Partidas



De volta à mesa de jantar. De novo em frente a Snape. A anfitriã da Toca definitivamente resolvera castigá-lo. Harry olhava furibundo para o professor. Era dele a culpa por ter trazido o Orelhas Pontudas ao seu mundo. Severo Snape estava sentado à esquerda de Arlen com a habitual expressão rígida. Do outro lado, o senhor Weasley cortava legumes cozidos em seu prato. À direita de Harry, a senhora Weasley fatiava um bolo de carne. Hermione cutucou o cotovelo do amigo, pedindo com a cabeça o creme de milho. Estava entretida com o elfo. Rony também prestava bastante atenção à conversa, aparentemente satisfeito. “Até ele foi seduzido”, resmungou mentalmente, enquanto levava um copo de vinho à boca. Como Harry, Gina, que estava sentada em frente ao irmão, pouco falava.

- O que é necessário fazer para poder conhecer as terras élficas?

- Hermione, somente os membros do Conselho Branco têm a autoridade para permitir visitantes. Poucos humanos já foram beneficiados com o livre trânsito. E mesmo assim, todas as vezes que quiserem voltar eles são obrigados a se comunicar conosco. Apenas as embarcações élficas são capazes de atravessar nosso oceano e chegar à costa das terras humanas.

- Entrei em contato com seu pai ontem, Arlen. Ele está enviando um barco para me buscar no Porto das Águias.

- Oh, Snape, que maravilha! Quando vai para lá? Quanto tempo ficará? - perguntou a senhora Weasley. “Podia ser para sempre”, pensou Harry, deixando escapar um sorriso sarcástico.

Snape notou para onde se encaminhava o pensamento de Harry. Mas manteve a pose. Respondeu que fora convidado pelos pais de Arlen, membros do Conselho Branco, a visitar mais uma vez a Floresta Escura.

- Temos uma relação antiga. Eu os conheci por meio do professor Dumbledore, que é muito querido entre os elfos.

- Alvo Dumbledore e todos os magos com livre trânsito são muito respeitados pelo nosso povo. Eles demonstraram que têm grande valor não apenas entre os de sua raça. Dumbledore é amigo dos elfos e não se alia às forças das trevas, o que para nós é essencial.

- Não se aliar às forças das trevas?! Interessante. Snape você tem passe livre? - interrompeu Harry.

- Tenho, Potter - respondeu Snape secamente. - E sinto-me orgulhoso de dizer que também ajudei nossa bela Gina a conquistar o trânsito livre. Ninguém foi honrado dessa maneira à idade dela - emendou, fazendo a garota enrubescer até a raiz dos cabelos. - Paguei o favor que o professor Dumbledore me fez anos atrás ao me responsabilizar por levar comigo uma pessoa tão jovem. Mas é evidente que os méritos são da própria Gina.

- Jamais pensaria o contrário. Até porque Gina, além de ter um grande valor pessoal, nunca se aliou às trevas. Mas fico aqui matutando se o Conselho Branco pode ser enganado e estender sua benção a alguém que já fez parte dessas forças malignas a que nós estamos nos referindo. Pode, Arlen?

- Todos podemos ser enganados, Harry. Os seres das trevas têm um dom especial para ludibriar. Mas os conselheiros dificilmente erram. Eles atingem as profundezas dos corações e mentes. Quando alguém é convidado a ir até a Casa do Alto, onde o Conselho se reúne, é muito raro que os Senhores Élficos não sintam as emanações de sua alma.

- Você pode sentir essas emanações?

- Não, Rony. Não sou um senhor élfico. Mas meus pais podem, principalmente minha mãe que é parente da Senhora Galadriel, um dos nomes mais venerados do meu povo - disse Arlen com um sorriso plácido. Em seguida, voltou-se para Harry. - Por sinal, minha mãe falou comigo hoje. Não se espantem. Vocês não poderiam saber disso. Ela não usa meios físicos para se comunicar. Sua voz surge em minha mente porque laços fortes nos unem. Minha mãe contou-me que sentiu nesta tarde um grande poder perto de mim. E não estava falando de Gina porque ela reconhece a força que emana dela.

- De quem falava, então? - agitou-se Rony.

- Do seu amigo Harry Potter - respondeu Arlen.

- Pelas barbas de Merlim, que poder você tem, Harry! Eu tinha te descartado porque você passou a tarde inteira trancado no quarto, dormindo e escrevendo para a Claire. Ele estava tão entediado que não quis nem a nossa companhia e só desceu porque tinha bolo de carne para o jantar, não é Harry?

Pressurosa, a senhora Weasley perguntou o que poderia fazer para tornar o dia de Harry mais agradável. Não estava nada satisfeita de só agora saber que ele andava aborrecido na Toca. Harry, envergonhado, negou que estivesse entediado. Sentia só saudades de Claire. Mais nada. Intimamente desejou dar um tapa na cabeça de Rony. Com tudo isso, não conseguiu sustentar o olhar arguto de Arlen. “Será que descobriu que estive escondido para ouvir a conversa dele com a Gina?”

Depois da sobremesa, todos se dirigiram para o jardim, repetindo a vez em que tomaram café nos bancos e sob as estrelas. Agora, porém, Arlen concentrou as atenções porque a família inteira queria saber mais sobre a Senhora da Floresta Escura. Hermione bebia cada palavra do elfo. O senhor Weasley fazia inúmeras perguntas. E Rony interrompia a conversa com comentários engraçados. Estava gostando do Orelhas Pontudas. Sentado num banco mais afastado, Harry sorvia o chá. Queria distância do grupo. Mas logo teve uma inesperada companhia, Snape.

- Seu ataque foi frustrado, Potter.

- Acha? Ainda tenho dúvidas de que o tal Conselho saiba que você já foi um Comensal.

- Isso foi há muito tempo. E eles sabem disso. Em meu benefício, tive o aval do professor Dumbledore. Ainda me odeia, não é Potter?

Harry olhou para ele exibindo um sorriso zombeteiro. Mas não abriu a boca.

- Só que não é apenas a velha antipatia que te fez me atacar daquele jeito. Há algo mais. Por acaso, está incomodado com a presença de Arlen? Ah, parou de sorrir. Vejo que está. O que te incomoda exatamente, Potter? Ter alguém que roube a atenção que sempre cai sobre você? Não gosta de competição?

- Por que você não vai para o inferno? Está pensando que sabe de tudo? Quem é presumido aqui? - e antes de encerrar, deu a estocada final. - Já que você vai às terras do seu amigo, aproveita e tenta descobrir uma planta que dê um jeito nessa sua cara. Os elfos devem te achar parecido com um trasgo.

Foi a vez de Snape sorrir. Levantou-se do banco, ajeitando as vestes negras.

- Não será uma tarefa fácil, Potter. Creio que tenho de me conformar com a minha cara. Aliás, isso me lembra algo que a senhorita Weasley me disse no ano passado, quando passamos a trabalhar juntos. Como era mesmo? Ah, sim, que minha aparência sempre a assustou, mas que se envergonhava de ter sido tão superficial por me julgar apenas pela minha falta de... beleza. Ela foi generosa porque eu sei que não ajudei, tratando-a com mau humor já que a via como mais uma integrante do séquito de adoradores de Harry Potter. Detesto seitas. Felizmente, o tempo me permitiu corrigir os erros do passado e apreciá-la como merece.

- Ela não é para o seu bico - disse com fúria contida.

- Nunca me atreveria a ter essa idéia. Gina é uma mulher encantadora. E não falo isso por causa de sua beleza. Eu não ligo para isso. Ela é suave, doce, paciente, atenciosa, justa, inteligente. Está muito acima de você, por exemplo.

- E de você também.

- Por isso não me atrevo a sonhar com ela. Além disso, estou acostumado a viver só e sou muito mais velho. Mas isso não quer dizer nada. Arlen é imortal e é mais velho do que todos nós. No entanto, isso não incomoda a senhorita Weasley, que parece estar muito interessada nele.

- Ele é um Alto Elfo. Qualquer um que nunca tenha visto um ficaria interessado. Não aconteceu isso com você? - debochou.

- Os interesses diferem, Potter. Olhe para Gina. Note como ela acompanha os movimentos de Arlen. Ela o admira profundamente, está claro. Muito mais do que qualquer outro nesta casa. E se houver amor, Potter, vou me congratular ainda mais por ter levado Gina à Floresta Escura. Poucas humanas foram escolhidas para serem esposas de Altos Elfos.

- Por que está perdendo seu tempo me dizendo essas coisas?

- Imaginei que gostaria de saber disso, já que não tem apreciado muito a companhia de Arlen. Calculei que essa informação poderia angariar mais simpatia para o lado dele. Afinal, os amigos de Gina devem ser seus amigos também.

- Essa relação direta não existe. Sou amigo de quem quero - sibilou.

- Naturalmente, eu não me inclui nesta lista. Sei que sou exceção.

Snape se afastou. Harry bufava por dentro. Decidiu permanecer onde estava. Não queria prosa com mais ninguém. Viu que Arlen estava com uma flauta e começava a tocar o instrumento a pedido dos demais. Gina se levantou e ofereceu seu lugar a Snape. Ergueu os olhos e descobriu Harry sentado à distância, servindo-se de mais chá. “Ah, não. Ela está vindo para aqui. Vou fingir que estou com dor de cabeça”.

- Posso me sentar aqui? Juro que vou ficar quieta.

- Então, pode. Estou com dor de cabeça.

Gina mirou seu rosto e tocou sua mão, num gesto solidário. Em seguida, girou o corpo para poder observar melhor o grupo. Harry demorou alguns minutos para se atrever a olhar na mesma direção. Dessa forma, podia observar a garota sem receio. Uma onda de tristeza aos poucos substituiu a raiva. Estudava com atenção o semblante de Gina. Sim, Snape estava certo. Ela admirava Arlen. Estava escrito em seu rosto, na maneira como os lábios se distendiam num sorriso tímido, no modo como seus olhos brilhavam e suas faces coravam. Mesmo o jeito como respirava, num ritmo ligeiramente mais acelerado do que o normal, denunciava que estava tomada por uma emoção diferente. Harry depositou sua xícara na mesa, sentindo-se infeliz.

- Acho que vou me deitar.

- Já?

- Hum, tenho que preparar minha mala. Pretendo viajar amanhã.

- É? Mione não está sabendo disso. Eu perguntei quais eram seus planos e ela disse que imaginavam ficar mais um dia.

- Não sei de onde ela tirou essa idéia. Pelo projeto inicial, a essa altura já estaríamos na praia.

- Ah, certo. Mas a que hora vocês vão? Espero que não seja logo pela manhã. É que eu me acostumei com a casa cheia. E amanhã Snape e Arlen também vão embora.

- Arlen vai embora? Por que? - assombrou-se.

- Ele precisa fazer uma longa viagem até o Porto das Águias. Vai acompanhar Snape à visita aos senhores da Floresta Escura. E elfos não aparatam.

- Você... - suspendeu a frase por um segundo - ... não vai junto?

- Não. Não preciso de folga. Preciso de ação. Tenho muitas coisas a decidir.

- Por exemplo?

- Se fico aqui ou se procuro uma casa para morar em Londres.

- São só essas duas coisas? Não tem mais nada em que pensar?

- Bom, na verdade, tem outras coisas. Mas resolvi que vou me dedicar a isso primeiro. O resto é mais... complicado.

Uma luz de esperança se acendeu no peito de Harry. Qualquer que tenha sido a resposta que Gina deu a Arlen, não envolvia uma mudança imediata. Com o tempo, talvez, ela percebesse que o sujeito tem orelhas pontudas.

- Se quiser, pode ficar na minha casa. Ela está bem localizada em Londres. E tem um quarto extra. É pequeno, mas posso deixá-lo bem confortável. Ou, então, arranco Rony do quarto dele e te coloco lá. Ele que vá para esse aí - brincou.

Gina riu. E, repentinamente, o abraçou dando-lhe um beijo na bochecha. Sua pulsação acelerou. Só que manteve o controle e não demonstrou perturbação.

- Harry, você é um graaaaande amigo. Mas acho que é melhor ficar por aqui. Esta é a minha casa. Tem também o fato de que vou continuar viajando pela Conferência. Meu trabalho continua. Só vou mudar de base. Ficando em casa, mamãe pode cuidar de mim, preparar sempre pratos gostosos, me receber com festa depois de uma viagem, me fazer cafuné quando eu não estiver legal.

Harry sentiu o corpo esquentar. Poderia fazer tudo isso por ela. Faria ainda mais. Suspirou.

- É. Eu não sou tão bom cozinheiro quanto a sua mãe - riu. “A conversa está ficando perigosa”, pensou. - Bem, agora eu vou.

- Vem se despedir do Arlen. Ele vai sair antes do sol sair. Arre, não sei como os elfos conseguem dormir tão pouco.

Deixou-se conduzir por Gina. Arlen se ergueu quando Harry se aproximou. O elfo era mais alto do que ele. E seu porte era bem elegante, reconheceu. Arlen estava usando roupas brancas e trazia numa corrente prateada uma pedra parecida com a de Gina.

- Soube que você vai partir cedo. Faça uma boa viagem. E quero transmitir meus cumprimentos a seu povo. Hã, vocês são... extraordinários.

- Agradeço suas palavras, Harry Potter. Falarei a meus pais a seu respeito e torço para te rever brevemente.

- Então, você vai voltar mais vezes?

- Assim espero. Mas também desejo que você nos visite um dia. Tenho certeza de que os senhores élficos gostarão de te conhecer.

- Que nada. Eu não mereço essa deferência. Se virem como sou realmente, não vão querer me receber.

- Minha mãe disse que o poder que pressentiu nesta tarde é de um grande mago. De um homem nobre.

- Ei, você está me deixando sem jeito na frente de todo mundo. Puxa, os elfos têm de falar assim, com tanta gentileza? Eu nunca conseguiria ser um.

Arlen retirou a corrente que usava e a estendeu para Harry.

- Tome, Harry. Aceite este presente. É um sinal de que o reconheço como amigo dos elfos. Quem é amigo dos elfos compartilha nossas qualidades. E, felizmente, não nossos defeitos.

- Como se vocês tivessem - disse, olhando discretamente para as orelhas de Arlen. - Não ria. Obrigado pelo presente. Mas depois não reclame. Eu não sou tão legal assim.

- Para mim, basta o que Gina me contou. Ela gosta muito de você, te respeita e te admira como poucos.

- Rarará. Tô lembrando de Hogwarts. Olha aí, Harry. Só tá faltando a Murta.

- Ah, não, Rony! Não começa a tirar sarro. Não tem graça - protestou Gina, vermelha a ponto de explodir de vergonha.

Arlen não compreendeu a brincadeira, mas sorriu mesmo assim ao ver como os Weasley e Hermione se divertiram com o comentário de Rony. Harry desejou boa noite a todos e se dirigiu ao quarto com a alma mais leve. Algo lhe dizia que o dia seguinte seria bem melhor. Resolveu adiar a viagem.

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