O Terror



O Terror

Uivando como animais, os guardas correram ruidosamente pelo caminho atrás de Harry e Rony.
Todos carregavam estilingues e um estoque das bolas venenosas que chamavam de "bolhas". Eles sabiam que, assim que o alvo estivesse claro e as bolhas pudessem ser atiradas, os vultos que corriam adiante cairiam indefesos e gritando de dor.

Harry e Rony também sabiam disso. E, talvez, também o homenzinho ralad, pois ele gemia, desesperado, enquanto sacolejava no ombro de Rony. Porém, o caminho era sinuoso e os Comensais os perderam de vista; além disso, o medo deu asas aos pés dos fugitivos, permitindo-lhes manter uma boa dianteira.
Entretanto, Harry sabia que isso não poderia durar. Ele já estava ofegante. Enfraquecido pela experiência penosa no abismo, não tinha a força necessária para escapar do inimigo. Comensais podiam correr dias e noites sem descanso e conseguiam perceber a presença da presa onde quer que estivesse escondida.
Bem às suas costas, ele ouviu um estardalhaço e os gritos zangados de homens caindo. Com um arrepio de gratidão, imaginou que Jasmine os seguira pelas árvores e jogara galhos secos pelo caminho para que seus perseguidores tropeçassem e se atrasassem.
"Seja cuidadosa, Jasmine", Harry pensou. "Não deixe que a vejam.”
Jasmine poderia ter ficado escondida e em segurança com Filli. Os Comensais nunca teriam sabido que eram três os estranhos na clareira e não apenas dois. Mas ia contra a sua natureza ver amigos em dificuldades e não fazer nada.
Sobressaltado, Harry a viu saltar com leveza para o solo um pouco adiante. Ele não percebera o quanto ela tinha estado próxima deles.
— Criei uma série de obstáculos para eles — ela informou, contente, quando os amigos se aproximaram. -Trepadeiras espinhentas enroladas ao redor de galhos secos em seis pontos do caminho. Isso vai retardá-los. — Os olhos dela brilhavam de satisfação.
— Não pare de andar — grunhiu Rony. — A raiva só vai fazer com que corram mais depressa.
Eles fizeram uma curva e, para seu desalento, Harry viu que adiante havia um trecho do caminho sem mais nenhuma curva. Ele parecia infindável, reto como uma flecha, perdendo-se na distância.
Os Comensais não poderiam querer um alvo mais perfeito. Assim que atingissem esse ponto, as bolhas começariam a voar, pois eles veriam os inimigos com clareza, por mais longe que estivessem. O coração de Harry saltou no peito, dolorido, enquanto lutava contra o desespero.
— Para o lado — sussurrou Rony, bruscamente deixando a trilha. As árvores, delgadas, possuíam delicados ramos pendentes, inúteis para escaladas. Um tapete de grama primaveril se espalhava entre elas, e arbustos de ameixas silvestres eram vistos aqui e ali, com suas frutas rechonchudas e roxas brilhando entre as frescas folhas verdes.
Harry nunca vira ameixas silvestres crescendo livremente antes e teve uma visão repentina de como seria agradável vaguear por ali tranqüilamente, colher frutas perfumadas e comê-las direto do pé. Isso, sem dúvida, seria o que ele, Rony e Jasmine teriam feito se não tivessem se deparado com a tropa de Comensais e seu prisioneiro no caminho.
Mas eles haviam encontrado os Comensais e o prisioneiro. Assim, em vez de usufruir a tarde, estavam correndo para salvar suas vidas.
Harry olhou de relance o pacote que balançava no ombro de Rony. O pequeno ralad não gemia mais e não havia nenhum movimento entre as pregas da capa. Talvez, ele tivesse desmaiado. Talvez, tivesse morrido de fome e pânico, e tudo teria sido em vão.
Bruscamente, o caminho começou a se inclinar para baixo e Harry viu que seus passos os conduziam a um pequeno vale que não era visível da trilha. Ali, as ameixeiras silvestres eram maiores, abundantes, e seu perfume delicioso impregnava o ar.
Jasmine sentiu o cheiro do ar enquanto corria.
— Este lugar é um esconderijo perfeito — ela murmurou, excitada. — O aroma das frutas encobrirá o nosso cheiro.
Harry olhou para trás. A grama pisoteada por seus pés em fuga já tinha retomado a forma anterior e não havia pistas do caminho que tomaram. Pela primeira vez desde que deixaram a trilha, ele sentiu uma ponta de esperança.
Ele seguiu Rony e Jasmine até o fundo do vale. Enfiaram-se no meio dos arbustos mais altos que suas cabeças, ficando totalmente escondidos. Em silêncio, andaram furtivamente nas sombras escuras e esverdeadas. O solo estava úmido sob seus pés e, em algum lugar, se ouvia o som gorgolejante de água corrente. Ameixeiras silvestres pendiam em todos os lugares como minúsculas lanternas brilhantes.
Eles estavam ocultos somente há alguns minutos quando Jasmine ergueu a mão em sinal de aviso.
— Posso ouvi-los — ela murmurou. — Estão se aproximando do local em que deixamos a trilha.
Agachado em total silêncio, ouvindo com atenção, Harry finalmente escutou o que os ouvidos sensíveis de Jasmine haviam captado antes dele — o som de pés correndo sobre o solo. O ruído foi ficando cada vez mais forte e então foi interrompido. O primeiro dos Comensais chegara ao final das curvas do caminho e Harry imaginou que os líderes estavam observando a trilha vazia adiante.
Houve um momento de silêncio. Ele prendeu a respiração ao imaginá-los cheirando o ar e fazendo suposições. Houve um som forte e áspero, talvez uma risada ou um xingamento. Então, para seu imenso alívio e alegria, escutou uma ordem sendo proferida em altos brados e o som de toda a tropa dando meia-volta. Em segundos, os Comensais estavam marchando de volta pelo caminho que haviam percorrido.
— Eles desistiram — ele sussurrou. — Eles acham que conseguimos fugir.
— Pode ser uma armadilha — Rony resmungou, carrancudo.
O som de pés em marcha desapareceu gradativamente e, embora os três companheiros aguardassem imóveis por vários longos minutos, nada perturbou o silêncio. Finalmente, obedecendo a um sussurro de Jasmine, Filli saltou para a árvore mais próxima e subiu correndo pelo tronco. Momentos depois ele voltou, tagarelando suavemente.
— Está tudo bem — Jasmine garantiu, erguendo-se e se esticando. — Filli não conseguiu vê-los. Eles foram mesmo embora.
Harry levantou-se ao lado dela, relaxando os músculos doloridos com alívio. Apanhou uma ameixa silvestre de um arbusto ao seu lado e mordeu-a, suspirando de prazer quando o sumo doce e delicioso refrescou-lhe a garganta ressecada.
— Há frutas ainda melhores mais adiante — Jasmine informou, apontando.
— Primeiro, preciso verificar como a minha pobre bagagem está passando — Rony se preocupou. Ele desenrolou a capa e embalou o homenzinho nos braços.
— Ele está morto? — Harry perguntou em voz baixa.
— Está inconsciente — Rony respondeu com um gesto. — E não é de surpreender. Os ralads são um povo forte, mas ninguém consegue resistir à fome, à exaustão e ao medo para sempre. Quem sabe por quanto tempo nosso amigo foi prisioneiro dos Comensais ou que distância ele caminhou preso a pesadas correntes, sem direito a comida ou descanso?
Harry fitou o homenzinho com curiosidade.
— Nunca vi ninguém parecido com ele antes — contou. — Que sinal era aquele que ele desenhou no chão?
— Não sei. Perguntaremos quando ele acordar. — Rony resmungou ao erguer o ralad outra vez. — Ele nos causou algumas dificuldades, mas, ainda assim, tivemos sorte em encontrá-lo. Ele pode nos guiar daqui para a frente. A vila de Raladin, de onde ele vem, fica muito perto do Lago das Lágrimas. Vamos procurar um local em que possamos nos sentar confortavelmente e tirar essas correntes.
Eles prosseguiram, abrindo caminho entre os arbustos. Quanto mais penetravam no pequeno vale, mais encantador ele parecia. Uma camada de musgo macio cobria o solo como um tapete verde e espesso, e cachos de flores balançavam em todo lugar. Borboletas de cores vivas pairavam ao redor das ameixeiras silvestres, e o Sol que se insinuava entre as delicadas folhas das delgadas árvores, derramava uma luz suave verde-dourada sobre tudo o que encontrava.
Harry nunca havia visto tanta beleza e, pela expressão de Rony, pôde dizer que o amigo sentia o mesmo. Até Jasmine olhava ao redor com um prazer caloroso.
Eles atingiram uma pequena clareira e deixaram-se cair sobre o musgo, agradecidos. Ali, Rony usou a adaga de Jasmine para cortar a apertada coleira de couro que envolvia o pescoço do homenzinho e romper os elos das correntes. À medida que as retirava, sua expressão mostrava o desagrado diante dos ferimentos e equimoses nos pulsos e tornozelos do homem.
— Não é tão grave assim — Jasmine constatou ao examinar as feridas. Ela apanhou um pequeno frasco do bolso e abriu a tampa. — Eu mesma fiz esse remédio com uma receita de minha mãe — informou, enquanto espalhava um creme verde-claro na pele machucada. — Ele faz a pele cicatrizar depressa e foi muito útil nas... Florestas do Silêncio.
Harry a fitou. Ela olhava para baixo, a testa franzida enquanto recolocava a tampa no frasco.
Ela está com saudades, Harry se deu conta, de repente. Ela sente a falta de Kree, das Florestas e da vida que levava lá. Assim como eu sinto falta de casa, de meus amigos e de meus pais.
Não era a primeira vez que sentia uma pontada no coração ao pensar em tudo que ficara para trás em Del. Ele pensou em seu quarto: pequeno, mas seguro, e repleto de tesouros. Ele se lembrou das noites em frente ao fogo, de correr desenfreadamente pelas ruas com os amigos e até mesmo de trabalhar com o pai na ferraria.
De repente, desejou receber uma refeição caseira e quente. Desejou estar numa cama aquecida e ouvir uma voz reconfortante dizendo-lhe boa-noite.
Ergueu-se de um salto, furioso consigo mesmo. Como podia ser tão fraco, tão infantil?
— Se eu não fizer alguma coisa, vou explodir — ele disse em voz alta. — Vou colher algumas ameixas silvestres para nós e juntar lenha para o fogo.
Sem esperar resposta de Rony e Jasmine, caminhou até a borda da clareira e atravessou uma abertura entre duas árvores.
As ameixeiras silvestres estavam ainda mais carregadas ali do que nos locais que tinham visto antes. Ele caminhou entre elas e usou a capa como sacola para guardar as frutas perfumadas que colhia. Havia poucos ramos secos, mas conseguiu apanhar alguns. Até mesmo uma fogueira modesta seria bem-vinda quando a noite chegasse.
Ele prosseguiu a busca, os olhos fixos no chão. Finalmente, tropeçou em um bom pedaço de madeira plana, muito maior do que qualquer outro que vira. Estava úmido e coberto de musgo, mas secaria logo e queimaria assim que o fogo estivesse forte.
Satisfeito, ele o apanhou e o virou para ver do que se tratava. E foi então que notou algo surpreendente, bem diante de seu nariz. Era uma placa — velha, quebrada e maltratada, e certamente feita por mãos humanas.

/////////// FOSSO
///// ////DIÇA
/// ENTRE



Ao lado da placa um tanto incompreensível, pendurado num galho de árvore, havia um sino de metal.
"Que estranho", Harry pensou. Ele espiou entre os arbustos atrás da placa e deu um salto, surpreso. Bem à a sua frente, havia um trecho de grama verde, macia e brilhante. E, mais além, ao longe, via-se o que parecia uma pequena casa branca com uma chaminé fumegante.
— Rony! — ele chamou com uma voz incerta. — Jasmine!
Ele ouviu-os exclamar e correr em sua direção, mas não conseguiu tirar os olhos da casinha. Quando os companheiros o alcançaram, Harry apontou e eles abafaram um grito de surpresa.
— Nunca imaginei encontrar pessoas morando aqui — Rony exclamou. — Que boa sorte a nossa!
— Um banho! — Harry gritou, contente. — Comida quente! E talvez uma cama para passarmos a noite!
— O que serão essas palavras antes do "entre"? — indagou Jasmine, olhando a placa. — Muito bem, então. Vamos obedecer.
Harry estendeu a mão e tocou o sino. Este emitiu um som alegre e acolhedor e, juntos, os amigos correram entre os arbustos até o gramado verde.
Eles haviam dado somente alguns passos quando perceberam que algo estava muito errado. Desesperados, tentaram voltar, mas era tarde demais. Já estavam afundando até os joelhos... os quadris... a cintura...
Sob a superfície verde coberta pelo que imaginaram ser um lindo gramado, nada havia além de areia movediça.



N/A: Capitulo 5 postado

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