O mundo dos que não morrem mai



Capítulo II
O MUNDO DOS QUE NÃO MORREM MAIS


Os três homens permaneciam imóveis, um deles com sua arma recém-atirada ainda em mãos, todos olhando para o professor morto no chão. Em seu rosto, o sorriso dava-lhes a ilusão de que Klepstein sabia o dia de sua morte e havia planejado cada segundo da mesma. Alfred e Dobson sabiam que seu plano tinha falhado por causa de Lorde Roke, que era fraco pera situações difíceis.

"Mas que diabos, Roke", gritou Dobson. "Me diz o que você pretende fazer agora."

Lorde Roke continuava sem palavras, chocado com o que havia feito. Esta era sua primeira vez puxando o gatilho, sendo que seria sua última. Klepstein estava certo, "Não matarás" era um dos mandamentos sagrados, uma das leis divinas... infringida, violada por uma bala. Lorde Roke ficou de joelhos e lágrimas caiam de seu rosto conforme olhava para a janela e rezava por perdão.

"Deus perdoe-me, eu não pude conter-me", mais lágrimas desciam de seu rosto "aquelas atrocidades que ele dizia sobre o Senhor. Não... eu não pude controlar-me. Eu pequei, pequei... perdoe-me”.

"Roke, contenha-se! Nós precisamos encontrar um meio de conseguir as pedras sem ele... LEVANTE-SE" Dobson estava furioso, seu rosto vermelho e seus olhos brilhantes de raiva.

"Mas... e o corpo? Vamos deixá-lo aqui?"

"Que Deus o tenha, estou mais preocupado com as conseqüências dos sonhos de Klepstein."

"As jóias não estão aqui" disse Alfred, analisando o quarto.

"Como você sabe?" Dobson virou-se para conversar com Alfred, que caminhava pelo quarto, como se estivesse olhando cada centímetro afim de encontrar uma resposta.

"Klepstein era cuidadoso... suas pesquisas estavam sempre lacradas, seus experimentos guardados. Klepstein estava sempre alerta para possíveis plagiadores e para tanto não economizava esforços. Ele tinha esconderijos secretos dentro da escola." Alfred virou-se para Dobson mais uma vez.

"Esta casa é grande e antiga suficiente para possuir uma sala secreta." Dobson parecia convencido de que as jóias que procurava estavam ali. Era difícil aceitar que ele, Mousieur Dobson, falharia. "Eu consigo o que quero", pensou consigo mesmo, "o que quero".

"Confie em mim, Klepstein escondeu-as em um local muito mais seguro que este." Alfred olhava agora para os cartazes na parede e uma idéia lhe ocorreu. "Há 20 anos, Klepstein se hospedou em sua casa na China, certo?”

"Correto."

"Você se lembra de Klepstein ter mencionado alguma casa, ou família... talvez seu local de nascimento?"

"Não", disse Dobson, para o desapontamento de Alfred. "Ele simplesmente falava sobre suas pesquisas e interesses no passado chinês. Klepstein adorava o modo como os chineses anciães tratavam a morte... MAS PELO AMOR DE DEUS, LEVANTE-SE HOMEM!" Dobson apontou para Lorde Roke, que continuava ajoelhado próximo ao corpo.

Lorde Roke levantou-se e olhou para a mesa atrás dele. Livros falando sobre morte, anotações e símbolos chineses estavam espalhados pela superfície de madeira, revelando um Professor Klepstein louco.

"Você acredita que este material em cima da mesa nos será de alguma ajuda?" indagou Roke, ainda enxugando os olhos.

"Não", respondeu Alfred, "ele nunca deixou material importante tão à mostra"; olhando mais uma vez para os cartazes, Alfred esperou alguns segundos e virou-se para os outros dois, "melhor irmos embora."

Klepstien sorria por dentro. "Funcionou" pensou, seu sonho estava realizado. O cientista sentiá uma dor enorme em seu peito, onde a bala o tinha perfurado e ele também sabia que havia perdido muito sangue, mas o fato de ter sobrevivido o manteve quieto, esperando o momento certo para sua fuga. Klepstein tentou abrir seus olhos, mas decidiu que era muito arriscado fazê-lo e, segurando a respiração novamente, apenas escutou.

"Sim, nós devemos ir..." Roke foi interrompido pelo sino de uma igreja, não muito distante, que badalou 12 vezes. "Feliz Natal, senhores."

"Feliz Natal", respondeu Alfred.

"Feliz Natal, agora vamos."

"Sim... Feliz Natal", pensou o cientista.

Os três homens deixaram o quarto em direção à escura sala de estar e então à porta. Klepstein esperou alguns segundos e apressou-se. Levantando-se do chão, o professor pegou sua mochilas e anotações novamente, alguns outros livros, algumas roupas e uma folha com algo escrito por ele mesmo, algo que ele havia planejado há muito tempo. Deixando a folha em cima da cama, Klepstein atravessou a janela e sumiu na escuridão. Na sala ao lado, os três homens se preparavam para sair, quando Roke parou.

"Minha arma! Devo tê-la esquecido no quarto, um momento senhores", Lorde Roke se dirigiu ao quarto novamente. A porta, que estava fechada, cedeu instantaneamente ao toque do homem, que estremeceu ao olhar para o interior do aposento.

"Ele... ele... su.. DEUS DO CÉU, ELE SUMIU!" Roke grito em prantos.

"O QUÊ?"

"O corpo... Klepstein sumiu" Roke entrou em pânico, era um pesadelo que parecia não ter fim.

"Mas como? Não... não é possível. A bala atravessou o peito dele, eu vi" disse Dobson enquanto ele e Alfred corriam para o quarto, desejando que Roke estivesse sonhando. Não estava: o corpo, a mochila e as anotações tinham sumido. Os únicos itens restantes eram a arma e...

"Uma carta."

"Filho da mãe, ele tinha planejado isso desde o começo." Dobson pegou a carta e começou a ler:

Se você está lendo esta carta, isto significa que minha tarefa está completa e eu estou em algum lugar muito mais seguro.
Morte sempre foi motivo de sofrimento, de incerteza e até mesmo de caos. Guerras e batalhas acontecem neste exato momento, onde pessoas estão perdendo suas vidas. E se ninguém mais morresse? E se todos pudessem viver felizes para sempre, como nos contos de fadas? A História nunca morre, nem deveríamos nós, seres humanos, os seres mais inteligentes e poderosos na face da terra. Morte significa fracasso e meu destino sempre foi combater este fracasso humano.
Os incontáveis anos que pesquisei e os tantos lugares para qual viajei me deram força e esperança para continuar com meu propósito e hoje cada dia gasto para este sonho, cada minuto desperdiçado foi recompensado.
Eu consegui, eu encontrei as Insígnias Mortais e desintegrei a morte. Nós agora vivemos no mundo dos contos de fadas, no mundo dos imortais.
As Insígnias estão muito bem escondidas e minha localização não terá importância muito em breve.
A partir de hoje, vida é o maior privilégio no MUNDO DOS QUE NÃO MORREM MAIS.

Professor Klepstein


Dobson engoliu cada palavra com desespero. Se ele não tivesse dito aquela lenda, se ele tivesse expulsado Klepstein 20 anos atrás - porque ele sabia, ele sabia que Klepstein estava louco - tudo estaria bem.

"Nós chegamos tarde demais", disse Alfred, "provavelmente com horas de atraso."

"Impossível, essa lenda não pode ser verdadeira", Roke estava branco e assustado com a carta, "essa Insígnias não podem ser reais." Roke chorava, ao saber que Deus tinha sido desafiado e que ele tinha falhado ao tentar matar o homem que ameaçava a paz divina.

"Nós precisamos ir embora. Não há sentido ficar aqui... o que está feito está feito e agora precisamos pensar em como resolver esta situação." Alfred guiou os outros dois para a porta de entrada.

"Estou arruinado! Sem mortes irei à falência." Dobson disse se dirigindo à rua, "a Guerra no Vietnã está me rendendo uma fortuna."

"Vamos!"

Os três homens deixaram a casa, evitando olhar para trás. Na rua fria e coberta de neve, um carro preto os esperava. Dobson, Alfred e Lorde Roke entraram no veículo, que desapareceu na sombria noite.

Em uma cabana não muito longe daquele local, um velho cientista sorria, enquanto abria uma garrafa de champagne que estava dentro de sua mochila.

"Um brinde à vida... e somente a ela." e a taça estava vazia em um só gole.

Dirigindo-se ao quarto, Klepstein deitou-se mais uma vez exausto e vitorioso e adormeceu pelo o que parecia ser uma eternidade.

* * *


Faziam-se alguns dias desde o último Natal e a Desintegração da Morte ainda era um segredo. Em uma fria e perigosa penitenciara um jovem rapaz esperava pelo seu destino, seu fim. Sentenciado à pena de morte por torturar duas pequenas meninas até a morte, ele olhava para sua cela, esperando por alguém que o viesse salvar de seu fim. Seu último dia parecia normal como qualquer outro. A data de sua morte estava marcada para o anoitecer, tendo então a chance de passar o dia normalmente, como se fosse acordar para o dia seguinte.

O guarda veio pra acordá-lo, o que foi inútil, dado que não havia dormido nem sequer um segundo. As imagens de seu ato não o deixavam fechar os olhos e o medo de suas conseqüências o mantinham alerta. "Em breve tudo estará acabado" e "Hoje no inferno" eram seus únicos pensamentos, seus únicos desejos - além de poder voltar atrás.

Como todos os dias, o guarda abriu sua cela e junto com os outros prisioneiros, foi encaminhado para o refeitório. Ninguém parecia se importar com o evento que iria acontecer naquela noite, ninguém parecia sentir remorso do passado, exceto ele. "Eles saberão o que sentir, quando o dia chegar" decidiu em sua cabeça, dirigindo-se para a fila à sua frente.

As horas pareciam não passar... "estaria Deus atrasando minha sentença?". Ele havia pensado muito em Deus nesses últimos anos e então lembrou que Deus não teria compaixão dele, ninguém teria. Ao cair da noite ele já estava conformado; de fato há muito que esperava por este momento e enquanto pensava no passado e presente, ouviu seu nome ser chamado. Era agora, a hora da verdade. O guarda abriu a cela e colocando as algemas em volta de seus pulsos, guiou o prisioneiro pelo corredor, passando por todos os outros prisioneiros que assoviavam e batiam palmas. Eles chegaram a uma grande porta de madeira e então ele viu.

Sentados no meio do pequeno público ali presente estavam os pais das meninas. Ele pode ver que aquele seria um momento emotivo, o momento de vingança, por todo o sofrimento que eles haviam passado. Com os olhos cheio de lágrimas, o prisioneiro, passando pela mãe, conseguiu emitir duas palavras "Sinto muito" e nada mais saiu de sua boca.

O rapaz foi instruído a sentar-se na cadeira. Seus olhos estavam vermelhos e enquanto era amarrado à estrutura de madeira, o rapaz viu sua vida passar na sua frente, como em uma sessão de cinema Retrô. Um dos policiais molhou uma esponja em um balde com água e sal e posicionou-a em cima da cabeça do prisioneiro, seguido por uma máscara e um capacete metálico que colocaria fim à sua vida. Foi então que o processo começou:

"Senhoras e senhores", disse o guarda, "estamos aqui para a sentença de morte de Barlowe Ian Colwen." O policial parou por um instante e então continuou. "Barlowe Colwen, eletricidade passará pelo seu corpo até que o mesmo pereça, de acordo com a lei federal. Que Deus tenha piedade sobre sua alma." o policial deu o sinal e Barlowe sentiu uma dor e então nada mais.

De repente, sentindo como se ainda tivesse vida, o prisioneiro soltou uma profunda respiração e todos ali presentes olharam espantados. Com ordens do policial, Barlowe novamente sentiu aquela dor, mas nada... ele não morria. O rapaz sentiu seu rosto queimar-se e urrou de dor, liberando no ar o odor de carne queimada. Os policiais desligaram o aparelho, retiraram o capacete e a mascara, revelando um rosto preto e ensangüentado, porém vivo. O prisioneiro abriu os olhos e mais uma vez olhando para os pais das meninas disse "Sinto muito".

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