Até mais uma vez



Cap.17 Até mais uma vez
By Surviana




Aviso: Todas as personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor deste texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JKR.

Por favor, não me processem! Só peguei emprestado para me divertir e divertir os outros!





Finalmente, ela e os amigos estavam juntos de novo, sem brigas, desprezo, e com a amizade ainda mais fortalecida de empenhados que estavam em ajudar Hagrid no caso Bicuço. Sem contar ainda com a euforia pela expectativa do jogo Grifinória versus Sonserina que decidiria o novo campeão da Taça de Quadribol e que pontuava seus rostos com sorrisos, algumas vezes nervosos, outras confiantes.

Foi uma semana perfeita na opinião de Hermione, e nada poderia estragá-la. Nada até chegar à aula de Trato das Criaturas Mágicas e encontrar Hagrid tão abatido e ainda ouvir o asqueroso do Malfoy xingá-lo.

Sentada em sua carteira na aula de Aritmancia, ela designava toda sua atenção à preleção da professora que ressaltava os pontos que provavelmente cairiam no Teste de Verificação. A aula terminou sem incidentes, e Hermione quase correu pra chegar num lugar reservado e conseguir ajustar seu vira-tempo para a volta até a aula de Feitiços. Logo após rodá-lo, sentiu a já familiar sensação cintilar diante de seus olhos e a deliciosa brisa fria que a levava de encontro a quem ela admirava em silêncio.

Ela ainda guardava a corretinha dentro do decote quando ouviu vozes animadas no corredor mais à frente; algumas alunas da Corvinal passaram por ela sem notá-la, e Hermione agradeceu por isso. Tomou a direção da sala de Transfiguração, e não havia chegado ao seu destino, quando dois sonserinos fecharam seu caminho. Ela amaldiçoou-se quando notou que não havia transfigurado suas vestes, mas antes que um deles se movesse para azará-la, ela ouviu uma voz conhecida chamá-los pelos nomes.

– Régulus! Avery! Vão ficar parados aí no corredor o dia inteiro? Temos uísque de fogo na sala comunal, os outros vão drená-los antes que a gente volte com os...

Ele alcançou os companheiros de sala e parou abruptamente de falar quando avistou Hermione. Eles se encararam um instante, e Snape pôde perceber o desespero dela estampado nos olhos.

– Vão indo, eu cuido dela – Snape disse numa voz gélida.

– Mas essa belezura é sangue novo aqui, nunca a vimos antes – um dos garotos respondeu.

– É uma sangue-ruim, eu já a conheço. Vão embora!

Os dois ainda sussurraram palavras lascivas quando passaram pela Hermione, e ela fechou os olhos com vergonha. Sentiu a aproximação de Snape e os reabriu quando ele sussurrou o feitiço para torná-la fardada de Corvinal. Ele a segurou pela mão e delicadamente guiou-a para fora do castelo. Seguiram até o campo de quadribol e sentaram-se no degrau mais alto das arquibancadas. Olharam-se uns segundos, e Snape decidiu quebrar o silêncio:

– Faz tempo que não aparece... – Uma ponta de tristeza preenchendo sua voz. – A última vez foi tão... Achei que não voltaria mais.

– Você entenderia se eu dissesse que não escolho vir? – Hermione o fitava tentando encontrar algo em sua expressão que indicasse que sentimento ele provava nesse momento, agora que ela decidiu ser sincera.

– Não, não entenderia.

O olhar de Snape era indecifrável, mas Hermione queria ter esperança. Ela remexeu no decote das vestes e puxou a correntinha.

– Sabe o que é isso? – Snape confirmou com a cabeça. – Ele me traz aqui, não escolho, não decido.

Snape fitou a corrente um tempo longo demais na opinião de Hermione, e quando ele a encarou novamente, a tristeza antes palpável em sua voz alcançara seus olhos.

– Mas eu torço por esses momentos – ela recomeçou com um tom suave. – Você não tem idéia do quanto. Mas quando este vira-tempo chegou às minhas mãos, eu não imaginava que isso tudo pudesse acontecer. Você é mais velho que eu, deve saber que estou violando uma das leis mais importantes da magia, ninguém pode mudar o tempo.

– Isso explica sua reação na noite da torre. Você sabe sobre mim, me conhece e eu não sei nada sobre você. – Um leve tom de acusação preencheu a voz de Snape desta vez.

– Não posso comprometer o seu passado, muito menos o seu futuro, Severo Snape – ela respondeu com veemência.

– Pode me falar sobre você – ele insistiu.

– Sou uma sangue-ruim, como disse aos seus amigos. – Foi a vez de Hermione falar em tom acusador.

– Tentava te proteger; não me importo com tipos sangüíneos – ele respondeu mais surpreso com o tom de voz dela do que com a revelação em si.

– Devia, é sonserino – ela rebateu.

– Mas não sou influenciável. Meu problema com trouxas passa longe do plasma.

Hermione pausou com essa afirmação e pensou um pouco antes de reiniciar a conversa. Ela não queria levar o assunto a uma discussão e precisava contornar a mágoa que ele estava sentindo por ela conhecê-lo e ele não.

– Nós nos conhecemos aqui mesmo de Hogwarts, mas não nos damos muito bem. Você é uma pessoa difícil de se conviver, e somos forçados a dividir algumas horas de nossas vidas. Meus dois melhores amigos talvez forcem você a me ver como uma inimiga também, além, é claro, da natural antipatia entre nossas Casas. Eu estou no terceiro ano agora. Não suporto quadribol nem Adivinhação, ainda não sei a carreira que vou seguir quando terminar a escola, mas minhas matérias preferidas são Transfiguração e Aritmancia. Você e até mesmo alguns dos meus amigos me chamam de sabe-tudo porque sou um pouco estudiosa demais. E isso é tudo que posso dizer.

Snape prestou atenção a cada palavra dela e pensou uns segundos antes de falar.

– Tudo isso não importaria se apenas me dissesse o seu nome.

Hermione se arrepiou com a afirmação. Uma pedra de gelo desceu pela sua garganta fazendo moradia em seu estômago, e ela baixou os olhos para suas mãos, que involuntariamente apertavam uma a outra.

Snape aproximou-se mais dela e puxou-a levemente pelo queixo, fazendo-a encará-lo.

– Apenas o seu nome, Tére. Quero chamá-la assim quando nos encontrarmos lá na frente. – Os olhos negros a fitavam com ternura e não piscaram um segundo sequer.

– ... Her-mio-ne – ela gaguejou ainda o fitando. – Hermione Granger.

O olhar de Snape ainda a admirava quando a mão dele subiu até o rosto dela e afastou uma das mechas indomáveis do seu cabelo que riscava a pele clara de seu rosto. Hermione fechou os olhos quando ele a tocou, e o frio em sua barriga se intensificou ainda mais.

Os dedos ágeis que ela havia admirado da última vez que se encontraram saíram de sua bochecha e acariciaram seus lábios, contornando-os lentamente. Hermione abriu os olhos devagar e encontrou os de Snape, que focalizavam seu rosto. Quando os lábios dele se entreabriam e, sussurradamente, aquela voz suave a chamou pelo seu verdadeiro nome, um tremor atravessou todo seu corpo e ela sentiu seu coração parar de bater por alguns instantes.

Ambos não puderam mais adiar o momento, e seus lábios se encontraram. Hermione nunca havia sido beijada por ninguém e não reagiu à carícia no instante que ela aconteceu. Seu coração agora estava descontrolado, e seu sangue parecia estar a beira da ebulição. Snape a beijou apenas suavemente nos lábios nesse primeiro contato, suas mãos desceram pelos ombros dela e a puxaram de encontro a si num abraço acolhedor. Uma de suas mãos acariciou o topo de sua cabeça enquanto a outra repousava nas suas costas, pressionando-a toda de encontro a ele. Os lábios dele encostaram-se um seu ouvido direito, e Snape sussurrou ainda mais três vezes o seu nome. A mesma mão que acariciava seus cachos escorregou para trás de sua nuca, e os lábios dele deslizaram pela lateral da face de Hermione até encontrar sua boca. O beijo foi lento e arrebatador, e quando Hermione conseguiu recobrar sua razão, a língua de Snape pedia passagem por entre os seus lábios. Abruptamente, ela interrompeu o beijo e levantou-se espantada.

– Não! Nós não... – As lágrimas começaram a descer pelo seu rosto antes que pudesse evitar. – Snape, nós não...

Snape a interrompeu puxando-a novamente para junto de si, segurando-a com firmeza.

– Por que não, Hermione? Nunca nenhuma garota me deixou assim tão descontrolado. Não diga que não quer! Eu senti o seu coração batendo junto de mim. Por favor, só mais um pouco, prometa que vai voltar, que vai estar aqui quando eu precisar! – Severo quase gritava com a urgência de se fazer entendido pela garota à sua frente.

Um soluço involuntário saiu da garganta de Hermione quando ela tentou responder ao pedido de Snape, e ele, mais uma vez naquela tarde, juntou seus lábios aos dela, um gosto novo, salgado, pintando o sabor daquele beijo urgente, até que Hermione se afastasse novamente.

– Não, Snape! Não! – ela gritou.

Snape não conseguiu segurá-la quando ela escapou de seus braços e desceu correndo os degraus da arquibancada. Não se atreveu a segui-la e enterrou os dedos nos cabelos sem saber como reagir. Quando olhou suas mãos novamente, elas traziam vários fios de cabelo entre os dedos, e ele soltou um grito amargo que ecoou pelos campos da propriedade.

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Hermione correu o máximo que pôde pelos corredores de pedra do castelo, as lágrimas saltando o tempo todo de seus olhos, cada vez mais grossas, ensopando a parte de cima de suas vestes. Quando seu peito proibiu-a de ir mais além, ela recostou-se na parede de pedra e escorregou até o chão, chorando compulsivamente por um longo e interminável quarto de hora.

Dois bicos pontudos de sapatos apareceram por debaixo de uma longa capa azul clarinha que quase varria o chão e parecia uma pintura borrada no piso de pedra que Hermione fitava. As lágrimas ainda escorriam por sua face, e ela quase não teve forças para levantar seus olhos até a pessoa que havia parado à sua frente. O rosto que encontrou observando-a quase não foi reconhecido, e a primeira reação de Hermione foi levantar-se e abraçar a cintura do velho senhor, buscando por consolo.

Sentiu-se carregada por dois braços firmes e conduzida até uma escada circular que a levou a um aconchegante aposento e uma confortável poltrona, que ela só aproveitou muito tempo depois. Uma xícara de chocolate fervendo foi empurrada em suas mãos, e ela sorveu o cheiro delicioso em meio a alguns soluços que insistiram em ficar em seu peito.

Um bom tempo depois, quando a quietude do lugar começou a pesar sobre si e a xícara de chocolate já estava vazia sobre a mesa do Diretor, Hermione fitou o rosto tranqüilo de Alvo Dumbledore. Sentiu que ele não atravessaria a linha de intimidade que pontuava a relação aluna-diretor a não ser que ela se propusesse a isso. Apenas poucos segundos foram precisos para que ela tomasse a decisão de despejar todos aqueles estranhos momentos desde que ganhara o vira-tempo sobre ele. Mesmo tendo chorado por horas, ela ainda sentia-se sufocada e precisava se abrir com alguém.

– Eu me chamo Hermione Granger, Prof. Dumbledore. Sou aluna da Casa da Grifinória e não faço idéia de como estou aqui hoje. Na verdade, eu sei através de quê eu vim parar aqui, mas como e por que isso aconteceu, não imagino.

Hermione puxou a corretinha de ouro de dentro das vestes e mostrou-a ao Diretor.

– Posso examiná-lo? – ele pediu educadamente.

Ela concordou com a cabeça, tirou o vira-tempo do pescoço e entregou-lhe. Quando ele lhe devolveu, ela continuou sua narrativa, contando sobre como havia conseguido a autorização para usá-lo:

– Esta é a terceira vez que venho parar aqui sem saber o motivo, Prof. Dumbledore. Segui atentamente o mesmo padrão de voltas que havia usado em todos os regressos de horas para assistir as aulas, e sabe-se lá como estou aqui sentada conversando com o senhor. – Um leve desespero começou a atingir Hermione novamente.

– Acalme-se, Srta. Granger, nós dois encontraremos uma forma de resolver sua situação. Como não me recordo da senhorita em nenhuma de nossas turmas, isso significa que viajou alguns anos até aqui. Em que ano é a sua realidade?

Hermione não conseguiu encarar os olhos azuis que a fitavam tão curiosamente, e suas palavras saíram gaguejadas de nervosismo:

– Mil no-ovece-entos e noventa e qu-u-aatro. - Hermione ouviu o Diretor respirar mais fortemente quando ouviu o ano do qual viera, voltou os olhos para ele novamente com uma expressão de total tristeza. – Mas isso não é o pior, professor... Eu espero não ter alterado nada no futuro, não revelei nada que afetasse nenhuma futura situação, mas... não pude evitar... Por favor, professor, o senhor precisa me ajudar.

– Qualquer coisa ao meu alcance, ou até mesmo além dele, minha pequena. – O brilho que resplandeceu no olhar do Diretor encorajou Hermione, que antes de recomeçar a falar, sorriu levemente para ele.

– Todas as três vezes que estive aqui, eu encontrei uma única pessoa. Foi o nosso encontro de hoje que me deixou da forma que estava quando o senhor me encontrou... Nós... nós... nós nos apaixonamos, Prof. Dumbledore.

– Alguma coisa boa tinha que acontecer no meio de toda essa confusão, minha querida. O destino só nos prega peças para sermos felizes, é um bom ditado a ser seguido – Dumbledore respondeu serenamente.

– Não, professor, ainda não cheguei na parte ruim. – Hermione suspirou antes de continuar: – Ele não é uma pessoa que se possa deixar apaixonada e sumir. Precisa ajudá-lo, Prof. Dumbledore. O Snape, Severo Snape da Sonserina.

– Mais isso é algo muito bom para acontecer com meus alunos sonserinos, dada a época em que estamos, minha querida. Você não tem idéia do que estamos passando neste momento e de quanto um amor pode transformar alguém.

– Mas, diretor – Hermione quase se desesperou –, ele é o mestre de Poções da escola e eu sou sua aluna desde meu primeiro ano! O senhor entende? Como vou chegar lá? Até hoje, ele não fez nenhuma menção a nada, parece até que não se lembra de mim. Pode ter escolhido isso, mas é uma tortura além das minhas forças depois do que aconteceu hoje! Eu não... – Algumas lágrimas teimosas quiseram turvar sua visão de novo, e Hermione engoliu-as de volta para continuar seu desabafo. – Eu estou apaixonada por ele e... não vou conseguir voltar lá e fechar os olhos quando ele estiver falando! E mesmo que eu consiga fechá-los, o momento lindo que tivemos mais cedo vai pairar na minha mente, e eu posso não ter forças para resistir! Por favor, professor, me ajude! Nos ajude!

Hermione não lembrava de ter se colocado em pé, mas se sentiu desabar de volta no assento da cadeira quando terminou de falar. Um momento de silêncio pairou no ar quando Dumbledore pediu que mais uma vez ela se acalmasse e, quando estivesse o mais tranqüila possível, contasse com detalhes tudo que havia acontecido quando os dois estiveram juntos.

Seja lá que tipo de magia acontecia em cada viagem que Hermione fazia à época do Snape adolescente, ela terminou assim que ela e o Diretor chegaram a uma decisão sobre tudo que havia acontecido. Hermione sentiu-se adormecer na confortável poltrona onde havia se acomodado, e quando abriu os olhos novamente, seus dois amigos – Rony e Harry – a estavam perguntando por que havia faltado à aula de Feitiços. Hermione disfarçou sua inquietação o quanto pôde e saiu da sala comunal com a desculpa de encontrar o Prof. Flitwick para se desculpar.

Abriu a mochila assim que chegou ao corujal, o pergaminho estava lá, da mesma forma que o Diretor lhe entregara quando conversaram em seu escritório naquela data longínqua e que para ela se passara há apenas poucas horas. Escolheu uma das corujas da escola e atou o pergaminho à perna do animal. Deixou-se ficar admirando o vôo da coruja, e seu olhar recaiu sobre o campo de quadribol, lembrando-a do momento mágico que vivera ali.

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O Diretor Dumbledore levantou-se assim que a garota desapareceu da sua sala quase tão repentinamente quanto aparecera. Procurou Horácio Slughorn e solicitou a presença de seu aluno Severo Snape em seu escritório às vinte horas daquele mesmo dia.

No horário marcado, Snape disse a senha para a gárgula de pedra e subiu pela escada circular. Quando o aluno entrou no recinto, o Diretor o aguardava com expectativa no olhar. Não era segredo para ninguém o quanto Severo Snape era introspectivo; sua mania de esconder emoções era motivo de admiração de alguns e de antipatia da grande maioria. Seus estudos em Oclumência eram de conhecimento do Diretor porque seu diretor de Casa, o Prof. Slughorn, havia lhe informado quando o aluno o procurara interessado em tal arte.

No entanto, Dumbledore pôde perceber a tristeza que suas expressões não conseguiram ocultar. O olhar dele tinha um brilho vazio e não mostravam a chama da vida que ardia dentro de qualquer ser humano. O Diretor pediu que ele se sentasse, e o garoto assim o fez, sem em nenhum momento encará-lo.

– Recebi uma visita mais cedo, Sr. Snape, de uma aluna que afirmou conhecê-lo um pouco mais além do que as outras pessoas.

O garoto se sobressaltou quando o Diretor tocou na ferida aberta mais cedo e que lhe ardia por dentro. Encarou os olhos azuis pela primeira vez desde que entrara, mas não disse uma única palavra. Segurou a vontade de perguntar sobre ela dentro de si e tornou a encarar os sapatos.

– Ela pôde me contar alguns detalhes sobre o incidente que a trouxe até aqui que não podia revelar a você, e juntos, eu e a Srta. Granger, tomamos uma decisão que está diretamente ligada a você, decisão esta que lamentavelmente não posso lhe dar escolha de recusa.

Snape estreitou as sobrancelhas desconfiado e levantou os olhos para encarar novamente o Diretor. Ele queria gritar que ninguém manipularia sua vida, mas sentia-se fraco demais para esboçar alguma reação. Não podia correr o risco de falar algo e mostrar para o Diretor que estava tão fragilmente abalado por tudo o que tinha acontecido. Precisava calar e aceitar o que Hermione tivesse decidido.

– Eu o conheço muito pouco para saber até que ponto você resistiria ao que está para acontecer, Sr. Snape, mas lhe dou a minha palavra de que a nossa decisão é a melhor coisa a ser feita diante de tudo. Eu preciso de suas memórias, aquelas onde a Srta. Granger está presente, preciso guardá-las para você e por você, meu caro.

– Ela lhe pediu isso? Para tirá-las de mim? – Snape reagiria melhor se a garota por quem tinha se apaixonado houvesse lhe pedido para esquecê-la, para fingir que não havia existido nenhum momento entre eles, mas não pôde deixar de reagir ao pedido dela de simplesmente arrancá-la de sua memória, apagar o que tinha acontecido e seguir em frente. Ela tinha lhe negado a chance de cobrar-lhe uma explicação quando se encontrassem novamente, pior que isso, era a primeira garota por quem se apaixonara, e mesmo que ele aceitasse o fato dela vir de alguns poucos anos à frente, ela estava negando-lhe a chance de ter esperança de continuarem de onde pararam quando chegasse o dia que se conheceriam.

– A Srta. Granger só quis o melhor para você, Severo. Ela, em nenhum momento, pensou em si própria quando decidiu lhe cobrar suas recordações. O sacrifício que ela terá que fazer será muito maior, acredite. Até eu mesmo, um velho que achava ter visto tudo nesta vida, fiquei surpreso com a atitude de uma menina tão jovem. – Dumbledore tentava evitar a explosão que sabia estar para acontecer no emaranhado de emoções que via passar pelo rosto do aluno sentado à sua frente.

– As minhas lembranças são MINHAS! – Snape gritou levantando-se e agarrando com força a borda da mesa. – Nenhuma garota que se acha esperta o suficiente vai arrancá-las de mim!

– Eu lamento, Severo, lamento profundamente, mas no início da nossa conversa, eu lhe disse que infelizmente não podia lhe dar escolha para recusá-la. – A voz de Dumbledore continuava baixa, mas inconfundivelmente decidida.

Severo afastou-se da mesa, derrubando a cadeira atrás de si. – O senhor não... não se atreveria. – Sua voz falhou com o medo que lhe invadiu o peito, suas costas bateram na porta e ele finalmente parou de andar para trás.

O Diretor continuava onde estava, e Snape apenas sentiu uma névoa branca pairar diante de si e enevoar seus sentidos. Ele gritou com todas as forças que pôde reunir e invocou toda a magia concentrada dentro de si para ajudá-lo. Quando tudo terminou, ele estava de joelhos, apertando sua cabeça com as duas mãos, e ainda urrando de fúria. Lágrimas de ódio desciam de seus olhos, e quando a porta do escritório abriu atrás de si, ele disparou castelo afora, deixando o Diretor ainda sentado em seu cadeirão.

Se Snape tivesse olhado para o Diretor, talvez notasse naqueles olhinhos azuis que Alvo Dumbledore trocaria toda sua sabedoria reunida ao longo de anos para poupar-lhe tanto sofrimento. Mas Snape não viu, e Dumbledore nunca mais teria uma chance de fazê-lo perceber isso.

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Hermione desceu irritadíssima, mas ao mesmo tempo aliviada, as escadas da sala de Adivinhação. Que aquela charlatã continuasse desperdiçando o tempo de quem quer que fosse, só não o dela, que já era esticado ao longo do dia em quase quarenta horas. Seguia pelo corredor rumo à biblioteca quando a mesma coruja que havia levado seu pergaminho ao Prof. Dumbledore planou à sua frente e ficou batendo as asas, parada no ar, até ela arrancar um outro recado de sua perna.

“Srta. Granger,

Caso esteja disponível, aguardo-a na sala dos professores para discutirmos nosso assunto de tantos anos.

A.D.”


Hermione sentiu um gosto estranho descer por sua garganta e marchou apressada para a sala dos professores. O assunto tinha sido varrido de sua cabeça enquanto assistia aquela maldita aula de Adivinhação, mas não podia ser adiado. Ela saíra do passado sem realmente saber se o professor iria conseguir fazer o que disseram. Pensando melhor, provavelmente conseguira, e isso explicaria o fato de Snape parecer não se lembrar de nada.

Bateu à porta da sala e ouviu a voz tranqüila do Diretor ordenando que entrasse. Ele apontou uma cadeira de frente a ele. Na mesa, três garrafinhas de uma substância brilhante chamaram a sua atenção, e Hermione pôde ter certeza do que eram.

– Eis aqui a minha parte, Srta. Granger. Ele não lembra de nada. Nada, exceto seu olhar e a certeza que se apaixonou por você.

Hermione baixou os olhos, encabulada. Sua mão direita, involuntariamente, acariciou a garrafa mais cheia dentre as três. Seu inconsciente tinha certeza de que aquela continha a lembrança da última vez que se viram.

– São suas agora, Srta. Granger – o Diretor disse serenamente.

Hermione ergueu os olhos para ele, um sorriso tímido brincado em seus lábios. – Não, professor, são nossas, minhas e do Prof. Snape.

O Diretor também lhe sorriu em resposta. – Boa sorte, senhorita. Agora pode começar a escrever essa história.

Hermione apanhou as três garrafinhas da mesa e guardou-as na mochila, despedindo-se do Diretor e seguindo seu caminho. Naquela mesma noite, ela sonhou com todos os momentos que vivera quando esteve tão longe de seu tempo. Reviveu todos em seus melhores detalhes e acordou feliz na manhã do jogo de quadribol.

Com o passar dos dias, no entanto, uma dúvida começou a surgir em seu peito e ela não conseguia cumprir com clareza o que sua razão ordenava-lhe fazer todo dia. As garrafinhas continuavam guardadas, agora no fundo de seu malão, e por várias vezes ela as apanhou, decidida a deixá-las com o mestre de Poções, mudando de idéia no instante seguinte e adiando sua atitude para depois.

Uma vez após a aula de Transfiguração, ela deixou-se ficar na sala e conversou com a Prof. McGonagall sobre lembranças e pessoas que foram privadas delas. A professora havia lhe contado sobre pessoas que perdem a memória e até mesmo das que são beijadas por dementadores e perdiam o direito sobre sua vida, sobre quem eram, de onde vieram e o que fizeram consigo mesmas.

Um peso recaiu sobre si com as palavras da professora, e Hermione decidiu que não podia mais privar o professor de suas próprias memórias. Em seu interior, sabia que a reação dele seria das piores possíveis. Fazia tanto tempo para ele que, com certeza, ele já poderia ter até se conformado com isso, por que então ela ia remexer nisso tudo e devolver-lhe essas lembranças? Podia deixar tudo como estava mesmo e não aumentaria ainda mais a aversão que Snape sentia por ela e não se esforçava em esconder.

Mas a comodidade desta idealizada situação era sufocada por uma esperança que Hermione tentava repudiar, mas que atingia proporções tão grandes que ela se sentia incapaz de lutar contra.

A semana dos exames chegou, e Hermione arrancou as garrafinhas do esconderijo de estavam guardadas no fundo do malão e atirou-as dentro da mochila na manhã de terça-feira. Logo após o almoço, eles seguiram para o exame de Poções e Hermione precisou reunir todo seu autocontrole para preparar a infusão para confundir pedida por Snape, evitando de todas as formas possíveis que as lembranças de dentro das garrafas ocupassem sua mente.

Quando a sineta tocou e Snape recolheu as amostras de todas as poções, Hermione fez sinal para que os amigos a esperassem do lado de fora da sala. Rony fez uma cara de total terror, e Harry precisou arrastá-lo pela gola da camisa para que desgrudasse os pés do chão.

Snape a olhou com cara de poucos amigos e cruzou os braços numa expressão de puro descontentamento, recostando-se no espaldar da cadeira.

– Dúvidas, Srta. Granger? É uma pena, mas o exame já passou e elas serão inúteis agora, se não percebeu por si mesma.

Hermione não respondeu ao comentário ácido do professor por puro nervosismo. O mais rapidamente que pôde, apanhou as garrafinhas de dentro da mochila e colocou-as alinhadas sobre a bancada.

– Não parecem ser mais três amostras da infusão que apliquei no exame para serem analisadas e escolhidas a melhor dentre elas. Então, Srta. Granger, o que exatamente significa isso? – Snape reconheceu o conteúdo das garrafas, e sua mente não conseguiu reunir explicações para adivinhar o porquê da aluna irritante da Grifinória estar lhe dando lembranças para analisar.

– Elas são suas, Prof. Snape. – Hermione criou coragem de olhá-lo nos olhos, e apenas alguns segundos depois que os olhares de ambos se cruzaram, Hermione percebeu o lampejo de entendimento passar pelos olhos dele. – Na verdade, elas são nossas, mas eu tenho as minhas comigo, o tempo todo.

Severo Snape não reagiu a mais nada por um tempo que ele não notou. Viu um brilho familiar naqueles olhos cor de mel, e suas emoções foram sacudidas quando a garota bateu a porta da sala e ele ficou sozinho, com três garrafas de pensamentos diante de si. A certeza o atingiu quando os olhos dela cintilaram enquanto dizia sua última frase e saía da sala.

Apenas muito tempo depois, com as mãos instáveis e um nó sufocando sua garganta, foi que ele apanhou sua bacia de pedras de dentro de seu armário particular e examinou uma a uma as lembranças deixadas por Hermione. Ficou por horas incontáveis revivendo a última delas, sentiu todas as sensações que havia sentido naquela tarde renascerem com força total dentro de si e amaldiçoou com um grito estrondoso seu próprio coração.

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O sol banhava o lago, e Hermione estava perdida em pensamentos sentada à beira dele jogando pedrinhas em sua superfície e contando os círculos que elas formavam. Harry havia ido atrás do Prof. Lupin, e logo depois, Rony apressara-se em dizer que precisava ir até a sala comunal; Hermione tinha certeza que ele seguiria para o banheiro.

Umas lembranças dolorosas da noite anterior que ela ainda não tinha tido tempo de assimilar assaltaram sua mente enquanto admirava o colorido do verão. Palavras amargas na mesma voz que lhe pediu uma vez para que ela não o deixasse ecoavam em seus ouvidos, e ela nem ao menos conseguia entender por que.

“Srta. Granger, a senhorita já vai enfrentar uma suspensão. Pelo menos uma vez na sua vida, cale a boca!”.

“FIQUE QUIETA, SUA BURRINHA! NÃO FALE DO QUE NÃO ENTENDE!”.


Palavras que contrastavam tanto com as que ele havia lhe dito anos antes – para ela, no entanto, apenas alguns dias atrás. Mas mesmo ele a tratando da forma que a tratou após saber que fora ela quem o privara de suas memórias, seu coração batia acelerado, exatamente da forma que batera no dia em que ele a beijou, cada vez que alguém pronunciava o nome Snape perto dela. Não conseguia arrancá-lo do coração, e isso a deixava extremamente angustiada.

– Hermione Granger? – uma vozinha aguda a chamou, assustando-a de leve.

– Sim, sou seu – Hermione respondeu, admirando a figura minúscula de um calouro da Sonserina.

– O Prof. Snape pediu para chamá-la até a sala dele. Algo relacionado com o seu exame.

– Obrigada – ela respondeu sorrindo para o aluno e desmanchando-o assim que o garotinho se virou.

Ela não suportaria mais gritos, já os tivera demais por um dia. Ainda nem sequer completara vinte e quatro horas do espetáculo na Casa dos Gritos e na enfermaria, e ele já estava convocando-a. Era melhor atender ao chamado do professor e, melhor ainda, segurar a língua.

Bateu a porta da sala de Poções que se abriu sem resposta. O professor estava sentado à sua mesa e encarava-a com um olhar penetrante. Hermione quase congelou com seu olhar, mas conseguiu arrastar suas pernas até a cadeira que ele apontou. Inesperadamente, Snape levantou-se de seu lugar e deu a volta na mesa, sentando-se na cadeira em frente a dela.

– Mandei chamá-la, Srta. Granger, para conversarmos sobre aqueles incidentes do passado, que dizem respeito a nós dois. – Eles se olhavam nos olhos todo o tempo, Hermione não achava essa situação confortável, mas aquelas duas pupilas negras pareciam atrai-la como imã, e seu olhar não conseguia se desviar. – Esperei tempo demais que aquela porta se abrisse e eu finalmente conhecesse a verdade sobre o que tinha acontecido, mas o tempo leva com ele até mesmo as coisas que achamos maior que o próprio mundo. – Um nó se formou na garganta de Hermione quando Snape pronunciou essa frase, e seu sexto sentido escreveu todo o restante antes mesmo que ele proferisse as palavras seguintes. – A sua atitude naquela tarde quando encontrou o Diretor foi louvável. Eu não teria a mesma força, mas serei eternamente agradecido pela sua. O que eu vejo quando me imagino encontrando você com onze anos de idade, enquanto eu preservo tantos anos nas costas, se eu estivesse ciente dos fatos, é uma das poucas coisas que ainda não presenciei na vida e é uma das que desejo nunca ver. – Hermione desviou o olhar um centésimo de segundo e enxugou uma lágrima insistente que escorreu pela sua bochecha. Snape também desviou o seu, contendo a vontade dele mesmo enxugar a lágrima dela. – Você escolheu por mim quando eu tinha dezessete anos e agora chegou o momento que eu vou escolher por você que tem apenas quatorze. Siga sua vida, Srta. Granger, o tempo em que nós vivemos não nos dá a chance de nada.

Os olhos de Snape fugiram dos seus e ele levantou-se da cadeira à sua frente. Hermione não ouviu mais palavra alguma depois dessas e, assim que conseguiu sentir suas pernas novamente, levantou-se num salto. A porta se abriu, dando-lhe passagem, e ela voltou-se uma última vez para olhar o professor que também a admirava. O olhar que trocaram se pareceu muito com o que trocaram quando ela se foi do campo de quadribol naquela tarde distante no tempo. Momento que estava se repetindo agora. E mais uma vez, ela se foi. E Severo Snape mais uma vez ficou estático, quase como se tivesse sido petrificado, tentando suportar a dor de perdê-la que se repetia ainda mais forte do que anos atrás.




N/A: Este foi o capítulo mais difícil de escrever até hoje; chorei, sorri, fiquei angustiada, mas foi preciso cada uma dessas emoções. Agora é a reação de vocês que me importa. Com este capítulo nos despedimos da temporada Azkaban e partimos rumo ao Cálice de Fogo. Beijos!

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