Os espinhos das Tradições

Os espinhos das Tradições



Cap.18 Os espinhos das tradições
By Surviana




Aviso: Todas as personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor deste texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JKR.

Por favor, não me processem! Só peguei emprestado para me divertir e divertir os outros!





O vento quente de verão balançava as copas das árvores mais ao fundo da paisagem negra. Uma bela lua cheia ocupava a negritude do céu e banhava de prata o vasto campo. Mais cedo, antes de tudo enegrecer, algumas estrelas teimosas tentaram quebrar o reinado da lua, mas o majestoso satélite natural venceu, e todos os outros botões de brilho se apagaram, deixando-a reinar imponente no firmamento.

Porém, parecia que nada disso havia se modificado para a figura solitária sentada à beira dos degraus do pequenino chalé. Para ele tanto fazia se o céu clareasse, escurecesse, explodisse até. Uma existência como a dele simplesmente não apreciava milagres, fossem eles da natureza ou das pessoas. Fé: apenas uma droga de sentimento inventado por pessoas que queriam ser endeusadas. Esperança: mais uma na imensa lista de invenções sentimentalista para fugir da realidade. Ele gostaria de ver essas pessoas pregarem esses sentimentos diante de uma realidade como a dele e não como a de príncipes que sofrem por um simples corte no dedo, onde violência significava briga de garotos na escola e morte significava que seu desenho animado predileto não passaria mais na TV.

Qual palavra o descreveria, então? Talvez ele devesse escrever um livro sobre o que é realmente ter uma subvida, sobre como identificar possíveis traços de uma existência permanentemente em desgraça. Talvez, em apenas um único capítulo, ele conseguisse descrever a infância, antes dela se tornar repetitiva com apenas humilhações e espancamentos, sofridos pela sua mãe e por si próprio, pontuada por um ensaio de uma admiração que talvez preenchesse o auge do livro quando se transformasse em um dos assassinatos que presenciou mais tarde. Partiria então para os capítulos mais emocionantes, onde descreveria a magnitude de sua adolescência. Sofreria preconceitos, seria perseguido por ser introspectivo, sentiria o ódio bem de perto queimando por cima de si mesmo e conheceria o personagem principal da mudança completa da sua vida. Então viriam as torturas, provas de isolamento, perseguição, mais discriminação e insegurança, até o pulo que ele próprio não viu que deu até sua vida adulta – essa sim, marcada pelas sombras e pela derrota. Sim, ele gostaria muito de saber o nome dos sentimentos que esses falsos heróis conseguiriam associar a cada uma dessas experiências.

Mas o que ele gostaria sim neste momento era de não voltar mais a Hogwarts, ficar longe daquelas lembranças amargas que aquele castelo lhe trazia. Era uma pena que ele estivesse destinado a sempre conviver com cada um dos seus erros por anos a fio. Poderia ficar ali com ela, absorvendo o silêncio da sua companhia; poderia sentar ao lado de sua cama e apenas esperar o fim de suas existências. Com um pouco de sorte, elas poderiam ter fim juntas, assim como sempre estiveram desde o que aconteceu naquela trágica noite muitíssimo distante no tempo.

O problema era simplesmente aquele velho manipulador. Obviamente não aceitara sua demissão e obrigara-o a retornar no próximo ano letivo e a encarar a verdade absoluta de mais um dos seus erros, personificado numa forma minúscula e absurdamente irritante. Snape se mexeu desconfortavelmente nos degraus ao lembrar de que faltavam poucos dias para que as férias de verão terminassem e ele tivesse novamente que ver a garota dos olhos brilhantes que desejou por anos que voltasse para ele. Era engraçado o fato dele não ter imaginado que ela só poderia voltar na forma de um de seus medos mais obscuro. Era sempre assim, não havia de ser diferente com ela. Deveria ter se preparado para o que viria e não ter dado asas àquela ilusão idiota de vê-la de novo.

Então, graças ao seu velho amigo e superior na hierarquia da Escola de Hogwarts, ele voltaria e ficaria lá, impassível, talvez aumentando a carga de desprezo pelo trio da Grifinória. Esvaziar os rubis da ampulheta da Casa vermelha e dourada talvez lhe divertisse o suficiente para fazê-lo esquecer. Não pôde conter um riso de escárnio de si mesmo. Passou anos de sua vida desejando lembrar, e agora que conseguira, seu principal e desesperado objetivo era esquecer, o que não seria difícil: só precisava fechar sua mente e bloquear aquelas lembranças inúteis que continham a presença dela, e isso ele sabia fazer com perfeição. Não ver o que desejava ocultar ajudaria bastante. Um suspiro escapou de seus lábios, e ele apanhou o copo de bebida esquecido há muito junto de si. Pelo menos um lado bom havia nisso: a presença dela se restringia apenas aos momentos necessários, ou seja, as aulas. Um pouco de sorte ajudaria a não ser mais que nesses momentos; nada de Basiliscos ou acidentes com poções, Severo torcia.

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Vítor Krum estava debaixo das cobertas do hotel bruxo Meerzorg, na capital do Suriname, país da América do Sul, onde disputara um amistoso com a seleção nacional na fase preparatória para a final da Copa Mundial de Quadribol que estava por se realizar. Ele admirava havia cerca de meia hora a forma abaulada do teto do quarto.

A partida acabara há algumas horas, e sozinho em sua suíte, ele tentava em vão encontrar-se com o tão desejado sono. Do alto de seus dezoito anos, Krum pensava no sucesso obtido tão rapidamente como jogador de quadribol e em todas as coisas boas e ruins que ele trouxera consigo.

O ponto principal de sua insônia era a foto estampada no jornal da cidade bruxa, consagrando-o um fenômeno mundial e ídolo de milhares de apreciadores do quadribol, com destaque ao fato dele ser a personalidade jovem mais desejada pelas bruxas adolescentes ao redor do mundo, o que não deixava de ser uma verdade, Vítor sabia, mas a realidade era outra. Todas aquelas garotas eram apenas parte de seu público – um público que apreciava suas habilidades como jogador, sua fama, seu dinheiro –, e ele tinha certeza que a nenhuma delas interessaria saber qual era o seu livro preferido.

A sua juventude lhe cobrava aquela “garota dos sonhos”. Aquela garota que todos os jovens normais da sua idade já haviam encontrado, a maioria deles sem nem ao menos perceber. Uma menina que lhe enfeitiçaria tão profundamente sem ao menos recitar algum encantamento, mas de tal modo que lhe deixaria indiferente à sua própria vida e a seus próprios interesses. Ela teria o poder de arrancar da sua expressão sempre carrancuda sorrisos espontâneos e sinceros por motivos absurdamente patéticos. Despertaria seu ciúme quando olhasse em qualquer direção que não fosse a sua e que o deixaria por horas incontáveis sem fazer nada, apenas pelo prazer de ficar ali e admirá-la. Enfim, sua jovialidade lhe cobrava o ligamento dos fenômenos químicos entre seus hormônios, que uma pessoa pode desencadear em outra com um simples toque, gesto ou palavra.

As poucas ficadas que teve não despertavam um terço das sensações que a explosão desses hormônios podiam lhe proporcionar, e eles agora lhe cobravam isso com urgência. Metade da culpa dessa sua estagnação era causada por sua própria timidez, que lhe impedira de tomar a frente em situações que poderiam lhe render um belo romance. Os outros cinqüenta por cento eram causados pela falta de inteligência das garotas com quem se envolvera, que somente demonstravam interesse por sua fama e não deixavam uma conversa sobre qualquer assunto que não fosse quadribol ou revistas render mais que dois minutos.

Vítor olhou de lado para a pilha de cartas em cima da mesa mais ao fundo da suíte e suspirou resignado, virando-se de lado e forçando seus olhos a procurarem pelo sono e renderem-se ao cansaço que seu corpo apresentava depois da partida. Demorou horas até conseguir, e até que o momento chegasse, seu interior desejava a cada segundo que a garota que roubaria sua atenção aparecesse, pelo menos em seus sonhos.

A manhã seguinte chegou radiante, estar num país de clima tropical era imensamente revigorante, e Krum lamentava partir dali para um país gelado como a Bulgária. Sorte estarem no verão e o clima pelo menos esquentar um pouco – se era possível dizer que subir pouquíssimos graus era esquentar. As malas já estavam prontas, certamente o roupeiro do time entrara mais cedo e, discreto com sempre, organizara tudo sem acordá-lo.

Vítor terminava de se arrumar para a coletiva com o jornal local quando ouviu uma batida na porta e alguns de seus companheiros de time entraram para lhe dar bom dia. Poucos segundos se passaram até a figura alta do diretor da Escola de Magia de Durmstrang se destacar por detrás deles e afugentar cada um com incrível rapidez.

– Preparado para o Torneio, Vítor? – perguntou Karkaroff antes mesmo do bom dia.

– Sim, Diretor. Preparado.

– Bom, só para lembrar, após a Copa Mundial você ficará na Bulgária apenas o tempo suficiente para rever sua família. Nossa concentração no navio será em primeiro de setembro, assim quando chegarmos em Hogwarts em outubro estaremos na frente de todos os outros em preparação.

Vítor afirmou que sim com a cabeça e desculpou-se com Karkaroff por não poder lhe dar mais atenção, alegando estar atrasado para a coletiva, mas Igor nem pareceu ouvir, seus olhos brilhavam imaginando o campeão de Durmstrang com a Taça de campeão do Torneio Tribruxo nas mãos. Vítor apenas suspirou resignado, observando a figura alta do diretor se afastar, e desceu as escadas até o hall do hotel. Era isso o que seria este ano, deixaria de ser o brinquedo de ouro do time da Bulgária e passaria a ser o fantoche de Karkaroff. Bela mudança.

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Hermione esperava pacientemente seus pais saírem do consultório sentada nos degraus da pequena escada do empresarial no centro de Londres. Um vento fresco empurrava alguns de seus fios revoltosos pra cima do seu rosto, mas eles já não a incomodavam fazia tempo. Pessoas apressadas passavam na calçada, indo de um lado a outro, e Hermione as observava ir e vir, seu pensamento pairando longe, com a atenção focada no motivo que a fazia se sentir tão nostálgica nesses dias de férias.

Tudo que acontecera no ano letivo anterior a afetaram demais, tanto que até mesmo um minúsculo sorriso estava relutante em aparecer em seus lábios desde que deixara Hogwarts. Suas lembranças a assaltavam vez por outra, e ela se pegava assim, sem conseguir reagir a esse torpor que amargurava seu coração.

Seu lado racional já estava perfeitamente convencido que foi o melhor a ser feito e que cada uma das palavras que Snape proferira eram sábias. Não havia como eles contornarem àquela situação, a não ser esforçarem-se em tentar esquecê-la. Não haveria a mínima possibilidade de repetirem o conto de fadas em que envolveram-se no passado. O tempo deles não permitia isso, e mesmo que ambos quisessem revivê-lo algum dia, haveria inúmeras condições desfavoráveis e inexplicáveis que impreterivelmente precisariam de respostas longas e detalhadas, algo que nem ela e nem muito menos o Prof. Snape, neste momento, tinham disposição para dar.

O problema era que essa aceitação esqueceu de alcançar o seu coração, e ela se pegava constantemente assim, tentando convencê-lo de que era sim o melhor a ser feito e falhando miseravelmente nessa tarefa. Seu estômago gelava quando lembrava dele sussurrando seu nome antes de beijá-la em sua última viagem com o vira-tempo, e um desejo incontrolável lhe empurrava para repetir aqueles momentos com ele. Hermione tentava reprimir esse turbilhão e falhava, continuando esse círculo vicioso sem fim que tirava sua alegria de viver e sua paz.

– Hermione, filha, vamos andando, seu pai ainda vai demorar um pouco e pediu para nós o esperamos na casa de chá da esquina – Marie chamou-a suavemente.

Hermione se levantou e seguiu a mãe pela rua ensolarada, mas arborizada o suficiente para caminharem pela sombra. O caminho todo foi feito em silêncio, e quando as duas se acomodaram em uma das mesinhas da casa de chá, Marie resolveu abordar o assunto que queria conversar antes da filha partir de volta ao que Hermione chamava de “seu mundo”.

– Hermione... – Ela estendeu a mão e colocou a da filha entre as suas num gesto protetor. – O que aconteceu lá na escola nesse ano letivo que mexeu tanto com você, filha? Ainda sou sua melhor amiga para que possa me contar?

Hermione olhou pra sua mãe, não conseguiu evitar que seus olhos se enchessem de lágrimas – a emoção do sentimento que a dominava subiu como uma enchente pela sua garganta, e ela não conseguiu responder a pergunta da mãe, apenas continuou a olhá-la.

Marie imprimiu um pouco mais de força ao aperto na mão da filha e sorriu gentilmente.

– É uma idade linda a que você está preste a conhecer. É onde florescem os amores da juventude. Talvez a minha filhota que costuma ser mais adiantada em tudo tenha o descoberto cedo demais. Esses olhinhos brilhando de angústia parecem dizer-me que esse é o motivo da sua tristeza. Estou certa?

Hermione apenas confirmou com a cabeça e, desviando os olhos do olhar terno de sua mãe, voltou a admirar os transeuntes que passavam pela rua. Marie delicadamente a puxou pelo queixo e forçou-a a olhar para ela.

– Não deu certo? – Marie questionou-a gentilmente.

– Não havia como dar – Hermione respondeu com voz chorosa.

– E não há esperança? – Marie insistiu.

– Não, nenhuma – respondeu com amargura.

– Sempre há, Hermione. Mas com certeza você não a enxergará tão cedo, pode demorar muito tempo. Você pode até achar que se esqueceu, e ainda assim, tudo reacender quando for o momento certo.

Hermione fungou alto,; sua mãe era sempre tão certa. Tinha tantas palavras coerentes para cada momento e estava tentando reanimá-la sem nem ao mesmo cutucar demais. Era tão bom tê-la por perto. Ela se aproximou mais de Marie e recostou a cabeça no ombro dela. Quando chegasse em Hogwarts não a teria mais, apenas em cartas, e era lá onde mais precisaria dessas palavras, quando tivesse que vê-lo, que ouvi-lo. Hermione nunca cogitou a idéia de não querer ir para Hogwarts, mas esse ano ela desejava não ter que ir. Faria coro com os meninos quando dissessem que adorariam não ver mais Snape como professor, mas a vida não costumava ser tão fácil. Pena que para ela tudo acontecia precocemente.

– Não queria voltar para lá, mãe. Queria ficar aqui e esquecer tudo...

Marie sorriu gentilmente.

– Não vai adiantar você não querer encará-lo porque mais cedo ou mais tarde ele virá até você de qualquer forma, querida. Não é assim tão fácil que nos livramos do que não queremos. Mas sua mãe coruja tem certeza que sua “sabe-tudo” vai saber tirá-lo de letra quando sua cabeça esfriar. Confie no tempo, ele nunca nos decepciona.

Hermione sorriu quando sua mãe a chamou de sabe-tudo; aquelas duas palavrinhas acalmaram seu coração, deixando-a um pouco mais disposta a seguir em frente. Mas o tempo não fora um bom amigo para ela no ano letivo que passou; ele a fez viver uma história tão maravilhosamente única e ao mesmo tempo tão impossível que chegava a sufocá-la de dor. A esperança estava no fato de sua mãe sempre acertar. Talvez uma bela surpresa a esperasse em alguma esquina, em algum lugar inusitado como, por exemplo, a Copa Mundial de Quadribol. Talvez...

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Amanhecia. Mais cedo, nessa mesma madrugada, ressurgiram os Comensais da Morte em meio a uma celebração de bruxos. Diante de uma extensa platéia, eles reapareceram executando sua idéia preferida do termo diversão: torturar trouxas. Os maléficos Comensais que não foram punidos ao fim da primeira guerra, os que conseguiram se esconder debaixo da declaração hipócrita de estarem sob o efeito da Maldição Imperius, se divertiam. Porém, um acontecimento verdadeiramente trágico ocorreu nessa mesma noite: a Marca Negra, o símbolo de Voldemort, projetou-se no céu negro da noite da final da Copa Mundial de Quadribol e levou o pânico a todos os presentes.

Dumbledore refletia sobre isso enquanto tamborilava os dedos de sua mão esquerda na madeira escura da mesa do seu escritório e segurava uma carta na mão direita. Seus olhos ágeis fitavam o céu clareando muito lentamente enquanto aguardava a visita do Prof. Snape, que retornara mais cedo do que o previsto de suas férias. Não tardou até que o professor entrasse em seu escritório, e sem desprender o olhar do céu lá fora, Dumbledore estendeu a carta para Snape e aguardou até que ela lhe fosse devolvida para então se endireitar na cadeira.

– E então? – indagou o diretor.

– Tem ligação, é fato. O que esperávamos, Alvo. – A voz de Snape soou num sussurro pesaroso. – Está acontecendo.

– Então os acontecimentos estão interligados? – tornou a questionar o diretor.

– Alguns podem ser apenas coincidências. Os covardes que se disfarçavam de Comensais da Morte me pareciam apenas bêbados. Segundo Fletcher, todos desaparataram quando a Marca pairou no céu. Isso mostra que tipo de Comensais eles são, Malfoy e Karkaroff são presenças confirmadas.

– Alguma outra coisa além disso? – Dumbledore continuou a questionar.

– A tatuagem – Snape respondeu e levantou a manga esquerda de sua veste para que o próprio diretor pudesse visualizar a nuance de sua tatuagem negra, agora mais nítida que antes. – Ela é minha maior garantia de que está tudo recomeçando.

– Então devemos investigar com muita cautela qualquer anormalidade – sugeriu o diretor.

Snape confirmou com a cabeça e acrescentou:

– Investigue também em fontes trouxas, Alvo. Se o Lorde das Trevas não quer chamar atenção, é por lá que vai começar.

– Muito bem, Severo. Então vamos começar tudo novamente? – perguntou o diretor.

– Sim, mas não devemos esperar um resultado como o da primeira vez. O retorno do Lorde das Trevas agora servirá para provar que não existe essa tal esperança que vocês românticos costumam pregar – Severo respondeu seco.

– Nós o temos desta vez, Severo, pode ser diferente – rebateu Dumbledore.

Severo riu com desdém. – Um garoto que tem uma visão das ações do próprio Lorde das Trevas e escreve para o medíocre do padrinho achando que teve um pesadelo é onde você deposita a sua esperança? Coitada da comunidade bruxa; estarão todos perdidos se esperarem por ele.

– Mesmo que você não goste do Sirius, ele é a única família que o Harry tem, e como você mesmo mencionou, ele é apenas um garoto. Ser apenas um garoto não o faz menos merecedor de minhas esperanças. Pelo contrário, os jovens ainda guardam pureza em seus corações, e isso os torna mais fortes que qualquer um de nós – disse Dumbledore.

– Eu seria um tolo se esperasse outra resposta de você, um eterno pregador da fé. Se fosse trouxa, seria um bom missionário espalhando boas novas pelo mundo – respondeu Snape com sarcasmo.

Dumbledore apenas revirou os olhos e deixou-os voltarem a admirar o céu agora quase que totalmente claro.

Severo entendeu como fim de conversa e levantou-se para sair do escritório. Foi parado já à porta pela voz do diretor.

– Quando chegar a hora...

– Eu irei – respondeu Snape sem que a pergunta precisasse ser concluída e seguiu para seus aposentos. Ambos sabiam que Snape seria chamado novamente se o Lorde das Trevas ressurgisse. Snape não era covarde, ele estaria pronto, só não sabia o que o esperava.

Enquanto não chegasse esse momento, precisava cumprir suas obrigações. Já nas masmorras, Severo apanhou a capa sob o sofá e despejou um pouco de pó de Flu na lareira. Seu destino se cruzara com o dela anos atrás e retornara há três anos. Mesmo que não quisesse proximidade, precisava se certificar que ela estava bem. Como um bom e verdadeiro espião, ocultaria-se, mas não a perderia de vista. Embora fosse um homem de gelo, Severo ouvia seu coração.

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O castelo de Hogwarts dormia silencioso. Até cerca de uma hora atrás ele ainda estava barulhento pelas conversas dos amigos que ficaram separados nas férias. Todos aproveitavam a primeira noite no castelo e falavam sobre tudo o que tinha acontecido longe das espessas paredes da escola milenar. O brilho das histórias das férias, porém, fora ofuscado pelo assunto da noite: o Torneio Tribruxo.

A paisagem adormecida do castelo, no entanto, era quebrada por uma jovem de cabelos rebeldes e dentes grandes que se encontrava abraçada aos joelhos em uma das janelas da alta torre da Grifinória, admirando a escuridão dos terrenos de Hogwarts. Ela também relembrava alguns fatos recentes, mas seus pensamentos não eram eufóricos e nem tampouco felizes, eles tentavam entender o quão elevado era o grau de preconceito impregnado no Mundo da Magia.

Que comunidade era esse onde ela estava inserida e onde era tão mal vista pela maioria? Sentia um gosto amargo em sua boca quando relembrava as palavras de Malfoy há alguns dias, quando estava no meio do tumulto após a final da copa Mundial.

“Granger, eles estão caçando trouxas. Você vai querer mostrar suas calcinhas no ar? Se você acha que eles não são capazes de identificar um sangue ruim, fique onde está.”

Aquilo martelava na sua cabeça, e ela não conseguia afastar aquelas palavras abomináveis. Nos momentos em que não eram aquelas frases a preencher sua memória, era a imagem de Winky sendo humilhada que a perturbava e a imagem da família Roberts dependurada pelos Comensais da Morte. Não entrava em sua cabeça atitudes tão subumanas quanto aquelas que presenciara com o pequeno elfo doméstico e com os trouxas. Não conseguia achar uma explicação para tamanho preconceito; é algo tão irracional, e por mais que os homens se vangloriem de sua aparente racionalidade, acabam sempre agindo como burros.

Era tão decepcionante saber que os bruxos, que tem uma cultura tão vasta, um conhecimento de milhares de anos na frente da população não mágica, agiam com tamanho egoísmo em relação aos seres de outra raça e até de sua própria apenas porque não haviam nascido em berço mágico, ou simplesmente porque tinham um aprendizado mais lento que eles, como era o caso de Neville, que sofria também tantas humilhações.

Como era cruel aquela realidade, como era vergonhoso estar inserida numa comunidade onde muitos não acolheriam um nascido-trouxa e até mesmo um mestiço. Era abominável o modo como os elfos domésticos eram tratados. Hermione se sentia suja em estar no meio de pessoas capazes de atos tão perversos; ela que não faria mal a uma formiga por ter em mente que se os animais tem o dom da vida, é porque merecem estar aqui, e os elfos domésticos são criaturas mágicas! É claro que têm pleno direito de conviverem como iguais no mundo bruxo! Era um fato óbvio.

Hermione se encolheu ainda mais em si; as lágrimas que desciam de seus olhos preenchiam a dor que seu coração sentia em ter presenciado aquelas atrocidades, e o que era pior, de não poder ter feito nada para mudar aquele quadro. Como ela poderia fazer com que as pessoas entendessem que o que move o mundo são as diferenças? Como ela as faria entender que esta é a verdadeira beleza do mundo? Será que aqueles bruxos gostariam de viver cercados sempre da mesma paisagem, com a parede decorada pelo mesmo quadro ou entre as mesmas paredes lisas e brancas? Quando eles perceberiam que a mudança é a alma da inteligência e que quem não entende bem isso desaparece? Será que nunca?

Era agonizante saber que o ser humano demorava tanto a perceber o que era essencial. Será mesmo que ele era invisível aos olhos? Só podia ser; Hermione já sentira na pele isso, mas mesmo sendo “sangue-ruim”, ela preferia isso a ser um exemplar da raça humana com um parasita sem cura dentro de si, porque é isso que o preconceito é. Anormais são os sangues puros que querem ser sempre iguais o resto da vida e nunca evoluírem.

Seu peito ainda ardia quando cada uma das lágrimas que se desprendiam fizeram arder também os seus olhos e trouxeram a fada do sono até ela. Hermione se lembrou da mãe que sempre sussurrava ao seu ouvido que ficaria com ela até a fada do sono chegar e saiu do parapeito pra ir para a cama. Adormeceu com o coração bem mais leve por saber que, mesmo enfrentando um inimigo tão cruel, ela era orgulhosa de si mesma.

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N/A: Bom, apenas uma apresentação à temporada Cálice de Fogo. Tentarei explicar o que aconteceu comigo nesse tempo: eu tinha uma boa parte do capítulo escrita há muito tempo e só precisava incrementá-lo mais. Ele é um capítulo apenas introdutório e expõe os sentimentos com relação ao que aconteceu naqueles períodos, então foi difícil não deixá-lo tão enfadonho. Eu tive um sério problema de decepção com o mundo potteriano com a leitura do livro 7 e das declarações que a Joanne vem dando. Esse foi o motivo principal da minha falta de inspiração. Para ser sincera, eu queria até desistir da fic. Mas hoje eu vi que a única maneira de me fazer gostar de HP de novo é reescrevendo-o. Sendo assim, fiz as pazes com minha fada da inspiração, e ela é que me dará o que eu gostaria de ver na história da Joanne. Então vou seguir em frente. Espero que me perdoem e me entendam. Com carinho, Su.

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