Prólogo



PRÓLOGO
(Quando esta história realmente começa, mil anos atrás)

“...Aterrorize-os com a simples menção do teu nome...”

Periferia de Londres, numa época passada

Suas mãos pareciam agora cobertas de escamas, encolhido na sombra mais escura da cela úmida, ele esperava e esperava. Não havia uma única entrada ali, o ar não se renovava. Ele estava completamente isolado do mundo exterior, não podia saber se do lado de fora era noite ou dia, se fazia sol ou chovia. Era também escuro, mas os olhos dele já haviam se acostumado, e ele sabia formas que os trouxas desconheciam de ver no escuro, aprendera isso ainda criança. Baixinho sibilou na língua que apenas ele conhecia, quem sabe uma serpente pudesse se deslizar até ali... elas sempre haviam sido servas fiéis. Do lado de fora, o guarda-cela esquivou-se, arrepiado. Ele riu.
Ele não sabia quanto tempo faltava para sua execução, olhou cheio de ódio os grilhões em seus pulsos magros, a marca da traição. Eles pagariam, todos eles pagariam, principalmente os trouxas. Súbito, um barulho fez com que ele levantasse a cabeça. Um brilho apareceu no fundo da cela, então, tomou a forma difusa de um homem. Um homem de cabelos longos e castanhos, e olhos de um intenso azul. Antes que o guarda-cela percebesse sua presença, foi posto inconsciente pelo invasor, que encarou o outro com os olhos cheios de pena. Foi neutralizando sua visão noturna, porque o invasor iluminara o recinto. Era típico dele, que não era acostumado com a escuridão. Eram diferentes e sempre opostos. 
Durante um bom tempo, encararam-se em silêncio. O recém chegado tinha na cintura uma espada de prata encravada de rubis, usava vestes claras, e sobre estas, uma armadura de peito feita de metal brilhante, onde podia se divisar claramente a figura de um leão. O leão, a marca de Godric. O prisioneiro encarou-o altivamente e disse:
- O que vieste fazer aqui, Godric? Atirar-me na cara minha derrota? 
- Não, Salazar... vim para levá-lo comigo. 
- Levar-me contigo? Enlouqueceste? Queres também que destruam aquilo que a muito custo construímos? Minha presença por lá atrairia trouxas enfurecidos.
- Não. Eu, Rowena e Helga ocultamos o castelo, fizemos toda a sorte de encanto, e a magia do local nos ajudou. Nunca mais Hogwarts será vista pelos trouxas. Nem em mil anos, salvo se assim quiserem os mestres. Se fores comigo, estarás a salvo para sempre.
- E preso para sempre, Godric – disse Salazar com amargura. – Não. Se queres me ajudar, quando os trouxas e o traidor chegarem, me ajuda a matar a todos, e só então fugirei. Salazar Slytherin não é um covarde.
- Sabes muito bem que jamais farei isso... Uma vez, Salazar, uma única vez, escuta-me. A escola precisa ainda de ti, há coisas que ocultaste lá que são mistério para nós. Nós, eu , Rowena e Helga, apesar de tudo, queremo-lo de volta a teu lugar, que é junto a nós e aos alunos, ensinando, formando outros como nós. Os sucessores que deixaste não te chegam aos pés, Salazar. Apesar de todas as nossas brigas, eu consenti de boa vontade em estender-te a mão... e cospes nela, preferes morrer a aceitar nossas opiniões. 
- Escuta-me tu – Salazar Slytherin ergueu-se do fundo da cela, e sua figura grande e ameaçadora avançou na direção de Godric, que mesmo alto, parecia pequeno e franzino diante dele. – Durante esses dez anos que estive fora de Hogwarts, eu soube o que era poder, eu soube o que era a glória, e agora, pela segunda vez, experimento o sabor da derrota. É o jogo, Godric, o jogo do poder. Podes me acusar de tudo, menos de jogar sujo. E considero uma tremenda ofensa tu vires aqui resgatar-me como se eu fosse uma pobre donzela que precisa ser salva. 
- Salazar... porque simplesmente não esqueces? Eu esqueço o episódio dos Gárgulas, e tu esquece a mágoa.
- Esquecer? – Os olhos de Slytherin cintilaram vermelhos de ódio – eu jamais esqueço, nem relevo, nem perdôo... eu sou Salazar Slytherin, esqueceste? – ele sibilou, encarando Godric altivamente. Ele tinha grilhões nos pulsos, vestia apenas um grosso e imundo camisolão de tecido cru, mas sua figura de cabelos e barba negros e longos ainda remetia Godric à estampa admirável do bruxo que fora e ainda era, apesar dos poderes seguros pelos grilhões encantados que o traidor metera em seus pulsos. – Não quero o vosso perdão. Estou bem, e estarei melhor morto que escondido como um covarde atrás dos muros de Hogwarts. Essa é minha última palavra, e transmita-a a Helga e Rowena, com meus cumprimentos. – silenciosamente, ele voltou ao seu lugar no fundo da cela, e fechou os olhos, aguardando que Godric o deixasse em paz e desaparatasse. 
- Se é o que dizes... – Godric virava-se para aparatar quando ouviu Salazar chamá-lo. Voltou-se encarando o eterno rival. – o que foi?
- E Rowena?
- Bela e triste, como sempre, Salazar. 
- Diga a ela... não diga nada. Ela não precisa que digam que a amo. 
Godric olhou para o bruxo sério. Sentou vontade de dizer algo, mas sabia que não havia mais nada a ser dito. Com um volteio de capa, desapareceu da vista do condenado. 

Horas depois, Godric explicava a Helga e Rowena as palavras de Salazar. Helga então encarou o amigo. Era uma mulher loura e robusta, de faces rosadas, normalmente sorridente, mas àquela hora, séria e grave:
- Paciência, meu amigo... eu sempre duvidei que ele voltasse. Salazar prefere morrer a dizer a nós que estávamos certos e ele errado, viveu na ponta da espada, e por ela morrerá.
- Helga... não sabes o quanto lamento o fracasso de Godric – Rowena tinha entre os dedos o único objeto que tinha de Salazar, já gasto de tanto manipulá-lo: uma antiga pena de fênix da primeira varinha deste, a que se partira quando ele pela primeira vez, rompera o juramento dos quatro de jamais devotarem-se às artes negras. Ela testemunhara o fato, e guardara a prova. Depois disso, usara o dom que tinha, o Toque de Prometeu, que permitia antever o futuro tocando objetos ou pessoas, e com aquela pena, sempre soubera onde andara e o que fizera Salazar, seu amado Salazar. Ela suspirou antes de dizer: - Salazar não irá embora deste mundo sem levar aquele que o traiu e junto, os trouxas que o querem executar. Esta noite haverá pranto, no burgo de Londres.
Godric a encarou em silêncio. Há vinte e cinco anos, Rowena o preterira por Salazar, e desde então, poucas vezes ela a vira sorrir. Bela e triste, sempre assim ele lembrava-se de Rowena. Godric casara-se e tivera três filhos, e Rowena, ficara sozinha quando Salazar partira. Mas nunca demonstrara arrepender-se daquele amor que só lhe trouxera dor. 

A cela se abriu, e o jovem bruxo aliado dos trouxas entrou nela, sem olhar para Salazar, não queria encará-lo. Seu nome era Severo, e até traí-lo, tinha sido a pessoa em quem Salazar mais confiara. Os trouxas temiam Salazar mais que tudo, pois já haviam perdido muitos em batalhas com o bruxo. Fora para eles uma benção quando aquele que se encontrava mais próximo dele dissera a eles que haviam um meio de acabar com sua tirania, com aquilo que repentinamente ele percebera que era errado. E exultaram quando Severo trouxe, agrilhoado e humilhado, o aterrorizante bruxo. 
Talvez o maior erro de Salazar tivesse sido querer dominar o burgo que daria origem anos depois à cidade de Londres. Por causa dos anos de terror que ele impôs, nunca mais os bruxos seriam aceitos pelos trouxas. Por causa desse erro ele caíra, pois os olhos de Severo haviam se aberto justamente ao perceber a crueldade do homem que ele mais admirara em sua vida. 
O caminho até o lugar onde ele seria executado era longo, íngreme. Severo escutava os apupos e vaias dos trouxas sério, evitando olhar o condenado. Ele sabia que os outros jamais chegariam perto, todos temiam Salazar Slytherin, e na verdade só iriam sentir-se bem quando ele estivesse bem morto. Chegaram ao patíbulo onde ele seria executado por Severo, o único que poderia matar um bruxo que sabia exatamente como escapar de forca, fogueira, machado ou qualquer método de execução dos trouxas, e um silêncio imenso dominou a todos. Severo encarou Salazar pela primeira vez um instante antes de lançar-lhe a maldição fatal. Salazar então sorriu e disse:
- Faça, Severo. Conclua a traição. Mate seu próprio pai. – com a alma estraçalhada, mas certo daquilo que fazia, Severo ergueu a varinha. Salazar murmurava palavras inaudíveis, os olhos presos à varinha que o filho segurava. Severo respirou fundo e disse:
- Avada Kedavra – Uma luz verde partiu da varinha que segurava e avançou pelo ar até Salazar, mas nesse exato instante, este ergueu as mãos agrilhoadas, com os olhos fechados e algo terrivelmente impressionante aconteceu. Os grilhões atraíram para si o feitiço, e este percorreu-os como uma corrente elétrica, e daí para o corpo de Salazar, como uma grande onda. Então, ampliando-se como uma explosão, avançou em todas as direções, matando tudo que encontrou por metros e metros e metros. Quando perdeu a força, mais de mil trouxas estavam mortos. A última coisa que Salazar Slytherin viu, foi o corpo de seu filho cair inerte, com uma expressão de terror estampada no rosto. Então ele mesmo caiu sobre o corpo dele, traído e vingado, o rosto contraído para sempre numa expressão de profunda dor.

Distante dali, uma lágrima rolou silenciosa pela face bela, porém envelhecida de Rowena Ravenclaw. Ela tinha nas mãos a pena de fênix de Salazar, e um anel de ouro que pertencera a Severo, o filho único e muito amado de ambos. Olhava da janela do castelo as negras águas do lago de Hogwarts, sentindo-se vazia por dentro. Ouviu às suas costas uma voz:
- Rowena... 
- Sim, Godric. Ele se matou, e levou junto nosso único filho. Você está se perguntando como posso estar dizendo isso, se profetizei que daqui a muitos anos teu sangue e o dele hão de se unir, certo?
- Certo. 
- Nunca te perguntaste o motivo da traição de Severo?
- Ele... não se rebelou contra o pai?
- Não foi simplesmente isso. Nesse momento, Godric, em um lugar distante daqui, uma mulher jovem caminha levando uma criança no ventre, e uma herança de seu pai. Essa mulher é uma trouxa, e esse filho é filho de um bruxo. Ela era amada por Severo. 
- Então... ela espera um filho de Severo?
Não – Rowena virou-se para ele, com uma expressão que Godric jamais vira – o filho que ele espera é de Salazar, e ela foge de vergonha por ter traído seu amado com o próprio pai dele. E é deste bastardo, Godric, que vem a descendência que leva o sangue de Salazar.

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