Capítulo 2



Marisa sentia as pálpebras pesadas como chumbo.Esforçava-se em manter os olhos abertos, lutando contra uma grande dor de cabeça.Não conseguia se lembrar de onde estava, tentando localizar de onde era a luz que brilhava diante de seus olhos.Estava deitada numa cama dura.A sua frente, uma parede bege.
Virou a cabeça lentamente e encontrou uns olhos cinzentos e observadores.Imediatamente, lembrou.
- Oh, meu Deus - murmurou virando a cabeça.
- Fique quieta - ele disse, autoritário.
Aquela voz familiar despertou-a. Uma sensação de extrema fraqueza apoderou-se dela, fazendo-a lembrar outras vezes em que tinha sentido a mesma coisa.
Durante um certo tempo, ficou deitada, tremendo, sentindo-se temporariamente incapaz.Gabriel a tinha encontrado.Ela sabia que isso ia acontecer, desde o momento em que falaram que sua foto tinha saído no jornal.Só não esperava que fosse tão depressa.Ou será que já havia se passado muito tempo? Desde quando James estava desaparecido?
- James... - A voz saiu rouca. Virou-se para ele novamente, os olhos azuis brilhando por causa das lágrimas - Há novidades? Encontraram James?
- Ainda não, mas vão encontrar.Não se preocupe.
- Não me preocupar? Como é que pode dizer uma coisa dessas? Estou quase louca!
- Sei disso, mas tem que ser otimista e acreditar que vão acha-lo.Procure ficar tranqüila.Vão acha-lo.
- O que está pensando? Acha que basta ordenar para que eu não me preocupe? Tudo é tão simples para você.Aperta um botão e sua cabeça obedece ao comando, não é assim? Você não é humano.É uma maquina, um computador, programado para reagir sempre direitinho.Nada de idéias próprias ou humanas como amor, ódio ou pânico.
- Você está histérica.Mas não se preocupe, já chamaram um medico.Não sei por que ainda não chegou.O que fizeram com você? Eles a trancaram nesse quarto, fazendo perguntas, apesar do seu estado?
- Por que você veio? Por que não ficou de fora? Posso suportar as perguntas da policia, mas não consigo suportar você!
- Infelizmente, ainda sou seu marido.Tenho direito de estar com você.
- Direito! É a única coisa que você conhece!
- Conheço muitas outras coisas. - Ele não tirava os olhos do rosto perturbado de Marisa - Por exemplo, sei que tenho um filho que nunca vi e que nem sabia que existia.
Marisa suspirou e não respondeu.
- Como foi capaz de ter um filho meu, sem me contar? Será que eu não tinha o direito de saber?
Mais uma vez, ela se recusou a responder e nem sequer olhou para ele.Tentava parar de tremer.
- Ele deve estar com uns dois anos, agora.Você devia saber que estava grávida, quando fugiu de mim.
Marisa procurava não ouvir.Não queria falar com ele.
- É meu? - a voz de Gabriel estava selvagem e áspera.
Sem pensar, seguindo um impulso, ela respondeu:
- É!
Ele relaxou e Marisa imediatamente se arrependeu de não ter mentido.Teria sido melhor dizer que James não era filho dele.Por que não pensou antes?
- Gabriel inclinou-se sobre ela, apoiando-se na cadeira onde estava sentado.
- Como ele é? - Sua voz estava rouca e o brilho dos olhos cinzentos revelava uma forte emoção.
- Por favor, não me pergunte! - Não queria falar de James com aquele aperto no coração.De que ia adiantar descrever a cor de seus cabelos, os olhos, as roupas? Nada disso daria a Gabriel uma idéia exata de como era o filho.
O que poderia dizer? Que ele gostava de ovos e que não gostava de espinafre? Que dormia de bruços com o bumbum para cima? Que ele punha na boca tudo que lhe caia nas mãos? Que seu ursinho já estava quase todo mastigado e que ele arrancava todos os botões da roupa? Que caía muito quando andava, mas sempre se levantava e fazia força para não chorar? Que tinha dor de ouvido quando fazia frio e medo de cachorro?
Poderia dizer também, é claro, que ele se parecia um bocado com o pai.Que provavelmente ia ser alto.Os pés e as mãos eram grandes para um bebê, e os cabelos caiam nos olhos, como os dele quando sacudia a cabeça.Quanta vez Marisa tinha visto Gabriel ali naquele pedacinho de gente, chegando a provocar-lhe lágrimas amargas.
Mas não diria nada a ele.
Conservou os olhos fechados, desejando que fosse embora, porque a dor de te-lo ali a seu lado estava se tornando insuportável.
A policial apareceu nesse momento seguida de um homem baixo e de aparência cansada.
- O medico, senhor - a cortesia de seu tom indicava que sabia quem Gabriel era. A mudança de tratamento era bem sensível.Até aquele momento, estava sendo tratada com um suspeita velada,mas agora podia perceber o sorriso amável e curioso que lhe era dirigido.
Não havia a menor duvida de que aquela mulher estava morrendo de curiosidade.Gabriel não precisava explicar nada para ninguém.
- Não pode lhe dar alguma coisa que a acalme? Está histérica.Já deviam ter tomado alguma providëncia.Ela foi massacrada, com perguntas como se fosse suspeita de assassinato.No entanto, basta olhar para ela para ver que está traumatizada.
-Não quero nada - Marisa sentou-se na cama.
O medico sorriu tirou o paletó e segurou o seu pulso.
- Você está apenas tensa, não é mesmo? Já tomou alguma coisa?
- Não, e não quero ser dopada.Não vou tomar nenhum calmante.- Queria participar de tudo, saber o que estava se passando.Se tomasse sedativo, ficaria entorpecida e não teria consciência do que acontecia a seu redor.
- Como se sente? Um pouco cansada heim? - examinou os olhos dela - Olhe para cima, para os lados.
Marisa obedecia, irritada.
-Estou perfeitamente bem.
- Todo mundo se sente mal sem dormir - O medico falou, com brandura.Deu um sorriso profissional, como se quisesse disfarçar a intenção de sua observação.- Tem que pensar que seu corpo não é uma maquina e você não pode passar tudo isso sem se desligar de vez em quando.
- Não quero calmante!
- Você precisa relaxar e espero que colabore comigo - Dirigiu-se para onde estava sua maleta.Marisa viu-o pegar uma seringa.
- Não sou nenhuma criança.Não sou obrigada a aceitar o que não quero, e me recuso a ser dopada.
Gabriel não se mexeu.Ficou ao lado dela, com as mãos nos bolsos.
- Ela pode sair daqui? Não esta sob suspeita de nada.Neste lugar, não vai conseguir repousar.
O medico olhou para a policial que deu de ombros.Gabriel ficou irritado e gritou:
- Será que terei que convocar meu advogado para tirá-la daqui?
A policial saiu sem responder.Gabriel olhou desesperado para Marisa.
- Deixe que o medico lhe dê alguma coisa para acalmar seus nervos.
- Meus nervos estão ótimos!
- Não seja tão teimosa.!
- Acho que os seus é que precisam de um relaxante.
O medico baixou os olhos, discretamente, afastando-se da linha de fogo.Gabriel olhou para Marisa de um modo ameaçador.Ela sentia o mau humor dele vindo a tona.Quando estava zangado sua boca se transformava numa linha reta e dura, enquanto os olhos cinzentos faiscavam por causa da raiva que lhe queimava por dentro.A expressão do medico também lhe era familiar.Tinha presenciado centenas de pessoas reagirem daquela forma aos acessos de raiva de Gabriel.Em toda vida ele encontrou pessoas ansiosas por aplacar a explosão de seu mau humor ou, então que corriam para satisfaze-lo como cachorrinhos.
- Vamos sair daqui - Gabriel falou bruscamente - Vamos levá-la para casa e colocá-la na cama.
-Tem razão, é uma ótima idéia. - o medico concordou
Marisa sorriu, irônica.
-Se casa significa a sua, esqueça.Não moro lá.
- Que inferno! - Saíam chispas dos olhos de Gabriel.
O medico virou-se, arrumou sua maleta, colocou o casaco novamente, como se não quisesse participar daquela discussão.
- Você não precisa ficar aqui.
- Vou voltar para o meu apartamento - Lá haveria um monte de lembranças de James.os brinquedos estariam na prateleira de seu minúsculo quartinho.O cercado estaria vazio e o caldeirão defronte a janela.Mas James não estaria lá.Seu coração apertou-se violentamente.Como ela iria suportar?
- Você não deve fazer isso.Toda a imprensa vai estar por lá.Eles vão come-la viva. - O tom de Gabriel era áspero.
Marisa ficou chocada.Seus olhos se encontraram.
-Eles sabem?
-O que você acha?- Havia algo de cínico em sua expressão
- Tinha um repórter lá fora, quando entrei...Ele me ouviu falando com o sargento.Eu praticamente tive que empurrá-lo para poder passar.Numa hora dessa sua casa já deve estar infestada de gente.
O medico resolveu intervir.
- É a pura verdade, Sra.Radley.
Marisa cobriu o rosto com as mãos.Não poderia voltar para o pequeno apartamento sobre a garagem.Sally e Joe deveriam estar preocupados com ela.Queria ve-los,explicar-se e pedir desculpas.
- Só há um lugar onde você pode ficar segura.
- Segura!
- É segura.Inteiramente a salvo.
- Da imprensa - Marisa retrucou, com um olhar zombeteiro e amargo.
Gabriel ficou furioso e virou-se para olhar o medico que ainda ouvia a conversa dos dois.
- É, da imprensa.O único problema é como tirá-la daqui e evitar a imprensa ao mesmo tempo.
-Da maneira como cheguei aqui. - O medico sugeriu - O carro da policia esta nos fundos.A imprensa não pode entrar lá... Há portões enormes de ferro que mantem os repórteres afastados.Vocês podem sair pelos fundos e passar por eles sem que possam aproximar-se de vocês.
- Prefiro ficar aqui - O desespero começava a tomar conta de Marisa - No caso de...
- Você não pode fazer nada.Se houver alguma novidade você ficará sabendo imediatamente.Vai ser mantida a par de tudo, não se preocupe - Gabriel olhou para ela com impaciência - Ofereci uma recompensa por qualquer informação.
Ela mordeu os lábios, nervosa e irritada.
- Dinheiro? Claro, é a única coisa que você conhece, não é? É sua resposta para tudo.
- Pode ajudar! E dinheiro ajuda, por que não haveria de usa-lo? Ele é meu filho, mesmo que você preferisse que não fosse.
- Preferir que não fosse? Daria a vida para que não fosse!
O rosto de Gabriel enrijeceu-se e a raiva aparecia em cada um de seus traços.
- Obrigado
Nas semanas anteriores a separação, antes que ela o deixasse, houve cenas como essa,cenas de batalha que haviam deixado cicatrizes profundas.Não conseguindo mais suportar a situação, Marisa resolveu fugir e desde então não fazia outra coisa.Durante aqueles dois anos de separação nada tinha mudado.A amargura ainda era muito grande, deixando marcas em cada momento vivido.
Tirou as pernas da cama e virou-se para levantar.Gabriel aproximou-se para ampará-la, mas ela o empurrou.
- Pode deixar.
Ele recuou, tenso e emocionado.
- Tenho que mandar avisar lá fora.Meu motorista esta esperando.
- Estou indo para lá - O medico respondeu dirigindo-se para a porta - o que quer que eu lhe diga?
- Entregue-lhe um bilhete - Procurou um papel em seus bolsos.O medico abriu a maleta e tirou um bloco de receitas.
- Isso serve?
-Muito obrigado - Gabriel escreveu rapidamente e colocou o bilhete dentro de um envelope que o medico também lhe arranjou.Entregou-o ao medico dizendo: - É um Rolls preto.
Ele sorriu e retirou-se.Para se manter em pé, Marisa se apoiava com uma das mãos nas costas da cadeira.Seu coração estava disparado.Não conseguia pensar em mais nada a não ser em seu pequeno e indefeso James.Se ao menos não tivesse parado naquela maldita loja!Queria tanto poder estar com ele em casa,James dormindo em seu berço,o rostinho corado enterrado no travesseiro e o lençol cobrindo seu bumbum virado pra cima.Esse jeito de dormir deixava-a preocupada quando ele era ainda muito pequeno.
- Será que James não vai se sufocar? Não é perigoso? - Tinha perguntado na clinica.
A enfermeira sorriu e tranquilizou-a:
- Deixe que ele durma do jeito que quiser.
Algumas senhoras de idade com quem conversava lhe diziam que era perigoso, Marisa explicava que não havia o menos perigo, mas não se convenciam.Marisa tinha descoberto que um bebê era um ótimo cartão de visitas.As pessoas sempre paravam para olhar o carrinho, debruçando-se sobre ele, brincando com o bebê quando ele estava acordado.
As mulheres mais velhas sempre subestimavam sua idade, principalmente quando estava de jeans e camiseta e davam-lhe mil conselhos de como cuidar de James.Tinha feito muitos amigos no bairro por causa dele.Parece que as pessoas precisam de uma desculpa para falar umas com as outras, e James era essa desculpa.Em todo o mundo, os bebês são motivo de conversa, entre as mulheres, pelo menos.
Marisa tinha construído seu mundo ao redor do filho.Seu dia era governado por ele, que lhe absorvia todos os pensamentos.
A perspectiva de não tornar a vê-lo deixava-a em pânico.
Mas não queria pensar nisso.A polícia encontraria James são e salvo.Quem o teria levado?Quem teria feito uma coisa dessas?A policial tinha dito que poderia ser uma mulher solitária e desesperada com necessidade de uma criança para amar.Marisa desejava que fosse pelo menos isso.Contanto que ele fosse cuidado e amado!A polícia o encontraria cedo ou tarde.
- Mandei Harris levar o carro até a estação do metrô, a mais ou menos um quilômetro daqui.Vamos pedira à polícia que nos leve até lá.
Marisa não fez nenhum comentário.Gabriel abriu a porta e ela ouviu-o falar de forma autoritária com alguém:
- Pronta? - perguntou, virando-se para ela.Atrás dele havia um policial uniformizado.
Saiu dali sentindo-se meia-morta.Caminharam por um corredor sombrio até o carro de policia que esperava lá fora.Ele fez com que ela entrasse atrás e sentou-se a seu lado.Fecharam a porta e o carro partiu.Gabriel agarrou Marisa, empurrando-a para baixo, abaixo do nível da janela.Levou um susto, mas depois entendeu o que se passava.
Sons confusos de vozes falando e gritando misturavam-se ao barulho do motor do carro que acelerava.Gabriel soltou Marisa que sentou, trêmula.
- Estão nos seguindo - o motorista falou observando pelo espelho retrovisor - Quer que eu despiste?
- Quero.
- Então, vamos lá - Ele fazia trejeitos como se tudo não passasse de uma brincadeira.O carro zarpou, virou rápido numa esquina, desceu uma ruela, assustando um homem que atravessava com seu cachorro, dobrou outra esquina a toda velocidade.Marisa fechou os olhos e agarrou-se ao assento com as mãos.Detestava carros de corrida, odiava velocidade.
Gabriel colocou o braço ao redor dela.Endireitou-se, empurrando a mão dele.
Estavam quase chegando à estação do metrô.Ela avistou o Rollys-Royce preto esperando.O motorista saiu, apagou o cigarro e abriu a porta do carro.
O carro de policia parou de repente.Gabriel saltou e ajudou Marisa com cuidado.Suas pernas estavam trêmulas, o que a fez tropeçar.Ele ajudou-a a caminhar até o Rollys-Royce,quase carregando-a.Pouco depois o carro zarpava com eles.
Marisa recostou-se no assento, tremendo, os olhos fechados.Gabriel acomodou-se ao lado dela e inclinou-se para frente, Ouviu-o falando ao fone ao lado do assento.
Não estava interessada em ouvir.Sentia-se mergulhar em desgraças.Queria falar com alguém, mas não com ele.Talvez com Sally.Sally conhecia James.Poderiam falar sobre ele.Sentia-se estranha, como se seu filho não fosse real,como se não passasse de um sonho.Precisava falar com alguém que o amasse como ela, que lembrasse dele como ela.Endireitou-se, de repente, assustada.Estava pensando em James como se ele não existisse mais.Não devia, não podia.Era uma loucura!
James foi o primeiro ser humano que lhe deu segurança.Era a âncora que a segurava com firmeza à vida.Desde seu nascimento, sentiu-se outra pessoa, verdadeira e viva.Houve noites, quando tinha acabado de trazê-lo do hospital, em que se debruçava sobre seu bercinho ouvindo-o respirar, com medo de que ele parasse de fazê-lo.Sua respiração era tão suave, tão silenciosa, que era difícil perceber.Tinha levado semanas para acreditar que James era forte, que estava vivo, que não ia parar de respirar se ela deixasse de observá-lo em seu berço.
Gabriel recolocou o fone e virou-se para olhá-la.
- Vamos chegar em casa dentro de cinco minutos.
Casa, ela pensou.Por que ele continua falando assim? Aquela casa enorme não é o meu lar, é apenas o lugar que ele usou para me prender.A enorme casa de boneca para o novo brinquedo.
Havia um grupo de homens do lado de fora da casa.Gabriel recostou-se sabendo que não poderiam percebê-los através dos vidros escuros do carro.Os portões de ferro se abriram para deixar o carro passar e se fecharam novamente atrás deles, apesar de alguns repórteres terem tentado entrar depois do carro.
Marisa olhou para a fachada clássica daquele palacete.Permanecia a mesma.Provavelmente estava até melhor do que quando foi construída.Gabriel tinha gastado muito naquela casa.Era onde recebia e impressionava os executivos estrangeiros, exibindo sua riqueza.
Lembrava-se nitidamente do primeiro dia que tinha visto a casa.Uma sensação de pequenez e criancice tinha-a assaltado quando ele atravessou com ela aqueles portões.Seus olhos se arregalaram diante do que via.Quis fugir, sentiu que jamais poderia se integrar naquele universo.
Estava com vinte anos, mas teve a impressão de ter dez quando Gabriel atravessou com ela o gramado, conduzindo-a delicadamente até a porta.
Era impossível descrever sua sensação.Não poderia dizer-lhe como se sentia.Não ousou proferir uma palavra.Limitou-se a olhar para ele sem poder acreditar que era realmente sua esposa.
Como ele poderia entender o que se passava com ela? Para ele tudo aquilo era rotina,um ambiente que ele conhecia,que lhe era familiar.Estava acostumado com aquele padrão de vida,carros luxuosos,roupas caras e elegantes,casas maravilhosas e empregadas eficientes que as dirigiam e o serviam.
Devia perceber que, para Marisa,tudo aquilo era estranho e perturbador.Mas a distância que havia entre os dois não permitia a Gabriel entender a profundidade de seu espanto.
Tinham se conhecido poucas semanas atrás.Marisa não sabia o que conversar com ele,não sabia por que tinha se casado com ela,nem o que sentia a esse respeito.
Sabia por que ela tinha se casado com ele.Conhecia o motivo, mas preferia não pensar no assunto e tentou afastá-lo da sua cabeça.
Gabriel ajudou-a a sair do carro e acompanhou-a até a casa.Atrás dos portões, os repórteres acionavam suas maquinas.
Mas só iam conseguir a imagem deles de costas, entrando na mansão. A porta foi fechada.Marisa sentiu como se fossem barras de prisão.
Estava de volta à casa de onde tinha fugido há dois anos.Ficou ali,observando o hall espaçoso.Nada tinha mudado.
Os lustres e candelabros eram os mesmos.Medalhões dourados decoravam as paredes e uma concha branca de porcelana, de onde saia um leque cor-de-rosa, refletia num espelho com moldura dourada colocado do outro lado.
Aquele homem careca de terno escuro que os olhava, também lhe era familiar.Olhava para Marisa hesitante, examinando seu rosto pálido sem deixar transparecer alguma emoção.
Gabriel não lhe deu oportunidade de falar.Segurou o cotovelo de Marisa e levou-a escada acima.
- Você precisa descansar.Está exausta - Falou com o mordomo - Mande imediatamente um jantar para o quarto da sra.Radley.Algo bem leve.
Marisa sentia-se flutuar, enquanto subia aquela escadaria enorme.Lembrava-se de sonhos que tinha tido, sonhos estranhos e ameaçadores quando a situação ainda lhe parecia irreal.O hall elegante, iluminado por aqueles enormes candelabros, ainda lhe parecia fantasmagórico.
O quarto estava exatamente como ela o tinha deixado.Tudo no mesmo lugar, cuidadosamente arrumado e limpo.À medida que olhava ao seu redor, estranhava a familiaridade como cada objeto.
Gabriel mandou decorar o quarto para ela depois do casamento.O quarto dele ficava ao lado.A porta de comunicação estava aberta, o que deixou Marisa assustada.
Gabriel foi até lá, fechou a porta e trancou-a, retirando a chave.Voltou e entregou a chave a ela.
Marisa sentiu o rosto ficar vermelho com esse gesto.Pegou a chave de suas mãos, sem olhar para ele.
- Não sou totalmente insensível - ele falou,a voz ríspida.
Marisa olhou para o tapete branco do quarto.Sentiu também o frio do metal da chave em sua mão.
Gabriel caminhou até a cômoda francesa branca e dourada e abriu uma gaveta.Retirou de lá uma camisola amarela e transparente e jogou-a sobre a cama.
- Tire a roupa e vá para a cama - falou sem olhar para ela.
Marisa nem se mexeu.Tinha a cabeça baixa e uma expressão obstinada.
Gabriel foi até a porta, mas voltou-se.
- Volto dentro de cinco minutos.
Marisa ficou onde estava.Depois foi até a cama e pegou a camisola.Ele tinha tirado da gaveta a primeira que encontrou.Provavelmente nem se lembrava de tê-la visto dentro dela, mas Marisa se lembrava.Segurou aquele pano macio nas mãos e sem querer as lembranças foram vindo.Tinha usado aquela camisola na última noite que Gabriel dormiu com ela.
Fechou os olhos apertando-a entre os dedos.Foi, provavelmente, naquela noite que James foi concebido.
Dirigiu-se à cômoda e pegou uma camisola branca, guardando a amarela sem olhar para ela.
Gabriel voltou ao quarto alguns minutos mais tarde.Ela já estava na cama, seu rosto lívido pousado nos travesseiros e os olhos sombrios a olhar para ele.
Gabriel afastou-se para que o mordomo entrasse com uma bandeja, ajeitando-a sobre a cama.
- Se preferir outra coisa, senhora...- Ele falou enquanto tirava a tampa de uma travessa de sopa de galinha.
- Não, obrigada.
Ele olhou para Gabriel.
- Posso trazer alguma coisa para o senhor também? O senhor já comeu?
Gabriel sacudiu a cabeça e não falou.Dudley inclinou a cabeça e retirou-se.
Marisa sentiu um ligeiro arrepio com o aroma da sopa.Pegou a colher delicadamente.Cada colherada era um esforço supremo.Forçou-se a tomar metade da sopa,mas não conseguiu tocar na omelete que estava em outra travessa.
Na bandeja havia também duas xícaras e um bule de café.Marisa olhou para Gabriel.
- Você gostaria de tomar café?
- Por favor - Colocou a cadeira perto da cama e sentou.Ela sentiu aquela proximidade como uma ameaça, mas tentou controlar-se para que ele não percebesse o medo que ele lhe despertava.
Sua mão tremia quando lhe passou a xícara de café.Gabriel lançou-lhe um olhar rápido.
- Pare de tremer.Não sou nenhum monstro, pelo amor de Deus.
Marisa olhou sua xícara.O cheiro de café estava lhe provocando náuseas, não queria tomá-lo, mas, mesmo assim, pegou sua xícara e provou-o.
Gabriel suspirou profundamente e encostou-se na cadeira, como se quisesse se controlar.Depois de um instante, tomou seu café sem olhar para Marisa.Foram tantas as noites em que eles se sentavam calados perto um do outro,sem nada para dizer.Marisa sempre tinha tido aquela espécie de fixação por ele.Percebia isso naquele momento.Era como se sua cabeça ficasse menor,queimada por um fogo invisível.
De repente, ele pôs sua xícara na bandeja e colocou esta no chão.
Marisa olhou para ele,surpresa.A figura de Gabriel lhe parecia ainda mais marcante do que antes.Tinha a impressão de que ele crescera.Aqueles olhos cinzentos olhavam para ela.
- Por quê? Em nome de Deus, por que você me deixou?

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