A Cela



Capítulo III

A Cela

“A escuridão era ampla e envolvente. O silêncio total era cortado apenas por aquele velho barulho que partia de seus ouvidos.

Desde que chegara ali sempre fora assim: quando em silêncio, em paz ou em expectativa, o zumbido voltava, em duração enervante, direto como a fala direta do comensal:

Deixa as mãos dele amarradas.

Aos poucos ia apalpando o escuro da cela, o silêncio da escuridão, o zumbido do próprio corpo. Estava no chão frio, não era de cimento bem tijolo, terra batida, úmida, mas não molhada ao ponto de ensopar sua roupa.

Movia-se lentamente pelo chão, de bruços, o rosto quase a tocar a areia. O cheiro da terra era nauseante. Sentia-se pior ainda cada vez que constatava o cheiro velho e usado da terra, de mofo e carniça. Sentia as paredes, mesmo sem vê-las na escuridão.

A posição era incômoda: seus braços estavam sempre para trás das costas, os pulsos amarrados, seu corpo meio de lado, seu rosto na areia fria.

Por quanto tempo cheirava a terra abafada pelo próprio corpo? Horas, dias... E, àquela altura, nem mesmo a sensação de estômago vazio e frio o incomodavam. Queria apenas permanecer na posição incômoda, como se estivesse em maratona para provar que o corpo podia resistir a tudo.

“Eu sou um Malfoy!” – pensou, sentindo uma dor excruciante ao mínimo esforço, como se estivesse sendo torturado há dias.

Ainda assim tentou se mexer, e sentiu o ombro direito, fincado no chão, doer. Puxou os braços nas costas e as cordas nos pulsos rasgaram a carne com um estremecimento. Sabia que agora sangrava, havia um novo odor no ar abafado.

Não sabia se era noite ou dia claro – uma cela (ou tumba, não sabia ao certo) sem grades, sem a pequena janela no alto, talvez sem porta. Mas por mais fechada que estivesse, uma porta sempre deixava passar alguma claridade, uma réstia de luz. Mas não havia nenhuma luz, nem uma leve brisa.

Durante algum tempo ficou imóvel, tentando lembrar-se de como fora parar ali e o mantinham confinado por tantos dias. Sentia que aos poucos sua memória ia falhando, e os lapsos o assustavam e ficavam cada vez mais freqüentes.

No entanto, por mais que os dias se passassem e sua memória falhasse, ele sabia que nunca se esqueceria de três coisas: seu nome, Draco Malfoy, e, com isso, a força que ele devia manter. Virgínia, sua mulher e, por amor a ela, sair dali. E por último, Cho Chang, de quem tinha que se livrar.

Draco mexeu o corpo e tentou passar para o ombro que não estava dolorido com o apoio de todo o seu peso.

O silêncio já estava incomodando há muito tempo. Nenhum ruído, por menor que fosse. No entanto, no final das contas, ele acabou por concentrar-se melhor em tentar ouvir e também aguçar sua visão.

Algum tempo depois, ali, com o rosto quase enterrado na areia, podia distinguir algumas pequenas coisas: manchas, grão, pedrinhas, algo parecido com miúdos pedaços de madeira.

E o lugar comum lhe veio à mente: a natureza é sábia. É sábia e cruel. Começava a adaptar seus olhos à escuridão. Distinguiu, um pouco distante de onde estava, uma porta, negra e aparentemente de ferro.

“O aspecto pantanoso era sombrio como o de qualquer cemitério. O vento soprava por entre as árvores lodosas e transmitia um som agonizante, um grito de medo ou algo muito parecido. O cheiro de podridão infestava o lugar.

Onde...- Draco tentou segurar a cabeça, mas ela insistia em pender para um dos lados. Tentou falar, mas o cheiro horrível do local não permitia.

Por alguns instantes ele reuniu forças para reagir contra as cordas que apertava seus pulsos e os brutamontes que o seguravam pelo braço, arrastando-o por um caminho pedregoso e, por vezes, úmido e nojento.

Parou, ao reconhecer o local em que se encontrava. Lembrou-se perfeitamente das condições do cemitério na época em que estivera ali, anos atrás, e também dos motivos que o levaram até lá.

Teve o irrefreável anseio de gritar quando lembrou-se do estado de Gina quando ele a encontrou. Desmaiada a um canto, com as roupas rasgadas, o rosto sem vida, branca o bastante para ser dada como morta. E o que fora mais horrível ainda fora constatar que Voldemort a tocara tão intimamente quanto ele, mas de uma forma tão brutal quanto ele jamais faria. Voldemort deixara sua marca em Gina. E junto com ela, deixara uma maldição.

No instante em que gritou, sentiu alguém lançar-lhe uma maldição, o que o fez gritar mais ainda. Não foi forte o bastante para desacordílo, mas para deixílo alheio a quase tudo que se passava.

Caminho.- num instante Draco pensou ter visto muita água se juntar, abrindo um caminho que levava até uma escada, mas achou que seus olhos lhe pregavam uma peça, tamanha dor em todo o seu corpo.

E até chegarem a um centro com quatro corredores, Draco não prestou muita atenção, não tinha forças para tanto. Ouvia, bem baixinho, os comensais conversarem entre si e, um pouco mais alto, com uma voz um tanto mandona e estridente, Cho Chang dava ordens de guarda do prisioneiro.

Uma enorme porta de ferro rangeu e o barulho ecoou nos ouvidos de Draco. Aparentemente, reagindo ao rangido, as cordas nos pulsos de Draco apertaram ainda mais e, em seguida, ele sentiu um pancada em sua cabeça, que o fez desmaiar.”

Aos poucos foi ouvindo um barulho, que pareceu-lhe esperançoso. Provavelmente botas, correndo em direção à porta. Seu coração disparou.

Tentou livrar-se das cordas em seus pulsos e sentiu-as apertarem bastante, machucando mais ainda e enrolando-se com mais força. Continuou tentando por mais algum tempo, a dor dos pulsos acumulando-se às dores do resto do corpo. A um certo instante sentiu as cordas cederem.

Teve uma sensação estranha à medida que as botas pareciam mais perto. Algo em seu estômago revirava. E ele não sabia se era uma sensação boa ou não. Revirava e estremecia, por vezes doía, mas logo aliviava. No entanto, certa hora, a sensação foi dolorosa o bastante para fazê-lo desmaiar.

Bombarda- a porta foi pelos ares e quando a poeira baixou, Gina viu seu mundo girar. No entanto, ainda teve forças para correr em direção ao corpo estendido e imóvel de Draco- Enervate- ela falou, virando o corpo de Draco para si.- Enervate- ela repetiu e sentiu um alívio enorme quando Draco abriu os olhos e fitou-a, com um brilho que só ela podia saber o que significava.

Draco deu um meio sorriso e logo abraçou Gina, querendo, mais do que tudo, protegê-la de qualquer mal que a estivesse atingindo naquele momento.

Ora, ora se não é a Weasley dando uma de heroína...- era a voz de Cho Chang, acompanhada de vários barulhos estridentes e vozes ao fundo, proferindo feitiços dos mais diversos- vindo salvar o seu querido Draquinho?

No mesmo instante Draco parou de abraçar a mulher e se afastou, postando-se um pouco à sua frente, entre ela e Cho. Não podia deixar que acontecesse nada a Gina, não mais. Ela já sofrera demais com toda essa história e, também, sofria demais com todas as lembranças e fantasmas que a atormentavam desde os onze anos. Não era justo mais sofrimento. Não era justo mais dores.

Ele lançou um olhar frio e cortante para Cho e logo depois olhou para Gina, encolhida a um canto, parecendo frágil.

Você não vai encostar nela, Chang.- foi a voz de Draco, que logo abraçou a mulher novamente, tendo a certeza de que aquilo a faria sentir-se melhor.

É mesmo, Draquinho- ela gargalhou- Você não acha que está muito fraco para protegê-la não? Amazzare- Draco envolveu-a num abraço ainda mais forte e protetor, e em instantes, ambos estavam sendo arremessados contra uma parede.

As costas de Draco bateram com força contra as pedras e ele não conseguiu manter-se acordado. No entanto, ainda mantinha-se abraçado a Gina.

Agora você, Gininha...- Gina viu a varinha de Cho apontada para o ventre dela. Não teve tempo de pensar em nada- Mortis Vitta!

O feitiço atingiu em cheio o ventre de Gina e a dor era excruciante, o que a impedia de gritar. Suas forças foram se esvaindo aos poucos e ela sentia como se sua vida, ou parte dela, fosse perdida.

Impedimenta- ela ouviu uma voz conhecida gritar, no instante em que a dor parava e seu corpo desfalecia junto ao corpo de Draco.- Petrificus Totalus!

O corpo de Cho imobilizou-se na mesma hora e sua varinha caiu e rolo pelo chão até parar junto aos corpos desmaiados de Gina e Draco. Ela ainda manteve-se de pé por uns instantes antes de cair dura no chão, apenas os olhinhos atentos e raivosos indo de um lado a outro da cela, procurando pelo mentor do feitiço.

A imagem de Harry Potter apareceu imponente diante dos olhos de Cho, o que a fez espantar-se tremendamente. Num instante tentou gritar, mas sua boca permaneceu fechada. A única expressão de seu corpo era a de seus olhos, agora não mais atentos e raivosos, e sim temerosos e assombrados.

Pensou que ia se livrar de mim assim tão facilmente, Chang- Harry deu um meio sorriso, estreitou os olhos e aproximou-se da mulher imóvel no chão- Você realmente achou que feitiços mal executados de comensais burros fossem me tirar da jogada ou você não pensou que desabilitar um auror podia ser uma...armadilha?

Harry parou por um instante, atentando-se aos barulhos de feitiços que vinham do lado de fora da cela. Em alguns segundos, Remo entrou e parou a alguns metros de Draco e Gina.

Enervate- ele disse, tentando reanimar os dois- A maioria dos comensais foram imobilizados- Remo informou- alguns conseguiram escapar, mas não devem ir longe.

A Virgínia...- Draco sussurrou, assim que abriu os olhos. Remo ajudou-o a sentar-se e retirou do bolso um frasco pequeno com uma poção esverdeada. Draco tomou-a e sentiu um certo alívio assim que terminou.

Ela não acordou com o feitiço.- quase no mesmo instante, Draco levantou-se e apanhou a varinha que estava caída próxima a ele. Andou até o corpo agora semi petrificado de Cho e apontou a varinha para ela:

O QUE VOCÊ FEZ COM ELA- ele gritou e os lábios de Cho crisparam-se num sorriso fino e malicioso.- O QUE VOCÊ FEZ COM ELA- repetiu, de um modo ainda mais alto e pausado.

Mortis Vitta- Cho informou, ao que Draco arregalou os olhos e apertou ainda mais a varinha em sua mão, sentindo suas unhas fincarem com força a carne da palma, a raiva latejar mais a cada instante- Sabe o que significa, Draquinho?

QUAL É O CONTRA FEITIÇO?

Bobinho você, não?

DIGA, CHANG- Draco pressionou a ponta da varinha no pescoço da mulher, que apenas mantinha uma expressão maníaca no rosto- FALA!

Não há contra feitiço, meu amor...- ela falou de um jeito meloso, terminando por lançar um beijo no ar para Draco.

Sua...AVADA...

EXPELLIARMUS! NÃO, MALFOY- a varinha que Draco segurava voou e bateu na parede. Draco olhou incrédulo para Harry.

O que você acha que fez agora, Potter? Essa mulher já causou sofrimento demais, não merece viver nem mais um instante.

Eu sei disso tanto quanto você, Malfoy, mas não é assim que um Auror resolve uma situação como essas.

Eu não sou Auror.

É, mas eu sou, e como tal devo impedir que, além de matar a Chang, você estrague a sua vida e, pior ainda, estrague a vida da Gina que, caso não tenha notado, precisa de você agora, então, faça o seu papel como marido, cuidando da Gina, que eu faço o meu papel como Auror, dando a Chang o que ela merece.

Draco pareceu considerar o que Harry falara. Ficou imóvel por alguns instantes, processando cada informação, cada acontecimento e analisando a besteira que esteve prestes a fazer. Olhou para trás e viu Remo que, agora, tentava mais uma vez reanimar Gina.

Ele olhou para o corpo da mulher e sentiu um aperto enorme no coração. Vê-la daquele modo, quase morta, tão parecido com a outra vez, era horrível, e ele sentia-se na obrigação de protegê-la, e no momento, tiríla dali o mais rápido possível para que, de algum modo, pessoas especializadas tentassem tiríla daquele estado cadavérico e a fizessem acordar.

Com um olhar, Remo deu a sua varinha a Draco, que fez os feitiços necessários para tirar Gina daquele lugar com segurança. Remo sabia que apenas um homem que amasse infinitamente uma mulher, poderia aparatar longas distâncias com ela, ainda mais estando quase morta.

Draco mostrara-se com esse amor. Aliás, Remo sempre soubera do amor que unia os dois. Sempre tivera consciência dos laços que, de uma forma ou de outra, mantinham os dois juntos, por pensamentos, sonhos ou qualquer coisa do tipo, mas eternamente ligados.

Então, Harry, o que você vai fazer com a Chang- Remo perguntou e Harry apenas fitou o amigo com um olhar misterioso.

Draco aparatou com Gina direto no Hospital Witch Anna, onde Luna trabalhava. Chamou por ela, que veio assim que pôde, alguns minutos depois.

Luna levou Gina para uma sala reservada e, como sempre, Draco fora deixado de lado, sozinho no corredor, mais impaciente a cada instante.

Era horrível viver aquele pesadelo de novo, estar ali naquele mesmo hospital, desejando que as notícias não fossem das piores ou que, ao menos, no final, Gina saísse bem dali.

No entanto, um certo alívio tomava conta do coração de Draco. Alívio por perceber que o pesadelo estava acabando, juntamente com uma certeza de que, cedo ou tarde, Gina sairia dali e, assim, ele poderia abraçíla como ele queria, e beijíla como ele ansiava.

Aquela era a parte otimista de Draco. A parte pessimista, mesmo que mínima, num canto obscuro de sua mente, ainda assim era assustadora, e se ele deixasse, podia tomar conta de seu desespero e tornar tudo pior.

Ele ainda ficou naquele corredor durante vários minutos, se não fossem horas talvez. E Draco não soube realmente identificar a expressão que Luna trazia consigo assim que saiu da sala onde examinara Gina.

Não soube dizer se era uma expressão de más notícias ou boas notícias. O que ele achava realmente é que ela trazia um semblante neutro, que lhe dizia que, a princípio, Gina não estava bem, mas que logo ela estaria ótima. No final das contas, eram apenas respostas fictícias que a sua mente queria lhe dar, apenas para deixílo tranqüilo, mas não era a realidade.

Nós não temos um quadro clínico formado.- Luna falou.

Como...o que você quer dizer, Luna?

Que nós não sabemos exatamente o que a Gina tem. É com o um estado de dormência profunda...

Coma?

Não, talvez mais profunda e que necessariamente não é um trauma. Creio que tenha a ver com a maldição...você sabe...- Draco afundou as mãos no rosto e sua mente foi atingida por milhares de pensamentos, desorganizados e perturbadores- Sei que foi o Mortis Vitta...

O que ele faz, Luna? Ele não vai matar a Virgínia, vai?

Na verdade, Draco, creio que por ela, pela Gina, ela gostaria que sim.

Mas o que...não...Virgínia não gostaria de morrer assim, Lovegood- Draco alterou-se de uma hora para outra, e cada palavra dita por Luna parecia martelar em sua cabeça e parecia encaixar-se num quebra cabeças começado há anos, mas nunca terminado- ...ela não pode simplesmente morrer assim e me deixar...- ele terminou num fio de voz.

Ela não vai morrer, Draco.- o homem olhou-a, com uma expressão confusa, ao mesmo tempo perturbada e, se olhassem bem as íris claras de Draco, perceberiam uma expressão desesperada.

Então...

...a maldição, Draco, está selada. Mortis Vitta completou a maldição que Voldemort um dia proferiu.

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