Olhos muito abertos



 


Harry sabia que tinha de quebrar o feitiço que cegava Rony e Jasmine.


Mas como conseguiria fazer isso? Ele não entendia como conseguira enxergar a verdade. Tudo acontecera tão de repente... ele estava limpando o topázio quando Doj entrou e...


O topázio!


Algumas frases do pequeno livro azul do pai, O Cinturão de Deltora, passearam de maneira vaga pela sua mente.


Ele fechou os olhos e concentrou-se até visualizar a página de que se lembrava.


 


O topázio é uma pedra poderosa, e sua força aumenta em períodos de Lua cheia. O topázio protege quem o possui dos terrores da noite. Ele tem o poder de abrir portas para o mundo espiritual. Ele fortalece e clareia a mente...


 


Ele fortalece e clareia a mente!


Harry agarrou o topázio com força, e vários pensamentos lhe vieram à mente. Ele se lembrou de que sua mão estava sobre a pedra quando conseguiu responder o último teste apresentado pelo guarda da ponte. Ele estava limpando o topázio quando percebeu que Doj não era quem aparentava ser.


A pedra dourada era a chave!


Sem se preocupar em explicar, agarrou a mão de Rony e a de Jasmine e as puxou até que tocassem o topázio.


Seus gritos de espanto e aborrecimento mudaram quase instantaneamente para gritos de terror. Seus olhos se arregalaram ao observar o aposento — finalmente, viram o que Harry estava vendo e ouviram as palavras que vinham flutuando da cozinha.


— Carne fresca em breve! Carne fresca em breve!


— Cozido delicioso! Cozido delicioso!


— Eu não gostei deles nem da casa — sussurrou Jasmine. — E Filli sentiu a mesma coisa. Mas pensei que era por termos crescido nas Florestas e não sabermos como as pessoas do mundo se comportam.


— Eu... — Rony balbuciou e esfregou a testa cora a mão. — Como pude ser tão cego?


— Todos ficamos cegos por causa da magia — Harry murmurou. — Mas o topázio fortaleceu e clareou nossas mentes para que pudéssemos resistir ao feitiço.


— Estranhei os Comensais não nos procurarem depois que nos perderam de vista na trilha — Rony murmurou, sacudindo a cabeça. — Agora entendo o motivo. Eles devem ter adivinhado onde estávamos escondidos; sabiam que acabaríamos passando pela areia movediça e que seríamos apanhados por Jin e Jod. Não é de surpreender que tenham rido ao se afastar.


— Jin e Jod são desajeitados e lentos — Harry constatou. — Se não fossem, eles não precisariam de feitiçaria ou de um sonífero para capturar as suas vítimas. Temos uma chance...


— Se pudermos encontrar uma saída — Jasmine se pôs a procurar nas paredes da cela e a correr os dedos pelas pedras gotejantes.


Rony levantou-se com esforço e tentou segui-la, mas tropeçou e segurou-se no braço de Harry para se equilibrar. O grande homem oscilava e estava muito pálido.


— É o efeito da maldita bebida — ele balbuciou. — Não tomei o suficiente para adormecer, mas acho que ela me enfraqueceu.


Ambos escutaram Jasmine sussurrar seus nomes. Ela acenava do outro lado do aposento, e Harry e Rony correram até lá o mais depressa possível.


Ela encontrara uma porta que parecia ser parte da parede. Somente uma pequena fenda indicava o seu contorno. Cheios de uma esperança frenética, eles enfiaram os dedos na fenda e puxaram.


A porta se abriu sem ruído, mas suas esperanças se desvaneceram quando olharam o que havia além.


A porta não conduzia para uma saída, mas para um depósito abarrotado até o teto com uma confusão de objetos. Havia roupas de todos os tipos e tamanhos, mofadas e com manchas de umidade. Havia peças enferrujadas de armaduras, capacetes e escudos. Havia também espadas e adagas sem fio, abandonadas e amontoadas numa pilha enorme. Havia dois baús transbordando de jóias e outros dois carregados de moedas de prata e ouro.


Os três companheiros olharam, aterrorizados, percebendo que aqueles eram os bens de todos os viajantes capturados e mortos por Jin e Jod. Nenhuma arma tinha sido suficientemente poderosa, e nenhum lutador esperto o bastante, para derrotá-los.


— A placa quebrada atraiu muitas pessoas para a areia movediça — concluiu Jasmine.


— É uma bela armadilha — Harry concordou, sério. — Os monstros ouvem o sino e correm para puxar quem quer que tenha sido apanhado. As vítimas ficam agradecidas e também vêem somente o que Jin e Jod querem que vejam. Assim, não lutam e se dirigem documente para a casa...


— Para serem drogados, mortos e devorados — Rony acrescentou, rangendo os dentes. — Como quase aconteceu conosco.


— E ainda pode acontecer — Jasmine lembrou — se não encontrarmos uma saída.


Naquele momento, eles ouviram o leve tilintar do sino. Alguém mais havia lido a placa quebrada. Alguém mais estava prestes a ser apanhado na armadilha de areia movediça.


Por um breve instante, eles ficaram imóveis, paralisados. Então, a mente de Harry recomeçou a trabalhar.


— Voltem para a lareira! — ele sussurrou. — Deitem-se! Finjam estar...


Ele não precisou terminar. Seus companheiros compreenderam e correram de volta a seus lugares, esvaziando as xícaras de suco e jogando-se ao chão.


— Doj, enrac siam! — eles ouviram Jin guinchar na cozinha. — Ohcnag o eugep!


— Eteuqnab mu! — tagarelou o irmão, entusiasmado. — Odnimrod oãtse ájsortuo so? — Escutou-se o ruído de uma tampa sendo colocada de volta na panela e o som de pés apressados.


Como Jasmine e Rony, Harry também fingia estar inconsciente quando Jin entrou para inspecioná-los. Ele não se mexeu ao ser cutucado pelo pé dela. Mas, assim que ela grunhiu, satisfeita, e se afastou, ele abriu os olhos levemente e observou-a por entre os cílios.


Ela se virara e se dirigia rapidamente para a porta. Harry só conseguiu enxergar uma massa arqueada de carne de um verde esbranquiçado e nauseante, coberta de pêlos negros, e a parte posterior de uma cabeça calva de onde brotavam três chifres eriçados. Ele não conseguiu enxergar-lhe o rosto, e isso o deixou bastante satisfeito.


— Acaf a arap sotnorp oãtse selei — ela anunciou ao deixar a cela, batendo a porta atrás dela. Tremendo, Harry ouviu-lhe os passos na cozinha e o som de outra porta batendo. Depois, o silêncio. Ela e o irmão haviam saído da casa.


— Quer dizer, então, que estamos prontos para a faca? E agora eles vão apanhar outro pobre infeliz em sua armadilha! —Rony balbuciou, erguendo-se, vacilante, e correndo para a porta com os outros.


— Deve ser o pequeno ralad — murmurou Jasmine. Ela correu até a cozinha, seguida de perto pelos companheiros.


Agora que o feitiço tinha sido quebrado, eles viram a cozinha com novos olhos. Ela era escura, fedorenta e suja. O chão de pedra estava emplastrado com sujeira de séculos. Ossos velhos estavam espalhados por toda parte. Num canto mais escuro, havia uma pequena cama de palha embolorada. A deduzir pelo aspecto da corda desgastada presa a uma argola na parede, algum tipo de animal havia dormido ali até pouco tempo atrás, quando conseguiu roê-la e libertar-se.


Os companheiros olharam apenas de relance para esses objetos. A atenção deles se voltou para o grande pote de água fervente no fogão, a enorme pilha de cebolas fatiadas e as duas facas afiadas e longas esperando, preparadas, na mesa engordurada.


Harry olhou o ambiente fixamente, sentindo um embrulho no estômago, e deu um salto quando os seus ouvidos, aguçados pelo medo, captaram um som leve e furtivo vindo das profundezas da casa. Alguém, ou alguma coisa, estava se movendo.


O som também foi ouvido por seus companheiros.


— Vamos sair daqui! — Rony sussurrou. — Depressa!


Eles se arrastaram para fora, ofegantes pelo alívio de finalmente poder respirar ar fresco e limpo, e olharam ao redor com cuidado.


A doce e pequena cabana que imaginavam ter visto era, na verdade, um quadrado volumoso de pedras brancas sem janelas. Os jardins floridos nada eram além de canteiros de cebolas e cardos. Um gramado malcuidado espalhava-se por todos os lados e conduzia sempre até a faixa verde que demarcava o poço de areia movediça.


Ao longe, puderam ver Jin e Jod. Eles gritavam, zangados um com o outro, e mergulhavam a longa vara num ponto da areia movediça em que algo caíra, perturbando a tranqüilidade do limo verde antes de afundar e perder-se de vista.


Uma onda de tristeza tomou conta de Harry.


— Eles não chegaram a tempo de salvá-lo. Ele afundou — Rony constatou, a expressão demonstrando sofrimento.


— Muito bem — disparou Jasmine. — Não temos motivos para ficar. Por que, então, estamos parados aqui, se eles podem se virar a qualquer momento e nos ver?


Harry olhou para ela. Ela devolveu o olhar, desafiadora, os lábios firmemente fechados, o queixo erguido. Então virou-se e começou a caminhar depressa ao redor da casa, desaparecendo de vista.


Harry ajudou Rony a segui-la.


Os fundos da casa eram iguais à frente, com uma porta apenas e nenhuma janela. Em todos os lados, estendia-se um gramado ralo que terminava no mesmo trecho de verde brilhante. Mais além, estava a floresta. Mas a areia movediça circundava todo o domínio de Jin e Jod como um fosso.


— Deve haver um meio de atravessar — Harry murmurou. — Não posso acreditar que eles nunca saiam deste lugar.


Jasmine examinou a faixa verde com olhar atento. De repente, ela apontou para um ponto ligeiramente manchado quase no lado oposto da casa. Lá, havia uma enorme rocha na margem.


— Ali! — ela exclamou e começou a correr.


 


Continua...


N/A: Estamos na metade da fic... ainda faltam mais oito capitulos para concluir...Capitulo 8 postado

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