Ser auror



A manhã raiava quando Harry despertou. Não dormira muito bem, embora estivesse satisfeito de lembrar que no sonho enchera a cara de Arlen de furúnculos. Era ainda muito cedo, mas decidiu levantar assim mesmo. Vestiu-se sem fazer ruídos para não acordar Rony. E desceu até a sala. Para sua surpresa, viu a porta aberta e foi até lá verificar o que estava acontecendo. Movimentou-se com cuidado para que não fosse descoberto. O elfo observava as primeiras cores do dia. Estava usando a capa. Por um segundo, Harry imaginou que Arlen estava se preparando para partir.

- Bom dia, Harry. O dia está mais fresco hoje - disse, ainda de costas para o bruxo.

O rapaz tomou um susto. Tinha certeza de que caminhara silenciosamente. Respondeu ao cumprimento do elfo e se jogou sobre um dos bancos. Então, sem agüentar mais, perguntou:

- Como você sabia que era eu? Como me notou se eu não fiz barulho?

- Nós, elfos, podemos enxergar e ouvir como vocês, humanos, não podem. Senti seus passos, apesar de você andar leve. Também temos um excelente olfato. O vento está soprando mansamente, mas me trouxe seu cheiro.

- Não vem com essa. Antes de me deitar eu tomei banho.

- E foi por isso que percebi que era você.

- Consegue distinguir um sabonete do outro? O Rony também tomou banho naquela hora. Ah, certo. Nossa, então, você é realmente bom - e hesitou. Não sabia se deveria dizer o que pensava. Arriscou - Você podia ser um excelente auror.

- Gina me explicou o trabalho de vocês. Exige muita coragem e habilidade. Sinto-me honrado em saber que você me considera digno de ser auror. Mas não executo feitiços. A magia que tenho é a magia do meu povo. E só alguns recebem dons capazes de rivalizar com os grandes magos.

Harry ficou dividido. Arlen parecia ser um sujeito decente. Mas ele estava disposto a detestá-lo. Por conta disso, resolveu que os modos do elfo deveriam ser apenas uma máscara. Não queria admirar suas maneiras gentis.

- Algo o perturba. Notei isso à noite. E a preocupação persiste nesta manhã.

- Não é nada demais.

Arlen virou-se para ele. Os olhos azuis penetrantes parecendo atingir a mente de Harry. O rapaz se mexeu no banco. Atordoado, protegeu seus pensamentos por meio da oclumência. Temeu que o elfo pudesse descobrir quanto seu coração estava atormentado pela dúvida, impregnado pela imagem de Gina e pesado de culpa por causa de Claire. Ficaram em silêncio por muito tempo até que a senhora Weasley os chamou para tomar café.

As horas corriam lentas na Toca. E Rony já tinha perguntado duas vezes a Harry quando iriam viajar. O amigo não estava certo se queria ir naquele dia ou deixar para a manhã seguinte. Rony contou que se ficassem ali iriam encontrar de novo Snape, que vinha visitar Arlen. Era um excelente argumento. Hermione ponderou que um dia de atraso na programação não estragaria as férias. Ela queria conhecer melhor os costumes dos elfos. Rony crispou os lábios.

- Quer ficar de prosa com os Orelhas Pontudas, né?! Tá caidinha por ele?

- Ah, ele é lindo. Mas gosto mais de ruivos - riu, fazendo a alegria de Rony.

- Parem com esse mel. Lembrem-se que eu estou sozinho.

- É por isso que eu te pego jururu de vez em quando? - alfinetou a morena.

- Não me enche, Mione - respondeu mal humorado e deixou o casal namorando na sala. Harry subiu ao quarto e ficou olhando o jardim pela janela. A tarde estava pelo meio. De repente, viu Arlen andando ao lado de Gina, ambos distanciando-se da casa. Tomado pelo ciúme, pegou sua capa de invisibilidade e a vestiu. Atravessou a sala agilmente e em silêncio. Rony e Hermione continuavam trocando beijos no sofá, alheios a tudo que se passava ao redor.

Harry divisou o elfo à distância. Recordou-se do que dissera pela manhã e executou um feitiço para que o cheiro da relva disfarçasse sua presença. Teria de andar contra o vento para que o ruído de seus passos não atraísse a atenção de Arlen. Quando estava perto do casal, lançou um feitiço sobre um pássaro que chilreou, distraindo o elfo. Agora, Harry se encontrava a um metro de Gina, escondido atrás de um arbusto. Seus sentidos estavam aguçados, como se espreitasse um Comensal.

- O que você me pede é tentador, mas eu preciso pensar melhor. Acabo de voltar para casa e gostaria de ficar perto da minha família. Pelo menos por um tempo. E até me decidir a respeito do que fazer da minha vida.

- Sentimos muito sua falta, Gina. Eu, minha mãe, meu pai, todos os elfos da Floresta Escura. Quando você apareceu lá pela primeira vez, não tínhamos idéia de quanto te admiraríamos. De todos os humanos que conheci, você é a pessoa mais doce e vivaz. Você tem dentro de si um misto de candura, de energia, de interesse verdadeiro, uma nobreza que poucos demonstram hoje. É como as mulheres dos tempos antigos, que atravessavam guerras, com lágrimas, força e esperança.

- Nunca ouvi palavras tão bonitas a meu respeito. Não as mereço. Tenho muito mais lágrimas do que esperança. Força, sim. Já agüentei uma boa provação no passado. Quis muito uma coisa, mas não a consegui. Para ser sincera, aconteceu o contrário do que eu desejava. Então, acho que esperança é algo que tem pouco a ver comigo.

- Falo em esperança porque você jamais duvidou que entenderia o povo élfico, que nos conheceria como só os grandes magos conseguem. Esperança também porque você acreditou que aprenderia nossa língua. E você a aprendeu. Sinto que você nos ama como nós te amamos.

- É verdade. Amo o povo élfico - sorriu Gina, que estava apoiada num tronco de árvore, os olhos voltados para o horizonte. Arlen aproximou seu rosto.

- Gostaria de saber se você pode dedicar parte desse amor a um único elfo.

- Elfos e humanos não podem dar certo. Não nesse sentido. Vocês são imortais. Mesmo que nós vivêssemos mais tempo, nunca conseguiríamos manter a vitalidade e a beleza de vocês. A gente ia definhar aos poucos diante de seus olhos. Não acredito que haja felicidade numa situação dessas.

- Seria impossível que um elfo suportasse a dor de ver sua amada deixando o mundo. Por isso, todas as vezes em que alguém de meu povo se apaixonou por um humano, a imortalidade foi abandonada. Temos condições de abrir mão desse dom. Por você, Gina Weasley, eu deixaria de ser imortal.

A garota não encontrou palavras. Seus olhos ficaram rasos de água. Os lábios tremeram. Tentou balbuciar algo, mas nenhum som saia de sua garganta. E lágrimas desceram pela face. Arlen tomou seu rosto entre as mãos e a beijou com ardor.

Harry sentiu como se uma espada tivesse atravessado seu peito. Tinha a impressão que o ar entrava em seus pulmões com uma densidade que lhe causava dor. Desejou arremessar Arlen para longe e levar Gina à força para casa, fazendo-a chorar de vergonha, de arrependimento. Não. Não conseguiria. Queria feri-la por estar machucado, mas também queria acariciá-la ansioso pela retribuição de seu afeto. Sim, ele a queria. E vê-la sendo beijada daquele jeito, arrasava seu corpo, sua mente. Afastou-se com fúria e angústia. Em minutos, estava no quarto de Rony. Esforçou-se para recobrar a calma. Tantos anos na escola preparatória de aurores e servindo ao Ministério da Magia o tinham ensinado a dominar suas emoções. Ou quase todas. Conjurou sua penseira e com a varinha deslizou um fio prateado da têmpora para o objeto. Respirou profundamente. Nessas horas, ser auror era uma dádiva. Poderia voltar à sala e fingir que apenas estava entediado. Era o mesmo que enganar um Comensal, dando sinais de que atacaria de um lado quando na verdade estava pronto para agir do outro.

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