Nada além da verdade

Nada além da verdade



Gina se sentiu mais calma depois que Harry deixou o quarto. Dessa forma, conversar com Ithriel seria bem melhor. A senhora élfica se sentou ao lado da garota. Afagou os cabelos vermelhos, num gesto solidário.

- Você tem sofrido muito...

- Mas agora que sei que o Arlen está se recuperando, vou ficar bem. Como descobriu isso?

- Eu o chamei. E o encontrei sentindo muita dor. Estava tão mergulhando nela que não conseguia sair. Era como se não pudesse ser curado.

- A senhora conseguiu se comunicar com ele?

- Sim. Eu o chamei à razão, que é o que ele precisa neste momento.

- Não entendo.

- Ele tem tentado criar uma situação. E não está conseguindo. E por não conseguir, sofre. Arlen não reagia à cura porque é como se estivesse sentado numa estrada sem forças para caminhar até a casa. Ele vê a casa, vê onde deve chegar, mas está preso em sua dor. O que fiz foi libertá-lo, pegá-lo pela mão e erguê-lo. Agora Arlen pode andar. Ele percebeu que não adianta ficar parado na estrada.

- Isso... de ficar preso... só acontece com os elfos?

- Não. Também com os humanos. Vocês apenas não percebem como nós. E eu percebo mais do que os outros elfos porque tenho o dom de atingir diversas dimensões da mente. Como todos os elfos, Arlen tem um pouco disso, mas não é tão desenvolvido. Nós sentimos as vibrações de animais, plantas, criaturas. Por isso, Arlen sofre. Ele sente que você não está feliz.

O rosto de Gina pegou fogo. De repente, sentiu o ar faltar. Arlen sabia o que estava acontecendo com ela? A senhora élfica voltou a exibir um sorriso triste.

- Ele sempre soube que você não o amava. Desde que te conheceu, em nossa floresta, Arlen ficou encantado por você, pelo seu jeito, pela maneira como se interessava pelo nosso povo, pelo respeito que demonstrou por nossas tradições, pela pureza do seu coração e também porque te achou muito bonita, diferente das mulheres da nossa terra. Arlen sempre me disse que no dia em que escolhesse alguém seria alguém especial. E foi isso que aconteceu.

- Então, ele sabia que eu não o amava? Como? A senhora contou para ele? Imaginei que isso não passaria despercebido pela senhora. Mas eu gosto muito do Arlen - apressou-se a completar.

- Sabemos que gosta. Mas Arlen já percebeu que não consegue substituir outra pessoa que há anos vive em você. Na verdade, isso era do conhecimento dele desde o início. Quando você esteve conosco pela primeira vez, ele captou a tristeza de uma história não resolvida. Só que Arlen não tinha idéia de quem se tratava. Até pensou que fosse Snape. Eu também não sabia quem era, mas tinha certeza de que não era Severo. A energia dele não reverberava em você. Em seu coração, Gina, havia outra energia, forte, tão poderosa que ficou impregnada em você. Literalmente, você carregava alguém no peito. Só descobri quem era no dia em que Arlen te falou pela primeira vez em casamento.

- Nós estávamos numa mata perto de casa. Eu me senti tão feliz naquele dia. Por estar com o Arlen e ter ouvido que ele me amava.

- E quantas vezes você não pensou em quanto é bom ser amada, não é mesmo? Só que a dúvida te tomou pouco depois disso. Já havia uma semente dela, mas a sua absoluta falta de crença no sentimento dessa pessoa que vive em você te fez sublimar essa dúvida. Eu avisei meu filho que ele estava tentando cuidar de um girassol que já tinha seu astro e só se movia por ele. Arlen é um tanto obstinado. Ele acreditou que mudaria isso.

- A senhora fala como se eu não tivesse tentado amá-lo.

- O amor não segue comandos. Ele acontece. E o seu escolhido, aquele que você manteve em seu coração durante tanto tempo, tinha reaparecido. Era natural que o sangue voltasse a fluir como no passado. Eu pressenti essa pessoa quando vocês estavam na mata. Ele reagiu muito mal à notícia. Foi com tanta intensidade que captei essa vibração da minha casa. Captei porque Arlen me comunicava mentalmente sua alegria e naquele instante surgiu uma energia cruzada, que estava em fúria e dor. Poderia ter sido alguém da sua família que não tivesse gostado do meu filho. Seu pai ou um dos seus irmãos, por exemplo. Mas ela me pareceu familiar. Custei a me dar conta de quem era. E então me lembrei de suas energias. Uma parte dela, a que habita seu coração, coincidia com a forte energia emanada naquela tarde. Por curiosidade, tentei chegar até a identidade dessa pessoa. Vaguei por muitas dimensões e reencontrei essa energia. Seu dono pensava escrever uma carta para uma certa moça e no final se viu assinando o nome. A carta não foi enviada, mas me permitiu saber de quem se tratava. Foi uma surpresa.

Gina tremia dos pés à cabeça. Ithriel tocou-lhe a mão para transmitir serenidade.

- Eu não contei a Arlen como descobri de quem era a energia e por que ela tinha cruzado seu caminho. Só comentei que tinha encontrado uma força digna dos maiores magos. Com o tempo, porém, meu filho captou uma transformação violenta em seus sentimentos, Gina. Mais uma vez, eu o alertei, só que ele não quis me ouvir. Não se aflija. Em nenhum momento revelei que essa pessoa que vive em você é Harry Potter.

- Não. Não diga esse nome, por favor. Arlen pode ouvir - gemeu.

- Arlen soube por seus próprios meios na noite em que você desmaiou. As energias estavam muito intensas ali. Se pudesse ser medida, o medidor teria explodido. Ele ficou tão atordoado com a descoberta que a liberou do compromisso. Fez o certo, mas você o aceitou de novo. Meu filho ficou tão feliz que imaginou que poderia substituir Harry. Eu expliquei para ele que isso jamais aconteceria. E disse que talvez ele pudesse se satisfazer com o sentimento que você nutre por ele. Arlen só não contava com uma coisa. Você começou a suspeitar que Harry gostava de você, provocando um novo tormento em sua alma. Ele captou isso devido a essa energia que agora você e meu filho compartilham. Arlen se sentiu ameaçado pela primeira vez.

- Mesmo assim, eu não deixaria de me casar com ele. Eu tinha tomado uma decisão que é ficar com Arlen até quando me queira.

- Meu filho ficou com ciúmes desse amor que você tem pelo Harry. Falando com Arlen agora, ele me revelou a dor de saber que o bruxo não pode ser derrotado. Sentiu isso nessa batalha que travaram. Em seu íntimo, você teria corrido para Harry, mas por fidelidade, Gina, sua decisão foi ficar com meu filho. Apenas por fidelidade. Para Arlen, foi demais. Ele já estava bastante ferido por dentro quando foi atingido pela lança.

- A senhora pode avisá-lo, por favor, que a felicidade dele é o que mais me importa. Estou do lado dele e continuarei assim até o fim da minha vida.

- Não posso fazer isso, Gina. Creio que depois de tudo o que aconteceu, só uma coisa pode ser feita. Desde o início só havia uma opção: Arlen te deixar livre para você ir aonde mais deseja, você seguir o seu caminho - qualquer que seja - e ele aceitar a realidade.

- A senhora não quer que eu me case com ele? Eu a decepcionei tanto assim - chocou-se.

- Ah, eu gostaria muito de tê-la como filha. Mas para que se enganar mais, Gina? Você não será feliz se iludindo. E nem o Arlen. A dor é forte para ele agora, porém seria pior mais tarde. Liberte-se, Gina, que só assim você poderá libertar meu filho.

- Não posso me "libertar" enquanto ele não confirmar suas palavras. Sinto muito.

- Eu admiro sua atitude. Demonstra respeito por Arlen. Aguarde, então. Ele deve acordar amanhã ou depois. Antes de me despedir, permita-me um único palpite. Sim? Obrigada por concordar. Procure Harry Potter e conte-lhe tudo o que se passa com você. É isso, minha muito amada Gina. Eu a guardarei eternamente no coração. Hoje à noite parto de volta para a Floresta Escura. Arlen ficará aqui por mais alguns dias. Só que ele deseja regressar sozinho para casa.

- Mas ele agora é mortal! Eu tinha me esquecido disso! Ele fez esse sacrifício por mim! Eu não posso deixá-lo! Não posso, senhora.

- Arlen só morrerá se continuar nesta terra. Em meus domínios, posso restaurar sua imortalidade, mas ele não terá mais a liberdade de ir e vir. Se quiser revê-lo um dia, terá de nos visitar. Agora, adeus.

Ithriel se levantou, abraçou Gina ternamente e beijou sua fronte. Em suas mãos, depositou um embrulho e se foi, deixando a jovem sozinha.




*****




Ao chegar em casa, Harry jogou-se no sofá. Espichou o corpo e colocou a cabeça sobre as mãos cruzadas na nuca, olhando para o teto. Não tinha vontade de fazer nada. Ficou feliz de lembrar que naquela noite Rony dormiria na casa de Hermione. Os pais dela estavam viajando. Estava só e assim desejava passar o resto do dia, e o dia seguinte, e depois... Então, ouviu-se o som típico de quem aparata. Claire.

- Sim, senhor. Estou te estranhando, Harry Potter. A enfermeira Meg me contou que você estava em St Mungus esta noite. Nós estávamos terminando nossos horários quando eu me encontrei com ela no vestiário. A sapa velha me disse que você tinha ido ver a Gina.

- Fui ver o Arlen.

- Foi o que eu disse. Mas ela insistiu. Falou que seu pergaminho apontava Gina Weasley, e não Arlen, porque você certamente disse Gina Weasley.

- Devo ter me enganado - respondeu, alheio ao ciúme da namorada.

- Eu imaginei - disse num muxoxo, completando em seguida. - Ela não gosta de mim, não é?

- A enfermeira Meg?

- Não. A sapa velha não gostava mesmo de mim. Eu me referia à Gina.

- Não tenho a menor idéia.

- Eu sinto que ela não gosta. Ela é tão fria, quase não fala comigo. E tem aquele ar esnobe.

- Ela não é esnobe. Devia estar insegura de alguma coisa ou intimidada. Quando ela está desse jeito, se fecha mesmo. Que nem uma ostra. Se fica brava, também se fecha.

- Será? Bom, ela também não demonstra muita simpatia por você.

- É? - perguntou surpreso.

- Naquela noite na Toca, parecia que ela estava me fazendo um favor em conversar comigo. E se você olhasse para ela, nossa, a impressão é que tinha tomado bebida estragada. Gina realmente se incomodou com a sua presença. Dava para perceber que ela queria que você estivesse em qualquer lugar, menos lá. Aquilo foi péssimo. Você é o melhor amigo do Rony!

- É... - balbuciou, a mente longe.

- Só porque foi escolhida por aquele elfo todo charmoso ela não precisa se achar a tal.

- Não agüento mais ouvir falar nele - respondeu brusco, sentando-se.

Claire sorriu e se sentou ao lado dele, curvando-se para beijar o ombro do namorado.

- Está com ciúmes, mor?
- Não sei mais o que eu sinto. Sei que ele é um cara decente. Mas tem uma coisa me corroendo. Uma mistura de raiva, ciúmes, inveja. A mesma sensação que tive quando meu primo ganhou uma bicicleta de aniversário e ele ficava se exibindo só porque sabia que eu jamais teria uma bicicleta. Naquela época eu nunca tinha nada. É como me sinto agora. Sem nada.

- Que horror! Mas você tem tanta coisa. E me tem, mor! - disse, abraçando-o.

- Claire, você é uma mulher maravilhosa. Sempre me apoiando, tentando brincar, aturando meu mau-humor.

- Você não é do tipo mal humorado. Só de vez em quando. Se bem que ultimamente você anda muito amargo. Esquivo. Estranho.

- Eu não estou sendo justo...

- Não mesmo. Tinha de me tratar com mais carinho. Sinto falta de você. Do Harry que me escreveu aquela carta quando estava na Toca. Sabe, vou guardá-la por toda minha vida, como prova do seu afeto.

- Não faça isso. Não vale a pena.

- Como assim? - Claire o soltou imediatamente, desconfiada.

- Hum, tá na hora de falar toda a verdade para você. Já devia ter feito isso. Só que, sei lá, fiquei paralisado, perdido. Aquela carta eu escrevi num momento em que eu me sentia muito por baixo. Muito. Foi quase uma defesa. Uma tentativa de resgatar minha auto-estima. Eu gostava de você e tudo. Mas eu estava diferente. Alguma coisa estava mudando em mim, sentia isso, embora não admitisse.

- Você quer se explicar melhor?

- Eu estava começando a gostar de outra pessoa.

As narinas e o queixo de Claire tremiam. Ela estava branca. Harry julgou que tinha avançado o sinal. Parou por um momento. Mas tinha de continuar.

- Foi algo forte. Eu não tinha controle sobre o que sentia.

- Que canalhice! Conheceu umazinha e já ficou assanhado?

- Não era "umazinha". É uma mulher que eu não via fazia muitos anos. Uma pessoa que sempre me ajudou, que sempre esteve por perto, que sempre foi legal comigo, que sempre me admirou. Mas antes eu só pensava nela como uma menininha. Gostava dela porque era companheira, uma grande amiga. Mas quem é que se apaixona por uma menininha? Por mais estúpido que soe, jamais pensei que um dia ela iria virar uma mulher.

- Seu assanhado, sem vergonha! - gritou, dando tapas violentos em seu ombro, o rosto transfigurado.

Harry não se defendeu, deixando que ela o agredisse até se cansar. Claire parou de estapeá-lo e lágrimas surgiram em seus olhos. Estava furiosa.

- Não pode ser. Não me diga que é a Gina. Você está falando... dela?

- ...

- Não vai responder, seu covarde?

- Você me pediu para não dizer!

- E você é um idiota! Gina?! Não acredito! Ela nem olha para você. Ela não gosta de você. Ela nunca vai deixar o Arlen por você.

- Eu... sei disso... - afirmou amargamente.

- Além de me trair, ainda bancou o palhaço. Ela quase se casou naquela noite. Não estava na cara, não?! E você querendo uma aventurazinha com ela...

- Não é uma aventura! Eu sou maluco por essa mulher. Doente. Ela não sai da minha cabeça. Já tentei e não consigo. Fiz de tudo, me amparei em você, mas não dá. É impossível. Eu não entendo que inferno acontece comigo.

- Transou com ela? Beijou?

- Não transei.

- Mas beijou, né, seu canalha?! Quantas vezes?

- Duas.

- E não alterou em nada o mundo dela. Ela continua com o Arlen. Tá vendo? Fez o papel de bobo. E continuou fazendo. Por que é que você foi lá hoje? Foi se humilhar?

- Quase. Na verdade, acho que foi mais para por um ponto final. Fui tentar dizer que iria esperar por ela, se houvesse alguma chance para mim. Sabia que ia ser muito difícil depois do que aconteceu na montanha. Já suspeitava que nada mudaria, mas o Rony insistiu que eu falasse com ela. Claro que a Gina não estava a fim de me ouvir, nem olhou para a minha cara. Na primeira oportunidade, me mandou embora. Foi um adeus. O Arlen vai se recuperar e eles vão se casar. Acabou para mim - disse, com a voz embargada.

- O Rony, hein?! Pensei que ele fosse meu amigo - gemeu. - Harry, eu não devia mais olhar a sua cara depois de tudo isso que você fez. Tem noção de como está me machucando? Não, você não tem. Mas já que essa história acabou, eu estou disposta a te perdoar. Só que nunca mais, entendeu, nunca mais você vai se encontrar com ela ou visitar essa... Toca. O nome dela está banido da nossa vida.

- Eu já decidi que nunca mais vou vê-la - respondeu soturnamente.

- Vai ter de jurar, assinar papel... Só assim a gente continua junto.

- Claire...

- Não pense que vai ser fácil. Estou te perdoando porque eu sou muito legal.

- Claire, você é muito legal. É... maravilhosa. Uma mulher que poucos homens merecem.

- Você, por exemplo, não está me merecendo e eu devia te dar um castigo feio antes de te perdoar.

- Pode me dar o castigo que quiser. Gostaria de ser perdoado, mas eu não posso continuar do seu lado. Ainda gosto muito da Gina.

- O QUÊ? MAS ELA NÃO TE QUER!

- Não precisa jogar isso na minha cara.

- Você é um idiota mesmo. Não sei como fui gostar de você. Quer saber? Não quero mais nada com você. Não quero mais saber da sua existência. Você morreu para mim, Harry. Hoje mesmo vou voltar para a França.

- Sinto muito por tudo que estou fazendo você passar.

- Você vai sentir mais quando se der conta da mulher que está perdendo. Passe muito mal. E esqueça do meu nome. Eu já esqueci do seu - e desaparatou.

Agora não havia mais nada a fazer. Harry lamentou terminar com Claire daquele jeito. Devia ter aberto o jogo logo de cara. Não que tivesse sido covarde, como ela o acusara. O bruxo apenas tentara, insistira no namoro para ver se conseguiria se livrar do fantasma de Gina. Mas nada estava dando certo para ele ultimamente. Devia ter levado isso em consideração. Suspirou. Pegou um pergaminho, escreveu um bilhete para Rony pedindo para avisar Shacklebolt que precisava de um tempo para se ajustar. Três dias bastariam. Mandou Edwiges levar a carta, aprontou uma mochila e sumiu.

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