SEGREDOS



  SEGREDOS





- Caled, sabes que provavelmente seremos expulsos por esta tua idéia.

- Seremos sim, se não falares mais baixo… Além do que, vocês querem saber tanto quanto eu o que Lord Gryffindor faz aqui.

Kay rolou os olhos, parando para afastar um galho do caminho de Tyl e Cecille, enquanto Caled girava a varinha na palma da mão novamente, tentando situá-los na vastidão de árvores.

- Sermos ouvidos e expulsos não deveriam ser tuas maiores preocupações, mas sim sermos devorados por algum morador deste lugar. - Brincou Tyl, tirando folhas dos cabelos.

- E, provavelmente, nossos restos mortais ainda teriam de enfrentar Lord Gryffindor, depois disso. - Completou Cecille serena, como se estivesse conversando com os amigos no salão principal do castelo e não sentando-se para descansar no chão escuro e úmido em meio à Floresta Proibida, após mais de uma hora de exploração.

- Lord Gryffindor nos proibiu de seguirmos seus passos para cá. Como não o estamos seguindo… - Caled deu de ombros, mas seu olhar era um tanto preocupado.

- Boa sorte quando for usar tal argumento. - Kay parou sobre uma raiz gigantesca, apoiando-se na árvore para olhar em volta, demoradamente. A aparente calma reinante nos arredores incomodou-o e ele deu voz aos seus instintos.

- Vocês não estão com a sensação de que estamos sendo vigiados?

- Ora, ora… Com medo do escuro, Monmouth? - Riu Caled, antes de desviar rapidamente do feitiço ferroada que o amigo tentara lhe lançar, e que acabou por danificar um arbusto espinhoso próximo. Aos risos, ambos começaram uma breve e silenciosa disputa de perícia com a varinha como faziam sempre que tinham oportunidade. Tyl, entretanto, virou-se séria para Cecille.

- Que dizes? Há algo ou alguém nos espionando?

Cecille parou muito quieta por alguns segundos, estudando os arredores com seus sentidos. Os meninos também se calaram, aproximando-se para aguardar sua resposta. Antes que ela pudesse se manifestar, porém, a quietude da floresta foi quebrada pelo estalo de um galho se quebrando, seguido do som surdo dos impactos de três quedas consecutivas e de lamúrias sussurradas.

Sacando as varinhas em sintonia, Kay e Caled aproximaram-se silenciosamente da touceira aos pés de um imponente olmo, que escondia a origem dos ruídos abafados. Cecille seguiu-os devagar e Tyl ficou para trás, varinha a postos, cuidando da retaguarda.

- Quem está aí? - Demandou Caled, soando mais seguro do que realmente sentia-se - Apareça!


A touceira sacudiu-se mais um pouco, e então abriu-se em três direções diferentes pelas quais dispararam três crianças pequenas muito loiras. Surpresos, os jovens perderam preciosos segundos de corrida para se refazerem e tomarem alguma atitude. Foi Kay o primeiro a reagir.

- Caled, vá pela direita! Tyl, esquerda! Eu pego o do meio!

Cecille ouviu-os correrem para longe e voltou a sentar-se, paciente, varinha em punho. Provavelmente ela teria que resgatá-los mais tarde, pensou, então seria bom estar descansada.

Enquanto isso, Kay lidava com espinhos, raízes e galhos no caminho, lutando para não perder de vista os cabelos loiros do pequeno que se movia agilmente à sua frente. Para alguém que era pouco mais que um bebê, a julgar pelo tamanho, o fugitivo parecia conhecer bem o terreno e saber para onde estava indo.

O golpe em suas costas o pegou desprevenido, atirando-o ao chão com violência e tirando o ar de seus pulmões. O segundo, um chute bem acertado, fez-lhe praguejar alto de dor, completamente zonzo. Antes que conseguisse reagir ou focalizar os olhos de novo, um pé pousou em sua garganta, e algo circular cutucou-o no peito com força. Seu agressor disparou uma saraivada de palavras de um idioma estranho em tom muito baixo, mas decididamente furioso.

- Espere!… Calma!… Não o estou entendendo… - Enrolou Kay, abrindo as mãos para o alto, enquanto o cérebro funcionava a todo vapor procurando por um meio de inverter o jogo e recuperar sua varinha, que caíra distante - Eu não lhe fiz mal algum…

Novamente a torrente de palavras sussurradas, parecendo ainda mais raivosas, e novo aperto em seu pescoço. Kay semicerrou os olhos, tentando visualizar seu oponente. A pouca luz que vencia a redoma verde no alto permitiu-lhe apenas perceber uma figura esguia, vestida com capa e capuz. O aperto em seu peito era causado por um bastão de madeira, tão alto quanto o encapuzado. Nesse instante, algo mais adentrou seu campo de visão: Um par de pernas curtas de pés descalços, e depois delas, um rosto trigueiro com enormes olhos curiosos que o fitavam abertamente.

- Te derrubou. - Decretou uma voz infantil

- É, parece que sim… - Kay sacudiu a cabeça, ainda tonto, e tentou rolar o corpo para erguer-se, mas o bastão o acertou no alto da cabeça, certeiro. A criança, um menino, achou graça e Kay pode perceber que o encapuzado distraíra-se com a risada cristalina por um momento.

Aproveitando-se disto, segurou o bastão com uma mão e com a outra puxou o tornozelo do encapuzado, fazendo-o cair ao seu lado. Ligeiro, imobilizou-o com o peso do corpo enquanto arrancava-lhe o capuz. O tecido resvalou, revelando um rosto oval, de pele lisa e grandes e surpresos olhos escuros amendoados, com traços estrangeiros.

Kay apenas teve tempo de perceber a beleza incomum da moça em seus braços, quando sentiu algo duro e frio acertando-lhe a nuca.

- Solte a Nika! -Exigiu o menino, largando a pedra sobre sua cabeça mais uma vez. - Largue!

Enquanto os sentidos o abandonavam, Kay ainda conseguiu suspirar:

- Nika…

E a escuridão o envolveu.





==*==


Rowena ergueu-se na ponta dos pés, procurando pelos quatro cantos do grande salão. Começava a preocupar-se com a ausência prolongada de suas amas, mas, aparentemente, elas também não estavam por ali. Decidindo procurar por Caled e Kay e perguntar por elas, girou o corpo em direção à porta de entrada do castelo, apenas para colidir com algo firme e sólido no meio do caminho - o peito de Godric Gryffindor. O susto e o esperado arrepio na espinha a fizeram cambalear contra ele, para seu constrangimento total. Sorrindo, Gryffindor segurou-a pelos cotovelos, equilibrando-a, antes de cumprimentá-la com uma leve reverência.


 


- Milady.

Rowena aprumou-se.

- Minhas desculpas, Lord Gryffindor! Estava distraída e não o vi.

- Eu é que lhe devo desculpas, milady. Fiquei parado como um tolo, admirando-a, ao invés de sair de seu caminho.

A criatura trovejara isso com a calma de quem comenta o clima, e Rowena desejou intensamente que seu rubor não fosse tão forte quanto parecia. Devolvendo o olhar intenso, tentou soar tão calma e confortável quanto ele na conversa.

- Milord está a brincar comigo.

A sombra de um sorriso repuxou a barba avermelhada, enquanto ele capturava a mão de Rowena para depositar ali um rápido beijo.

- Ah, as grandes verdades escondidas por trás de leves brincadeiras… Mas, diga-me senhora, a que se devia a preocupação que percebi em ti antes de abordá-la tão desajeitadamente?

Rowena puxou a mão, franzindo o cenho ao lembrar-se de suas amas.

- Estava procurando por Cecille e Tyl. Elas deveriam encontrar-me já há algum tempo e não apareceram. Não estou realmente precisando delas, mas não as encontro em lugar algum e…

- Estás preocupada, eu vejo. Porém, se é só o paradeiro de suas jovens amigas que a incomoda, milady, podes sossegar teu coração. Eu acabei de vê-las regressando das estufas de Helga. - Rowena suspirou, aliviada, e Godric observou o movimento, antes de continuar. - Pelo visto, Topfer e Monmouth andaram se metendo com Arapucosos sem supervisão, e as meninas os estavam ajudando. Não devem demorar a vir procurar-te, agora.

Rowena inclinou a cabeça, curiosa.

- Mas o que aqueles meninos queriam com os Arapucosos de Helga, afinal?

Godric riu baixo e gravemente.

- Talvez impressionar algumas garotas ao domá-los…

Rowena sorriu, e preparou-se para uma retirada estratégica.

- Bom, agora que o paradeiro daquelas duas é sabido, se milord me der licença…

- Não dou.
 


Ainda que não fosse agressivo, o tom de sua voz era definitivo. Rowena aguardou, intrigada, pela explicação de tal resposta. Como ela não surgisse após alguns momentos de silenciosa troca de olhares, perguntou:


 - Milord necessita de algo?...


 Ele sorriu, enigmático, e Rowena poderia jurar que Gryffindor segurou a primeira resposta que lhe ocorrera. No entanto, ele perguntou simplesmente, oferecendo-lhe o braço:


- Tens tempo para um passeio e algumas respostas, milady?


  "Ah, bom Deus! Me proteja..."  - pensou Rowena, enquanto pousava a mão gentilmente sobre o braço estendido - "É claro que há um motivo prático para o passeio, sua tola..." - ecoou por sua vez a vozinha irritante de sua consciência. O leão a conduziu a passos lentos para os jardins, por onde caminharam por algum tempo sem conversar, embora ela sentisse que ele a olhava de quando em quando. Ao chegarem às margens do lago, Gryffindor soltou-a, sem afastar-se, entretanto. 


- Sobre a visão que milady teve ontem... 


 Rowena suspirou profundamente, cruzando os braços. 


- Eu imagino que o senhor esteja curioso, realmente. 


- Muito curioso, realmente - ele retrucou, brincando, antes de acrescentar - Mas, esperarei para aplacar minha curiosidade, se milady assim desejar.


 - Não... Já é hora de eu retribuir a confiança com que fui recebida em vossa casa. 


- Nossa casa - Gryffindor a admoestou.


 - Exatamente! Fui acolhida como se fora sempre uma de vocês, então, também devem me conhecer, sem segredos, como já acontece entre milord, Helga e Salazar.


 Ele ergueu as sobrancelhas e depois franziu-as, mas nada respondeu de pronto. Sem entender o que poderia tê-lo desagradado, Rowena aguardou que o cavaleiro falasse, encarando as águas profundas do lago.


 - Começando pela visão, então... A criança que vistes, contra o que lutava exatamente? - perguntou ele, finalmente. Ainda parecia um pouco aborrecido.


 Rowena baixou a cabeça, pensativa. Já na primeira pergunta ela provavelmente o decepcionaria.


 - Uma serpente gigantesca, ou algo parecido... Não posso dar certeza, ...  - Ela ergueu as mãos, impotente, quando Godric a encarou, preocupado. - Sei apenas, milord, que a coisa era pura e somente maldade. E que estava a comando de alguém, ainda mais monstruoso. 


Gryffindor passou a mão pela barba curta, absorto. 


 - Hum, um monstro sob comando de um homem, é isso? 


- Ou de uma mulher. 


Ele não respondeu a isso. Ainda concentrado, passou a andar de lá para cá, a sua frente. 


- Sobre a criança...


- Sim? 


- Como ele era? Ou melhor, quando ele será? E de que maneira se colocou em tal situação? 


Rowena fechou os olhos, buscando a memória da visão, e procurou ser o mais detalhada possível: 


- Fisicamente, uma criança normal... Pensando agora... Ele me lembra o jovem Caled, só que alguns anos mais moço. Mas o menino em minha visão tinha olhos extraordinariamente verdes... Quando ele viverá? Muitos anos depois de nós, milord, e o vi aqui mesmo, em Hogwarts.     


 - Dissestes que havia muito de mim, nele. 


A voz profunda soou tão perto que assustou-a. Rowena achou melhor continuar de olhos fechados, para não ser... distraída. Aquela resposta era importante, afinal. 


- E ele terá, - respondeu, sorrindo um pouco - e é aí que responderei à tua pergunta de como ele se colocou em tal situação. Ele enfrentava o monstro não apenas por si próprio, para sua própria defesa... Ele o enfrentava para defender a outros. Para protegê-los. - Rowena ergueu a cabeça e encarou-o profundamente. - Ele tinha a tua atitude, Lord Gryffindor.

Por longos segundos ela perdeu-se nos profundos olhos castanhos do Leão das Charnecas, enquanto ele avaliava a resposta.

- Milady me vê de maneira mais generosa do que mereço. - afinal comentou, voltando-se novamente para o lago.

- Dificilmente. - Sentenciou ela, maneando a cabeça.

Godric sorriu, encarando as águas plácidas donde vez ou outra um longo tentáculo preguiçoso erguia-se e voltava a sumir.

- Eu fiz o que tu me pedistes, a propósito.

- Milord?...

- Minha espada. - Desembainhou a arma num gesto elegante, e segurando-a pousada nas palmas abertas, ofereceu-a a Rowena. Os rubis que enfeitavam o punho reluziram ao sol- Coloquei no metal tudo o que sei e conheço que possa ajudar nosso bravo aprendiz no futuro, como me solicitastes.

Curiosa, Rowena ergueu a espada com cuidado, e surpreendeu-se ao sentir o peso adequar-se à sua mão, bem como com a estranha energia emanada pela peça que fez o braço todo aquecer-se.

- Pode-se sentir...o poder. - murmurou e Godric concordou silencioso. - E como milord fará para que ela possa chegar até o menino, tão à nossa frente?

- Não só a ele. Lembrando o que aconteceu ontem à noite, pensei em prepará-la para que fosse a quem entre nós precisasse dela, agora ou daqui a muitos anos. Se eu próprio não puder ir, eu digo.

Rowena ergueu as sobrancelhas diante do último comentário.

- E como milord pretende conseguir isso?
 


 Godric Gryffindor lhe lançou um daqueles sorrisos ilegalmente largos, os olhos brilhando como os de um menino aprontando alguma traquinagem. 


- Eu não. Tu! - tomando a espada de volta, segurou-a pela lâmina murmurando algo. Em segundos a arma havia desaparecido. - Já está em teus aposentos.


 Rowena sacudiu a cabeça, incrédula.


 - Mas milord, eu não...


 Godric a interrompeu ao pegar-lhe a mão entre as suas.


 - Tenho plena confiança em ti. Sei que o farás melhor do que eu. Encantamentos nunca foram o meu forte! - Atalhou ele, convicto.


 - Mas, milord...


 - Godric.


 - O que?...


 - G  O  D  R  I  C - ele pronunciou, pausadamente.


 Rowena calou-se, confusa. Puxando-lhe a mão, Godric aproximou-se ainda mais e falou junto ao seu ouvido, como quem conta um segredo:


 - Meu nome é Godric, e não há perigo algum em pronunciá-lo. 


 Desacreditando disto ao sentir os calafrios que a voz grave e baixa produzira em sua coluna, Rowena apenas encarou-o de volta, os olhos azuis muito abertos.


 - Queres realmente continuar com tais formalidades? - Continuou ele, gentil. - "Milady, milord"


 Como ele estava muito, muito perto, e obviamente aguardava uma resposta, Rowena achou melhor colocar alguma distância e algum juízo entre os dois. Dando dois passos atrás, liberou sua mão e empertigou-se para responder.


 - Eu ainda não me sinto à vontade para tanto contigo, milord. Espero que perdoe... 


 Ele cruzou os braços, plantando-se sobre os pés. Não iria desistir facilmente, pelo visto.


 -  Já percebi que chamas Slytherin pelo primeiro nome, então... O problema é comigo? 


 Rowena segurou a decepção, entendendo do que afinal estavam tratando: mais uma disputa entre os dois cavaleiros. Sorriu de canto ao resolver dar à  Gryffindor algo em que pensar.


 - Salazar é, com efeito, menos... intimidante que o senhor, milord.


 Ele ergueu uma sobrancelha, parecendo curioso e... encantado. Os olhos castanhos brilharam incandescentes - "Droga!" 


- Eu a deixo intimidada, senhora? - Rowena não respondeu, processando a reação inesperada. - Adiantaria se eu lhe garantisse, novamente, que nada tem a temer de mim? Que sou um simples soldado a seu dispor?


 "E a criatura se diverte!"- Baixando os olhos, Rowena deu de ombros, fugindo novamente à resposta.


 - É uma pena, sabes? - disse ele, agora sério, apanhando uma mecha dos cabelos negros dela, que a brisa soltara da trança. - Enquanto não me chamares pelo meu primeiro nome, não posso chamar-te pelo teu. E eu realmente gostaria muito de dizer teu nome... milady.


 Rowena fechou os olhos e deixou-se imaginar por um momento como seu nome soaria naquela voz...


 - Godric!


 O chamado da recém chegada Helga trouxe-a de volta com um sobressalto. Godric, entretanto, permaneceu calmo ao responder, os olhos fixos na mecha de cabelos que acabara de soltar, enquanto lady Hufflepuff achegava-se, esbaforida.


 - O que foi, irmã?


 Se Helga percebeu o que se passava entre os dois amigos, não demonstrou. Segurando o braço de Godric, disparou de modo urgente:


 - Kay e Caled andaram se metendo em confusão! E acho que levaram as meninas com eles! Kay está machucado, inclusive.


 Godric cerrou as sobrancelhas, olhando para o castelo.


 - Sabemos que eles andaram em tuas estufas, lutando com os arapucosos. Se danificaram tuas plantas, podemos...


 Helga sacudiu a cabeça, negando veemente.


 - Foi também esta a história que Mutombo me passou. Mas, meus arapucosos estão ótimos! E isto porque estão trancados! Trancados tão bem que nem tu entrarias lá! Godric, não foi das estufas que eles saíram naquele estado!


 - Eles vinham da Floresta Proibida - ele concluiu, suspirando. Fixou os olhos nos de Rowena - Continuaremos nossa conversa mais tarde. - comunicou antes de girar o corpo e partir em direção ao castelo, a passos largos.


 


 ++*++


 


- Ora, ora, ora... Se não é a "Serpente dos Brejais" em pessoa e descaramento! Tenho de admitir que tens coragem em mostrar tuas caras por aqui, Slytherin,...


 Salazar curvou-se em profunda reverência, e tratou de estampar a sua melhor expressão de constrangimento e humildade.


 - Majestade!


 - ... em aparecer aqui, depois de tudo. - Continuou Etelredo II, o Irresoluto, rei da Inglaterra, sem dar caso do cumprimento. - E sozinho, para piorar! Diga-me,Serpente, onde está teu amigo e os homens que o servem, e cuja lealdade tu prometestes a mim!!!!! - Sentando-se em seu trono, espichou as pernas, cruzando-as em uma atitude desleixada - Nem falaste com ele, estou certo? Não teve coragem de propor-lhe...


 Retorcendo-se para evitar contato com os grandalhões que o haviam "escoltado" a partir dos portões reais, Salazar adiantou-se até os pés do trono e ali prostrou-se, curvado em um joelho, a mão direita sobre o peito.


 - Meu soberano, eu juro pela vida dos que me são mais caros, eu tentei! Mas, não há como colocar inteligência e lealdade em uma cabeça onde só floresce a teimosia! Gryffindor não consegue... entendê-lo como eu, majestade!


 Etereldo gesticulou para um criado, que logo lhe encheu a taça de vinho até que entornasse. Sem tirar os olhos de Salazar, esvaziou-a de um só trago, limpando a boca com as vestes. Depois de observar a atitude servil do visitante com deboche por algum tempo, disparou:


 - O que queres dizer, Slytherin, é que ele não é o tremendo bajulador inescrupuloso que tu és! Diga-me, serpente, não dói trocar tantas vezes de lado??? Ainda ontem devias estar a adular Donald, aquele semi-rei balofo criador de príncipes covardes e princesas levianas, e a apoiar o tal Leão, que sendo inglês, decidiu defender a Escócia sabe-se lá por que! E hoje aqui estás, - apoiando os braços no trono, abaixou o corpo para ficar com os olhos na mesma altura dos de Slytherin -... a meus pés! O que vens me oferecer ou me pedir, afinal? - Vociferou, aparentemente sem mais paciência para jogos - E por que não haveria eu de matá-lo por seu fracasso e traição??? - concluiu maldosamente, voltando a sentar-se.


 Salazar não levantou a cabeça, respondendo com os olhos no chão.


 - Venho oferecer-te a vitória contra teus inimigos, majestade! O salvo conduto para que a corte volte a Londres! Nunca mais precisará voltar à Normandia, se assim o desejares. Ofereço-lhe a conquista definitiva da Escócia, e quanto aos vikings... - finalmente ergueu os olhos para o rei - Destes, as cabeças  lhe serão entregues numa bandeja, juntamente com as dos orientais que também tentam tomar o continente. Tu te tornarás o soberano mais poderoso do mundo, é isto que tenho a oferecer-te.


 As gargalhadas de escárnio ressoaram pelas paredes de pedras. Os poucos chegados a Etereldo que ali se encontravam dobraram-se de rir, perante tal promessa grandiosa. Entretanto, o rei continuou com os olhos em Salazar, ainda que cinicamente.


 - Duas perguntas a fazer-te, bruxo: como farias isto, e quanto me custaria?


 Salazar endireitou-se completamente desta vez. Lançando um olhar para os homens do rei, que ainda soltavam risadinhas à sua custa, esclareceu:


 - Como farei isso, entenderás depois de ouvir uma história que tenho a te contar, mas... - mostrou a sala com um gesto largo - em particular. Quanto te custará...Bom, depois que vossa majestade estiver devidamente informado e convencido do que digo... Talvez possamos conversar sobre o futuro regente da Escócia, hum?


 


 ++*++


 


No sétimo andar do castelo, Salazar Slytherin projetou uma bela sala redonda, prevista para ser o local onde os quatro mestres se reuniriam para decisões sobre a escola, para conversas mais privativas ou, como era o caso agora, para passar uma descompostura em quatro cabisbaixos aprendizes.


 - Expliquem-se. - Comandou Lord Gryffindor, calmo. Sentado em sua cadeira na larga mesa, de frente para os jovens, ele aguardava. Para Caled, a frieza de palavras e olhar eram piores do que se o seu grande mestre e herói estivesse esbravejando aos berros com eles. Ciente de que fora o mentor da aventura desastrosa na Floresta, Caled adiantou-se.


 - A culpa é minha, milord. - Um gosto amargo subiu-lhe à boca quando Gryffindor pousou-lhe os olhos decepcionados. Limpou a garganta, para que a voz não saísse insegura - Eu os convenci a seguir-me.


 Ao mesmo tempo, Kay, Tyl e Cecille reclamaram a culpa também para eles próprios, mas foram calados por um gesto de Gryffindor.


 - Todos vocês terão a sua vez. Continue, Topfer!


 O rapaz fechou as mãos em punho, tenso, mas sustentou o olhar do mestre.


 - Foi a curiosidade que me levou para a Floresta, milord. Gostaria de ter um motivo mais nobre, mas seria mentira. Eu... Nós, pensamos que o senhor teria  algum problema a resolver por lá e,... Bem, queríamos ver do que se tratava, talvez ajudar... 


 Calou-se, sem saber como continuar. Godric recostou-se na cadeira, analisando os quatro jovens à sua frente. Mesmo Cecille, sempre tão serena, aparentava querer se esconder sob o tapete. Eram ótimos meninos, mas, havia uma lição a ser aprendida ali.


 - Contem-me o que aconteceu, em detalhes. - Incitou ainda com  frieza.


 Novamente foi Caled quem tomou a palavra, mas desta vez, os amigos completavam o relato quando necessário. Ao terminarem de contar sua aventura, com Kay acordando sozinho e com um galo enorme e Caled e Tyl voltando para junto de Cecille sem seus alvos, os quatro aguardaram o veredicto, em silêncio. Godric ergueu-se e foi até a janela de onde se avistava os limites da floresta. De costas para os meninos, perguntou:


 - Vocês sabem do que é capaz uma manticora que tem seu território invadido? Ou como é certeira a mira de um centauro que se julgue ameaçado ou insultado? Sabem se aproximar de um hipogrifo sem ter o corpo retalhado? Sabem como um unicórnio reagiria se vocês, rapazes, tivessem se aproximado de sua cria? E esses são apenas alguns exemplos, nem mesmo os mais perigosos, do que pode se encontrar em um desprevenido passeio pela Floresta Proibida.


 Kay se manifestou, relutante.


 - Milord, nós sabíamos, mas... Como estávamos em quatro, e...


 - Estavam até o primeiro imprevisto surgir e vocês, de uma maneira que só posso descrever como tola, se separarem. - Godric voltou a sentar-se.  Passando a mão pela barba, suspirou – E o pior, deixaram Cecille sozinha, responsável pela retaguarda dos grandes aventureiros.


 - Milord, eu consigo cuidar de mim mesma! Não ralhe com eles por minha causa, por favor! - A menina pediu, corando de leve pelo que considerava impertinência com o mestre.


 - Eu sei que tu consegues, menina! Mas em território conhecido, e não na armadilha que é aquele lugar para quem o subestima. - Explicou Godric, um pouco mais suave. - Agora, deixem-me terminar. - Ordenou, ao ver que Caled e Tyl se preparavam para intervir. - Vocês queriam descobrir o que faço na Floresta e conseguiram, em parte. Na primeira hora da manhã, estejam preparados para entrar lá novamente, desta vez comigo e com Lady Ravenclaw. Lá saberão do que tudo isto se trata, afinal, e conhecerão sua punição.


- Milord, as crianças que encontramos, e também aquela jovem... elas não estão em perigo lá? - questionou Kay, sem se conter. Acabara de imaginar a tal Nika se encontrando com uma manticora, e não gostara da imagem... Apesar dos golpes que a moçoila havia lhe acertado.


 - Ah, sim! As crianças que os ludibriaram e a moça que o pôs ao chão e é responsável por esses hematomas em ti, Monmouth? - Um leve repuxão na barba vermelha denunciou o quase sorriso de Lord Gryffindor - Podes ficar sossegado! Como tu és prova viva, eles estão mais seguros lá do que vocês estariam. Amanhã! - Concluiu, sabendo que mais perguntas viriam. - Agora, vão jantar, e nenhuma palavra sobre nosso assunto com seus pares!


 Neste momento, fortes pancadas soaram à porta, e a voz esganiçada do irmão de Tyl, Cigny, se fez ouvir:


 Milord Gryffindor! Milord Gryffindor! Venha depressa, por favor!!!


 - Ah, pelo tonel das Denaides, o que é agora?... 


Abrindo a porta, os quatro aprendizes em seus tornozelos, Godric deu com o jovem Noir, branco como neve, pulando de um pé para o outro.


 - O que foi que aconteceu?


 - Milord, há um viking - um viking enorme - tentando derrubar a porta para entrar! Disse que veio para cortar-lhe a garganta, milord!... Está lá, berrando para quem quiser ouvir... - o rapaz praticamente saltitava no mesmo lugar, cada vez mais assustado.


 - Acalme-se, Noir! Veja se não te esquece de respirar, por Merlin! - De cenho franzido, mas sem mostrar qualquer surpresa pelas notícias, Godric dirigiu-se às escadas com passos largos. Os jovens seguiram atrás dele, não sem antes Caled provocar Cigny com uma esplêndida e silenciosa simulação do jeito saltitante do outro dar notícias. Revirando os olhos, Kay os apartou, forçando ambos a seguirem Gryffindor.


 Lá embaixo, uma aglomeração de aprendizes espiava da entrada do salão principal para o saguão, onde a madeira das imensas portas estava sendo castigada pelo que parecia um aríete gritão.


 Saia daí, inglês! Venha enfrentar-me como um homem!


 Sussurros preocupados seguiram Lord Gryffindor enquanto ele, sem demonstrar pressa alguma, seguia para a entrada do castelo.


 Venha logo acertar tuas contas comigo, inglês! De hoje tua vida boa não passa!


 Para espanto dos presentes, Godric abriu as portas de par em par, sem ao menos puxar a varinha ou sacar a espada. Aflitos, Kay, Caled e Tyl postaram-se atrás dele, imediatamente seguidos por outros aprendizes. A figura que surgiu pelo umbral, entretanto, os fez perder a fala, pasmos.


 Alto, tão ou mais alto quanto o próprio Gryffindor, o homem vestido com muitas peles felpudas e que carregava um elmo ornado com lustrosos chifres sob o braço, era largo e muito forte também. Nas costas estavam presos um machado que parecia capaz de cortar ao meio uma boa parede de tijolos, cruzado com um martelo, tão formidável quanto. Seus cabelos e barba castanhos avermelhados estavam emaranhados e de seu rosto via-se apenas enormes olhos negros muito brilhantes, que observaram o saguão parando nas varinhas apontadas para seu peito. Se Lord Gryffindor lembrava um leão em seu caminhar e movimentos, este recém chegado poderia passar por um imenso e feroz urso.


 - Então, - berrou ele, e a voz parecia gasta, como alguém que grita muito tempo contra o vento gelado - Se escondendo atrás de crianças agora, inglês?


 Gryffindor virou-se para seus alunos, e com um gesto dispensou as varinhas em punho. - Deixem comigo. - Ordenou, voltando a encarar o estranho visitante. - Tua boa educação o precede, viking. - Curvando um pouco o corpo à frente, puxou o ar, fazendo careta - Assim como teu cheiro.


 - Mulher nenhuma deste teu reino encharcado reclamou de um ou do outro, inglês! - Retrucou o urso, ainda furioso - Quer dizer que, Valhalla ainda não te chamou, farsante? Me admiro que te safes por tanto tempo...


 - Teus deuses nada têm contra mim. Talvez porque não te matei quando tive a oportunidade, isto deve valer de algo. - Godric parecia relaxado, pés afastados e mãos na cintura, mas o olhar não desviava do viking gigantesco à sua porta.


 - E eu acho que Odin ainda não achou um castigo à altura de tua blasfêmia, inglês! Fazer-se passar por Thor! Deus do Trovão! Isso vale teu escalpo em meu gibão!


 - Nenhuma das mulheres de teu reino gelado descobriu a diferença, ou reclamou... Quem sabe eu seja o tal de quem tu falas, afinal!... 


O viking soltou um urro fenomenal, que reverberou pelas paredes do castelo, e partiu para cima de Godric. Mas, o que os aprendizes e também Lady Ravenclaw, que acabara de chegar, pensaram que seria um ataque físico brutal, transformou-se no forte abraço de dois irmãos, separados havia muito.


 - Odin me perdoe, mas é bom te ver são e salvo, inglês! - Declarou o urso, parecendo um tanto mais manso. 


- Bem vindo à nossa casa, meu amigo! - respondeu Godric. Com um imenso sorriso, voltou-se para os demais, anunciando:


 - Aprendizes, quero que conheçam o mais famoso desbravador viking, um guerreiro difícil de ser derrubado e um dos melhores homens que já conheci, apesar da imensa cabeça dura... Conheçam meu amigo Erik, o Vermelho!


 


 


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N/A: Ok, a vida real deixou! =D - Espero que vocês gostem do retorno desta história e do capítulo! Se não for pedir demais, depois de tanta demora, comentem, por favor?!?! Um beijo no coração de todos! Saudades muitas de vocês!!!!!


 


N/B Pri: Podem acreditar! Isso não foi um sonho, nem uma miragem. O que você acabou de ler foi mais um excelente - e novo - capítulo de Rei Sitae!!!! Quem quer saber mais sobre Eric, o Vermelho levanta a mão!!! o/  E quem baixar o cacete no Salazar me acompanhe!!!! E quem ficou com as pernas bambas com a conversa entre GG e Rowena, mande berradores e comentários para a autora. Vamos fazer uma campanha para mais um capítulo! Soninha, querida, muito obrigada por me deixar ler em primeira mão. Bjks


 


 


N2: Oh, céus! Por Merlin, por Odin, por quem quiserem, é real!! Ela voltou! E, pelas barbas de Dumbledore, voltou com tudo! Querida, isso é um presente digno para um retorno mais que esperado. Sim, eu também fiquei de perninhas bambas e com arrepios na nuca ao ler o diálogo, cheio de entrelinhas, entre GG e Rowena. Bloody hell, babei no teclado e hoje acabo sonhando com um ruivo gigantesco e de olhos intimidantes. Rsrsrs. Já estou ardendo de curiosidade para saber da história da Rowena, para descobrir o que aquela cobra peçonhenta ainda vai aprontar, para conhecer Erick que, depois do que vc me contou, sei que será outro arrasa corações para a ala feminina no castelo. Agora é só esperar pelos próximos capítulos, torcendo para que eles venham tão TÃO! TÃO! quanto esse. Obrigada pelo presente, amada. No que depender de mim, GG rules 4ever. Lica

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Comentários (6)

  • AcA

    Olá car Amiga......   Faz muito tempo, mas eu nunca perdi as esperanças que você fosse continuar. Novamente me delicio com as suas estórias, e aguardo ansiosamente pelo próximo (mal li já estou cobrando o próximo). Um beijo no seu coração....

    2012-09-28
  • Paty Black

    Capitulo maravilhoso..................... adorei tudo e adoro mais ainda ver a Rowena e o GG *.*UIUIUIPOSTA LOGOOOOOOOOOOOOOO

    2012-08-08
  • Regina McGonagall

    Ainda sem fõlego pra comentar qualquer coisa... avemaria!

    2012-08-03
  • Lica Martins

    Que coisa mais deliciosa chegar aqui e dar de cara com capítulo novo. E que capítulo, amiga!! Delicia. E que venham os próximos. 

    2012-07-18
  • Priscila Louredo

    Demorou, mas valeu a pena! Mana, espero que a vida entre cada vez mais nos eixos e nos deixe ser presenteados por mais escritos teus. te amo, mas isso você já deve saber. Bjkssssss

    2012-07-16
  • Livinha

    Ah, saudades da sua história, mana!!!! Eu esperava atualização desde que fomos a PoA, pois as meninas falaram do capítulo... E finalmente você posta! *-* Como elas, estou ansiosa pelos segredos de Rowena, de que ela chame o GG de Godric (aquela cena me deixou sem ar.... *desfalece*). Não anseio para saber dos planos do Salazar e sua "glória", pois quero que ele se ferre. Ponto. hihihihi.. E jurei que o viking às portas de Hoggy teria algo a ver com Rowena! *medo* Para finalizar, só digo que estou muito ansiosa pelos próximos capítulos! Amo sua história, flor! Beijo imenso e cheio de saudades! Liv.

    2012-07-16
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