O elfo



- Harry, você está doente? Faz dois dias que quase não fala com ninguém. Estou te estranhando.

- Eu? Bom, acho que tô me sentindo um pouco intimidado. Um pouco desajeitado, sem graça, sem talentos, meio tapado mesmo. Sua irmã parece ser tão superior a gente.

- Ei, a Gina não é esnobe.

- Não foi isso que eu disse. Só que parece que eu... que a gente não está à altura dela.

- Que é isso, cara?! Eu sou alto. Você nem tanto. Mas, sem brincadeira, acha que ela está se exibindo com esse papo de povos antigos, de línguas estrangeiras, das viagens que fez?

- Um pouquinho, talvez. Mas não por mal. A sua mãe disse que ela se chateou com você porque nunca perguntou o que fazia, se gostava da vida que levava na Suíça, se sentia saudades de casa. A Gina deve estar descontando, mostrando tudo o que a gente... o que você perdeu nesses anos de separação.

- Isso é sinal de insegurança, vai por mim. Ela quer parecer descolada, mas porque deve pensar que isso faz diferença para nós. E você não tem nada que falar de inferioridade. Puxa, você é o Harry Potter, o bruxo mais famoso do mundo. O melhor auror do planeta. O sujeito que acabou com o Voldemort. A Gina é só a Gina.

- Não é bem assim. Sua irmã é uma mulher incrível e a gente fez muito mal em não descobrir isso antes. Quero que um dragão me queime vivo se nós não pisamos na bola com a Gina. Eu sei que teve uma época em que ela não andava com a gente. Mas nos últimos anos de Hogwarts foi diferente. A Gina curtia ficar conosco, participar das nossas vidas. E aí o que acontece? A gente sai da escola e faz de conta que ela nunca existiu.

Rony parou para pensar. Realmente, se afastara da irmã, mas porque muitas coisas tinham acontecido. Primeiro, o impacto de ser o melhor amigo do bruxo que eliminou Lord Voldemort. Depois, o início do curso para auror. Foi um período bem complicado e durou três anos. Ele precisou driblar muitos obstáculos, como a falta de dinheiro e a necessidade de aceitar o convite de Harry para morar junto com ele em Londres, na casa que o amigo comprara aos 18 anos! E também teve o demorado processo para conquistar Hermione. Sujeitinha difícil. Sem falar do trabalho de auror e ter de “competir” com o super popular Harry. Além disso, estava fazendo uma dura economia para montar um lar e se casar no final do ano.

- Acha que fui egoísta? Devo pedir desculpas?

- Fomos egoístas em não procurar saber dela e em não participar nada para ela. Quer dizer, sei lá se ela se interessa pela minha vida. Mas uma conversa franca não vai fazer mal. Esses dias quis perguntar um monte de coisas, só que não tive coragem.

- Nem precisa perguntar. Ela responde antes de você abrir a boca. Escuta, será que a gente não está dramatizando demais a situação? A Gina está de bom humor, anda super meiga. Não parece estar brava com a gente.

- A questão não é estar brava. Ela está indiferente. Quando você a convidou para nos acompanhar na viagem, a Gina não esperou nem um segundo para responder “não”. Rony, você não tem idéia de como me senti mal por causa disso. Senti que não sou importante, que minha companhia não vale a pena.

- Você está mesmo precisando de férias. Tá encanando com bobagens. Como não vai ser importante? Anda, vamos descer. A Hermione logo vai aparecer.

Dito e feito. Os dois foram até a sala, onde Mione surgiu com uma mala enorme. Os namorados trocaram um beijo. Harry abraçou a amiga. Estava feliz em vê-la. Naqueles dias andava acabrunhado porque percebia que seu coração dava saltos toda a vez que se encontrava com Gina. A garota sempre andava ocupada, recebendo muitas corujas e sumindo da casa por longos períodos, em visitas que não detalhava para ele, nem para Rony. Começou a sentir ciúmes e se criticava por isso. Ao mesmo tempo, não conseguia se aproximar dela. Gina conversava normalmente com ele. Mas bastava sorrir ou olhá-lo com mais interesse que Harry se atrapalhava. Ou ficava quieto demais e fazia o assunto morrer ou se esforçava tanto em disfarçar a atração que parecia entediado e mal educado. Felizmente, Claire não iria até a Toca e não assistiria essas cenas. E Hermione o ajudaria a voltar ao normal. Quem sabe desse jeito, não ia passar mais a imagem de ser um idiota.

Assim que se viram, Hermione e Gina se abraçaram emocionadas. As duas começaram a falar ao mesmo tempo, rindo bastante. Subiram juntas ao quarto de Gina, onde Mione dormiria, e lá ficaram uns belos minutos trocando figurinhas. Ao regressarem para a sala encontraram Harry e Rony jogando xadrez bruxo.

- Colocaram a conversa em dia? Já sabe que a Gina conheceu uns tipos chamados de Altos Elfos?

- Faz tempo que eu sei disso. Estamos sempre em contato.

- Ah, é?! Bonito, minha namorada está mais por dentro da vida da minha irmã do que eu.

- Claro, somos cunhadas! Quase irmãs. Conto todos meus segredos para a Mione.

- Qual o problema, Rony? Você e Harry também têm seus segredos. Eu não me meto nos assuntos de vocês.

- E eu muito menos. Depois que vocês, seis anos atrás, gentilmente me mandaram ficar longe e não meter o bedelho onde não sou chamada, não me atrevi mais a atrapalhar vocês.

Harry olhou surpreso para Gina. Não se lembrava disso. Pediu mais detalhes. Quando isso tinha acontecido? A irmã de Rony também se surpreendeu pelo súbito interesse. E contou que tinha sido em suas férias de verão antes do sétimo ano.

- Você e o Rony tinham terminado Hogwarts e estavam naquela preocupação de cumprir a profecia, de acabar com Voldemort. E eu, na minha inocência, achava que podia ajudar. Posso ter sido um pouco inconveniente, mas tinha a melhor das intenções. Até que vocês me deram aquela patada e resolvi ficar no meu cantinho. Funcionou, né. Até hoje estou quietinha, obediente - comentou, em tom de galhofa.

- Acho... que... nós fomos... grosseiros. Uns imbecis para falar a verdade. Espero que você nos perdoe, Gina - disse Harry, após uma breve pausa. Rony balançou a cabeça, concordando.

Gina corou. E mirou no fundo dos olhos de Harry. Foi como se alguém tivesse aberto uma janela. Estava sendo sincero. Afinal, ele não lhe era indiferente. Preocupava-se com o que ela poderia pensar. Sentiu um calor agradável subir pelo corpo e baixou os olhos para não se trair:

- Ahn. Desculpas aceitas. Naquela época, eu era mesmo um tantinho metida. Estava me achando super importante.

- Você é super importante - replicou Rony.

Gina sorriu. E deu um beijo nas bochechas do irmão. Meio sem jeito, deu um beijo no rosto de Harry. E imediatamente arrastou Hermione para a cozinha, dizendo em voz alta que precisava preparar um petisco porque um amigo vinha vê-la naquela noite.

- Isso foi bem legal. Nossa, estou feliz. E você?

Harry respondeu ao amigo com um aceno de cabeça enquanto movia uma torre no tabuleiro de xadrez. Não queria falar. A troca de olhar com Gina mexeu com algo dentro dele. E o beijo o arrepiou. “Ela me atrai, me deixa bobo, me emociona”, pensou. O resto do dia não se preocupou em disfarçar que a observava. A garota se perturbou algumas vezes, quando viu que aqueles olhos verdes a seguiam.

Quando caiu a noite, ouviram batidas à porta. Gina correu para abri-la. Hermione esticou-se na cadeira para ver melhor o visitante. Era um homem alto de extraordinária beleza. Tinha cabelos louros lisos e compridos e olhos de um azul tão profundo que lembrava as águas do mar aberto. E vestia uma capa cinzenta. Gina e ele curvaram as cabeças gentilmente até quase se tocarem. Sorriram. Então, a jovem o pegou pela mão e o conduziu até a sala. Molly Weasley mal conteve um murmúrio de admiração.

- Sem dúvida, o senhor é um Alto Elfo - e se arrependeu do comentário, dito antes mesmo de cumprimentar o visitante.

Gina piscou um olho para Hermione, gesto que Harry captou. O rapaz sentiu o estômago revirar. Ao lado daquele sujeito, viu-se como um homem absolutamente sem graça. Que mulher resistiria àquele cara? “Se bem que ele tem orelhas pontudas”, animou-se. Rony também estava espantado. Realmente, elfos eram bonitos. E, ciumento, puxou Hermione para perto de si.

- Mãe, este é Arlen, da Floresta Escura das terras élficas. Dele recebi a pedra que usei naquela noite. Arlen, esta é minha mãe, Molly Weasley. Meu irmão, Rony. Minha futura cunhada, Hermione Granger. E um amigo especial, Harry Potter. Meu pai em breve estará aqui.

- Senhora Weasley, agradeço por me receber em sua casa tão acolhedora. Coloco-me a seu serviço - disse Arlen, fazendo uma reverência com a cabeça. Em seguida, virou-se aos demais curvando levemente o corpo.

Arlen retirou sua capa e também um arco e uma aljava com flechas. Depositou numa mesa uma espécie de mochila, feita com o mesmo material da capa. Suas roupas eram verdes e se moldavam ao corpo sem serem justas. Sentou-se numa cadeira ao lado de Gina e perguntou se sentia saudades da Floresta e do povo élfico.

- Sim. Gostaria muito de ter uma parte da floresta em mim.

Os olhos de Arlen expressaram grande alegria. “Você já tem. Há no seu coração tantas lembranças que se eu fechasse os olhos poderia sentir a vibração da floresta e o perfume das terras por onde andou.” Ao ouvir a resposta do elfo, Rony sussurrou para o amigo: “Que chaveco sem-vergonha.” Harry não comentou. Seu pescoço estava duro de raiva e havia um bolo em sua garganta.

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