Gelo



Cap.19 - Gelo
By Surviana




Aviso: Todas as personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor deste texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JKR.

Por favor, não me processem! Só peguei emprestado para me divertir e divertir os outros!





A primeira aula de Poções de Hermione não foi tão desastrosa quanto ela esperava. Num acordo silencioso, tanto ela quanto o Prof. Snape resolveram que o melhor remédio para o “mal entendido” que tiveram no ano anterior era se evitarem ao máximo. De sua parte, Hermione se esforçaria em limitar-se a fazer os deveres de classe silenciosamente e não responder às perguntas feitas pelo professor, fato que lhe cobrava um nível intenso de autocontrole porque era simplesmente contra sua natureza saber uma resposta e não dizê-la. Mas a situação pedia atitudes enérgicas, e quem sabe, ela ganharia com isso, aprendendo a se controlar.

Pelo lado do professor, Hermione tinha absoluta certeza que não teria problema algum. Podia se atrever até a achar que foi sorte se envolver com alguém tão introspectivo e discreto. Se não fosse a dor que sempre apertava seu peito a cada vez que lembrava daquele passado distante, ela até se sentiria feliz por ter sido ele a ser o envolvido naquela viagem maluca. Teve náuseas só de imaginar alguém como Lockhart no lugar de Snape. Ela não suportaria sua arrogância e sorrisinhos dirigidos a ela, lembrando-lhe do acontecido. A postura de Snape era louvável, e ela agradecia por isso, embora, nas raras vezes em que cruzava seu olhar com o dele, seu coração gelasse e suas doces lembranças passassem como um filme diante de seus olhos.

Fora isso, foi um bom início de ano; quando estava de férias temeu por coisas muito piores. O fato de ter descoberto um sentimento tão ruim nos bruxos quanto o preconceito a ajudou ainda mais a afastar suas perturbações pela presença de Snape. Hermione se ocupou em pesquisar profundamente o histórico dos elfos domésticos e o lema dos Comensais da Morte.

Neste momento, a aluna da Grifinória se encontrava na mesa mais afastada do conglomerado de alunos que estudavam na biblioteca. Uma imensa pilha de exemplares do Profeta Diário, que era ladeada por três dos mais grossos e antigos exemplares da vasta biblioteca da Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts, ocultava sua figura miúda, deixando apenas alguns de seus cachos revoltosos visíveis. Era sábado, fazia mais de duas semanas que havia criado o F.A.L.E. e ainda reinava lá fora um bonito sol, mas ela não estava preocupada com a temperatura. Havia concluído a pesquisa sobre os elfos domésticos e destinava agora sua atenção aos ataques de Comensais da Morte, seguidores de um auto-intitulado Lorde das Trevas que odiava os trouxas e descendente direto de Salazar Slytherin, cujo desligamento da escola há cerca de mil anos fora pela vontade de expurgar todos os nascidos-trouxas de Hogwarts.

Examinando atentamente cada artigo e fazendo comparações entre as entrevistas e comentários contidos nas matérias, Hermione pôde notar que as notas de uma certa repórter chamada Rita Skeeter não eram de muita confiabilidade. Traziam comentários maldosos e aumentados sobre os fatos verdadeiros, que eram comentados por outros colunistas nas páginas seguintes sem o mesmo sensacionalismo, mas que demonstravam bem o teor de verdade que o artigo dela continha.

Lia e relia os artigos, anotando num pergaminho ao lado qualquer fato que lhe chamava a atenção e que coubesse dentro de um padrão lógico que pretendia seguir. Chegou até a se emocionar com alguns artigos e, vez por outra, pensava nos pais quando alguma das atrocidades que estavam ali relatadas teimava em formar imagens na sua cabeça com os personagens sendo substituídos por eles, por seus vizinhos e até mesmo por si própria. Os olhos já marejados deixaram escorrer as lágrimas quando leu sobre os pais de Harry.

O artigo que lia agora era uma matéria sobre uma série de julgamentos ocorridos ao fim do comando de Você-Sabe-Quem. Após o final da guerra, vários personagens foram apresentados como réus. Havia pessoas que Hermione nunca ouvira falar antes e nem gostaria mesmo de ter conhecido. Um sobrenome chamou-lhe a atenção: Black. Passando rapidamente os olhos pelo artigo, Hermione viu uma menção ao fato de Sirius não ter sido julgado pelo fato de dezenas de testemunhas afirmarem o que viram. Hermione, que já conhecia a história, pulou para o exemplar seguinte, e dessa vez, foi o horror que fez seus olhos se arregalarem e seu estômago querer mandar de volta o jantar.

“Agente duplo ou Comensal da Morte?”

“Hoje à tarde, o Departamento de Mistérios do Ministério da Magia em Londres será palco de um dos mais aguardados julgamentos pós-guerra. Severo Snape, o mais novo contratado para lecionar na milenar Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, será julgado por atos de torturas contra trouxas e mestiços enquanto servia a Você-Sabe-Quem. Testemunhas trouxas assinaram testemunhos antes de suas memórias serem alteradas atestando que Snape estava presente em alguns dos poucos ataques à comunidade trouxa em que houve sobreviventes. O depoimento de Igor Karkaroff, Comensal da Morte confesso, que para diminuir sua pena concordou em entregar alguns nomes importantes de comparsas seus, também foi decisivo para que o julgamento de Severo Snape acontecesse. Algumas de nossas fontes, no entanto, asseguram que não ocorrerá nenhuma condenação ao perigoso bruxo agora que ele é um dos protegidos de Alvo Dumbledore, Cacique Supremo da Confederação Internacional dos Bruxos. O atual Diretor de Hogwarts, que é o advogado de defesa de Snape, pode muito bem usar toda sua influência sobre os outros bruxos do júri para absolver o Comensal da Morte que, segundo o diretor, atuava sob suas ordens, espionando Você-Sabe-Quem. Quanto a nós, pobres bruxos que sofremos as atrocidades cometidas por mais esse protegido de Dumbledore, nada poderemos fazer além de assistirmos a essa injusta barbaridade que o poder da influência proporcionará.”


Hermione não saberia dizer quanto tempo se deixou ficar na biblioteca; seus olhos passavam pelos parágrafos relendo-os, e ela simplesmente não conseguia pensar numa reação àquela informação. Só podia sentir que algo havia se quebrado em seu coração, bem no lugar onde morava o sentimento que sentia por ele. Também não saberia dizer se o que se quebrou foi pelo fato de saber que no passado ele tinha cometido tamanhos atos infames ou se era porque ela se aproximara tanto dele naquela mesma época que poderia facilmente ter sido uma de suas vítimas.

Lembrava-se perfeitamente que ele havia se referido a ela como uma sangue-ruim, e além do mais, ele era sonserino. Sonserinos costumavam ser ensinados a praticarem a Arte das Trevas desde o berço, isso era fato. E se na mesma época em que ela viajou ao passado ele já fosse um aprendiz de Comensal da Morte e tivesse apenas se aproximado dela para atraí-la para uma armadilha? Sua espinha gelou ao imaginar o que poderia ter lhe acontecido se tivesse viajado no tempo mais vezes, podia ter sido até mesmo apenas mais uma vez. Snape deve ter percebido o quanto ela estava envolvida quando se beijaram no campo de quadribol e poderia ter tramado com seus companheiros para apanhá-la na próxima vez que se encontrassem.

– Já passa das nove, Srta. Granger. – A voz de Madame Pince assustou Hermione, que estava perdida em pensamentos. – Eu arrumo essa bagunça, querida, pode ir embora.

Hermione ainda remexeu na pilha de Profetas Diários e apanhou o exemplar da data seguinte a do julgamento, mostrou-os a Madame Pince indicando que os levaria, e a bibliotecária apenas assentiu com a cabeça. Recolhendo seus próprios livros, a aluna seguiu em direção à sala comunal da Grifinória. Após passar do buraco do retrato, jogou-se na poltrona mais próxima aos amigos e continuou com suas divagações sobre o que acabara de ler, enquanto Harry e Rony discutiam algum assunto que ela nem conseguia ouvir direito.

Minutos depois, Neville chegou na sala comunal com um colapso nervoso e foi somente por esse motivo que Hermione saiu de seu torpor e foi ajudá-lo. Ele murmurou por entre os soluços que Snape o fizera destripar uma barrica de iguanas. Hermione executou o feitiço de limpeza nas unhas de Neville e pôde notar que suas mãos também tremiam. Conseguia disfarçar isso somente pelo fato das mãos do garoto tremerem mais ainda enquanto ela as segurava.

Seu sangue fervia em constatar agora o real motivo pelo qual Snape odiava os alunos da Grifinória. Era a turma onde havia mais nascidos-trouxas, incluindo ela mesma nesta porcentagem, e também havia muitos mestiços – o próprio Harry, o adolescente mais conhecido do mundo bruxo, era um deles. Seria esse o verdadeiro motivo de tamanho ódio de Snape por Harry? Se o que os Comensais da Morte buscavam era fama quando garotos, agindo como maléficos, podia Snape odiar Harry porque ele apenas precisou nascer e nem tinha consciência de quem era quando seu nome se tornara conhecido?

“– Ah sim, Harry Potter. A nossa nova celebridade.” – Essa foi uma das primeiras frases ditas por ele em relação ao garoto na primeira aula de Poções que assistiram. Seria por inveja? Essa não parecia atitude de um homem. Se estivesse pensando essas coisas sobre Draco Malfoy, seriam muito mais aceitáveis, mas com relação a Snape...

– Hermione, o que você tem? – Harry cutucou-a por debaixo do livro que ela tinha aberto sobre o colo. Era a terceira vez que fazia a mesma pergunta, e ela nem o vira.

Quê? – ela respondeu assustada, massageando o local onde Harry batera.

– Estamos falando sobre o Snape, você também notou que ele parece ter medo do Moody? – Harry repetiu pela quarta vez. – Você está em que planeta?

– Lógico que sim, Harry. O Prof. Snape era um... – Hermione interrompeu a frase no meio, medindo as conseqüências do que podia revelar. Os garotos continuaram encarando-a, esperando por uma resposta. – Não... eu não acho que ele tenha medo do Prof. Moody.

– O que ia dizer? O Snape era um o quê? – insistiu Harry. – E por que mudou de opinião no meio da resposta?

– Nada, Harry, eu não acho que ele era nada, confundi a resposta da sua pergunta com o que eu estava lendo no livro – defendeu-se Hermione –, e quanto ao fato dele ter medo ou não do Prof. Moody, eu apenas acho isso. Não era só uma opinião que vocês queriam? Ou o que eu responder será interpretado como verdade absoluta? – desafiou ela.

Os garotos entreolharam-se.

– Calma, Hermione, não estamos quebrando regras só por falar que o Snape tem medo de alguém – Rony interveio. – Nós só achamos que ele parece pisar em ovos com relação ao Moody.

– Pois então vocês deviam pensar melhor no que ficam cogitando. Se vocês saírem por aí afirmando aos quatro ventos que uma pessoa tem medo de um auror, vai parecer que estão novamente acusando o Prof. Snape de ser maléfico, fato esse que vocês já fizeram por diversas vezes e que sempre acabou lhes mostrando que vocês estavam errados. Então, eu simplesmente acho que essa conversa não vai levar a lugar algum – concluiu a garota, já se levantando e apanhando suas coisas. – Se eu fosse vocês, aproveitariam suas noites com algo mais produtivo. Até amanhã pra vocês, tenham uma boa noite.

Os garotos responderam ao boa-noite de Hermione e acompanharam com o olhar ela subir as escadas que davam acesso ao dormitório feminino. Assim que percebeu que não podia ser ouvido, Neville quebrou o silêncio:

– O que deu nela?

– Nada Neville, ela sempre defende o Snape. Sorte sua que nós só a chateamos depois dela ter lhe ensinado o feitiço de limpeza, senão as tripas de iguanas ainda estariam nas suas unhas – disse Rony, e Neville assentiu amargurado. Nenhum deles notou Harry com o pensamento perdido e os olhos postos na escada por onde Hermione desaparecera.

Hermione agradeceu por Parvati e Lilá não estarem no quarto quando ela chegou. Jogou-se na cama e folheou o livro que estivera em seu colo na sala comunal. Dentro dele estavam os antigos exemplares do Profeta Diário que trouxera da biblioteca. Encontrou rapidamente a notícia que procurava e, após uma breve leitura das linhas, soube que Snape havia sido absolvido das acusações. Segundo a notícia, Dumbledore conseguira convencer os jurados de que a memória dos trouxas estaria confusa logo após os ataques e também de que os Comensais da Morte usavam máscaras, fato que tornava impossível saber quem estaria por trás delas. Este argumento conseguiu convencê-los, juntamente com relatos de alguns companheiros de Dumbledore que formavam uma organização secreta de combate às forças de Você-Sabe-Quem denominada Ordem da Fênix, que afirmaram ter conseguido frustrar alguns dos ataques a trouxas com informações trazidas por Snape. Havia ainda nas páginas seguintes alguns protestos de leitores assíduos de Rita Skeeter que afirmavam que a absolvição do Comensal era injusta.

Hermione largou o jornal de lado e virou-se encolhida na cama. Uma lágrima teimosa molhou seu travesseiro e trouxe muitas outras consigo. Seu coração não conseguia se perdoar por ter acreditado no que viveu no passado; ela não podia imaginar nada do rumo que Snape poderia ter tomado na vida apenas pelo que via dele hoje e pelo pouco que viu na viagem no tempo, mas não conseguia parar de se culpar por ter se aproximado dele, por gostar dele, por tê-lo tocado, beijado, e por desejar tê-lo junto de si, e o que era pior, por não conseguir esquecê-lo.

Abraçou seu travesseiro com força e chorou todas as mágoas que estavam lhe sufocando. Bichento pulou para o colchão e esfregou-se na dona como se estivesse entendendo o quanto ela estava sozinha e quisesse passar seu calor para confortá-la. Hermione acariciou a bola de pêlos laranja e deixou que os sentimentos escorressem por seus olhos. Já havia lido uma vez que era apenas uma linha finíssima que separava o amor do ódio. Talvez se ela conseguisse reunir dentro do seu coração a força de todas as injustiças que Snape já despejara sobre ela e seus amigos e somasse-as à maldade que ele dirigiu aos trouxas que viveram no passado, relatadas naqueles jornais, ela conseguiria transpassá-lo e passar a odiá-lo. Mesmo com a idade ainda tão prematura, ela sabia o quanto o sofrimento mudava as pessoas e também os sentimentos.




Era trinta de outubro, o tempo esfriara bastante e todos os alunos de Hogwarts estavam enrolados em suas capas, postados na entrada do castelo aguardando a chegada das delegações de Beauxbatons e Durmstrang. Após alguns momentos de espera, cada uma das delegações chegou de uma forma espetacular. A primeira vinda numa carruagem guiada por enormes cavalos voadores, e a outra trazida por um navio que simplesmente saiu de dentro do lago. Se o objetivo das outras escolas era impressionar, tiveram muito êxito.

Rony, porém, estava abobado por um motivo que eriçava os nervos de Hermione, por considerar uma tamanha estupidez.

– Krum. Harry! Vítor Krum!

– Pelo amor de Deus, Rony, ele é apenas um jogador de quadribol – disse a garota.

– Apenas um jogador de quadribol? – exclamou Rony, olhando para a amiga como se não pudesse acreditar no que ouvia. – Mione, ele é um dos melhores apanhadores do mundo! Eu não fazia idéia de que ele ainda estava na escola!

Hermione não conseguia conceber o tamanho do alarde não só de Rony, mas também dos outros garotos da escola, e principalmente das garotas. Parecia que apenas os nascidos-trouxas não o idolatravam. Ao menos alguma coisa naquela noite a deixou gratamente feliz: o jantar, que trouxe uma deliciosa iguaria francesa. A comida a arremeteu de volta às férias que curtira com os pais no verão retrasado, na França. Parecia ter sido há tanto tempo, tanta coisa havia em sua cabeça e em seu coração desde aquela maravilhosa visita a Paris. Hermione suspirou e voltou sua atenção ao prato; não valia a pena voltar a pensar no que a perturbava.

Após o banquete, Dumbledore descreveu detalhadamente as regras do Torneio e apresentou a todos o Cálice de Fogo, juiz imparcial que decidiria o nome dos três campeões que disputariam a taça de vencedor do Torneio Tribruxo. O trio da Grifinória se encaminhou para a saída, e chegaram à porta no mesmo instante que a delegação de Durmstrang. Durou apenas um instante a parada de Harry para que a delegação passasse e Karkaroff o reconhecesse.

Hermione suspirou, devia ser extremamente incômodo ser famoso. Olhou ao seu redor e notou Vítor Krum claramente angustiado. Seus olhares se cruzaram, e por alguns segundos, ele não desviou o olhar do seu. Hermione observou a mesma carranca que o pôster na Copa Mundial mostrara, e as mesmas sobrancelhas que pesavam-lhe o olhar. Mas esse pesar não atingia seus olhos. Eles traziam um calor dentro deles que conseguiu apregoar os olhos de Hermione aos dele. Eram de um castanho profundo, quase negros, e brilhavam vividamente como as tochas tremulantes acima deles. Uma suavidade em sua expressão desmontou um pouco seu rosto fechado, e Hermione sentiu uma cócega suave incomodar seu estômago.

Somente desprenderam os olhares quando Hermione sentiu uma mão puxá-la e notou alguns segundos depois que era Harry quem a arrastava em direção às escadas que os levariam à sala comunal.

– Vocês viram a cara dele? – perguntou Harry aos outros dois.

– Vi – respondeu Rony. – A mesma que o Snape faz quando olha para o Moody.

– A cara de quem? – Hermione procurava entrar no assunto e desviar sua mente daquele olhar.

Harry olhou-a divertido.

– Seria bom você voltar a ficar com a gente, Hermione. Agora só anda no mundo da lua! Não esqueça que é o cérebro disso aqui; se você falhar estamos fritos.

Rony riu do gracejo, e Hermione sorriu sem graça, suas bochechas corando ligeiramente.

– Eu estava distraída imaginando o que Fred e Jorge pretendem fazer para driblar a faixa etária. Vou adorar vê-los se dar mal.

A desculpa pareceu convencer os garotos, e os três se divertiram imaginando qual seria a punição de Dumbledore para os que tentassem burlar o cálice. Vindo dele, com certeza seria algo bem divertido.




Quem serrá ela?

Vítor Krum sorria sem perceber enquanto olhava a paisagem da Escócia, visão ainda mais bela quando estava no alto do navio. O vento frio da gelada manhã do dia primeiro de novembro batia em seu rosto enquanto ele pensava na garota que esbarrara no dia da chegada a Hogwarts.

Hogwarts estava se mostrando uma escola de magia muito mais interessante que a sua. O castelo era bem mais acolhedor que o de Durmstrang, e as divisões por Casas foram o que ele particularmente mais gostou quando precisou procurá-la no meio de tantos alunos. Conseguira notar as cores estampadas na gravata dela e só precisou olhar na mesa destinada aos alunos daquela Casa. Um fato ainda mais notório o ajudara: ela parecia ser muito próxima a Harry Potter, uma celebridade assim como ele, fácil de se destacar no meio das pessoas “normais”. Se ele era a sensação entre os alunos de Hogwarts, Potter era a dos alunos de Durmstrang, e encontrá-lo era extremamente fácil.

Durante o jantar da noite passada, ele a observara um bom tempo, sempre nos momentos em que o diretor da sua escola, Igor Karkaroff, não estava lhe enchendo de conversas sobre sua expectativa de que ele fosse o campeão de Durmstrang. Embora o ar de impaciência fosse palpável nos rostos dos alunos, ele conseguira vê-la sorrir por umas duas vezes, enquanto conversava com os amigos. Ainda tentava descobrir o que o encantara tanto nela. Sinceramente, ela não preenchia os requisitos de beleza ditados pela sociedade, mas parecia que mantinha uma áurea de simplicidade que a tornava especial, e isso impreterivelmente o atraía.

Seu olhar recaiu sobre o jardim, e ele notou a figura familiar de Harry Potter acompanhada da inseparável amiga. Eles pareciam conversar seriamente enquanto comiam alguma coisa que ele trazia nas mãos. Um gosto meio amargo subiu pela garganta de Krum enquanto os observava caminharem devagar. Serrá que eles erram mais que apenas bons amigos? Porr que parreciam ton mais prróximos que seus outrros colegas de escola?

Eram perguntas que precisavam de respostas rápidas. Eram poucos os momentos que Krum agradecia por ser famoso, este era um deles. Já notara duas garotas irritantes da Casa vermelha e dourada que o perseguiam por onde ia. Juntando um pouco de forças, colocou a timidez de lado e foi dar uma volta dentro do castelo; era hora de puxar assunto.

Não precisou andar muito pelo castelo para que as referidas garotas o encontrassem. Apesar de seu jeito tímido e introspectivo, um bom aluno de Durmstrang – escola famosa por exaltar a Arte das Trevas – sabia muito bem usar de artimanhas para obter o que queria. E não precisou se esforçar tanto, lançou apenas um de seus melhores olhares sedutores e elas se aproximaram de bom grado. Muito fácil.

– Holá, meninas!

Krum ouviu risadinhas como resposta e segurou-se para não revirar os olhos.

– Olá! – responderam ambas entre os risos.

Uma delas – a mais assanhada das duas – ele anotou mentalmente – tirou um pergaminho do bolso das vestes e um batom, estendendo-o para que assinasse.

– Lilá Brown, adoraria se escrevesse com amor no início – disse a garota com uma voz fina.

Vítor forçosamente deu-lhe mais um de seus sorrisos.

– Non ton rrápido, Srta. Brrown. Nós poderríamos converrsarr melhorr encuanto me aprresenta sua escola? Eu ainda non tive tempo de conhecerr bem as marravilhas deste castelo.

Pôde ouvir novas risadinhas, e cada uma das garotas se apossou de um de seus braços.

– Prazer, Sr. Krum, sou Parvati Patil – disse a mais morena das duas. – Que tal começarmos pela apresentação das divisões por Casas? Não pudemos deixar de notar que sua delegação sempre se se senta à mesa da Sonserina, o que não é nada bom.

Vítor notou um olhar repressor de sua companheira à esquerda, que sequer deu resultado, pois a garota continuou sua explanação ressaltando as qualidades de todas as Casas, menos as da Sonserina, é claro. Exaltou tanto a sua própria que se Krum não tivesse o mínimo de conhecimento possível sobre a história de Hogwarts pela única vez que leu Hogwarts: uma história, passaria a odiar a Grifinória.

– Oh, sim, garrotas... Eu tive o prrazerr de conhecerr um pouco das belezas de sua Casa, afinal Harry Potter estuda lá, non é? Vocês se don bem?

– Mas é claro! Entramos no mesmo ano na escola, somos muito próximas dele – respondeu Lilá. – Fazemos alguns deveres juntos, conversamos bastante e nos revezamos em sentar ao seu lado no café da manhã alguns dias da semana. Por falar nisso... Parvati, você viu o Harry no Salão Principal? Ele praticamente fugiu da festa da Grifinória ontem e ainda não falamos com ele sobre como foi que ele conseguiu fazer sua inscrição no torneio.

– Eu o vi – respondeu Krum, antes que Parvati pensasse em responder. – Ele estava passeando nos jarrdins, crreio eu, com sua namorrada.

As duas soltaram risinhos.

– Namorada? O Harry Potter? Por acaso fala de uma garota de cabelos castanhos revoltosos? – soltou Lilá.

Vítor acenou afirmativamente com a cabeça.

– Não é a namorada dele, nós nunca soubemos do interesse de Harry por ninguém em especial. Aquela que você viu é a sua melhor amiga, Hermione Granger. É outra que não se interessa por uma alma sequer, só vive enfurnada na biblioteca, parece mais uma traça de livros.

As duas voltaram a sorrir, e Vítor se deu por satisfeito, apanhou das mãos de Lilá o pergaminho com batom e assinou seu nome. Como pedido por ela, escreveu o “com amor” e ainda piscou sedutoramente enquanto se afastava deixando as duas suspirando no meio do corredor que dava acesso ao Salão Principal.

Que torrtura aquelas duas son – pensou o campeão de Durmstrang. Mas aturá-las lhe deu o êxito desejado, já sabia onde procurar, e o que era ainda melhor: não havia ninguém em seu caminho. O mais difícil agora seria pronunciar aquele nome tão complicado.




O tempo esfriou cada vez mais à medida que os dias de novembro transcorreram. Severo Snape surpreenderia qualquer um que o perguntasse sobre algo que o dava prazer; sua resposta seria imediata e quase com um esboço de sorriso nos lábios: o inverno.

Sim, ele quase o idolatrava. A justificativa da resposta? Eram quatro horas da tarde de um sábado gelado, e o diretor da Casa Sonserina encontrava-se tranqüilamente sentado em sua escrivaninha, bebericando uma fumegante xícara de chá enquanto analisava alguns pergaminhos. Esse tempo livre só poderia ser concedido por ele, o motivo de sua admiração, o inverno.

O frio que ele trazia consigo espantava os irritantes alunos dos corredores e forçava-os a enterrarem-se em suas poltronas preferidas o mais próximo possível da lareira de suas salas comunais. O castelo reinava tranqüilo e os diretores de Casas podiam se dar ao luxo de descansarem.

Uma batida na porta desviou sua atenção dos pergaminhos, e com um aceno quase imperceptível da varinha em direção a porta, ela se abriu, dando passagem ao zelador de Hogwarts, acompanhado de sua inseparável gata.

Filch aguardou alguns minutos até que Snape rabiscasse o pergaminho que estava lendo. Organizou os papéis na mesa e indicou que o homem sentasse à sua frente.

– Professor, o senhor me pediu há alguns anos, e sempre me lembra disso, que assim que soubesse de qualquer fato que achasse ser do seu interesse, viesse imediatamente comunicá-lo.

Snape não respondeu, apenas fitou mais intensamente o zelador, que desviou o olhar rapidamente.

– Acontece que ontem à noite enquanto estava jantando na companhia de Madame Pince, ela me relatou algo que acredito ser de sua inteira competência.

– Jantava com a bibliotecária? – Snape levantou uma sobrancelha e, divertido, percebeu o zelador corar furiosamente. – Continue, Filch.

– Todos os professores estranharam a inclusão do nome de Potter no Cálice de Fogo para ser um dos campeões do Torneio Tribruxo, e o próprio Diretor pediu que dobrássemos a atenção para quaisquer atitudes suspeitas.

Snape prestou mais atenção ao que o zelador falava a partir daquele ponto; alguma coisa lhe dizia que sua paz de espírito pela chegada do inverno se evaporaria completamente após esta conversa.

– Ela comentou sobre uma aluna de Hogwarts que pesquisava minuciosamente em vários exemplares antigos do Profeta Diário informações sobre Comensais da Morte.

Snape gelou por dentro, embora seu rosto não deixasse transparecer o mínimo traço de sua alteração emocional. Afastou-se do encosto da cadeira, e seus olhos brilharam perigosamente em direção ao zelador.

– O que quer insinuar ao dizer que é de minha inteira competência estudos sobre Comensais da Morte, Filch?

O zelador torceu as mãos nervosamente.

– Nada, senhor... E-eu só achei que o senhor gostaria de saber sobre esses fatos porque a aluna em questão emprestou da biblioteca dois exemplares do jornal. – Filch meteu as mãos no bolso do casaco rapidamente e sacou os dois exemplares amarelados do Profeta Diário.

Snape praticamente os tomou da mão dele, e seus olhos não precisaram ler as matérias, as pequenas datas no canto direito do jornal já lhe revelaram o porquê Filch tinha lhe trazido esta informação. Os olhos de Snape voaram do jornal de volta ao zelador; uma fúria crescente podia se ver dentro deles. O zelador não esperou pela pergunta para se levantar da cadeira num salto.

– Quem? – Quase não se podia ouvir a voz do mestre de Poções, e todos sabiam que quanto mais baixo seu tom de voz estivesse, mais ódio estava impregnado nela.

– Hermione Granger, quarto ano da Grifinória, a amiga do Potter. – O zelador disse tudo muito rapidamente e fez um breve aceno de cabeça, saindo das masmorras quase voando.

Snape apertou os punhos com força. Levantou-se nervosamente da cadeira e caminhou em círculos no meio do escritório, tentando extravasar o que estava sentindo. Era uma raiva fenomenal que o assomava. Se o responsável por manter exemplares daqueles conteúdos numa biblioteca – dando acesso àquelas informações a qualquer um – aparecesse em sua frente, ele o estrangularia com seus próprios dedos.

Poucos eram os alunos de Hogwarts que sabiam o que ele fora no passado. A comunidade bruxa o deixara em paz após as palavras de defesa de Dumbledore e o fim da guerra. Somente ex-companheiros seus da época em que participara daquele círculo ainda o tinham em mente como o Comensal que fora, e isso não era assunto para ser discutido com a família nos dias de paz em que viviam. Podia apostar sua pequena fortuna pessoal que, na geração que ensinava em Hogwarts, apenas Malfoy e outros poucos alunos da própria Casa Sonserina conheciam este fato.

E ela – pensou com raiva. – Ela agora também sabia.

Maldita grifinória intrometida. Não foi suficiente ele tê-la mandado esquecê-lo? Por que diabos ela tinha que ficar vasculhando sua vida? Será que ele não fora suficientemente duro com ela?

Eu disse que você falou muito suave – sua consciência o acusava. Snape balançou a cabeça, espantando aquela voz estúpida que o condenava.

O que será que passou pela cabeça dela ao saber que ele servira ao Lorde das Trevas? Medo? Decepção?

– Mas o que diabos estou pensando! – Rangeu furiosamente os dentes. – Maldição!

Respirou fundo, tentando recobrar o controle; seus pés o levaram ao sofá, onde jogou-se pesadamente. Seu coração batia acelerado pelo acesso de raiva repentino, e seus olhos se desfocaram enquanto imagens guardadas em sua memória refletiam diante dele.

Apenas seu nome, Tére. Quero chamá-la assim quando nos encontrarmos lá na frente. – Os olhos castanhos o olhavam com um olhar tão apreensivo que lhe apertava o peito.

– ...Her-mio-ne – ela gaguejou ainda o fitando. – Hermione Granger.

Sentiu sua própria mão involuntariamente subir até o rosto dela e afastar uma das mechas indomáveis do seu cabelo. Admirou-a fechar os olhos quando sua mão encostava na pele dela e sentiu um leve tremor arrepiar seu corpo.

Suas mãos não obedeciam aos comandos de seu cérebro, e seus dedos saíram da bochecha e contornaram lentamente os lábios rosados dela. Hermione abriu os olhos devagar, e seu olhar se encontrou com o dela. Que poder era esse que aqueles olhos cor de mel e tão absurdamente brilhantes tinham sobre sua mente? Seus lábios se entreabriam para provar o som daquele nome tão único. Sentiu-a tremer sob seus braços.

Ele próprio não pôde mais adiar o momento e procurou desesperadamente prová-la. Já havia beijado outras garotas antes, mas a onda de calor que atravessou seu corpo e concentrou-se em seu ventre foi uma sensação que nenhuma delas havia despertado em si. Ficou tão envolvido por aquelas emoções, que sentiu a necessidade de chamá-la novamente pelo seu nome antes de reiniciar o beijo, lento e intenso, como se ele precisasse disso para viver. Abruptamente, sentiu-se empurrado por aquelas mãos pequenas.

- Não! Nós não... – As lágrimas começaram a descer pelo rosto dela antes que pudesse evitar. – Snape, nós não...


Será que ela o deixaria beijá-la daquela forma se soubesse o que ele havia sido? Com certeza não. Era um condenado a ser perseguido pela sombra de seu passado; Hermione Granger não era o tipo de pessoa que se envolveria com um assassino, traidor e fraco.

– Está louco, seu verme?! – gritou com si mesmo. – O que diabos está pensando?!

Levantou-se furiosamente do sofá, indo em direção ao seu armário, alguns frascos na frente do objeto de sua procura foram atirados no chão e espatifaram-se em milhares de pedacinhos. Apanhou três pequenas garrafas guardadas mais atrás na prateleira e, o mais rápido que conseguiu, arrancou aquelas imagens da sua memória tapando-as lá dentro. Era uma idéia abominável manter aqueles momentos dentro de si e ficar suspirando por eles.

Ela é uma aluna! Sua aluna!

Se Hermione Granger alimentava esperanças com relação a ele e descobrira mais sobre sua vida, não era seu problema, era dela. Pouco importava o que ela sentira ao descobrir; era assim que ela o veria dali por diante, afinal isso era o que ele era, um sórdido ser humano que servira a um mestre que perseguia a raça da qual ela veio. Nenhuma lembrança de um mal entendido que acontecera há mais de quinze anos mudaria o que havia se tornado. E se ela desejou sabê-lo, ele, Severo Snape, a faria senti-lo.




Nos dias que sucederam a conversa de Snape com Filch, o mestre de Poções triplicou sua dose de implicância com a turma da Grifinória. Ainda faria uma semana da descoberta do fato da insuportável ter vasculhado seu passado, e Snape caminhava em direção à sala de aula de Poções quando gritos e risos o alcançaram. Apertou mais o passo e alcançou o conglomerado de alunos à porta da sala.

– Que barulheira é essa? – perguntou com a voz suave e letal.

A gritaria alcançou seus ouvidos quando os alunos de sua Casa tentavam explicar o ocorrido. Apontou Malfoy e ordenou que explicasse.

– Potter me atacou, professor...

– Atacamos um ao outro ao mesmo tempo! – gritou Potter.

– ... e ele atingiu Goyle, olhe...

De relance, Snape visualizou o rosto de seu aluno que mais parecia uma plantação de cogumelos venenosos.

– Ala hospitalar, Goyle – respondeu calmamente.

– Malfoy atingiu Hermione! – a voz insuportável do Weasley alcançou seus ouvidos. Virou-se para a aluna e olhou-a com frieza; Malfoy devia tê-la atingido com o feitiço Densaugeo, e os dentes da frente dela cresciam muito rápido. A voz de Filch ecoou em sua cabeça: “Hermione Granger, quarto ano da Grifinória, a amiga do Potter”. Seus olhos brilharam com crueldade; era a oportunidade perfeita.

– Não vejo diferença alguma – respondeu seco.

Pôde ouvir o lamento que escapou da boca dela e ver os olhos dela se encherem de lágrimas antes dela dar meia volta e desaparecer pelo corredor.

E foi uma sensação absurdamente maravilhosa. Um prazer muito maior do que o que o inverno lhe proporcionava. Foi quase um orgasmo.




N/A: Esse saiu rapidinho, hein? Espero que gostem. Aqui lhes apresento o beijo do casal pela ótica do Snape e uma das frases da história original que me fez querer matá-lo! Sevie cruel! Mas espero que a explicação esteja à altura. Reviews são sempre bem vindos! Beijão!

Os seguintes diálogos foram retirados da história original:
– Krum. Harry! Vítor Krum!
– Pelo amor de Deus, Rony, ele é apenas um jogador de quadribol.
– Apenas um jogador de quadribol? – exclamou Rony, olhando para a amiga como se não pudesse acreditar no que ouvia. – Mione, ele é um dos melhores apanhadores do mundo! Eu não fazia idéia de que ele ainda estava na escola!
– Que barulheira é essa? – perguntou com a voz suave e letal.
– Potter me atacou, professor...
– Atacamos um ao outro ao mesmo tempo! – gritou Potter.
– ... e ele atingiu Goyle, olhe...
– Ala hospitalar, Goyle – respondeu calmamente.
– Malfoy atingiu Hermione!
– Não vejo diferença alguma – respondeu seco.

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