O Outro Bastardo



Capítulo 2
O Outro Bastardo

Uma coisa Mary não entendia. O que significavam aquelas coisas que a amiga havia deixado para o filho. Se Mary não tivesse outras seis crianças para cuidar, teria ficado de boa vontade com Tom, o filho que Ursula deixara. Pobre Ursula, era triste que depois de ter amado tanto, morresse de forma tão infeliz, tão logo o menino nascera. Talvez a sua última tentativa desesperada de falar com Tom Riddle tivesse sido a causa de sua morte. Mary lembrava-se de ter passado pelo portão da grande casa e visto Ursula lá, gritando por Tom, pedindo que ele a escutasse... ela tinha medo suficiente do próprio marido para não tentar remover Ursula dali. Ela sabia o que o marido pensava da amiga, e sabia o que ele diria se a visse junto dela no portão da casa dos Riddle. Todos em Little Angletown temiam os Riddle.
Mary lembrava-se também do grande temporal que caiu no fim daquela tarde. Ursula ficara lá, gelada, ignorando o fato de estar nas últimas semanas de sua gravidez, gritando e gritando por Tom, que nunca veio até o portão. Ursula fora uma das mulheres mais lindas que Mary já conhecera, tinha encantos que ela, Mary, jamais sonhara em ter, com os longos cabelos de um negro azulado e os olhos de um verde luzidio, como duas grandes esmeraldas. Ela chegara à localidade alguns anos depois da grande guerra, quando todos viviam tempos muito difíceis. Ninguém estranhou uma moça nova e bonita chegando sozinha ao povoado, muitas pessoas haviam perdido parentes na guerra e ainda rumavam soltas por todos os lugares, ela podia ser uma destas sobreviventes. Não era de se admirar que o riquíssimo Tom Riddle houvesse se encantado por ela. Não era de se admirar também, que ele a abandonasse. O estranho fora o fato de por muitos meses ele ter virado as costas para os pais e vivido uma vida simples com Ursula. Parecia que ele iria mudar, o que espantava a todos.
Mas então algo aconteceu, porque uma noite todos no vilarejo acordaram com os gritos no pequeno bangalô onde eles moravam, uma briga que nunca podiam imaginar entre os dois, que sempre haviam parecido apaixonados. A barriga de Ursula já estava distendida pela gravidez avançada, e todos procuravam prender a respiração e aplicar-se em ouvir o que o casal discutia. A única coisa que entendiam eram os berros de Riddle de que ela o havia enganado, e as súplicas de Ursula que aquilo fora simplesmente porque ela o amava. Foi quando porta bateu com um estrondo, e daí em diante eles só ouviram-se os passos do homem se afastando e o choro abafado de Ursula, que varou a noite até a manhã seguinte. 
Quando ressurgiu, Ursula parecia um cadáver. Mais de uma semana havia passado, e ela permanecera em silêncio dentro da casa. Então, saiu numa tarde sombria, ignorando as grossas nuvens que anunciavam no céu uma tempestade, e gritou à porta dos Riddle que o filho abandonado de Tom nasceria e teria o nome dele, quisesse ele ou não. A chuva abafava suas palavras, e qual não foi a surpresa de Mary quando ouviu alguém à porta e deu de cara com Ursula, tremendo de frio e molhada até os ossos, com olheiras negras encovando-lhe a antes tão bela face, febril e delirante, sentindo as dores do parto:
- S-só tenho você para m-me ajudar, M-mary – ela sussurrou, e mesmo contra a vontade do marido, Mary deixou-a entrar, e sozinha, trouxe ao mundo o filho único daquela que todos no povoado diziam ser a bruxa que enfeitiçara o jovem milionário. Era um menino forte e muito branco, com cabelos negros e espessos como os da mãe, mas que ao contrário de todos os recém nascidos que Mary já vira e de todos que veria depois, nascera com profundos olhos negros, em vez dos habituais olhos azuis acinzentados.
Ela estendeu o menino para que a amiga olhasse, e esta, com amoroso olhar febril, abraçou a criança, que chorava como qualquer recém nascido, dando a ele o seio para que ele tivesse pela primeira e última vez o leite de sua mãe. Conforme o pequeno se acalmava e caía no sono, Ursula disse as últimas palavras a Mary:
- Eu vou morrer, Mary... eu sei que vou morrer. – Mary queria dizer que ela iria sobreviver, mas sua garganta se trancou, e pareceu bem óbvio que não adiantaria mentir à amiga. Elas se encararam por um instante, antes de Ursula continuar, num sussurro rouco e urgente:
- Eu quero te pedir duas coisas! Em minha casa, sob minha cama, há uma pequena arca, nela há uma chave, uma lousa e um envelope... são minhas últimas palavras para o pequeno Tom...
- Pequeno Tom?
- Sim, meu filho... Esse é o nome dele, Tom como o pai, Servolo, como meu pai, e Riddle, para que ele não esqueça que ele tem uma família, embora o pai o renegue...
- Mas Ursula... como vou registrá-lo? Os Riddle jamais permitiriam que se registrasse um bastardo com o nome deles.
- Leve-o para longe... vá a um povoado vizinho chamado Old Campville e procure os Snapes... faça isso por mim, eles vão ajudá-la, diga a Rose Snape que eu morri. Provavelmente ela saberá o que fazer. Mas não dê a caixa a Rose Snape, ela não pode ver o conteúdo de forma alguma... guarde a arca, Mary, quando o pequeno Tom estiver para completar onze anos, entregue-a a ele, por favor. Não antes, não depois... – os olhos de Ursula encontraram os dela em súplica, e Mary não teve realmente como negar. Ursula morreu naquela noite, com o pequeno nos braços. No instante que a mãe morreu, o pequeno Tom deu um pequeno gemido e soluçou baixinho. Mary tirou-o dos braços da morta melancolicamente, e aninhando-o junto ao peito, pediu que por caridade o marido providenciasse para Ursula um enterro digno.
Dias depois, Mary, a contragosto do marido, embarcou numa carroça com o pequeno no colo, indo procurar os tais Snapes de Old Campville, que distava cerca de três quilômetros de Little Hangleton. Era uma gente muito estranha, a mulher por acaso também acabara de ter um filho. Ela quase não falou com Mary, mas o homem mandou que ela esperasse na estranha casa dos dois, onde um cheiro acre predominava e ela achou estranho, pois durante todo o tempo que esteve lá a mulher, mesmo com o menino no colo, parecia preocupada em mexer um caldeirão grande de cobre que estava no fogo, de onde evolava uma incômoda fumaça púpurea.
Algum tempo depois, o homem retornou, dizendo que registrara o menino com o nome de Riddle, o que ela nunca entendeu como acontecera, e que como eles não podiam ficar com a criança, pois a casa era pequena, ele conseguira lugar em um abrigo de meninos próximo. Com o coração apertado por deixar o pequeno Tom no orfanato, Mary prometeu que todos os anos arrumaria um tempo para visitá-lo.
- Nós também o visitaremos um dia– disse secamente Rose Snape.
E agora, Mary via que os anos haviam passado rápido, e o pequeno Tom estava para fazer onze anos, e era hora de levar a ele a arca que sua mãe deixara, com aqueles dois estranhos objetos, e a carta que ela, por respeito, jamais abrira. 
Quando chegou ao Orfanato, o pequeno Tom já estava com a cara grudada na grade, como sempre acontecera desde que ele completara seu terceiro aniversário. O menino parecia saber sempre com antecedência a chegada dela, e era sempre encantador. Todas as vezes que tinha de voltar, ela sentia-se tristonha por não poder levá-lo. Agora era mais difícil chegar ao povoado, o seu marido gostava cada vez menos que ela fosse ver o pequeno. Ele sentia um certo asco pelo garoto, porque depois que a mãe deste morrera, corria um boato que ela fora abandonada por Riddle por ser uma bruxa, o que Mary achava ridículo, mas de qualquer jeito, sempre que ia visitá-lo, levava um de seus filhos, normalmente Ester, a menor, nascida um ano depois de Tom, no ano em que o seu filho mais velho morrera de difteria.
Enquanto eles brincavam, ela conversava com a responsável pelo orfanato, que dizia que Tom era um menino exemplarmente comportado, com o melhor desempenho do orfanato na escola do povoado, e tirando um ou outro incidente com os meninos da ralé da aldeia, que estudavam na mesma escola, ele jamais dera um pingo de aborrecimento, e jamais precisara ser castigado. 
Mary estourava de orgulho, pois se sentia responsável por aquela criança. Ursula ficaria feliz se visse que o filho era bom aluno, e seria alguém na vida. O que ela não sabia, é que as palavras da responsável eram meias verdades. Era verdade que o pequeno Tom era o primeiro aluno, e normalmente não criavam confusão com ele. Mas se isso acontecia, era justamente por causa do tal incidente a que a responsável se referia. 
Uma manhã, os meninos mais terríveis da aldeia, aqueles que todos temiam, haviam descoberto Tom. Eles costumavam escolher alguém para implicar, e ele fora o eleito. Tom era calado e normalmente não se aproximava muito nem mesmo dos próprios colegas do orfanato. Na verdade, eles tinham algum medo de Tom, porque ele não parecia normal. A noite, nos sonhos, muitas vezes murmurava em uma língua estranha, e desde muito pequeno, ao invés de pular e correr, preferia enfiar a cara em livros, o que o fazia extremamente simpático à bibliotecária do colégio. Como qualquer criança que conquista a simpatia dos adultos, ele era considerado por todos os outros uma aberração. 
Jason, o líder dos meninos da aldeia, parecia não ligar para o fato covarde de ser maior, porque era repetente, e bem mais corpulento que o pequeno Tom. Cismara que iria bater no garoto, e seus colegas achavam aquilo divertido, era o que fazia sempre, com qualquer garoto com que cismasse. E nenhum menino do orfanato se aproximou para defender o pequeno e franzino Tom quando o grandalhão e seus amigos o cercaram. O menino apenas olhou para cima, com a mesma expressão neutra que olhava para qualquer um. 
- Dava para me deixar passar? – ele disse, encarando o grandalhão.
- Não... hoje a gente quer brincar com você, Tom.
- Eu não quero brincar com você... – Tom não terminou a frase, pois foi pego pela lapela da camisa da escola e erguido no ar, diante das risadas dos outros garotos, e do olhar indiferente dos companheiros de orfanato. 
- Vamos brincar com o Tom, Vamos brincar com o Tom – dizia numa alegria assustadora o garoto, enquanto sacudia o menino, que inutilmente tentava se livrar das mãozonas enormes do grandalhão. Foi quando Jason parou de rir, subitamente. Tom olhava-o de forma estranha, com raiva, quando ele sentiu como se uma mão invisível apertasse a sua garganta e o aperto aumentava. Sem poder respirar, largou o pequeno Tom, que caiu no chão mas ergueu-se rapidamente, olhando Jason desesperado ser socorrido pelos companheiros perplexos. Jason olhava para Tom apavorado... só ele notou que Tom ria. Um sorriso mau, frio. O garoto não acreditava que estivesse sufocando por causa daquele pirralho... ele nem encostara na sua garganta. Então, Tom virou as costas para o bando e nesse momento, o garoto sentiu que o aperto cessava. Desse dia em diante, ninguém mais mexeu com Tom Riddle na escola. E é claro que quando isso chegou aos ouvidos da responsável pelo orfanato, ninguém achou que o menino sufocara porque Tom fizera algo. Fora apenas coincidência, e Tom dera sorte.

Tom adorava as visitas de Mary e Ester. Ester era a única criança com quem brincava, a única que não o olhava como se ele fosse algo a ser levado para longe, uma aberração. E Mary era boa para ele. Mas havia algo dentro dele que não era fácil de explicar, nem de entender, e sequer Tom sabia do que se tratava. Ele de algum jeito, sabia que era diferente, e era algo que ele tinha certeza: viera de sua mãe. Desde muito pequeno, ele queria saber de onde vinha essa estranheza, e fora por isso que se tornara um leitor voraz: queria entender porque ele conseguia fazer coisas que os outros não conseguiam. 
Descobrira que podia às vezes, se se concentrasse ver durante a noite como se estivesse claro. Mais de uma vez, casualmente, na biblioteca um livro viera para sua mão apenas porque ele quisera. E havia os sonhos, sonhos onde ele conseguia comandar um animal enorme de forma indistinta, um monstro que o obedecia. E nem mesmo ele conseguia saber que língua era aquela que ele falava nesses sonhos. Mas gostava da sensação que experimentava durante os sonhos: poder, o poder de comandar uma criatura com força ilimitada. Pareceriam a qualquer adulto complexos demais os sonhos e os desejos daquele menino de menos de onze anos.
Quando Mary surgiu no pátio, ele e Ester brincavam correndo em volta de uma árvore, a verdade era que Ester era bem mais rápida que ele, e sempre o pegava e ele raramente conseguia alcançar a menina. Mary aproximou-se e olhou alegre para o menino. Estava se tornando bonito, em breve, poderia trabalhar e se livrar do estigma de um orfanato, bom aluno, primeiro na escola, leitor voraz apesar da pouca idade... que rapaz bem sucedido não haveria de tornar-se aos dezoito, dezenove anos. Ela chamou as duas crianças se se sentou numa mesa de pedra entre elas. Tudo no orfanato era frio e triste, e mesmo o pátio onde as crianças brincavam não era belo. Ela sorriu para Tom e começou:
- Meu filho... eu te trouxe uma coisa.
- Um presente? – Perguntou o garoto ansioso, em toda sua vida, mesmo de Mary jamais ganhara um presente, fora a muda de roupa do orfanato, que eles ganhavam no Natal. Mary era pobre demais para dar-lhe qualquer presente. 
- Sim... mas não sou eu quem te dou o presente. Tua mãe – a mulher reparou na sombra ligeira que apareceu no rosto do menino – ela me mandou entregar-lhe esse presente... – ela pegou a caixa que trouxera e entregou-lhe. Tom começou a abri-la quando deu de cara com o envelope, escrito com a letra de sua mãe, caprichosa e floreada, onde se lia apenas: “Tom”. Ele fez menção de abrir o envelope mas Mary disse:
- Não... deixe para abri-lo quando estivermos longe... sua mãe me confiou isso há muitos anos e eu jamais abri... acredito que o que quer que ela tivesse a dizer... fosse só para você.
Tom encarou a mulher e guardou a carta, mas continuou a examinar os objetos. Uma chave, que fora o fato de ser dourada não parecia ter nada demais, e uma lousa de escrever feita de ardósia preta, do tamanho de uma folha de caderno, que parecia antiga e lascada nas beiradas, com vários desenhos na moldura: serpentes, raios, estrelas, um corvo... um homem alto de cabelos e barbas negras num canto, do outro uma mulher de cabelos negros, que parecia olhar para o homem. E no meio, uma única palavra, de significado oculto para ele: Slytherin. Preso à Lousa, havia um bloco de giz tosco e irregular.
- O que será isso, Mary?
- Há anos me pergunto isso, meu filho... creio que um objeto de família, de escola, provavelmente. Deve estar na tua família há muitos anos. 
- Vou guardá-lo, então – disse o menino resoluto e satisfeito. 
A tarde avançou agradável, Mary trouxera um farnel de sanduíches que consumiram num passeio pelo campo (se fosse qualquer dos outros meninos do orfanato, jamais a diretora permitiria, mas Tom era considerado exemplar, todos sabiam que era bem comportado). As crianças correram pela relva e Mary encostou-se sob uma árvore frondosa, feliz. Viu Tom perseguindo inutilmente Ester e riu. Viu-se de repente devaneado sobre como Tom, tão inteligente e provavelmente no futuro um rapaz bem sucedido, seria um ótimo marido para sua Ester, sua única menina. Era uma tolice, ela pensava, mas o pensamento lhe fazia bem. Seu peito arfou, ela ultimamente às vezes sentia isso, uma incômoda falta de ar. Recostou-se e sorriu. O sol descia rumo ao horizonte e as crianças estavam bem, era bom que fosse assim, quem sabe isso não faria Ursula feliz, onde ela estivesse?
Ester e Tom voltaram até ela, e recostaram a cabeça no seu colo. Ela sentiu-se feliz como nunca. Tom sorria para ela. Não parecia nestes momentos uma criança bastarda, mas alguém para ser amado como um filho. Repentinamente, as crianças saíram correndo e ela sorriu novamente. Ela não sabia que aquela era a última visita que faria ao pequeno Tom. Ela não sabia que ele jamais seria o que ela imaginava. Ela não sabia que o mal que haveria de matá-la no inverno seguinte destruiria todas as chances de Tom Servolo Riddle ser outra coisa senão o mais temido Lord das Trevas que os bruxos haveriam de conhecer.

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Logo depois que Mary e Ester partiram, Tom pegou a caixa e examinou atentamente. Era a única coisa que teria de sua mãe, afora a imagem que fizera pelas descrições que Mary fizera dela. Sentou-se em sua cama, no dormitório do orfanato, e então deu com os olhos atentos de outro menino. Não queria que ninguém o visse lendo a carta que sua mãe mandara para ele... o recado de sua mãe. Correu abraçado à caixa pelos corredores do orfanato, àquela hora silenciosos porque estava quase na hora do jantar e todas as crianças estavam próximas ao refeitório. Ele correu até um lugar onde costumava trancar-se à noite para ler os livros que trazia da biblioteca do colégio, e onde a escuridão nada significava, porque ele tinha a capacidade de enxergar no escuro. Sentou-se no vão do armário, que cheirava fortemente a mofo e traça, e fechou a porta. 
Assim que quebrou o lacre vermelho que fechava a carta, seu coração disparou, pois de dentro dele caiu uma fotografia. Fotografias eram algo caro e incomum. Poucas vezes ele vira alguma, e até hoje só aparecera em uma única tirada no colégio, com a Turma inteira. E logo viu que aquela fotografia era especial, pois a mulher que estava nela se mexia. Dançava. Ele nunca ouvira falar de fotografias assim. Virou-a do outro lado e viu uma dedicatória:
“Tom, meu filho, não te espantes. Esta sou eu, tua mãe, aos dezoito anos. Esta fotografia é a única que tenho, espero que a guarde como um tesouro. Leia agora a carta, para descobrir a que povo pertences.”

Seu coração bateu descompassado... a resposta, a resposta do porque ele era diferente, do porque tinha sonhos estranhos... sua mãe ia dar-lhe a resposta que jamais encontrara. Abriu nervosamente a carta, escrita num estranho papel, como jamais vira. A letra floreada de sua mãe parecia dançar à sua frente, como sua mãe dançava na fotografia. Ele não conseguia ler. Fechou os olhos e tornou a abri-los. Lá estava, a carta, tudo que restava de sua mãe:

“Meu filho”,
Teu pai nos abandonou esta noite... Ainda nem nasceste, e já és como eu, um abandonado.
Eu gostaria de poder dizer-te isso tudo pessoalmente, mas nos últimos tempos eu me mantive viva apenas para que vivesses, porque desde que teu pai nos deixou, eu morri por dentro. Talvez te perguntes porque isso aconteceu... seu pai me amou, seu pai nos amou, até o dia que soube o que eu era... o que nós somos.
Somos bruxos, filho. Tanto eu, como, tenho certeza, tu. Não somos gente comum, e a essa altura da vida, já deves ter percebido isso. Com certeza, podes fazer coisas que garotos de tua idade não podem, deves querer saber de onde vem essa diferença, deves desconfiar que tenha vindo de mim... pois veio, filho, sou bruxa, e tenho orgulho disso. Até hoje eu era a última bruxa de uma linhagem gloriosa, a descendente única do maior bruxo que o mundo já viu. 
Nosso ancestral se chamava Salazar Slytherin, e em breve entenderás a importância dele, quando ingressares no nosso mundo. Mas mantêm segredo disso, filho, pois verás cedo cedo que ser um Slytherin hoje é ser um maldito. A lousa que te dei, ela há de te ensinar o que é ser um Slytherin, mas usa-a em segredo, não deixa nenhum bruxo deitar os olhos nela, para tua segurança. Descobre o segredo da lousa, filho, e todos os segredos do mundo bruxo podem estar ao teu alcance, como estiveram ao alcance de muitos que vieram antes de nós.
Confiei esta arca a Mary porque sabia que ela te entregaria, mas seus tutores no mundo bruxo hão de ser os Snapes. Se não dei essa arca a eles foi porque nossa família é solitária e confia desconfiando de outros bruxos. Em breve duas coisas hão de acontecer na tua vida, provavelmente a primeira delas vai ser a chegada de uma coruja.
As corujas são as mensageiras de nosso povo. Uma vai te levar uma carta com o pedido de matrícula em Hogwarts, a escola dos bruxos. Ela vai falar de uma lista de material, responde-a sem demora e aceita a matrícula, não te preocupes com o material de escola, nem como vais chegar até ela... confia apenas em tua mãe. 
Os Snapes vão te procurar logo depois, Rose e Theobald. Eles vão te levar para comprar o material, e não te preocupas com isso. A chave que te dei acessa um cofre no banco dos bruxos, lá não há muito dinheiro bruxo, apenas o suficiente para que termines teus estudos, são todas as economias que pude juntar e guardar para que não sofras. Talvez tenhas que algumas vezes usar material de segunda mão, perdoa tua mãe por isso, por favor. Não sei se estás em orfanato, ou com pais substitutos, não viverei para saber esse teu destino, mas seja qual for, deixa que os Snapes expliquem o seu destino, e nunca digas que és um bruxo àqueles que tomam conta de ti, se são trouxas (não bruxos). 
Meu filho... a última coisa que te peço, é que um dia procure teu pai, quando fores um bruxo de verdade, e mostre a ele o grande filho que ele perdeu... deves isso à minha memória. Morri para que vivesses, mostra isso a teu pai, mostra o ódio de tua mãe, àquele que a rejeitou por não aceitá-la diferente. Vingue-me. Vingue-nos.

Tua mãe, 
Ursula S. Grimoire

O menino leu e releu a carta várias vezes. E quando leu pela última, já muito consciente daquilo que era, com o corpo todo latejando do choque da informação, já tinha mais forte que tudo a semente pequenina do ódio. Seu pai. Por isso que Mary jamais falara dele. Um dia. Um dia ele vingaria sua mãe. Um dia ele teria vingança. 
Vagarosamente, destrancou a porta do armário e saiu pé ante pé. O orfanato estava mergulhado num profundo silêncio. Todos dormiam, ninguém parecia ter notado sua ausência. Silenciosamente, ele foi até sua cama e guardou a pequena arca, antes de se deitar. Cobriu-se e ficou de olhos abertos no escuro, incapaz de dormir. Agora era esperar. Esperar pela coruja.

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