhos estavam quase melancólicos, como se os atos de vis da história lhe entristecessem mais do que revoltassem. Puxando profundamente o ar, prosseguiu à narrativa. – Em suas aventuras por estas terras, em suas buscas infindáveis, Arthur e Merlin colocaram os olhos e as mãos nos mais diferentes tesouros e perigos. Um deles acabou se revelando a eles como o lendário Caldeirão de Annwn, que, segundo as histórias das avós de nossas avós, torna imortal a quem bebe dele.

Renfrew trocou olhares abismados com Douglas e o rei. Cadogan franziu as sobrancelhas para Godric, intrigado.

- Eu e meus irmãos conhecíamos a história desse... Caldeirão. Se bem que pensamos ser uma taça... Chegamos a esburacar todo o terreno atrás de nossa casa, em busca da fonte de imortalidade. – Contou Cadogan, levemente alterado pela quantidade de vinho já consumida.

- E assim como você e seus irmãos, muitos outros buscaram por ele. E ainda outros tantos fariam qualquer coisa para obtê-lo. Se agora é considerado um conto infantil, há quatro séculos era sedutora realidade. Arthur, sábio o bastante para temer o mal que a pretensão de se viver para sempre pode causar, ordenou a Merlin que o escondesse, de forma que só os dois pudessem lhe ter acesso. Nem os membros da Távola ou a rainha souberam de sua existência.

- Por que não o destruíram? – questionou o rei, os olhos brilhantes como os de um menino, diante da história fantástica.

- Ahhh, Arthur foi um grande homem e um grande rei... Mas, mesmo os grandes homens e reis passam longe da onipotência. Não creio que ele, ou mesmo Merlin, tenham conseguido destruir tal objeto, se é que realmente tentaram.

- O que aconteceu, então? O tal louco o encontrou e tornou-se imortal? – Instigou Douglas, com um sorriso debochado.

Um brilho de aço assomou aos olhos castanhos de Godric, mas a voz permaneceu calma.

- Sim, ele o encontrou. Mas a única coisa que conseguiu foi a presença de Merlin e sua ira. Desgostoso pela cobiça e traição do homem... – fez uma pausa em que cravou os olhos flamejantes nos de Douglas – a quem considerava um aliado, Merlin primeiro lhe contou em detalhes o que ele tinha encontrado, o que o caldeirão era e podia fazer. Depois o escorraçou, deixando-o sem nada, banindo-o da floresta e do reino como punição pela sua ganância e falsidade. E dessa maneira o castigou duas vezes.

- E Lailoken ficou furioso. – Afirmou Renfrew.

- Sim, e tentou matar o mago. Aqui a história não é muito conclusa... Aparentemente, estar tão próximo de tornar-se um assassino o trouxe à razão e o encheu de remorsos, já que não era de má índole, afinal. Conta-se que ele pediu uma penitência a Merlin, para redimir-se em vida de suas falhas. Merlin então o colocou a proteger o caldeirão, enquanto houvesse quem por ele procurasse. Como auto-penitência, Lailoken cortou a própria língua, para jamais contar a quem quer que fosse a localização do caldeirão, ainda que sob tortura. Antigamente, assim como hoje em dia, os relatos dos que se aventuram naquele bosque sombrio falam sobre a aparição de um velho esquálido, de aparência espectral, que espanta os invasores de seus domínios com gestos furiosos e aloucados, mas sem emitir um som que seja. Por isso sua fama de louco. Ele e a floresta esconderam o Caldeirão de Annwn eficientemente, até nossos dias. Claro que houve muitos bruxos que tentaram encontrá-lo posteriormente, mas nenhum obteve êxito. Logo, a história perdeu-se nos anos que passaram, e agora apenas os estudiosos dos dias antigos a conhecem como aconteceu...

- Queres mesmo nos convencer que a família encontrada morta, com sinais de torturas indescritíveis, são os descendentes do tal Lailoken? Que Almançor saiu de Al Andaluz com seu exército e navegou até nossas terras atrás de uma panela velha guardada por um fantasma de quatrocentos anos?

- Douglas...

- Majestade, o senhor é meu tio e meu rei! Não posso aceitar que esse fanfarrão venha aqui lhe insultar com histórias de objetos satânicos, e reis e magos que nem sabemos se realmente existiram!

Godric pôs-se em pé, lentamente. Às suas costas, as cortinas remexeram-se e uma brisa fria varreu a mesa. Renfrew e Cadogan olhavam de um para o outro, expectantes, enquanto o rei afundava na cadeira, sem saber em quem acreditar.

- A história fala a verdade em grande parte! Eu sei disto, e agora Almançor sabe também. E ele não se absteve de torturar, crianças inclusive, atrás de uma pista do paradeiro do caldeirão. Majestade... – Godric aproximou-se do rei. – És um homem de bom coração e preocupado com teu reino! Agora, vos digo que nunca houve tantos motivos para preocupação! Se Almançor conseguir o que veio buscar, ele terá um exército imbatível para invadir teu reino. E eles não virão somente pela Escócia! Tomarão a Inglaterra, a Irlanda, chegarão à Normandia e às terras frias do norte. Logo, todo o mundo ocidental será ocupado por guerreiros exímios, atiradores infalíveis e cimitarras afiadas. Um exército de milhares, que não poderão ser vencidos ou mortos!

- Bobagens ridículas! – Sentenciou Douglas, sua vontade de insultar e desmerecer Godric subindo vertiginosamente. - Vocês! - Dirigiu-se a Renfrew e Cadogan. – Não se perguntam como ele sabe tanto de magos e artes do demônio? Não se perguntam como está tão bem informado sobre as maldades do oriental? Como sabe de seus ritos demoníacos?...

- Se usares estes termos novamente – Godric rugiu. – Juro esquecer quem és e responder à altura.

- Ele sabe porque é um bruxo, assim como eu – explicou Cadogan, em voz alta e pausada, como se falasse com uma criatura dotada de grande estupidez.

- Qualquer um que tenha observado Gryffindor curando ferimentos de seus soldados, de forma quase miraculosa, sabe o que ele é. E nem um único homem sob seu comando o deprecia por isto. – Sentenciou Renfrew, gravemente. – Muitos bruxos, incluindo Gryffindor e nosso bravo Cadogan aqui, têm ajudado a mantê-lo a salvo na corte, alteza...

Douglas olhava estupefato para todos os lados, certamente imaginando-se em meio a uma grande traição coletiva. Arquejando e engasgando, foi andando para trás, temeroso.

- Vocês sabem e... Cadogan também... Tio!

O pedido de ajuda foi ignorado pelo rei, que fixara os olhos sobre o mapa que desenhava a floresta de Celidon, talvez imaginando um exército invasor imortal saindo da folha amarelada.

- Como Almançor ficou sabendo disto tudo? – Quis saber Renfrew, dando as costas ao príncipe e encarando Godric.

- Tenho informantes que dizem que ele tem um bruxo viajando a seu lado. Tal bruxo é conhecido pela total falta de consciência, tanto quanto pelos profundos conhecimentos sobre a vida de Merlin. Na verdade, Herpo varreu o mundo como o conhecemos atrás de quaisquer conhecimentos que o levassem ao poder. A vida e obra de Merlin são um dos seus temas de estudo, e ele com certeza conhece a história tanto ou mais do que eu. Pela barganha certa, ele traria um invasor ao coração de seu país, sem pestanejar.

O rei levantou-se e passou a caminhar para frente e para trás, esfregando a barba contra o rosto. O choque inicial começava a dar lugar ao desespero.

- Se ele é tão sabido, porque não tomou a tal panela para si próprio? – Douglas perguntou, livre do engasgo, ao que parecia.

- Porque ele é esperto demais para repetir o erro alheio... Lailoken tentou sozinho, e veja o que aconteceu com ele. - Cadogan respondeu. Godric assentiu.

- Deixar os homens do andaluz com a parte perigosa é bem o estilo de Herpo, o Sujo.

- E porque tu não foste? – Engrolou Douglas para Godric, ignorando os gestos de Renfrew para que se calasse. – Não é o todo poderoso invencível? Não dorme com princesas e desfaz de príncipes a seu bel prazer? Não trata meu tio como um mal necessário e enfadonho? Não está acima de tudo e de todos? Não achas que todas as glórias pertencem ao Valente Gryffindor? O que quer que proteja a tal panela não pode ser páreo para ti, pode? - A voz subiu vários tons conforme as palavras saltavam dos lábios crispados, e soava histérica ao final.

Godric pousou as duas mãos sobre o tampo da mesa e curvou-se até seus olhos estarem na altura dos de Douglas, vários centímetros mais baixo, encarando o príncipe de volta sob as sobrancelhas cerradas. O olhar faiscava e cada um de seus músculos enrijeceu-se em fúria. A mesa estalou e rachou sob as palmas das enormes mãos, mas Godric não deu mostras de perceber.

– O que é? Lord Gryffindor, ou “o Leão”, não anseia pela imortalidade? –Aventurou-se Douglas, ainda inconsciente do perigo. - Ou quem sabe, já a tenha conseguido com o demônio em pessoa...

- Eu não sou tolo para ir contra o ciclo natural da existência. - Todos os presentes se encolheram diante da frase dita de forma baixa e furiosa. Douglas titubeou no ataque. – Não alteza, não busco a imortalidade. Viver o suficiente para assistir teus olhos fechando na hora de tua morte me parece o bastante, neste exato momento...

- Chega! – O rei gritou, interpondo-se entre os dois. - Chega, para os dois! Douglas, suma daqui! Vá! Não quero olhar para essa sua boca grande tão cedo! Ande! Vá!

Sem tentar oferecer maior resistência ou impor sua permanência, a figura fraca e encurvada sumiu rapidamente pelas dobras do cortinado.

- E tu, Gryffindor! Tenha em mente que eu posso destratar Douglas, porque sou rei e tio. Não te atrevas a atacá-lo, mesmo que só com palavras ou ameaças outra vez. Não tarda e ele será teu rei, lembra-te!

Godric segurou o olhar do homem mais velho por algum tempo, e então seus ombros relaxaram. Mesmo o ar ao redor aparentou serenar-se, entrando com mais facilidade nos pulmões dos que ali estavam.

- Sim, majestade! Cuidarei para que não volte a acontecer...

- Já prometestes isto antes... – Donald II sorriu, embora ainda contrafeito. A fanfarronice natural esmagada sobre o peso dos acontecimentos. – Agora, vou me retirar para pensar em tudo o que foi dito. Ao anoitecer terão minha decisão. Renfrew, quero uma palavra em particular contigo...

Godric não reprimiu um gesto de discordância exasperada, observando-os afastarem-se.

- Concordo contigo! – Sussurrou Cadogan, a seu lado. – Não há tempo para reflexões e mais conversas. Se o que dissestes sequer se aproxima da verdade, é hora de cavalgar e pregar aqueles cães do inferno no convés do maldito navio que os trouxe! Mandá-los de volta para o buraco sujo de onde saíram...

Mesmo que não concordasse com a linguagem usada pelo enfezado Sir Cadogan, Godric não se absteve de assentir sobre a lógica que ela pontuava.

Algum tempo depois, quando nem bem havia alcançado a área de acampamento ocupada por sua bandeira, Ian veio ao seu encontro, ansioso para se pôr em ação.

- Tudo arranjado, milord! Bram está neste momento com Molnia, preparando-o para a jornada, também! Para onde vamos? Será agora?

- Temo, meu bom Huntley, que teremos de esperar mais um pouco pela decisão real.

Ian não se surpreendeu. Soltando um resmungo conformado, voltou a questionar seu comandante, que se encaminhava para o cercado de Molnia.

- E então, Milord?

O cavaleiro alcançou seu cavalo e lhe acariciou a longa crina negra, enquanto o belo garanhão resfolegava, satisfeito com o carinho. Bram aproximou-se, calado, e também aguardou a resposta de seu comandante. Godric finalmente falou, com riso na voz, sem olhar para eles e ainda afagando o cavalo.

- Quebrei uma mesa. Acho que ameacei o príncipe, também.

- Quanto tempo? – Quis saber Ian. Godric olhou para a posição do sol, pensativo.

- Uma hora inteira. Agüentei uma hora inteira antes de perder meus bons modos com Douglas...

A seu lado, Bram soltou um dos seus muito raros sorrisos. Estendeu a mão espalmada na direção da bolsa de moedas de Ian, que praguejou alto, antes de pagar.

==*==

A chegada de Rowena e Hérocles para o café da manhã causou alguns comentários aqui e acolá. Principalmente, porque a mão esguia da bruxa encontrava-se emaranhada na juba do leão, e ela conversava com ele como se fossem grandes camaradas.

- Bom! – Saudou Helga, à guisa de comprimento. – Finalmente entendeste a natureza de nosso amigo aqui... – Hérocles pousou o focinho sobre a mesa, ao lado do cotovelo da bruxa, esperando pelos agrados de Lady Hufflepuff, no que foi prontamente atendido. – Não há sentido em temer um gatinho como ele, por mais desenvolvido que seja. – Acrescentou ela, risonha, coçando o espaço entre os olhos dourados do leão.

- Poderias ter me falado a respeito, ao contrário de me deixar descobrir a verdade a custa de muitos sobressaltos. - Queixou-se Rowena, servindo-se do aromático mingau que Helga costumava preparar para a refeição da manhã.

- E perder a diversão? - Devolveu a outra, piscando para o leão. – E então? Além de fortalecer a amizade com Hérocles, o que tens em mente para o dia de hoje?

- Trabalho. – Foi a resposta direta. – Não agüento mais ficar só passeando e me alimentando... Arranje algo de útil para eu fazer!

- Podes começar escolhendo tuas próprias damas de companhia e deixando as minhas em paz...

- Foste tu que as mandaste! Posso muito bem me vestir e pentear sozinha...

- Este é outro problema que temos de resolver. Logo, as vestes que trouxeste serão leves demais para o clima.

Rowena enterneceu-se pela gentil maneira de Helga tratar do estado precário de seus andrajos. Só conseguira trazer dois ou três, e eles nunca tinham sido um primor de costura.

- Vou precisar de tua ajuda nisto. Sou péssima em coisas como feitiços de cerzimento e bordados.

- E nos de culinária também, aposto! Ah, esses estudiosos de narizes pregados em seus pergaminhos. Um simples remendo e toda a sua teoria vem abaixo...

- Eu gostaria de ter prática na vida cotidiana, e minha reclusão com os pergaminhos não foi voluntária.

Helga afagou sua mão sobre a mesa, parecendo mortificada.

- Rowena! Perdoe-me! Ah, Merlin, o que eu fui dizer?

- Acalma-te, boa amiga! Sei que não teve intenção de ferir-me! Este assunto me deixa um tanto... Irascível, é só! Eu é que lhe devo desculpas...

- Vamos começar de novo, então? Bom dia, Lady Ravenclaw! – Brincou Helga, os olhos brilhando novamente, cheios de riso. Era bom, depois de tanto tempo convivendo com dois marmanjos cheios de manias, ter uma amiga por perto.

- Bom dia, Lady Hufflepuff! – Respondeu Rowena, rindo. Neste momento, seus olhos pousaram sobre Tyl, na mesa à sua esquerda, que bagunçava os cabelos do jovem Caled, enquanto sentava-se ao lado dele.

– Sobre essa história de damas... Já que fazes questão que eu escolha uma...

- Uma não. No mínimo duas. Quando as aulas começarem verás como o auxílio será bem vindo.

- Então, posso chamar a jovem Tyl?

Helga sorriu largo, consentindo.

- Achei que fosse escolhê-la. É bem parecida contigo no jeito. Muito bem, será Tyl então. E quem mais?

Os olhos incrivelmente azuis de Rowena passearam pelo salão, passando por tantas faces belas e faceiras, e recaíram sobre uma mocinha miúda, de anelados cabelos louros, que tomava pacificamente seu mingau. Ela destacava-se não só pela beleza calma e angelical, mas pelo fato que estava completamente afastada de todos os colegas aprendizes. Só, em meio à multidão.

- Quem é aquela? Não lembro de ter sido apresentada a ela...

- Isso é porque não foi. Cecille passa muito tempo em seus alojamentos, ou na floresta, quando não tem alguma tarefa para executar.

- E por que está separada dos outros?

Helga suspirou, estudando a menina com tristeza.

- Provavelmente porque a pouca idade e experiência destes jovens não os ajudam a lidar com o que é diferente. E também porque Cecille teve uma vida curta, mas cheia de sofrimento. Isolar-se é uma defesa que aprendeu rápido.

- Do que exatamente está falando? O que há de tão diferente nela?

Antes que Helga respondesse, Salazar as interrompeu, surgindo do nada como de hábito. Rowena não conseguia deixar de associar tal procedimento com a atitude sorrateira das serpentes sobre as quais tanto lera na infância.

- Formosas damas! Permitam-me dizer que estão radiantes esta manhã! – Elogiou, beijando-lhes as mãos. Apesar do galanteio, o olhar permanecia enigmático e sem sinal de calor.

- E você está muito gentil. – Respondeu Helga. – Aconteceu algo para deixá-lo em tão boa disposição?

- Ah, Helga, Helga! Não é preciso um cataclisma para que eu perceba o quanto vocês são belas... – O olhar cinzento buscou apenas por Rowena, entretanto. - Milady Ravenclaw parece plenamente restabelecida, estou certo?

- Sim, é verdade! Estava inclusive pedindo a Helga algo produtivo para fazer.

- E pensou em algo em especial?

Rowena buscou apoio em Helga, que assentiu silenciosamente, incentivando-a a falar.

- Sou boa em transfigurações. Pensei em aprimorar os acabamentos da construção, por exemplo.

Salazar apoiou o peso do corpo no braço da cadeira, tamborilando os dedos da mão esticada sobre a mesa. Demorou tanto a responder, e seu olhar era tão intenso, que Rowena inquietou-se. Helga também percebeu a alteração do humor do amigo.

- Milady sabe que a construção é responsabilidade minha quando Godric não está? E em parte quando está, também? E que os aprendizes e elfos trabalham essencialmente sob minhas ordens?

- Sim, eu sei. Mas sei também que posso ajudar, pelo menos até começarem as aulas...

- Isto não é um amontoado de pedras qualquer a ser “melhorado”. Tudo é planejado meticulosamente, com vistas em um objetivo que é a segurança dos que aqui estiverem. Penso que Helga faria melhor uso de suas habilidades, se a ajudasse em suas atribuições...

- Não, não faria. – Helga esclareceu de pronto. - Mas agradeço a lembrança. Entretanto, a construção é primordial, como bem sabes...

Por longos momentos, os olhares de ambos travaram silenciosa batalha.

- Muito bem! Não quero ser acusado de não aceitar sugestões ou oferecer chances de quem ou a quem quer que seja. Se milady Ravenclaw acha que pode participar da construção de uma escola de magia, vejamos de que tipo de magia ela é capaz. – Levantou-se, passou por Helga e estacou ao lado de Rowena. Hérocles imediatamente postou-se do outro lado da bruxa, rosnando baixo.

- Esteja em duas horas no saguão de entrada, milady, e traga sua varinha. Farei com que os aprendizes estejam lá também, e então... Todos nós apreciaremos suas qualidades, hã?


Sorrindo de canto, ele afastou-se. Ao passar pelo corredor entre as mesas fez sinal para alguns aprendizes e estes rapidamente o seguiram.

As duas mulheres só voltaram a conversar quando Salazar já havia alcançado a entrada e desaparecia de suas vistas.

- Helga, sei que és amiga dele e o tem em grande estima... Mas, preciso confessar que acho o comportamento de Lord Slytherin bastante inusitado, em algumas ocasiões.

Helga sacudiu a cabeça de modo cansado, e não levantou os olhos ao responder em um sussurro, mais para si que para Rowena.

- Eu também...

Próximo delas, Hérocles ainda não havia desviado a atenção da porta por onde Salazar Slytherin acabara de sair.







N/A: Às minhas betas amadas, Sally Owens e Morgana Black, um abraço bem afofado e cheio de carinho! Obrigada pela paciência que vocês tem comigo! Adoro vocês d+++++++++++++!!!!!!!


Ok, esse foi grandão! Para compensar a minha demora... ;D – O fenômeno Relíquias da Morte abalou estruturas também aqui, em minha modesta tentativa de retratar os fundadores de Hogwarts. Após analisar as novas informações, decidi mudar algumas coisas, e outras deixar como as planejei há bastante tempo. Nem tudo irá bater com a história da JK, e eu peço a vocês compreensão e paciência quando isto vier a ocorrer. Algumas cenas simplesmente nasceram antes da fic, e eu não tive coração para cortá-las... – A lenda de Lailoken e o Caldeirão realmente existe, e é muito interessante. Neste espaço, entretanto, vou adaptá-la à minha história. Logo, para quem a conhece, haverão semelhanças e diferenças, ok?=D Espero que todos estejam e fiquem bem! Até o próximo capítulo, (que terá desde duelos de magia até batalhas campais). Obrigada pelos comentários FOOFOOOSS, aqui e nas comunidades! Beijos muitos! Até!!!! =D =D =D





N/B: (posso?) Ok. Vc conseguiu. Fiquei grudada no texto, sem conseguir sequer respirar dentro daquela tenda. Devorei cada segundo da história, e me movimentei junto com o GG e, céus, eu não teria agüentado 15 minutos, rsrs. Anam, está fantástico!!! Não acho que tenha que alterar nada da sua visão original. Sei que vc quer deixar tudo certinho, mas mais certo que isso até estraga. A força da tua narrativa continua a me encantar e seduzir como raros. Parabéns mesmo e um grande beijo! P.S.: Não fique brava comigo, mas leio a fic vendo claramente cada um dos atores que vc escolheu para representar os fundadores, menos a Row, não sei pq... =(

N/B2: Ok, estou estranhando deixar notas na fic da minha mestra, porque é quase um pecado mexer no que ela escreve. Enfim, nem vou elogiar muito, senão vou passar o resto do dia aqui.rs. Ah, e ficou fantástico o modo como vc uniu as lendas sobre o caldeirão da deusa com as guerras e tudo o mais. Minha amiga, isso é muito mais que uma fanfic, esteja certa. Perfeito! E para quem lê a fic, a Sônia deixou um detalhezinho escondido no texto, quero ver quem é capaz de reconhecer um personagem que apareceu nos livros HP! ;-)


P.s.A: Significado de nomes, fotos, música do capítulo e outras curiosidades, cliquem abaixo!!! ;D



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