Capítulo 02



Dor. A mão foi diretamente ao peito, sentindo a viscosidade de seu sangue entranhando em suas roupas e começando a manchar sua mão.


Assim acordara Harry Potter naquela madrugada. Fora despertado pela lastimável lembrança do seu maior fracasso. Levantou-se, segurando o próprio peito que parecia ir rasgando-se com uma navalha, tentando, em vão, estancar o sangue e correndo para fazer o feitiço que retrocederia a maldição.


Pegou a varinha, que ainda se lembrava de já ter pertencido ao seu antigo rival escolar, Draco Malfoy, apontou em direção ao próprio peito e recitou o encantamento para retardar a Maldição que o perseguiria, literalmente, até a morte.


Suspirou, enquanto sentia a dor amenizando e a pele novamente transformando-se no que aparentava ser apenas uma antiga cicatriz, como sabia. Mas, como que para ter certeza se o feitiço tinha funcionado direito, tirou a camiseta ensanguentada e encarou na vitrine da loja, onde se escondia, seu reflexo.


Harry já não era o garoto magricela de antigamente. Não tinha o corpo mirrado, nem expressões confusas, temerosas ou indecisas. A vida lhe ensinara que não se poderia ter dúvidas e que a morte lhe espreitava em cada instante de sua vida, apenas esperando a chance para lhe passar a perna. Temê-la era perda de tempo.


Apesar de não aparentar ter uma força descomunal, Harry havia desenvolvido melhor seu corpo com o treinamento diário de sobrevivência. Marcas de seus fracassos, causadas principalmente por suas distrações no início de sua carreira como fugitivo, sem Hermione por perto, eram vistas como cicatrizes em seu rosto e pelo corpo.


Mas havia uma cicatriz chamativa bem no centro do seu peito. Dava para ver nitidamente que ela formava um majestoso “V” e aquele símbolo só provocaria a mesma lembrança todas às madrugadas.


“Harry estava meio atordoado, só sabia que era segurado pelos dois braços. Não sabia como parara ali, mas acreditava que tinha levado algum feitiço pelas costas enquanto se digladiava com algum comensal qualquer, que seu cérebro pouco conseguia processar quem era.


Abriu os olhos, ainda meio atordoado. Viu um par de pés. Começou a subir o rosto até encarar o rosto ofídico de seu arqui-inimigo. Novamente sozinho.


- Um garoto persistente, admito, menino Potter. – ele falou. Havia um brilho de ira em seu olhar enquanto o observava. – Quantas vezes é preciso matá-lo para que possa, finalmente, livrar-me de sua presença incômoda?


Harry não conseguiu falar. Não era imortal e tinha certeza que suas cartas provavelmente já haviam se esgotado para livrar-se milagrosamente de morrer.


Viu-o apontar a varinha em sua direção e teve certeza que morreria. Fechou os olhos, mas apenas se sentiu ser grudado ao chão, enquanto os comensais o largavam.


- Saiam daqui. – ordenou Voldemort.


Os passos dos comensais logo começaram a sumir, após a ordem. Quando ficaram a sós, Harry tinha os olhos arregalados. Sozinho, era tudo o que pensava naquele momento. Estava sozinho.


- Isso mesmo, Harry. Você está sozinho. Ninguém para te salvar, nenhuma varinha para me impedir... – um sorriso maligno estampava o rosto deformado, sugerindo que sair ileso dali não era o que ele pretendia. – Nosso pobre salvador não tem ninguém para salvá-lo agora. Que irônico, não acha? Será que é capaz de se salvar sozinho?


Ele rodeava Harry, que estava grudado ao chão com um feitiço, imobilizado. Parecia o perfeito caçador que espreitava o melhor jeito de devorar sua presa.


- Sempre tive a curiosidade de saber algo, Potter. Diga-me: o que você ganha ao morrer para salvar desconhecidos? O que você ganha por morrer sozinho? – ele sibilara, estreitando os olhos gatunos em sua direção – Porque sempre foi assim, não é mesmo? Sempre encarando os perigos mortais completamente só... – ele ajoelhou para ficar muito próximo do rosto de Harry e poder sibilar baixo, próximo de seu ouvido, como para contar um segredo íntimo – Vale a pena desperdiçar sua vida por gente que não faz nada por si mesma, esperando tudo de você?


Harry sentia-se quebrar, lentamente, a cada palavra proferida sem qualquer piedade por aquela língua venenosa. As palavras penetravam em sua mente, como ácido, e o medo assolava seu coração, oprimindo-o. Sem conseguir reprimir, um pensamento amargurado surgiu em seus pensamentos: Será que tinha valido a pena?


- No entanto... – Voldemort havia voltado a ficar ereto, ainda sentado ao lado de seu corpo –... Não foi por isso que o capturei. Quero matá-lo, como você bem deve saber. Porém, como não sei ao certo quantos infortúnios se reverterão a mim ao, novamente, lhe lançar a Maldição Imperdoável da Morte, Potter, eu decidi fazer algo mais seguro. Você parece imune a uma morte instantânea e, provavelmente – seu sorriso tinha aumentado e seus olhos cintilaram – indolor, terei de me contentar com algo mais vagaroso.


Com a varinha, ele havia rasgado a camiseta de Harry, deixando seu peito à mostra. Apoiava a ponta da Varinha das Varinhas em seu peito, enquanto os olhos viperinos o encaravam, malévolos. Um sorriso de pura crueldade estampava o rosto deformado.


- Existem muitas maldições mortais pelo mundo, Sr. Potter. – começou ele, com ar informativo – Uso somente esta Maldição Imperdoável, pois é a mais prática. Agora, eu vou usar uma Maldição Execrável, a classe das maldições mais poderosas que existe. Vou usar uma simples, que amaldiçoará apenas seu corpo. Ele sangrará pouco pela ferida que produzirei, no início, mas não parará e, a cada dia passado, sangrará um pouco mais. Esperarei pacientemente pela sua morte, com a segurança de que, se acaso afetar-me de algum modo, ainda posso revertê-la.


Depois disso, sem que desse tempo de Harry falar qualquer coisa, ele começou a recitar alguma coisa. Harry ouviu pouco mais do que duas sílabas antes de começar a gritar. Sentia seu peito começar a arder, enquanto a varinha dele começava a cortar sua carne. Harry gritava, sem conseguir se mexer para impedi-lo. Tentava se contorcer, inutilmente, na esperança de conseguir escapar.


- Minha obra de arte está pronta. – ele falou, quando o rapaz parou de gritar. Harry ainda estava ofegante, o que só parecia fazer a ferida sobre o peito arder mais, por causa do suor que percorria seu corpo. – Minha marca agora o perseguirá e, por ela, você morrerá. Chega a ser poético, não acha? – ele comentara, cinicamente.


Foi a última coisa que Harry ouviu antes de desmaiar.”


Assim que conseguiu se recobrar do desmaio, percebeu que estava sozinho no mesmo aposento e a porta estava destrancada. Sua única ideia, naquele momento, foi fugir. Só conseguia sentir o pânico. Porque ele estava sozinho e ninguém iria salvá-lo.


- Minha marca agora o perseguirá e, por ela, você morrerá. – sibilou Harry, encarando o “V” e passando a ponta dos dedos pelo leve relevo que estava em seu peito. Assim como a marca eterna de sua Maldição, aquela frase também o perseguiria pelo resto da vida.


Pegou a camisa e a recolocou, era a única que tinha e, mesmo manchada de sangue, ia ter que ficar com ela. Foi até um canto, onde havia um amontoado de roupas e, sem um mínimo de delicadeza, cutucara-o com a ponta do pé, para acordá-lo.


Uma mancha de cabelos flamejantes foi vista, quando os trapos foram retirados de cima de sua cabeça. Viu os olhos azuis de Rony a encará-lo, com um misto de sono e incompreensão.


- Já é hora de levantar e dar o fora daqui. – falou ele, numa voz calma, levemente cortante. – E não me olhe com essa expressão de “Quem é você?” que você sabe muito bem a resposta.


- Cara, já é estranho saber que você está vivo, mas te ver sem óculos, com essa voz calma e esse hábito incrível de acordar às exatas 3h da manhã, todos os dias, é meio perturbador, sabe? – resmungou, enquanto se levantava um pouco de mau-humor, encarando o amigo de lado, com ar ainda desconfiado.


- Já lhe disse que uma pessoa curou meu desvio de vista, enquanto vagava sem rumo depois da minha fuga. – Harry disse, com uma voz endurecida, pois falar em voz alta do seu erro era, certamente, desafiador. – Assim como, também, já lhe respondi que tenho um relógio natural que não perdoa atrasos. – os olhos verdes se estreitaram na direção do amigo.


Nunca contara a verdade a Rony sobre a Maldição que assolava seu corpo, sem uma cura que não fosse implorar para quem a tinha feito para retirar. Que o seu tão conhecido relógio “natural” nada mais era do que a segunda marca produzida, propositalmente, por seu arqui-inimigo viperino.


Viu seu melhor amigo, mesmo que provavelmente sua amizade ainda estava meio abalada, levantar-se e ajeitar os trapos que serviam como capas, e, assim, poderem caminhar durante a luz do sol sem serem reconhecidos. Verificaram as armas, que ambos mantinham em seus cintos, e as munições. Estava tudo pronto para mais um dia, no qual arriscariam seus pescoços na procura por algum jeito de se aproximar de algum artefato que pudesse matar o maldito causador de todo aquele infortúnio que assolava a Inglaterra.


Durante o silêncio da caminhada pelas ruas londrinas, onde ainda pairava a neblina característica, Harry revisava tudo o que se passara até chegar onde estava e os conhecimentos adquiridos em apenas um ano e poucos meses que morava pelas ruas de Londres, ladeado por seu melhor amigo e procurando por meios de chegar aos seus objetivos.


Harry só havia chegado ali por um milagre, como sempre. Depois de três anos vagando desesperadamente em círculos, cegado pela constante lembrança que sua morte se aproximava a cada dia, e sem resolver seu problema, foi encontrado e salvo por um velho sábio eremita – que nunca chegou a saber seu verdadeiro nome – nos seus quase últimos suspiros de vida.


Durante os seis meses seguintes, o velho bruxo produziu todo tipo de encantamento possível para livrá-lo do que lhe assolava, mas, no final, informou-lhe que a maldição era muito poderosa e que até onde seus conhecimentos chegavam apenas o lançador da maldição conseguiria tirá-la sem matá-lo ou causar danos permanentes. O máximo que poderia fazer era ensinar como mantê-la sob controle e que, caso ele não conseguisse influenciar o bruxo a retirar – o que Harry já tinha certeza que não conseguiria –, viveria eternamente com ela.


Nos cinco anos que se seguiram, ele o ensinou a produzir o encantamento para retroceder a Maldição, que deveria ser refeita todos os dias; a arte de ocultar pensamentos e ler mentes alheias; e consertou seu desvio de vista. Harry teve de aprender na raça a ganhar a calma que tinha agora, mesmo nas situações mais extremas, com um treinamento muito mais duro e menos “civilizado” do que anteriormente.


Quando achou que estava pronto, que conseguia se cuidar bem sozinho, deu adeus ao seu mentor temporário. Mesmo que o passado não pudesse ser consertado, podia ainda produzir um futuro melhor. Voltou à civilização e levou um choque, observando como tudo estava bem pior do que o esperado. Foi como levar um tapa invisível de sua própria consciência que lhe perguntava: Viu o que a sua fuga causou? Vê a consequência das suas decisões erradas?


Não se deixou vencer pelo remorso. Não erraria mais. Não permitiria que se deixasse levar pelo pânico outra vez. Não se deixaria ser envenenado por palavras viperinas que assombrariam seus sonhos pelos anos seguintes.


Chegou a Londres, depois de muita caminhada cansativa, percebendo que, pior do que esperava, Londres era a concentração do caos permanente. Notou que, se não se adaptasse rapidamente ao esquema, iria estar num túmulo tão rápido quanto um disparo de uma arma de fogo.


Para não perder o hábito, seu primeiro alvo para adquirir informações foi, claro, uma pessoa que achava estar no poder, depois de vê-la intimidando uma trouxa. Ainda lembrava-se...


“-... linda, pena ser apenas uma imunda escrava trouxa. – ouviu Harry, enquanto virava a esquina, sempre mantendo um pedaço de pano como um capuz improvisado sobre a cabeça.


Virou os olhos para onde seus afiados ouvidos tinham captado a frase cortada. Vinha de um beco não muito longe. Ouvia o choro fraco de uma mulher seguir-se depois da frase.


- Mas talvez não seja tanto, pois, assim, posso tê-la quando eu quiser.


Ao ouvir o riso debochado, não teve dúvidas. Já arranjara sua fonte de informações. Correu até o local, o mais gatunamente que conseguiu, escondendo-se na beirada e espiando para dentro do beco. Avistou seu alvo prensando uma jovem mulher, provavelmente trouxa, tremendo dos pés a cabeça, impotente.


Notou, com certa antecedência, que chegara no ponto crítico da situação, quando as mãos inescrupulosas iriam rasgar as mirradas roupas da pobre mulher e seu dono iria estuprá-la do modo mais bárbaro possível. Decidiu intervir.


Sem o homem nem mesmo perceber, Harry havia atirado um feitiço estuporante, fazendo-o cair por cima da mulher, o que a fez gritar pelo susto. Correu para socorrê-la, retirando o pesado corpo de cima.


- Está bem, senhorita? – ele perguntou com um ar preocupado.


A garota não conseguia nem falar, enquanto o observava, seu frágil corpo ainda a tremer descontroladamente. Via ainda as expressões paralisadas no susto, enquanto as lágrimas continuavam a cair. Parecia não ter processado o que tinha ocorrido.


- Terei seu silêncio como um “sim”. Só gostaria de pedir que guarde em segredo este simples rapto e tome mais cuidado ao cruzar com esses tipinhos. – ele a aconselhou, antes de levitar o corpo e sumir dali.”


Fora uma tarde muito proveitosa, enquanto arrancava informações, através de um interrogatório que, até alguns anos antes, nem mesmo imaginaria conseguir fazer.


Já tinha descoberto, em pouco tempo, que as informações das camadas mais altas, os Senhores, eram inacessíveis às camadas baixas. Porém, naquele dia, conseguira descobrir um tipo de classe intermediária: os Guardas.


Com as informações que ele lhe dava, soube que os Guardas consistiam em bruxos puros-sangues que estavam no caminho de se tornarem comensais da morte legítimos. Porém, antes disso, precisavam exercer seu poder sobre o Povo Inferior – como eles denominavam todos que não fossem um legítimo puro-sangue de família nobre –, fazê-los entender que eles não passavam de servos e que devem cumprir os desejos de seus senhores.


Como sendo os que mais tinham contato direto com o Povo Inferior, e também com os Senhores, eles sabiam quase tudo o que rolava nas camadas da sociedade. Desde um escravo qualquer ou a existência de pequenos rebeldes chefes, que exerciam influência em certas áreas de Londres, a alguns planejamentos que tinha nas camadas altas, além de alguns segredos e sigilos.


De acordo com o que contavam, havia vários desses chefes rebeldes espalhados por Londres, numa guerra civil eterna entre si para dominarem “mais mercado consumidor”. Harry pressionou o futuro comensal para explicar melhor e ele contou toda a história.


Quando Voldemort tomara o poder, fazendo a última resistência se render, tomou a central, Gringotes, dos duendes e todos os outros bancos que existiam deles pelo país, tornando-os simples escravos para trabalhar em níveis de trabalho pesados e desumanos (ironicamente, eles realmente não eram humanos, eram duendes). Fez isso, também, com todos os bancos trouxas, claro, pelos trouxas serem escravos – de acordo com sua teoria de sociedade purificada – por nascença. Eles nasceram para servir os bruxos, e isso era um fato.


Em algum momento, os banqueiros trouxas e os duendes, dois grupos que só ambicionavam a parte monetária da vida, encontraram-se e, dessa união, surgiu o Mercado Negro que rolava entre o Povo Inferior. No começo, era apenas um grande grupo, mas conforme se passou o tempo, brigas e desavenças começaram a se formar entre eles. No fim, uniram-se em grupos menores para seguir um para cada lado e, no egoísmo de não perder o “mercado”, começaram uma guerra civil interminável, na qual cada grupo tinha seu próprio miniexército, para poder atacar e defender seus territórios, e intrigas políticas entre seus próprios membros.


Aquilo explicava por que, em alguns locais, era mais pacífico e em outros, um completo caos. As fronteiras dos territórios viviam em conflitos e mudavam constantemente pelas derrotas de um lado e pelos vencedores, de outro. Harry achou um tanto hilária aquela situação, de certa forma. Se já não bastasse ter um tirano com poder absoluto sobre todos, com a imortalidade pela frente, ainda tinha gente que só piorava a vida dos outros, produzindo outros pequenos núcleos de poder para subjugá-los ainda mais. Reprimiu o desejo de jogar tudo para o alto, quando a lembrança das frases venenosas de Voldemort, novamente, penetrou sua mente.


Mas com toda aquela história, descobriu que havia um mercado clandestino e, ao perguntar como funcionava e o que eles dispunham, ficou maravilhado ao saber que eles podiam ter quase de tudo, assim como aceitavam qualquer tipo de oferta de troca. Desde artefatos inúteis, como quadros e medalhas, a produtos alimentícios, que seria considerado algo imprescindível – apesar de que comprá-los no Mercado Negro era querer luxo, pois os senhores já disponibilizavam parte da sua comida para os escravos “gratuitamente”, o mínimo necessário para sobreviverem e continuarem a trabalhar – podia ser comprado com qualquer coisa que você disponibilizasse e que poderia ter algum valor monetário, ou de uso para uma revenda.


Queria tê-lo interrogado mais um pouco, mas já estava ficando tarde. Para que sua presença continuasse nas sombras, apenas desacordou o homem e modificou suas lembranças recentes, produzindo falsas no lugar das verdadeiras.


Nos dias seguintes, fez o mesmo procedimento, para continuar aprofundando seus conhecimentos acerca do que ocorria.


Voldemort, estranhamente, não parecia estar fazendo nada para parar com aquelas guerras civis e escravos rebeldes – apesar dos destinos desses escravos insubordinados serem sempre ter de se aliar a um dos pequenos grupos, como membros do miniexército, e arriscar suas vidas nas batalhas intermináveis por território, para poder ganhar seu pão de cada dia. Fazia reuniões com seus comensais mais leais, com certa regularidade, para um assunto que parecia ser tão sigiloso que mesmo a rádio clandestina de informações dos Guardas não foi capaz de captar.


Em realidade, qualquer informação acerca de Voldemort era um completo mistério. Aquela víbora era muito esperta para não deixar que seus assuntos particulares e planos meticulosos saíssem das quatro paredes e caísse na boca de qualquer um.


As informações mais concretas que tinham era a que todos sabiam – inclusive o próprio Povo Inferior inteiro. Onde habitava, seu meio de locomoção e sua imortalidade testada quando um trouxa havia tentado baleá-lo. Havia, também, os boatos que rolavam, como ele nunca dormir e não ter um coração – o órgão mesmo. Não imaginava o que eles podiam criar que tivesse em seu lugar – e seu poder devastador. Harry sabia de tudo aquilo, mas chamou-lhe a atenção um determinado comentário.


Ele tinha um misterioso escravo que mantinha ao seu lado sempre, assim como Nagini. Percorria o boato de que ele o tratava melhor do que sua mais leal comensal, Bellatrix. Teria tido a coragem de criar outra horcrux?


Queria saber mais sobre a estranha pessoa, mas o máximo que conseguiu, depois disso, foi saber que se tratava de alguém da antiga resistência que havia sido aniquilada pouco tempo depois de sua rendição, mas ninguém nunca soube exatamente quem fora o sortudo que adquirira o interesse do Lorde das Trevas. Durante um ou dois anos, o escravo misterioso foi mantido entre quatro paredes e temeu que nesse tempo recluso ele tivesse feito sua Horcrux.


Deixou aquele assunto de lado quando não conseguiu arranjar mais nada de útil. Precisava saber onde aquele infeliz devia ter escondido artefatos raros e letais. Acreditava que, mesmo sabendo que seria difícil alguém descobrir como conseguira sua imortalidade – não achava que ele distribuísse livros de Magia Negra para qualquer um ler por aí –, não devia deixar tais objetos nas mãos de leigos. Devia guardá-los com muito zelo, em um lugar muito bem protegido.


Partindo dessa lógica, já que ninguém parecia compreender o que ele queria dizer com “artefatos raros e letais”, perguntou se havia algum local muito bem protegido por ele.


Positivo. Adorava como conseguia ser persuasivo com aqueles tipinhos com apenas um olhar torto. Ter cicatrizes pelo rosto, como Olho-Tonto Moody, o deixava com um ar mais amedrontador.


Notou que era melhor adquirir um mapa, para marcar os locais importantes. Roubou um anel de um dos seus tantos seqüestrados para ter algo que pudesse trocar. No entanto, o anel parecia valioso demais e, além do mapa, ainda lhe deram, de “brinde”, duas armas e suas devidas munições, até com uma mochila para poder guardá-las de modo satisfatório. Isso porque ele já havia dito que tinha uma varinha, ou esta seria a outra opção. Varinhas eram muito caras no submundo, pois todas haviam sido confiscadas. De algum modo completamente desconhecido, o Mercado Negro conseguira colocar as mãos em algumas e, aquele que tinha uma varinha, era considerado já de respeito, mesmo que sabendo usá-la deficientemente.


Mas, assim como tinha poucas varinhas, também havia poucas pessoas que pudessem usá-las e fazer alguma coisa. Descobriu em um dos seus interrogatórios...


“- Vamos acordar, Bela Adormecida? Temos que bater um papo. – Harry havia acabado de lançar um “Enervate” para que o futuro comensal não ficasse dormindo o resto do dia. Não tinha muito tempo para perder.


Ele pareceu demorar um pouco a entender o que acontecia. Estava amarrado e apoiado a uma parede e Harry, ainda com o capuz sobre a cabeça, sentava-se logo à frente, com ar indiferente. O que recebeu logo de principio foi um sorriso.


- Há, quem diria! Um Sangue-Ruim que aprendeu meia dúzia de feitiços e já acha que pode fazer alguma coisa. – zombeteou um dos seus mais corajosos sequestrados, quando havia acordado, vendo a varinha que era apontada para o peito.


- Para sua informação, não sou um Sangue-Ruim, sou um Mestiço; não aprendi meia dúzia de feitiços, eu conheço muitos feitiços, o suficiente para te fazer se arrepender dessas poucas palavras, mas não tenho que lhe dar satisfações. – apesar de parecer, Harry não havia perdido a calma em nenhum momento, mas aprendera a falar a língua deles. Eles só entendiam através de ameaças.


- Um Mestiço? – ele estreitou os olhos parecendo intrigado – Como que você fugiu? – Harry erguera uma sobrancelha com a pergunta inesperada, mas uma parte de seu corpo reagira, colocando a mão sobre o peito, em cima da marca de seu fracasso.


- Fugi? De quê? – Claro que seu primeiro pensamento foi àquela fuga.


- Como de quê, Mestiço retardado? Do seu Senhor, é claro! Nenhum Mestiço perambula mais pelas ruas, hoje em dia. Os que eventualmente nascem, são imediatamente levados para serem escravos particulares desde crianças. Então, é claro que você conseguiu, de algum modo, se livrar da coleira e fugir.


Harry arranjara outro assunto interessante para interrogar.”


Descobrira, naquele dia, que ele era o único Mestiço que perambulava pelas ruas. Todos os outros eram Nascidos-Trouxas que, de algum modo, haviam escapado da inspeção ao terem ou a magia muito fraca para ser detectada ou despertou-a tardiamente. Assim sendo, não tinha ninguém para lhes ensinar a controlar sua magia, até onde sabia e que também era de conhecimento geral da classe intermediária.


Não sabia o quanto Voldemort sabia desses “burladores da lei”, como tampouco entendia o porquê de deixar varinhas perdidas por aí, mas não iria reclamar, pois a sua muito bem poderia ter sido comprada e, ao invés de sair dizendo que era um Mestiço, que era um Nascido-Trouxa.


Com a “ajuda” da sua fonte de informações, seu mapa ficou pontilhado de lugares interessantes para visitar, mas seu principal objetivo ainda era o “lugar muito bem guardado”. Usou um método que não lhe era convencional, mas seria de utilidade.


Utilizou a Maldição Imperius para seu fantoche adquirir informações de como poder penetrar no local, quais as defesas e outros detalhes importantes, como passagens alternativas e possíveis rotas para uma fuga, caso desse alguma coisa muito errada. Parar nas mãos de Voldemort ou acabar morto não estava entre seus planos.


Cautela nunca é demais, meu rapaz, lembrava-se do seu mentor temporário dizer, quando não quis lhe dizer seu nome.


Com mais dois meses de preparação, Harry finalmente se aventurou no local.


Foi quando topou com Rony. Para a estranha satisfação e frustração de sua vida, o local tão bem guardado era, na verdade, um calabouço onde mantinham Rony preso. Teve que reformular todos os planos, por causa da surpresa, para conseguir tirar seu amigo dali.


Quase não podia crer em seus próprios olhos. Alguém, além do escravo misterioso, havia sobrevivido do massacre à última resistência. Seu melhor amigo, Rony, também estava vivo, num estado lastimável pelo cativeiro, mas vivo!


“- Rony? Rony? – chamava Harry, com ar esperançoso, por cima do amigo que acordava lentamente.


O amigo ainda parecia muito atordoado, enquanto piscava os olhos, retraindo a testa parecendo incomodado com a luz esmaecida do dia. Tinha colocado uma das mãos sobre os olhos, para enxergar. A primeira vez, depois de nove anos, que via os olhos azuis de seu amigo, assim como obviamente acontecia o contrário.


- Harry...? – ele falou, fracamente, com uma voz enrouquecida.


Sorriu e, pela primeira vez em alguns anos, demonstrou mais do que indiferença e uma calma sobrenatural. Tinha até mesmo lacrimejado.


- Eu morri...? – ele voltou a perguntar, completando – Finalmente?


- Não, idiota, eu te salvei. – Harry conseguira rir, sabendo que Rony achava que estava morto, assim como o resto do mundo também.


- Impossível! Você está morto! Com certeza devo estar tendo outro daqueles sonhos doidos que ando tendo ultimamente. – Rony tossiu, sentando-se e arqueando seu corpo.


A visão do corpo de Rony era a consequência do tempo que ficara naquela cela e que Harry desconhecia. O local era escuro e úmido, sem uma janela sequer para entrar alguma luz, o que obrigou Harry a ter de usar um Lumus. Assim que a luz iluminou o local, a primeira coisa que viu foi o ruivo cabelo meio opaco pelo pouco cuidado. Analisou melhor a cena e viu que Rony dormia em cima de uns ralos cobertores, o único luxo de que ele dispunha. Do meio das cobertas, via grossas correntes saindo e se prendendo à parede logo às costas do amigo. Naquelas condições, não era de se admirar que estivesse tão magro e com uma brancura espectral. Seus pulsos e tornozelos tinham marcas das pesadas algemas, que devia carregar dia e noite durante prováveis anos.


Apenas aqueles poucos minutos foram de real alegria.”


Assim que Rony havia assimilado que estava vivo, fora de sua cela escura e que tinha sido salvo pelo seu amigo, que deveria estar morto, finalmente chorou como Harry nunca vira.


Era um choro triste, misturado a uma alegria produzida pelo desespero que cortou o coração de Harry, por mais endurecido que ele tivesse ficado com a vivência. Rony contou entre os soluços que não podia acreditar que aconteceram dois milagres ao mesmo tempo. O primeiro, finalmente sentir a liberdade. O segundo, reencontrar um amigo que era certeza ter morrido.


Harry não achava que Rony acreditasse em milagres, mas, na situação em que ele estava, até ele acreditaria. Rony havia contado que, no meio da batalha confusa, tinha sido capturado e levado até Voldemort junto com Percy e Jorge. Não soube para quê, nem o porquê, mas ele só havia matado seus irmãos e o mantido vivo desde então. Só trocara de lugar uma vez desde sua captura, para onde Harry o havia encontrado.


Depois desse evento, ambos não se desgrudaram mais, apesar de terem brigado quando Harry havia contado que tinha fugido no meio da batalha. Não se magoara com o amigo, quando este esbravejou sobre ele ter abandonado a todos, como tinha deixado Hermione sozinha para fazer todo o trabalho e tomar as decisões mais difíceis. Que tinha largado todos à morte.


Mesmo com aquela acusação, não esbravejou de volta. Apenas sorriu e falou baixo, quando ele parara, para ser ouvido.


- Se eu era o salvador, Rony, então quem iria me salvar? – havia simplesmente perguntado, acabando com a discussão imediatamente.


Nunca mais haviam tocado no assunto, mas a discussão havia abalado levemente a amizade entre eles, provavelmente porque ele não aceitava o fato de Harry ter deixado Hermione a própria sorte.


Agora, no meio da madrugada a caminhar, ambos voltavam a seus afazeres diários. Harry decidira que, provavelmente, o tal “precioso escravo” devia ter alguma informação sobre onde estaria os artefatos que desejava, e raptá-lo devia ser de valia. Mas seria uma jogada arriscada, pois revelaria que havia alguém com um mínimo de poder entre o Povo Inferior e, enquanto o mantinha prisioneiro, precisava verificar se não havia sido transformado numa Horcrux.


Era isso que andavam fazendo naqueles meses: adquirindo o máximo de informações possíveis da morada de Voldemort e rondando o local para tentar descobrir algum tipo de rotina que pudessem cortar. Mas, literalmente, Voldemort parecia ficar ao lado daquele escravo a cada segundo e enfrentá-lo era querer a morte, sem ter nada realmente útil que o atingisse.


Depois de semanas de árduos estudos, descobriram, milagrosamente, que havia um momento único, todos os dias, em que eles não estavam juntos. Na hora de dormir.


Sabia que Voldemort não dormia, mas, pelo visto, o escravo ainda era suficientemente humano para precisar suprir essa necessidade, o que lhe dava um ponto vulnerável. Mas aquela vulnerabilidade parecia aumentar, quando descobriram que eles tinham quartos separados, o que não impediria de sequestrar debaixo do nariz de Voldemort seu precioso escravo.


Agora, o que precisavam descobrir era onde raios ficava o quarto, se havia alguma janela para poderem entrar clandestinamente e se não havia nenhum tipo de feitiço de proteção contra intrusos.


Faziam esses testes, normalmente, quando viam que ele havia saído para as regulares reuniões, tendo praticamente a manhã inteira para vasculhar por fora e lançar feitiços revelatórios por todo o canto.


Claro que a casa não ficava completamente à mercê de qualquer curioso que quisesse vasculhar como bem entendia. Havia armadilhas por todos os cantos e a casa ficava muito bem trancada quando ele saía, além de haver escravos trouxas trabalhando com um vigia, para ter certeza de que não ficariam folgando em sua ausência.


Naquele dia, finalmente, pareciam haver encontrado a janela do quarto-alvo. Sua janela era cheia de feitiços que, estranhamente, eram tanto para ninguém invadi-lo, quanto para ninguém fugir de dentro do aposento. Tentaram definir o máximo que podiam dos feitiços revelados, mas a maioria era desconhecida e precisariam pesquisar um jeito de penetrar aquela barreira. Quando estava chegando o momento dele voltar, saíam rapidamente do terreno.


- Harry, isso está difícil. Tem muitos feitiços desconhecidos e não podemos perder muito tempo em estudo. Até lá, as coisas podem ficar muito piores, principalmente sem termos a mínima noção do que Você-Sabe-Quem está aprontando. – reclamava Rony, enquanto se escondiam num beco próximo para avaliar as descobertas. – E pior, nem temos certeza se aquela é a janela certa mesmo! 


- A casa é cheia de escravos trouxas. Algum deles deve ter noção da planta, por dentro da casa, e saber sobre o quarto. – falou Harry, maquinando um jeito de terem acesso a um deles.


- Eles não saem da casa, você sabe. – lembrou-lhe o amigo, também pensativo. 


- Mas aquele comensal de vigia sai. – Harry deu um sorriso de lado, voltando os olhos para o amigo que também o observava marotamente.


Já sabiam quem seria o próximo interrogado do dia seguinte.


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Respondendo...


KrysMorais = Espero que continue se interessando de como está ficando e acompanhando. :D

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Comentários (1)

  • Arthur lacerda

    muito bom esse capítulo!!!Sua fic está cada vez mais interessante!!Parabéns!!!Espero novo capitulo!!!

    2011-06-14
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