Revoada de corujas

Revoada de corujas



Da janela vinha a luz pálida da lua. O céu estava limpo, sem nuvens. Olhos fixos no teto do quarto de Rony, Harry estava deitado na cama, vestindo camisa, calça e meias. Logo alguém viria chamá-lo para o jantar. Quando voltara do bosque, pegara pena e pergaminho e enviara uma mensagem para a namorada. Era curta, mas sincera. “Hoje, como nunca, gostaria de colocar a cabeça no seu colo. Estou precisando de carinho e atenção. Vê se pensa um pouco em mim e dá um jeito de chegar cedo na praia. Vou ficar na Toca até amanhã, depois parto com o Rony e a Hermione. Te espero com muitas saudades. Beijos.”

Não tinha certeza se Claire iria responder naquela noite. Mas só de ter escrito para ela já se sentia melhor. “Não sei onde estava com a cabeça. Que loucura brincar assim com a Gina. Ela vai se casar. Já devia desconfiar disso”, pensou. Seu estômago doeu um pouco. Devia ser fome. O corpo também estava dolorido. Imaginou que a sensação de peso iria sumir com o banho. Mas ela continuava ali, prendendo-o à cama. Girou o corpo, ficando de lado. Sabia que sua roupa já devia estar amarfanhada, porém não ligou. Não tinha mais necessidade de aparecer bem. Quer dizer, poucas vezes na vida tinha se preocupado com isso. Só nestes dias na Toca estivera mais atento a isso. “Para quê? Para nada”, lamentou-se. Depois, sacudiu a cabeça. Queria negar aquele sentimento negativo que se apoderara dele. Na sua cabeça, vinham as imagens de Arlen beijando Gina, de Gina com os olhos fechados no bosque, de Gina dizendo às ninfas que iria se casar “com outra pessoa”. Aquilo tinha sido o fim da fantasia. “Ainda bem! Até onde eu iria se não fosse por isso?” Seu estômago voltou a doer. E naquele instante ouviu a voz da senhora Weasley pedindo-lhe para descer.

Quando entrou na cozinha, todos já estavam sentados. Gina se encontrava entre os pais. Para Harry, coube a cadeira em frente ao senhor Weasley. Artur exibia um sorriso de orelha a orelha. A senhora Weasley tinha os olhos vermelhos, mas o semblante era de felicidade. Evidentemente, a filha já lhes contara a novidade.

- Meus queridos, quero abrir este jantar com um brinde. Esta tarde vocês souberam de algo que só agora vim saber. Mas isso não me incomoda nem um pouco. Não ligo para esse negócio de ser o primeiro... O importante é que a Gina foi pedida em casamento por um sujeito extraordinário, maravilhoso... - e interrompeu a fala, muito emocionado - ...para falar a verdade, não poderia desejar um genro melhor. De todas as possibilidades que um dia vi para a minha filha, esta é certamente a que me deixa mais orgulhoso. Então, ergam seus copos. Gina, que você seja feliz tanto quanto eu me sinto agora.

A senhora Weasley chorou agarrada à filha, impossibilitando por um instante o brinde. Assim que se recobrou, todos ergueram suas taças e tocaram suas bordas. Hermione deixou sua cadeira para abraçar a amiga. Ambas tinham os olhos úmidos. O senhor Weasley as separou para dar um beijo na testa da filha. E abraçou também Hermione. Molly correu para Harry e se jogou nos braços do rapaz. “Ah, logo você também vai se casar, não é meu filho?! Aí, minha alegria será completa”, disse em meio a soluços. O estômago dele doeu mais uma vez, de modo agudo. Harry dobrou ligeiramente o corpo.

Naquele momento, Rony deixou sua cadeira e foi até Gina. A irmã ficou em suspense. Rony a abraçou com força e beijou seus cabelos.

- Desculpe o mau jeito desta tarde. É que eu sou muito ciumento. E fiquei cabreiro por não ter sabido desde o início que você estava se arranjando com o Arlen. Ele é um ótimo sujeito. Realmente legal. Bom, tem aquelas orelhas, mas se elas não te incomodam, não sou eu quem vai reclamar - riu, fazendo a irmã desabar no ombro dele, revelando assim o quanto se sentira mal por causa da desavença no bosque.

- Você, às vezes, é tão insensível... mas se a Mione não se incomoda com isso, não sou eu quem vai reclamar - disse, limpando o rosto das lágrimas e fazendo a família gargalhar.

Em seguida, ela voltou ao seu lugar. Apenas Hermione notou que Gina não recebera um abraço de Harry. Ou que Gina não se dirigira a ele. Não tinha certeza qual das duas interpretações era a mais correta. Assim que se sentaram, no entanto, Harry disse “parabéns”. A garota agradeceu com os olhos baixos. “Ele deve estar arrependido de ter brincado comigo daquele jeito”, calculou Gina. “Ela deve estar chateada comigo”, ponderou Harry. “Eles estão muito estranhos”, observou Hermione.

- Agora me conta, maninha, quando ele fez o pedido?

- Foi ontem.

- Nossa, você aceitou rápido, hein?!
Gina enrubesceu. Explicou que há muito tempo gostava de Arlen, porém não suspeitava que ele gostasse dela.

- Quer dizer, a gente tem muitas afinidades, mas nunca passou pela minha cabeça que ele fosse... se apaixonar por mim. Pensar nisso era impossível, loucura. Porque, afinal, elfos quase não se casam com humanos. Isso praticamente implica em abdicar da imortalidade.

- Querida, nunca ouvi prova de amor mais bonita do que essa - comentou a senhora Weasley.

- E para quando é o casamento? - perguntou Hermione.

- Isso eu ainda não sei. O Arlen vai falar primeiro com os pais dele. Os senhores da Floresta, talvez, venham até aqui. E assim, com todo mundo junto, a gente pode fechar uma data.

- Periga, então, você casar antes da gente - brincou Rony.

Gina balançou a cabeça, confirmando. Harry estava quase se levantando para procurar o banheiro. Sentia que a comida estava atravessada na garganta. E o estômago doía horrivelmente. Não tocou mais no prato. Subitamente, Edwiges surgiu com uma carta de Claire e um embrulho pequeno. O rapaz pediu licença e foi até a sala. Em segundos Harry abriu a mensagem. “Harry, meu amor. Fiquei feliz ao ver a Edwiges. E triste ao descobrir que você não está bem. Que tal estes beijinhos de chocolate para te dar conforto? E também esta foto que retirei ontem da revelação? É uma que tiramos em sua casa, lembra? Espere por mim cheio dessas saudades que você está sentindo. A gente vai compensar tudo isso quando eu chegar. Enquanto isso, finja que estou aí, encoste sua cabeça neste travesseiro e receba meus carinhos e todo meu amor. Não posso te colocar no colo como pediu, mas dormirei pensando em você. Um beijo na sua boca. Eu te adoro. Claire.” O estômago se apaziguou um pouco. Como era bom se sentir amado!

Harry recostou-se no sofá e colocou a cabeça sobre o travesseiro. Ele se expandiu e passou a ronronar como um gato. O travesseiro ondeava, produzindo movimentos que massageavam a cabeça do rapaz. Harry riu. Cada uma que Claire inventava. E ficou assim até que todos se dirigiram para a sala. A senhora Weasley perguntou do que se tratava e Harry sentiu prazer em contar-lhe da carta e mostrar os presentes. Molly pediu para ver a foto. Uma moça loira de olhos verdes olhou para ela, sorrindo, e em seguida segurou o rosto de Harry para lhe dar um beijo no rosto. O Harry da foto sorria e envolvia a jovem pela cintura.

- Harry, ela é linda. Sempre achei que você escolheria uma moça excelente para ser sua companheira - elogiou.

O rapaz sorriu. O senhor Weasley concordou com a mulher. Rony e Hermione olharam a foto também e disseram que estava muito boa. “Você está até passável, Harry”, brincou o amigo. Na vez de Gina, ela segurou o retrato firmemente. Harry aguardava alguma reação. Contra sua vontade, seu peito se oprimiu ao ver a jovem devolver-lhe a foto sem alterar a expressão do rosto.

- Claire é realmente maravilhosa. Vocês formam um belo casal - disse, mostrando um sorriso doce.

Aquele comentário teve o poder de trazer um gosto amargo à boca de Harry. O gosto da rejeição. Claramente Gina o dispensava. Se houvesse qualquer centelha de paixão, algo teria acontecido. Um brilho triste no olhar, um tremor ligeiro na mão. Mas ele não tinha percebido nada. Deixou a foto sobre a mesa ao lado da mensagem.

Então, surgiu outra coruja que voou diretamente até Gina. Foi uma surpresa para todos. A moça pegou a mensagem, leu rapidamente a carta e disse que estava sendo convocada com urgência pela Confederação. Teria de viajar pela manhã de volta à Suíça. Gina estava escrevendo uma resposta quando apareceu mais uma coruja. Desta vez para Hermione. Era de sua mãe, dizendo que o dono do hotel onde se hospedariam tinha acabado de chamar por telefone. Queria saber se poderia liberar os quartos para uma família que deveria chegar no dia seguinte.

- De jeito nenhum. Nós vamos embora amanhã - respondeu Rony, que se dirigiu à família - A gente combinou agora há pouco. Vamos deixar a Toca depois do café.

Os pais de Rony lamentaram, mas sabiam que tinham ficado na companhia dos três por mais tempo do que o planejado. Gina não disse nada, limitando-se a despachar a coruja para a Confederação, ao mesmo tempo em que Hermione liberava a sua. As aves saíram pela janela e quase acertaram outra que vinha.

- Mas o que é isso? A festa das corujas? - espantou-se Rony.

Só que não era uma coruja, e sim uma águia que trazia uma mensagem para Gina. A moça pareceu entender na hora o que significava aquilo. Seu rosto se iluminou e ela tratou de abrir o pergaminho.

- É do Arlen. Ele conta que acabaram de chegar ao porto. Que está bem, assim como Snape, e que amanhã cedo vão embarcar com destino à Floresta. Diz que entre 20 e 30 dias vão estar de volta, trazendo uma... hum... uma comitiva. Ah, ele vai trazer os pais - disse, excitada.

Foi o suficiente para Harry. Ele se levantou e desejou boa noite a todos. Rony e Hermione também subiram. A senhora Weasley foi à cozinha verificar se tudo estava em ordem. E o senhor Weasley se recolheu. Gina escreveu um bilhete curto e encaminhou para Arlen pela águia. De repente, seus olhos se depararam com a mensagem de Harry. Estava ardendo de curiosidade. Tinha de se conter. Sua mãe retornou e deu-lhe boa noite, recomendando que deitasse logo. Gina fez que sim com a cabeça. Assim que Molly deixou a sala, a garota voltou a sentir vontade de ler a carta. “Não faça isso, Gina Weasley. Não é da sua conta!” Mordeu os lábios. Aquela dia tinha sido muito difícil. O tempo inteiro fora testada e quase sucumbira. Quando Harry perguntara que “fantasma” tinha superado, quis responder: a sua indiferença. Desde que o reencontrara na Toca, seus sentimentos estavam confusos. Ele tinha sido seu primeiro amor e fora tão profundo que tinha demorado muitos anos até se convencer que era inútil alimentar esperanças. Harry nunca olhava para ela!

Seus olhos insistiam em buscar a carta de Harry. Ah, resistiria! Quantas vezes já tinha resistido naquela semana? Mesmo com Arlen por perto, ela se sentia atraída por Harry. O amigo, como dissera às ninfas. Ninfas? Elas deveriam se lembrar perfeitamente bem de quantos dias chorara por causa de um menino que não ligava para ela. Nunca dissera o nome dele, mas naquela tarde se horrorizou com a possibilidade de descobrirem a identidade do amor secreto do passado. Gota de Orvalho seria bem capaz disso. Como as demais ninfas, era absurdamente romântica mas tinha a cabeça no lugar. Recordou-se que ela costumava animá-la, dizendo para nunca perder a esperança. Que nada! Não há esperança que resista ao silêncio de seis anos. Durante todo esse período, Harry nunca se importara com ela. O rapaz podia ter se desculpado naqueles dias, o que a alegrou, mas não dava para esquecer com um estalo os tempos em que estivera invisível para ele.

E havia Arlen, que a amava verdadeiramente. Como era bom se sentir amada! Ela gostava dele, claro. Gostava bastante. Ficara muito emocionada com o pedido de casamento. Lembrando-se da cena, derramou lágrimas. Como poderia recusá-lo? Só se fosse louca. E, no entanto, seu coração a traiu. Quando se deitara naquela noite, a mente voou para Harry, tentando adivinhar como ele reagiria. Faria alguma diferença? “E não fez”, torturou-se. Ele não demonstrou surpresa. Foi gentil e mais nada. Também, só podia ser assim. Depois daquela tarde no bosque, ele não podia agir de modo diferente. Percebera que Harry estava se divertindo com ela, provocando-lhe, tentando atraí-la num jogo de sedução. Por que? Não tinha idéia. Quem sabe para se distrair? Quem sabe para verificar se ela ainda gostava dele? Sentiu um grande arrependimento ao pensar que também tinha provocado. Permitir que ele encostasse seu corpo no dela tinha sido uma bobagem. A conseqüência só podia ter sido aquela. Harry tão perto, tão atraente, tão irresistível. Se não fosse pelas ninfas, ela não teria suportado o desejo. “Ia acabar dando um beijo nele, me jogando nos braços dele. Eu não estava agüentando mais”, envergonhou-se.

Gina desistiu. Pegou a carta com as mãos trêmulas. Não precisava mais dominar os nervos, como fizera minutos atrás ao olhar a foto de Claire e concluir, aterrada, que não tinha condições de competir com ela. Era tão bonita e delicada! Ainda bem que estava acostumada a não revelar sentimentos em momentos de negociação. Tinha aprendido na Confederação, não tinha?! Respirou profundamente e leu a mensagem com avidez. Ao terminá-la, estava pálida. “Como é bonito o amor deles. Eles se gostam tanto. Tá na cara que estou fazendo um papelão. Ah, Arlen, tenho de ser mais digna de você”, pensou, amargurada. E subiu até seu quarto, disfarçando a tristeza. Não queria que ninguém descobrisse seus conflitos. Nem mesmo Hermione.

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