Difícil integração



Apesar de já estar há três anos na Inglaterra, era muito difícil se acostumar a esse clima frio, gelado. Neve! Ela nascera e crescera nos trópicos! Solta, descalça, pouca roupa! Agora isso... Casacos e mais casacos, sapatos pesados, cachecóis, luvas... E tinha dias que nada a esquentava, nem por dentro e nem por fora.

Tinha amiguinhos, era bem verdade. A maioria lufa-lufa como ela. Mas, afastando-a da posição comum, havia o fato dela ser uma negação em bruxaria. A varinha não funcionava direito, quando raramente funcionava, e os procedimentos padrões bruxos pareciam cada dia mais difíceis de alcançar.

Estivera com o diretor Dumbledore, levada pelas mãos da professora McGonagall, com sérias dúvidas se ela não seria um “aborto”, sem poderes mágicos. Dumbledore sorria com os olhinhos brilhantes:

- Ah, sim... Aí tem poderes mágicos... Continue tentando, criança...

A cada dia eram mais difíceis as aulas compartilhadas com os alunos sonserinos. Eles implicavam com tudo e com todos, com uma especial predileção por sua natureza diferente, meio trouxa, “aborto” talvez. Heloísa nunca conhecera tantos insultos, mas estava decidida a não revidar e, pensando no avô e lembrando da mãe e das palavras de Dumbledore, entendeu que deveria, ao menos, tentar. Ignorou as ofensas, os deboches, a discriminação. Como ela não reagia, acabavam por se cansar e deixavam-na em paz. Claro que ela sabia que era mais pena e desprezo do que consideração, mas seu coração havia decidido não se deixar abater.

O magricela Snape, apesar de não se juntar ao resto do grupo para perseguir ninguém, de vez em quando a brindava com aquele olhar negro e gélido, às vezes desprezando tudo nela, às vezes desprezando só um pouco. Outras ainda, o surpreendia olhando-a como se pudesse ver dentro dela. E, nessas horas, ela conseguia sentir. E entendia, então, o que sua mãe e Dumbledore queriam dizer com magia.

Foi a partir do segundo ano em Hogwarts que outros alunos começaram a perceber que ela olhava para Snape magricela de maneira diferente, insistente.

Isso era algo que o aborrecia profundamente.

Já então alvo de brincadeiras e deboches de outros alunos pelo seu jeito cavernoso e doentio, o garoto fazia questão de demonstrar seu desprezo por ela.

Heloísa sabia que não era nenhuma beldade ou uma bruxa excepcional ou esperta, sequer muito inteligente. Era comum. Uma menina comum, mediana. Mas, ao contrário de ser um problema para ela, isso a fazia sentir-se parte de um todo, com um senso de união com todas as pessoas. Ela sabia que ele não entendia isso porque o isolamento que ele demonstrava no rosto, no corpo, no jeito, parecia-lhe tão doloroso que, sem o menor esforço, ela sentia a necessidade dele de ser especial para alguém. Ela gostava das pessoas e, até onde percebia, olhava para todo mundo, não só para ele. Até entender que o garoto era o alvo das chacotas, com suas preferências soturnas e esquisitas. E nada mais estranho para alguém assim, do que uma lufa-lufa se prendendo em atenções a ele.

Por vezes, Heloísa achava que ele endereçava toda a raiva que sentia a ela por fazê-lo tão vulnerável ao escárnio dos outros alunos. Outras vezes, ela achava engraçado vê-lo se debater, inquieto, raivoso e indignado, submetido aos relances de olhares que ela lhe dirigia, mas outras vezes ainda, percebia um quê de consentimento, de aprovação, como se ele esperasse por isso.

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