O FIM DA GUERRA -



“Você diz que eu a matei, assombra-me, então! Assombra o teu assassino! Eu sei que fantasmas têm vagado na Terra. Fica comigo para sempre! Tome qualquer forma, leve-me à loucura, só não me deixe nesse abismo sozinho, onde eu não posso encontrá-la! Eu não posso viver sem a minha vida! Não posso morrer sem a minha alma!" Heathcliff - O Morro dos Ventos Uivantes


“Eu quero rastejar aos pés dela, choramingar para ser perdoado... por amá-la. Por precisar dela mais do que da minha própria vida... por pertencer a ela mais do que minha própria alma.” Heathcliff - O Morro dos Ventos Uivantes


“ Quando vocês tiverem visto tanto da vida quanto eu, não subestimarão o poder do amor obsessivo...!” Horácio Slughorn – Harry Potter e o Enigma do Príncipe Mestiço"

“Você não faz idéia do remorso que o professor Snape sentiu quando percebeu como Lord Voldemort interpretara a profecia, Harry. Acredito que tenha sido o maior arrependimento da vida dele...” Alvo Dumbledore - Harry Potter e o Enigma do Príncipe Mestiço


AVISO IMPORTANTE: Esse capítulo, que você está prestes a ler, é extremamente TRISTE, desagradável, cheio de atos insanos, cruéis, injustos, doentios... Eu vou entender se você desistir antes do final. Ainda mais porque as conseqüências dele, você já sabe...
Esse não é um capítulo fácil de ler, como não foi nada fácil de escrever. Porque além dos fatos, que são tristes em si, vai mostrar o ponto de vista de uma alma torturada por um amor obsessivo e sombrio. O ponto de vista de alguém que fez muitas coisas questionáveis moralmente. Algumas delas, quase ninguém jamais soube.
Goste ou não de Severo Snape, prepare-se: ele é um homem desesperado, disposto a tudo por um sentimento estranho e cruel. Tudo o que espero é que, ao final, ele possa ser compreendido. Porque, tenho certeza de que nem ele buscaria a absolvição pelo que aconteceu...
Por que todo esse discurso, se o que vou contar agora é o fim da Primeira Guerra contra Voldemort? É que, para que ela acabasse, precisou acontecer uma enorme tragédia envolvendo todos aqueles que estávamos acompanhando até agora...
Bem, vamos lá, então...


O FIM DA GUERRA


- Thiago...

- Hmm...

- Thiago...

Lílian acordou no meio da madrugada, no escuro, e se sentiu criança de novo, com medo das coisas que se moviam nas sombras. Não demorou mais que um instante para se lembrar que era uma mulher adulta agora, que sabia muito bem que era besteira ter medo do escuro, mas isso não a impediu de continuar perturbada. Sentia como se tivesse corrido quilômetros através da água. Cansada, ofegante, úmida de suor.

- Ah... ai, Thiago!

- Eu... hã? Li, o que foi? – ele abriu os olhos devagar, tonto de sono.
Alcançou os óculos na mesinha de cabeceira e então viu no relógio ao lado que eram três da madrugada. O bebê estava quietinho, no berço no quarto ao lado. Cansado de tanta farra, provavelmente sonhando com motocicletas voadoras, Thiago pensou, sem conseguir evitar um sorriso. Isso significava que tinha sido o medo que tinha despertado Lílian. Como no início da Guerra, ou como nas noites logo depois que Dumbledore tinha contado sobre a Profecia.

- O que foi, amor? – ele repetiu em voz baixa, mas agora firme e preocupado, e totalmente acordado.

- Ah, desculpa por te acordar desse jeito... É que... – ela respondeu com a voz trêmula.

- Quando um homem acorda no meio da madrugada na cama ao lado de uma mulher deslumbrante, fica difícil reclamar da vida, pode ter certeza... – ele sussurrou, puxando-a para junto de si, num abraço protetor, e beijou sua têmpora.

Lílian sorriu. Era o jeito dele, tão típico... mas funcionava tão bem! O gesto protetor, mas contrabalançado com a fala sedutora, meio brincalhona até... Isso aliviou uma boa parte da sua ansiedade. Deixou se aconchegar no abraço. Mas, depois de uma pequena pausa, o que a incomodava foi mais forte e quando ela quebrou o silêncio sua voz ainda tremia:

- Ah... ai, amor... eu... você...

Ele deu um suspiro.

- É por causa da visita do Ranhoso e a bobajada que ele falou?

- Não fala assim, Thiago... Eu quero falar sério...

- OK, ‘tá bom, desculpa... Vou refazer a pergunta... É por causa do... Snape... do que ele veio dizendo naquela ... visita... que ele fez?

- Ah, Thiago... Ele veio aqui a mando de Dumbledore! E se for verdade? E se a gente foi traído mesmo? E se a gente está em perigo de novo? E se Voldemort...

- Chega, pára... Respira fundo. – interrompendo, ele mesmo puxou o ar fundo antes de continuar. – Li, me escuta... Você sabe que eu te amo mais que tudo nesse mundo, não sabe? Sabe que amo o Harry com todo o meu coração... que seria capaz de qualquer coisa por vocês dois, não é? Sabe que eu faria qualquer coisa pra defender... pra proteger... qualquer coisa... por você e pelo Harry, não sabe? – ele agora a envolvia num abraço ao mesmo tempo possessivo e protetor, e sua voz irradiava determinação. – Se eu achasse que essa história tem uma MÍNIMA chance de verdade, Ruiva... eu juro a você que a gente estaria longe, teria tomado providências, sei lá... Mas eu não posso acreditar nisso! Não consigo... é inaceitável... impossível, mesmo. Fala a verdade... Como eu posso desconfiar de um amigo de toda a vida por causa da palavra daquele Ra... Snape? É tão absurdo que não dá. Desculpa, eu sei que você tem respeito por ele, simpatia, sei lá... Mas não dá! Ele é... Ele SEMPRE foi... mentiroso, esquisito, dissimulado, arrogante, perverso... um cara que era Comensal da Morte até ontem! Que continua freqüentando as reuniõezinhas do tal... do Voldemort, Li! Como a gente pode garantir que não é um golpe? Uma armação pra conseguir tirar a gente daqui? Tirar a gente da proteção do Feitiço Fidelius, do anonimato... pra nos deixar vulneráveis pro... chefinho dele... poder atacar? Hein? É o que eu já disse: Dumbledore é coração mole, pode querer acreditar sempre no melhor das pessoas... ele pode conseguir enganar Dumbledore... mas...

- Mas, Thiago, ele avisou a gente antes que havia um espião entre nós, lembra? E se...

- Lílian, pelo amor de Merlin! Espião é uma coisa... eu consigo acreditar... Apesar de nunca ter conseguido engolir que fosse um dos Marotos. Mas... uma traição dessas? Do Pedro? Do Rabicho? Ah, não! Tenha santa paciência!

- Mas e se ele estiver sendo sincero? – Lílian pensava na conversa com Severo na cozinha, apreensiva pelo que não podia contar ao marido.

- OK, Lílian... Vamos supor... E eu friso bem, vamos IMAGINAR... que o Snape está sendo sincero na sua preocupação, na informação dele... Embora eu duvide muito disso, deixo bem claro. Mas, OK... Você já pensou que o próprio Voldemort pode estar jogando com ele? Voldemort sabe que ele é uma espécie de agente duplo, não é? Ele é um manipulador filho-da-mãe... Pode estar jogando com o cara, fazendo com que ele realmente acredite que sabe onde estamos e que nós estamos mesmo em perigo aqui... pra que o Snape fale com Dumbledore, venha aqui nos convencer a sair, a mudar, a fugir... E, AÍ SIM nos expor ao perigo? Hã?

- Hmmm... Não tinha pensado nisso... – esse argumento a deixava na dúvida e, paradoxalmente, mais tranqüila.

- Viu? – Thiago apertou ainda mais o abraço, intercalando agora palavras e beijos: nas têmporas, no topo da cabeça, nos cabelos dela. – Viu como seu marido até que é esperto?

Ela riu e acenou com a cabeça, em concordância. Ele deu um novo suspiro e continuou:

- Sabe... Vou te confessar uma coisa... Você sabe que eu NUNCA fui com a cara desse... Snape, né? Por mil razões. Mas uma das coisas que me deixava MAIS irritado... um dos motivos de implicância maior ainda era... essa sua simpatia estranha por ele!

- Como é?

- É sério! Ele lá... parecendo um urubu oleoso... sempre mal humorado, um cara esquisito, atraído por azarações... artes das Trevas... antipático, anti-social... e você toda... sei lá... boazinha... simpática... animadinha, toda falante com ele! Era par do cara nas Aulas de Poções e ele nem era da mesma Casa que a nossa! Era revoltante!! Você nem me dirigia a palavra e era toda... amistosa com aquele cara!

Recuperada do espanto, ele ria gostosamente do desabafo dele.

- Ah, Thiago, que injustiça! Eu conversava com todo mundo! Ele era meu par em Poções porque era ótimo aluno, o Slug achou que seríamos “um par perfeito”... – e riu ainda mais da careta injuriada que Thiago estava fazendo, unindo as sobrancelhas. – Você é que era o “Senhor Convencido”, todo cheio... tão cercado de fãs... que nem prestava atenção em mim, nem precisava da minha atenção. Todo bobão, exibido... despenteando o cabelo de propósito quando achava que ninguém estava olhando... fazendo macaquice com aquele pomo de ouro durante a aula... todo competitivo e exibido quando passava perto de mim...

- Não precisava da sua atenção? – ele respondeu com uma risada indignada.

- Será que você AINDA não percebeu, mulher? Era SÓ na sua atenção que eu estava interessado! Eu não conseguia me controlar... não conseguia parar de me exibir quando estava perto de você... tentando chamar a sua atenção! Mas tudo o que eu conseguia era fazer papel de idiota... – deu uma fungada enfática.

- Ah, Thiago! Fala sério...

- Mas É sério, Ruiva! Você me deixava... intimidado! Tão linda... esses olhos de deusa... esses pernões compridos... atraente... inteligente pra caramba...talentosa... segura de si... A rainha da popularidade... – ele deu um suspiro, provocando uma nova risada divertida dela.- Quando a gente chegou ao sétimo ano, eu já estava desesperado!

-Ah, quem ouve pensa... Você não era exatamente um garoto solitário, senhor Potter... Você saiu com tudo quanto foi garota nesses anos de escola, Thiago! Não me consta que você tivesse dificuldades em arranjar companhia feminina... algumas até bem... fogosas... pelo que eu ouvi dizer...

Foi a vez de Thiago cair na risada antes de responder.

- “Fogosas” é ótimo! – respirou fundo e respondeu, num tom sério. – Mas eu só queria você, Ruiva. Sempre foi você, só você. Desde a primeira vez que eu te vi, naquele Expresso indo pra Hogwarts, com 11 anos. Nunca houve ninguém a não ser você. Os Marotos me achavam louco por causa disso, até. Achavam que eu não tinha chance, devia esquecer... Mas quando eu estava com alguma outra garota, era em você que eu pensava... todas mereciam mais do que eu podia dar...

- Até a Greta Catchlove? – Lílian espicaçou, rindo.

- Até mesmo a Greta Catchlove... Não consegui dar a nenhuma delas o que elas queriam, ou que mereciam, porque nenhuma delas era você!

Ela o puxou num beijo apaixonado. Depois de alguns instantes, ele se afastou um pouco, e encarou, com ar divertido:

- Era enlouquecedor ver você cada hora com um namorado... cercada de fãs o tempo todo, Lílian Evans...

- Lílian Potter! – ela o corrigiu, puxando-o com um sorriso malicioso. – Seu tonto! E eu era totalmente apaixonada pelo cabeça-oca do Thiago Potter, esse tempo todo...

Ele deu-lhe um beijo na curva do pescoço, respondendo, num sussurro.

- Ah, meu amor! Vem cá, me abraça mais... eu prometi proteger você pra sempre, não foi? É isso que eu vou fazer! Você e o Harry, sempre! Fica assim... - virou-se, ficando abraçado frente a frente com ela, olhando bem dentro dos seus olhos. Então, tirou seus óculos, voltando a colocá-los na mesinha de cabeceira, e roçou os lábios sobre os dela. - Isso... Assim é bom, viu?... E agora, Lil, você já está melhor?

Ela acenou em concordância sem dizer nada, aconchegada no abraço.

- Ainda bem... Mas... mudando de assunto, sabe aquela questão do filho único?

Os dois caíram na risada, abraçados, enroscando-se num novo beijo.

“Stay with me,
My love, I hope you’ll always be
Right here by my side if ever I need you
Oh my love!

In your arms,
I feel so safe and so secure
Everyday is such a perfect day to spend
Alone with you...


With the dark,
Oh, I see so very clearly now!
All my fears are drifting by me so slowly now
Fading away…

I can say
The night is long but you are here
Close at hand, oh. I’m better for the smile you give
And while I live

I will follow you… will you follow me?
All the days and nights that we know will be…
I will stay with you …will you stay with me?
Just one single tear in each passing year...” Follow You Follow Me – Genesis



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Eram três da madrugada e Severo estava, mais uma vez, largado sobre a minúscula cama da hospedaria bruxa. Só que, dessa vez, nem todo o estoque de uísque de fogo do lugar tinha conseguido fazê-lo apagar. O tempo estava se esgotando e ele não conseguia pensar direito no que fazer.

A única coisa que tinha feito desde que chegara da casa dos Potter tinha sido ficar remoendo seus pensamentos. Seus sentimentos. É claro que ele tinha um dom especial para esconder o que pensava e sentia, sabia esconder seus sentimentos pessoais muito bem. Mas não havia sentido tentar esconder de si mesmo.

O controle que mantivera por tantos anos, no que se referia ao seu amor por Lílian, parecia definitivamente abalado agora. Os muros do seu controle já haviam rachado e desmoronado bem diante dele, e ele podia jurar que estava sufocando com o pó que se levantou.

Nunca se esqueceria do modo como ela reagiu ao ouvir que ele a amava – sem qualquer sinal de repúdio, qualquer comentário chocado, sem desgosto ou aversão. Ela acreditara e compreendera, demonstrando carinho. Um carinho de irmã, mas, ainda assim, carinho. Ele não estava preparado para isso. Ela não se esquivou do que ele dissera, nem dele. Pelo contrário, demonstrou confiança nele, e a gratidão que ele sentiu por este presente ecoou dentro dele. Não podia imaginar que aquilo o faria se sentir tão vazio, dolorido e irritado. Que sentiria um desespero ainda maior do que antes, fazendo-o ficar deitado ali, naquela espelunca, acordado, ouvindo a própria respiração.

Ele a amava com cada grama do seu ser, com cada batida do seu coração. Isso era tão ridículo e deprimente quanto verdade. Pior ainda, porque ela pertencia a outro homem. Alguém com quem tinha formado um lar e uma vida. O pai do seu filho.

Outro homem. Thiago Potter. O odiado Thiago Potter. Severo estava disposto a fazer qualquer coisa para protegê-la, até mesmo morrer tentando. Ele a protegeria até o seu último suspiro, ou pelo menos morreria tentando. Mas, protegê-la significava proteger o marido e o filho também, e Severo os odiava por isso. Odiava a si mesmo por isso.

Outro homem. Era ele que provavelmente estaria, agora mesmo, envolvendo a sua cintura com seu abraço, roçando os lábios sobre os dela. Que estaria ouvindo a sua respiração acelerar e seu corpo se aquecer em seus braços. Era aquele filho-da-mãe arrogante e burro, que ia se virar na direção dela, como em todas as noites, e mergulhar dentro do seu corpo. E ia acordar sorrindo na maldita manhã seguinte por saber que poderia fazer aquilo sempre que desejasse.

Ah, aquele idiota! Como Severo o odiava, e como o invejava! Ele não a merecia! Não dava valor ao que tinha! Thiago Potter seria incapaz de reconhecer a verdade, mesmo que ela batesse na sua cabeça feito um balaço errante. Severo estava tentando SALVAR aquele imbecil e ele, ao invés de agradecer de joelhos, correr para proteger Lílian e o bebê, como deveria, fazia o quê? NADA! Era arrogante demais para acreditar no que lhe dizia, arrogante demais para acreditar que poderia ter se enganado com um amigo... E era capaz de, com isso, colocar a vida de Lílian e do filho em perigo.

Por Merlin, pensou Severo, aquilo o estava deixando louco!
Esperou os primeiros raios de sol começarem a iluminar o quarto através da janela para se levantar. Já que não conseguia mesmo dormir, resolveu voltar para a casa dos Potter assim que amanheceu. Assim, poderia vigiar a segurança deles, acalmando a mente com alguma coisa prática.


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A vida com um bebê eliminava a necessidade de despertador, disso Lílian tinha certeza já há algum tempo. Em qualquer dia da semana, com sol ou chuva, seu pequeno Harry pedia o seu leitinho à mesma hora, logo cedo. É... Um filho era uma experiência maravilhosa, mas ninguém poderia dizer que fosse moleza... ela pensou, reprimindo um bocejo, enquanto colocava o leite morno na mamadeira.

Thiago tinha ficado brincando um pouco com o filho, enquanto ela descia e preparava um café da manhã especial para os três. Tinha dormido pouco, mas isso não era um problema. Sentia-se bem melhor agora, mais calma, mais segura, apesar dos últimos acontecimentos. E nesses últimos dias um bocado de coisas tinha acontecido! Distraída, ela avistou a figura meio dramática de Severo, logo atrás do quintal de casa. Magro e abatido, todo de preto, as vestes enfunando atrás de si com o vento, era quase um espectro, uma sombra materializada nos fundos da casa.

Franziu a testa, prevendo problemas. Severo não parecia estar ali por acaso, nem de passagem. Parecia disposto a ficar. Com o corpo meio de lado, contemplando o horizonte, a claridade do amanhecer iluminando a cortina de cabelos pretos que voava sobre o seu rosto. A única coisa nele que se mexia era o seu cabelo, muito escuro e comprido. De braços cruzados sobre o peito, estático, ele parecia querer espreitar o perigo à distância, como um enorme cão de guarda, ou um gárgula nos fundos da casa.

Não ia demorar para que Thiago o visse, e os dois fizessem outra cena desagradável, como sempre. Sem pensar muito, Lílian resolveu colocar o café, pães, ovos, panquecas, suco... tudo numa bandeja e subiu. Ia mudar um pouco os planos para o café da manhã, servindo tudo no quarto. Depois, usaria seu jeitinho para convencer Thiago a sair e levar o bebê para passear. Saindo pelo jardim da frente da casa, de preferência. Não queria que aqueles dois homens se encontrassem e se ferissem mais uma vez.

Ela só desceu várias horas depois. Tinham comido uma boa refeição e brincado com o bebê. Ela dera banho em Harry, fazendo a maior farra junto com Thiago e, claro, tivera que tomar outro banho e trocar toda a roupa depois de toda aquela bagunça. Depois de acompanhar o marido e o filho até o portão de casa, voltou à cozinha. Da janela, ela pôde ver Severo de novo, exatamente na mesma posição. Saindo pela porta dos fundos, caminhou devagar até ele, com as mãos em concha protegendo os olhos do sol.

- Severo! Bom dia! O que está fazendo aqui fora?

- Observando. Vigiando... Esperando... – foi o máximo que ele conseguiu responder.

Ela deu uma boa olhada no rapaz abatido e de expressão impassível à sua frente. Em seguida, tocou de leve o ombro dele, convidando:

- Entre! Vamos, venha tomar um café.

Severo seguiu-a em silêncio e observou enquanto ela servia duas canecas de café e sentava à mesa, à frente dele.

- Então, Severo... Por que está aqui logo cedo de novo?

Ele não respondeu, franziu a testa, unindo as sobrancelhas e olhando fixo para o café em suas mãos.

- Você falou com Thiago? – Ele levantou o rosto e encarou-a, com um olhar ao mesmo tempo feroz e aflito.

- Sim, nós conversamos bastante sobre isso ontem...

Pela resposta vaga, desviando o olhar, ele percebeu que não tinha conseguido convencer os dois da gravidade da situação. Só o seu imenso autocontrole o impediu de se levantar e sacudi-la com irritação.

- Lílian! Tudo o que eu contei ontem foi muito sério! Você disse que acreditava... disse que tinha acreditado em mim! Vocês têm que fugir! Voldemort sabe onde vocês estão! Eu estava lá, ouvi quando ele disse isso para os Comensais mais íntimos!

Lílian empalideceu ao ouvir a última frase. Ela podia perceber o quanto a preocupação dele era real. Mas tudo aquilo que ele estava fazendo ainda a intrigava. Por isso, acabou perguntando:

- Como foi que você chegou nisso... Quero dizer, como é que você acabou nessa situação, um Comensal da Morte e Membro da Ordem da Fênix, uma espécie de agente duplo? O que aconteceu desde que a gente saiu de Hogwarts? Como foi que você acabou se tornando um espião de Dumbledore?

- Por que o interesse súbito por mim? – ele não conseguia controlar a exasperação.

- Qualquer homem que venha, como um cavaleiro medieval na sua armadura, tentar me proteger merece o meu interesse, não acha? Digamos que... eu quero conhecer um pouco mais sobre aquele que vem me trazer informações tão perturbadoras e me oferecer ajuda diante de um perigo iminente... – ela levantou a sobrancelha e usou um tom de voz tão firme que parecia uma pergunta absolutamente óbvia a se fazer.

Severo suspirou, sem entender muito bem aonde ela queria chegar com aquilo. Mas estava disposto a tudo para convencê-la, tinha definido isso desde a conversa com Dumbledore antes de ir para Godric’s Hollow.

Resolveu começar contando um resumo da sua vida depois de Hogwarts: como as suas amizades o tinham levado a conhecer o Lorde das Trevas, o convite para que se tornasse um Comensal. Quando começou a contar, ele tinha pretendido dar a ela apenas uma versão resumida e editada de tudo o que tinha vivido. Ele não sabia se teria a coragem de dizer tudo. Mas, depois de um determinado ponto da narrativa, percebeu que ela prestava toda atenção e balançava discretamente a cabeça, num estímulo sem palavras para que continuasse. Provavelmente intuía o que não era dito. Ele se sentiu acolhido, desejou ser aceito e compreendido, se deixou envolver pela sua própria angústia e continuou, falando mais do que planejava. No final, esgotado, sentia-se apenas vazio.

- E então? Satisfeita? - respirou fundo, para recuperar o controle. - Nunca dei tanta satisfação assim... – encerrou, deixando a frase incompleta, tentando parecer irônico. A ironia era sempre um terreno seguro para ele.

Lílian era esperta o bastante para perceber o quanto ele era orgulhoso, e, por isso, acharia doloroso demais perceber que ela estava com pena.

- Você sofreu muito, Severo... Fez algumas escolhas bem erradas, mas é um homem bom... Como eu sempre achei... Fico contente que está agora na segurança do castelo em Hogwarts.

- Eu já lhe disse uma vez, Lílian... Não estou atrás da sua absolvição. Fiz minhas escolhas. Algumas foram certas, outras nem tanto. Não sou ingênuo, nem sou um homem bom como você diz... – era muito desconfortável ser o centro da atenção, quando tudo o que ele queria era que eles se concentrassem no perigo atual. – O que eu quis ao vir até aqui foi avisar vocês do perigo...

Mas o pensamento dela estava vagando, longe, nostálgica. Aquele ali na sua frente, preocupado com ela, era o seu antigo amigo, colega de escola, parceiro de estudos e das aulas de Poções. Era o antigo Severo Snape, que ela agora reconhecia, e que tinha julgado perdido. Estava de volta, e agora era professor em Hogwarts...

- Você já pensou que daqui a 10 anos provavelmente você vai dar aulas pro Harry?

Ele sentiu um calafrio de horror sacudir o seu corpo, uma onda de náusea. Não tinha pensado nisso. Não tinha se imaginado ainda dando aulas indefinidamente, enfrentando turmas de alunos indisciplinados, encarando seus fantasmas. E muito menos tinha pensado em dar aula para o filho dela.... O filho dela com outro! O menino da Profecia... Deu um suspiro, afastando essas imagens da mente e insistiu, elevando a voz.

- Lílian! Por favor, fale sério comigo! Preste atenção no que eu estou dizendo! Por seu filho, então! Pela segurança dele, então! Eu estou falando sério! – sentiu o tom autoritário na voz, e então completou, em voz mais baixa: - Por favor...

- Severo... eu estava pensando, enquanto você falava... – respirou fundo e mordeu de leve o lábio inferior, parecendo receosa, antes de completar. - ... pensando em te fazer um pedido...

Ele, a essa altura, tinha se levantado, incapaz de controlar a ansiedade e a irritação, e andava de um lado para o outro na pequena cozinha. Enquanto andava, ele vigiava discretamente as reações dela, tentava decifrar a sua expressão.

- Vamos, Lílian, fale! O que você está pensando? – ele conseguiu perguntar, com uma voz que lhe pareceu firme e profunda. - Em quê?

- Em... várias coisas... – disse em voz baixa, e deu um suspiro. Levantando o rosto, encarou-o e sorriu de leve. – Em primeiro lugar, que eu fico zonza com você andando de um lado para o outro desse jeito. Sente-se.

Ele obedeceu sem contestar. Assim que ele se sentou, ela segurou a mão dele entre as dela, num gesto firme e carinhoso e olhou bem nos seus olhos, de um jeito que fez seu estômago dar um nó.

– E então, Lílian? O que você quer fazer? Diga. – ele perguntou num sussurro.

Talvez fosse o calor das mãos dela nas suas. Talvez fosse a doçura daqueles olhos verdes amendoados e profundos totalmente focalizados nele. Ou aquele esboço de sorriso. Mas ele se viu, de repente, fantasiando, sonhando acordado com alguma coisa mais. Olhando para ela, tentando adivinhar o que ela ia dizer, ele acreditou que ela quisesse fugir. Que fugiria com ele. Que pediria isso a ele. Aquele momento breve de carinho o fez sonhar. Fez com que sentisse que nenhum pedido dela seria grande demais, nenhum sacrifício seria grande demais. Ela merecia tudo o que ele tivesse dentro de si para lhe dar. Seria capaz de aceitar fugir levando junto o menino, o filho do seu detestado rival. Tudo por ela, pelo seu amor por ela. Ela era especial, desde menina. Tomou coragem para quebrar o silêncio e encorajá-la a falar.

- Diga, Lílian! Peça o que quiser... Não vou pensar mal de você por nada que me diga, prometo. E não vou recusar. Nada existe que você possa me pedir que eu não aceite fazer com absoluto prazer.

- Eu pensei muito, Severo... E quero pedir a você uma coisa muito importante. Agora eu sei que você pode ser a pessoa certa...

- Sim? – sim, meu amor, ele quase completou.

- Eu quero que você me faça uma promessa, Severo... Quero que você me prometa que... Aconteça o que acontecer, Severo, eu gostaria que... eu gostaria que você me prometesse proteger o Harry.

De repente, a cozinha pareceu ficar mais apertada e sem ar. Será que era algum tipo de piada sádica do destino? Um martelo parecia ter atingido sua cabeça com força, levando de quebra um pedaço do seu coração.

- Como é?

- Ajude a proteger o Harry, Severo! Eu sei que você pode fazer isso, ainda mais agora, estando em Hogwarts... Eu confio em você. A minha maior prova de confiança é lhe pedir isso, confiar a segurança do meu filho a você.

Ele estava pálido, perplexo, sem palavras. Será que ela estava ficando louca? Ou era ele?

- Não é só porque ele é o meu filho e eu o amo mais do que tudo, entenda... Ele não é apenas o meu filho! Ele pode ser o único bruxo capaz de derrotar Voldemort de uma vez por todas, acabar com a guerra e o sofrimento! Ele não é importante só pra mim... Ele é importante para o mundo todo! Ele precisa crescer em segurança para conseguir ser essa pessoa especial... E eu e o Thiago não vamos poder fazer isso sempre... Podemos cuidar disso agora, que ele é um bebê... Mas no futuro, ele vai para a escola, e... Ele precisa ser protegido... mas precisa também aprender sobre o mundo, as ameaças e perigos que vão estar à espreita dele... coisas que você sabe quais são, porque já viu de perto.... ou já enfrentou tudo isso... Você conhece o perigo, Severo. É inteligente, talentoso... Em nome do amor que você disse que sente por mim, eu quero que você me prometa...

- Mas... mas... como assim? Você quer fazer um Voto Perpétuo?

- Não, Severo. Não gosto desse feitiço. É poderoso, com certeza, mas é determinista. Eu acredito no poder da escolha, no poder do compromisso. E nada é mais poderoso do que uma escolha, um compromisso, assumido por amor.

Ele a encarava em silêncio, ainda atordoado, sem entender. Ele tinha passado um tempo enorme falando sobre um perigo imediato e ela estava lhe pedindo aquele absurdo, para o futuro? Um futuro que eles nem sabiam se ia existir! Será que ela não tinha escutado nada do que ele dizia? Será que eles estavam falando o mesmo idioma? Perplexo, quase revoltado, ele estava pálido e imóvel. Mas, animada com a idéia e com a explicação dos seus argumentos, Lílian não percebeu e continuou:

- Eu trabalhava no Ministério, você se lembra? Antes de tudo isso acontecer... de nós termos que fugir. Eu era uma Inominável. Trabalhava no Departamento de Mistérios. Por isso, eu sei um pouco sobre as pesquisas sobre o amor. O suficiente para ter certeza de que uma promessa baseada nessa força tem muito poder... Eu sei que você tem essa força dentro de você, Severo... É em nome desse amor que eu quero que você me prometa. Prometa que vai protegê-lo, como se fosse a mim. Por mim. Prometa que fará todo o possível para protegê-lo do mal... E se, ou quando, for necessário... você o ajudará na missão que ele vai ter que realizar... Você pode me prometer isso?

Por um momento, nenhum dos dois disse nada. O olhar de Lílian estava fixo nele, ansioso. Um olhar que o puxava para dentro dele, feito maré. Ele se sentiu afogar.

- Eu prometo. – foi tudo o que ele conseguiu responder, quase num sussurro.

“Need I say I love you
Need I say I care
Need I say that emotion's,
Something we don't share
I don't want to be sitting here
Trying to deceive you
Cos you know I know baby
That I don't wanna go.
We cannot live together
We cannot live apart
That's the situation
I've known it from the start
Every time that I look at you
I can see the future
Cos you know I know babe
That I don't wanna go.
Throwing it all away
Throwing it all away
Is there nothing that I can say
To make you change your mind?
I watch the world go round and round…
And see mine turning upside down…
You're throwing it all away! …"
Throwing it all away – Genesis



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Severo saiu logo em seguida de lá, atordoado e furioso. Seu rosto pálido refletia um rancor furioso.

Caminhou um pouco a esmo, tentando esfriar a cabeça. O tempo estava se esgotando. Mais um dia, e o ataque do Lorde das Trevas ia acabar com tudo. Ele precisava salvá-la. Aquele Potter estúpido e arrogante se recusava a acreditar e a tomar uma providência... Lílian estava cega por aquele marido imprestável... Surda, não tinha escutado o que ele tinha dito, explicado, gritado, tantas vezes...

E agora, depois das conversas que tivera com Lílian, ele se sentia perturbado, fraco. Antes, ela era uma lembrança distante. Uma menina, um ideal. Agora, ele tinha tido uma pequena amostra da mulher: seu toque, seu gosto, seu perfume. Sua beleza ainda maior... Estava condenado agora... ele não tinha sangue de barata!

E no final, aquela promessa absurda! Ele nunca tinha imaginado ficar preso ao cargo de professor de Poções. Menos ainda, chegar a lecionar para o filho de Lílian com seu detestado rival. Protegê-lo? Ajudá-lo a realizar sua missão? O simples pensamento o enchia de repugnância.

Lílian estava redondamente enganada. Ele não era um homem bom. Ele era um homem amaldiçoado por um amor sombrio e obsessivo. Um amor que tinha vencido o seu autocontrole e acabado com a sua já pequena auto-estima. E agora corroia as suas poucas convicções. Esse era o seu inferno agora.

Sabia, por isso, muito bem para onde ir. Estava no Inferno, não é? Então, era hora de negociar com o Demônio em pessoa.

Ele respirou devagar algumas vezes, atento ao movimento de inspiração e expiração. Esvaziou a mente. Era hora de agir.

- Mestre!

- Entre! – ordenou uma voz conhecida e autoritária vinda de dentro da sala escura. E ele obedeceu.

A sala estava na penumbra e Voldemort estava em pé, imponente, coberto com sua capa enorme, de frente para a entrada. Parecia extremamente satisfeito.

- Severo! Que prazer! Estava pensando em chamá-lo...

- Senhor... – Severo murmurou, respeitosamente, curvando-se numa reverência solene. – Trouxe algumas informações novas...

- Vamos, conte-me tudo!

Severo, então, começou o relato dos movimentos de Dumbledore ao longo dos últimos dias. Um relato fácil e sem emoção. Já havia combinado com o diretor o que seria revelado, e treinado essa parte da conversa. Detalhava alguns pontos, para dar ênfase. Voldemort pareceu satisfeito. Acenou algumas vezes com a cabeça em concordância.

- Ótimo! Ótimo! Mas... O que mais você tinha em mente, Severo?
Respirou lentamente mais algumas vezes antes de responder. Precisava manter a calma, isolar seus pensamentos e sentimentos, manter a frieza. Sabia que o que estava para fazer era errado. Era temerário. Era egoísta. Mas ele tinha chegado ao seu limite. Ia lutar pelo que queria no final das contas: garantir a vida de Lílian e a morte de Thiago e Harry Potter. Se no início ele a queria a salvo e feliz e com isso ficaria satisfeito, agora não. Agora, ele a queria viva, mesmo à custa da sua infelicidade. E a queria para si.

- Senhor... eu sei que o mestre pretende atacar os Potter amanhã à noite...

- Ah, sim! Era esse o motivo de querer vê-lo, aliás... Eu estou planejando com os Comensais uma grande reunião amanhã, logo em seguida à minha... visitinha... aos Potter. Faremos uma grande celebração à vitória aproveitando o Dia das Bruxas...

- Sim, Mestre... O que eu gostaria de pedir...

Severo fez uma pausa, tomando fôlego e observando a reação do bruxo à sua frente. Voldemort estava em excepcional bom humor, o que era um ótimo ponto de partida para uma barganha.

- Sim, é claro, Severo! Peça! Eu sempre disse que o recompensaria pelos seus serviços, não é? Esse pode ser o momento...

- Eu sei que o senhor pretende matar o bebê. O bebê da Profecia deve ser eliminado. E, é claro, o pai da criança vai tentar protegê-lo, vai querer enfrentá-lo... Como o senhor sabe, Mestre, eu odeio Thiago Potter. Gostaria mesmo de vê-lo morto. – lembrou-se do que havia dito a Dumbledore “EU NÃO DOU A MÍNIMA! Ele por mim podia morrer sufocado na própria imbecilidade… na própria... arrogância! Ele não é bom o bastante para Lílian! Nunca foi, nem nunca vai ser!” - Mas eu quero lhe pedir que poupe a vida de Lílian Potter.

- A garota trouxa, mãe do bebê?

- Sim, meu amo e Mestre... Ela é uma jovem bruxa talentosa... Talvez até pudesse ser útil, é muito boa em Feitiços, em Poções... Mas a questão é que... tenho um certo interesse na vida dela. Tenho um interesse pessoal. Gostaria de protegê-la. Gostaria de tomá-la para mim quando tudo isso terminar.

Uma gargalhada maligna ecoou pelo ambiente.

- Ah, Severo! Você tem um fraco pela garota trouxa? Pela Sangue-ruim? Isso é bem interessante... Você é uma das mentes mais brilhantes que já conheci, um dos servidores mais leais que já tive... Desaprovo seu mau gosto, meu caro, tenho que admitir. Mas não me parece difícil satisfazer seu capricho. Deixe-me oferecer não só o que você quer, mas o que você merece, Severo! Você vai comigo amanhã à noite. Vai ver com seus próprios olhos a morte do garoto idiota que você detesta e vai ter a honra de estar ao meu lado nesse momento de glória, ver de perto a minha vitória! – nova gargalhada de arrepiar. - Assim você poderá cuidar da garota depois, consolá-la... - o rosto do mestre das Trevas exibia uma expressão de alegria maligna. - Você vai comigo, então! Esteja aqui amanhã, neste mesmo horário. Iremos os dois para o esconderijo dos Potter. Logo em seguida, eu marquei uma grande reunião com todos os Comensais... Vamos comemorar a vitória!

Pronto. Agora estava feito. Ele estava disposto a tudo desde o início, mas não sabia o que isso significava. Tinha negociado com quem não podia confiar. Tinha garantido a morte de um bebê inocente, sabendo que isso ia machucar a mulher que amava. Mas pagaria o preço que fosse pela vida de Lílian. E para não ter que honrar aquela promessa que fizera. Fez uma nova reverência silenciosa e partiu.

Não pregou o olho. Manteve-se acordado, alerta e ansioso feito um zumbi. Pela manhã, recebeu um recado preocupado de Dumbledore, pedindo notícias. Achou melhor não responder. Estava condenado.

Ele sabia que o que tinha feito ia totalmente contra tudo o que o bruxo que o acolhera aprovava. Mas Dumbledore, apesar de ser o bruxo mais brilhante, corajoso, sensato e talentoso que Severo conhecia, o bruxo que ele mais admirava no mundo, não poderia entender. Dumbledore tinha um coração enorme e bondoso. Acreditava no melhor das pessoas. Não tinha a menor idéia do que era o desespero que Severo sentia.

Folheou um exemplar do Profeta Diário. O caos realmente tinha chegado ao seu ponto máximo. Os lobisomens ainda ameaçavam em vários pontos do país. Os vampiros tinham anunciado sua adesão, comandando um ataque enorme em vários lugares. Gigantes destruindo regiões inteiras numa fúria sanguinária. Vários bruxos importantes desaparecidos, outros tantos encontrados assassinados com requintes de crueldade. Esse era um Halloween sem festa, certamente sem nenhum motivo para comemoração na comunidade bruxa.

Não comeu nem bebeu nada durante todo o dia. Não descansou.
Quando o sol finalmente se pôs, ele resolveu que já estava na hora. Aparatou direto para a entrada dos domínios de Voldemort, pronto para o golpe final.

- Vamos, Severo! Vamos acabar logo com isso! Quando voltarmos, vamos celebrar com os outros Comensais.

Chegaram a Godric’s Hollow já era tarde da noite. Os Potter estavam sozinhos, a casa silenciosa.

Severo ficou logo atrás do Lorde das Trevas, quando este arrombou a porta da casa com estrondo. Ouviu sua gargalhada medonha enquanto entrava, gritando pelo menino. Viu Thiago descer correndo a escada, de varinha em punho. Sua expressão foi de surpresa e de dor. Rápida, um instante só, antes de se transformar em determinação. Um ar de determinação tão inútil, mas tão cheio de coragem, que deixou Severo com o estômago embrulhado.

- Lílian, pegue o Harry e vá! É ele! Vá! Corra! Eu o atraso... Rápido!

Sentiu um mal estar quando ouviu os ruídos de alguém saindo aos tropeços de um quarto no andar de cima... uma porta se escancarando... Sabia que era Lílian que corria para o quarto do filho.

Voldemort soltou uma gargalhada aguda...

Thiago deu um passo à frente, numa postura desafiadora, levantando sua varinha como uma espada à sua frente. Cabeça erguida, ele parecia mais do que nunca o leão da Grifinória.

- Eu vou para o inferno antes que você consiga machucar minha mulher ou o meu filho, seu nojento! EXPELLIARMUS!!

Voldemort escapou do feitiço com facilidade e gritou sarcástico:

- Ah, isso não é difícil de providenciar... para o inferno, então! AVADA KEDAVRA!

Um jorro verde saiu da varinha de Voldemort, e o jovem bruxo caiu morto.
Severo sentia-se mal, enojado. Aquilo tudo não o deixava satisfeito com tinha imaginado. Não o satisfazia ver Thiago morto e derrotado ali na sua frente. Pelo contrário, ele o invejava ainda mais agora.

Voldemort seguiu com passos rápidos para o andar de cima, direto para o quarto do bebê. Na entrada, guardando a porta de modo protetor, braços abertos, estava Lílian. Seus lindos olhos verdes, arregalados de espanto e sofrimento, transbordavam de lágrimas. Mesmo pálida e chorosa, sua expressão era decidida, corajosa. Protetora. Maternal.

- Harry não! Harry não! Por favor... farei qualquer coisa... – ela tentou argumentar, implorar.

- Afaste-se. Afaste-se, menina... – a voz de Voldemort era firme, mas quase entediada. – Você não precisa morrer. Basta um passo para o lado, o que eu quero é só o menino!

- Não! Meu filho, não! – ela agora estava à frente do berço, agarrando-o enquanto olhava para Voldemort em súplica. – Eu faço qualquer coisa, mas deixe meu filho viver!

Severo aguardava escondido pela penumbra, sentindo o coração disparado, prestes a sair pela boca. Ansioso pelo fim daquilo tudo. Ansioso por sair logo dali, limpar-se daquela imundície, livrar-se logo do desprezo que sentia por si mesmo. Severo apoiou-se na parede do corredor e fechou os olhos. Não ia demorar muito agora. E ela seria livre. Ficaria viva e segura. Com ele. Tudo teria valido a pena.

-Não seja tola, menina! Você tem sua escolha! Você não precisa morrer! Saia da frente, afaste-se! Se não sair da minha frente agora, eu não vou hesitar...

Epa! Ei, não era assim que ele deveria agir com ela... Não era assim o combinado... Eu esperava que ele a estuporasse... ou petrificasse... ou imobilizasse... não que a ameaçasse! Como o Lorde das Trevas podia sequer imaginar que ela fosse desistir de tentar proteger aquele estúpido bebê? Ela AMA o bebê! Não foi assim...

-Não! Harry, não, por favor... leve-me, mate-me no lugar dele... Por favor, não... tenha piedade! Tenha piedade!

Vamos, estupefaça- a! Estupore-a! Empurre-a para o lado...

- Ah, não tenho paciência... AVADA KEDAVRA!

NÃO!!!

Mas... mas... eu pedi! Eu IMPLOREI! Eu... eu... NEGOCIEI com ele! Eu disse a ele, mate o homem e o bebê, mas me deixe ficar com ela, deixe-a viva para mim! E ele me prometeu! Ele garantiu... Ele deu riqueza e poder para os outros, tudo o que eu pedi foi a vida dela!

Mas Voldemort seguia rapidamente sem olhar para trás, direto para o berço, onde o bebê assustado chorava.

- AVADA KEDAVRA!

A luz verde que saiu da varinha de Voldemort, ricocheteou e atingiu o bruxo. Imediatamente, seu corpo explodiu em milhares de faíscas em todas as direções. Houve uma enorme explosão. Toda a casa se encheu de uma luz ofuscante, depois pegou fogo. Houve um tremor de terra, depois poeira e destroços, fogo e cinzas. E uma estranha espécie de silêncio depois de toda aquela gritaria.

Eu sabia... eu devia saber que não poderia confiar no Demônio.
Severo se mantinha imóvel, em estado de choque. Achou que o tremor, a explosão, o fogo, tudo aquilo fosse um reflexo do que estava sentindo. Nem notou quando um grande rato marrom passou ao lado dele e, num movimento muito estranho para um animal, correu na direção da varinha de Voldemort, agarrou-a com os dentes e sumiu.

No meio do fogo, da fumaça e dos destroços, ele conseguiu ter forças para se aproximar. Ela estava caída, no meio das chamas, dos restos da explosão, pálida e imóvel. Os cabelos vermelhos espalhados numa grande massa em torno do rosto.

- Não, por Merlin, não! Lílian, não... Não morra! Não! Me perdoa! Eu te amo, Lílian! Me perdoa! Eu prometi... eu prometi a você... me perdoa, Lílian... – esfregou as mãos no rosto, em desespero, puxou os cabelos, num ataque de fúria. – O que foi que eu fiz? O que foi que eu fiz?? Como eu vou viver agora? Vem me buscar, então...

Queria chorar, gritar, arrancar os cabelos, mas nada parecia suficiente. Diante dele, só via aqueles olhos verdes de deusa do mar, de sereia, de cigana... agora sem brilho, sem vida.

Devia ser pouco mais de meia-noite. Ele achou que ouvia, longe, no meio do desmoronamento, um choro de bebê. Estava alucinando, teve certeza.
Reunindo o que restava de forças, ele aparatou. Tinha que contar para Dumbledore. Desaparatou em Hogsmeade e, tomando fôlego, correu para Hogwarts. Dumbledore tinha acabado de chegar de mais uma reunião no Ministério e estava deixando o Salão Comunal, depois de um jantar muito discreto de Halloween.

Severo estava sujo, cheio de cinzas, restos de destroços, fuligem e lágrimas fazendo o cabelo grudar no rosto, mas ele não se importou. Chamou Dumbledore de longe gritando:

- Professor! Eu fiz tudo errado! Ela morreu! Eles estão mortos!

- Severo?

- Eles estão mortos, professor! Mortos! Eu falhei! – disse Snape, o corpo todo tremendo, o peso insuportável da dor fazendo seus joelhos se dobrarem. Caiu de joelhos no chão, cobrindo o rosto com as duas mãos, o corpo sacudindo com soluços. – Eu falhei! Eu não consegui impedir... eu...

- Mas o que foi que houve, Severo?

Profundamente abalado, pálido e sombrio, Dumbledore se aproximou.

- Vamos para a minha sala, Severo... – Dumbledore fez menção de erguê-lo, ajudá-lo a se levantar. – Vamos! Você vai me contar tudo o que aconteceu... Tudo bem... Eu preciso saber tudo o que aconteceu! Vamos, Severo, está tudo bem agora...

- NÃO ESTÁ TUDO BEM! – Severo gritou, levantando-se em fúria. – NADA ESTÁ BEM! Eu não consegui, o senhor não entende? EU FALHEI! E eu tentei tudo... Eu fiz tudo... eu fui ao inferno...eu fui baixo, mesquinho, egoísta... e mesmo assim eu não consegui!

- Calma, Severo! – Dumbledore tinha conseguido conduzi-lo até a sua sala, e conjurado uma xícara com algum líquido dentro, e tentava, em vão, fazer Severo beber um gole. – Vamos, tome um pouco disso e se acalme. Preciso que você me conte tudo, detalhadamente!

Severo concordou em beber um gole da poção calmante e começou a contar. Era tarde demais para esconder suas ações, por mais vergonhosas que fossem. Era tarde para tentar minimizar a sua participação no massacre.
- Acalme-se Severo... Você fez o que pôde... – Dumbledore comentou, com lágrimas nos olhos.

- NÃO! Eu não consegui! Eu tentei! Mas não foi suficiente! EU FALHEI! EU TENTEI... MAS NÃO ADIANTOU NADA! EU FALHEI E ELA ESTÁ MORTA! Como eu posso viver agora, Dumbledore? Diga-me, professor, como? Ela era a minha razão de viver... ela era a minha vida! Como eu vou viver agora?

“…Someday you'll be sorry
Someday when you're free
Memories will remind you
That our love was meant to be
Late at night when you call my name
The only sound you'll hear
Is the sound of your voice calling
Calling after me.

Just throwing it all away…
Throwing it all away...”



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UFA! nunca escrevi nada tão difícil na minha vida... Nâo sei como a JKR aguenta!

Espero que gostem... Por favor, escrevam alguma coisinha pra comentar, fiquei meio insegura com esse capítulo... Era tanto drama pra contar! Espero não ter exagerado muito...

Pra quem odeia o Severo... um prato cheio! Pra quem adora... também! A alma torturada, o caráter ambíguo... a paixão sem limites... OK, OK, confesso, eu adoro "O Morro dos Ventos Uivantes", tem uma boa dose de Heathcliff nesse capítulo. Desde as falas iniciais...

Queridos:

Bernardo: adorei seu email! Não precisa me agradecer, menino! Eu é que te agradeço pelos elogios, espero que goste do capítulo e aproveite pra aumentar seu arsenal anti-Snape...hehehe. Eu ADORO sua fic, tenho feito até uma propaganda lá no forum do Potterish...Beijão!

Belzinha: ah, menina, adorei falar com vc no msn!! Precisamos repetir a dose!! Super obrigada por ler um pedacinho do cap. e comentar! E super obrigada pelos elogios sempre!!

Sally: não precisa se desculpar comigo, amiga, o que é isso... Eu fiquei um tempão sem aparecer, não fiquei? A vida é assim mesmo, cheia de correrias! O seu comentário foi sensacional! Beijão! Ah, quanto à próxima fic, já estou até bolando... prometo anunciar no próximo capítulo... ;-)

Morgana: adoro seus comentários, sua vibração! Super obrigada pelo incentivo, pelos elogios! E me aguarde... você que curte o Severo como eu... ;-)

Pra todo mundo que leu, todo mundo que passou por aqui, meu SUPER OBRIGADA!

E logo, logo... o último capítulo!! snif...snif...

O DIA DEPOIS DO FIM!

BREVE!!

BEIJOS!!

PS: Por favor comentem!


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