Para bem além do véu



Capítulo Oito
Para bem além do véu


_Vamos, você sabe fazer melhor que isso! _Berrou Sirius, sua voz ecoando pela sala cavernosa.
Um jato vermelho atingiu o peito de Sirius, ele continuou a sorrir, mas seus olhos se arregalaram de choque e ele, mesmo que não quisesse, lentamente caiu descrevendo um arco gracioso no ar, mergulhando de costas no véu esfarrapado que pendia do arco.
A última coisa que Sirius pôde ouvir foi o sorriso triunfante de Belatriz. Seu corpo foi nocauteado, e ele desfaleceu.

Uma veia detrás da cabeça doía insistentemente, seu corpo estava congelando. Sirius Black sentia como se estivesse morto, pois não tinha forças para mover nenhum centímetro de seu corpo.
_Talvez eu tenha morrido... _Pensou.

Este pensamento ruim lhe angustiou por horas seguidas. Se ele morresse, ninguém mais poderia ficar fora de Hogwarts para ajudar Harry, e ele sabia o quanto o afilhado iria sentir sua morte. Mas não só ele como Lupin, que era um de seus melhores amigos e muitos outros, que de alguma forma tinham contato com ele. O sorriso maligno de Belatriz soou em sua mente como um mau-agouro. Aquela era a sala do ministério conhecida como “Sala da Morte”, onde há muito tempo atrás, a utilizavam para conceder sentenças de morte aos bruxos das trevas. Aquele, Sirius sabia quando caiu, era o véu da morte, e ele agora... Ele agora estava morto. Morto... Morto... Morto...
NÃO... Contrapôs-se uma vozinha em sua mente, não pode ser possível. Ele sentia que todo o calor se esvaíra do seu corpo, como se estivesse nu. Decerto isso não era nada bom, cadáveres costumavam ser gelados.
Permanecera ali naquele estado de choque por um longo tempo. Perguntando-se, se morrer era apenas existir sem corpo definido. Até que ouviu paços vindo em sua direção, seu coração deu um salto, talvez não estivesse morto, afinal.
_Enervate. _Murmurou o outro, de voz falha.
Sirius sentiu uma onde de calor percorrer o seu corpo, abriu os olhos lentamente e encarou o rosto de um velhote de barba comprida e nariz largo, seus olhos eram pretos e havia um corte em seu lábio inferior. O corpo era miúdo e magro, estava coberto com um enorme casaco de peles.
_Levante-se homem, já fizeram um raspa em suas roupas, veja só. E sua varinha? Onde está? Assim então elas têm mais uma...
Sirius estava nu, em uma área congelada, ele podia ver uma luzinha ao longe, mas não havia mais nada além dele e do velho num raio de quilômetros. Não havia tempo para sentir-se envergonhado, precisava saber onde estava.
_Onde estou? _Perguntou.
_Morto. _Disse o outro, de uma vez. _Pelo menos para sua família... A esta hora já devem estar dividindo os seus bens, Hahahaha. Pouca sensibilidade hoje em dia, não?
Sirius pensou por um instante no testamento que preparara. Lá ele deixava bem claro que queria que tudo seu passasse para o nome de Harry Potter. Seus maxilares batiam furiosamente no frio. Ele tremia da cabeça aos pés.
_Tome aqui este casaco... _Disse o homem despindo o longo casaco de peles um tanto mofado e imundo e passando a Sirius, que vestiu imediatamente.
_Talvez você queira tomar uma chícara de chá lá na minha casa, hein novato? Vamos lá, então.
Sirius acompanhou o velhote, e os dois aparataram em frente a um casebre de madeira, por onde uma fumaça rala deixava a chaminé disforme feita de pedras. A porta estava entreaberta, o velhote entrou primeiro, e parando no portal, disse:
_Não quer entrar, homem? É humilde, mas ainda dá pra esquentar...
Sirius entrou pesaroso na casa, ainda temia aquele lugar. Nem ao menos sabia direito onde estava, se estava morto ou não.
A casa inteira resumia-se em um pequeno cômodo de paredes de madeira, pedras forradas com peles que deveriam servir de assentos, um velho fogão de pedras, cujo um fogo crepitante provocava a fumaça que deixava o casebre pela chaminé, e um amontoado de peles onde o velhote deveria dormir, havia também um baú onde o velho deveria guardar suas provisões.
Sirius sentou em uma das rochas forradas com pele a pedido do bruxo. Este abriu então o baú e tirou de lá um saquinho de pano. Pegou uma chaleira fabricada de barro com água e pôs todo o saco de ervas dentro da panela, colocando para esquentar no fogo alegre e vivo. Tirou em seguida do baú um pão de casca dura e branca, e partindo em dois pedaços, entregou um a Sirius. Que mastigou vorazmente, tamanha era sua fome. Imediatamente sentiu o corpo esquentar e sua mente ficar mais lúcida. O homem pôs o chá em uma caneca de cerâmica e entregou a Sirius. E em seguida sentou-se ao lado deste também comendo e bebendo.
_Mortos não sentem fome, nem comem, nem bebem, e acho que nem sentem frio... _Disse Sirius, observando a mão pálida voltar à cor morena de sempre.
_Exato. _Disse esse, e depois sorriu incomodamente. _Mas mortos nunca voltam pra dizer o que houve depois... E você, moço, também nunca mais deixará este lugar. Então, como disse, para todos os fins, você estará morto.
_O que você quer dizer com isso? _Sirius questionou. _Isso aqui deve ser uma floresta, aquele arco deve ser uma chave de portal, não é?
O homem ficou muito quieto por um instante.
_Sim... Foi pelo arco que vim para cá. _Ele disse, como se a lembrar. _É como uma chave de portal, mas te leva muito longe... Tão longe que não há como voltar depois.
_Então... _Perguntou Sirius, temendo a resposta. _Então... É morte? De fato?
_Claro que não, morte-morte, não! _Respondeu categórico bebericando seu chá. _Nem Merlin poderia engarrafar morte, como também não pode engarrafar vida, nem amor, homem. Eles não podem simplesmente criar um arco que o leva para a morte, sem que você verdadeiramente morra. Isso é insanidade, mas digamos que isto aqui seja uma dimensão distinta. É o que eu tenho percebido. Um lugar horrível, ambos os períodos são horríveis, inverno e verão. Pouca comida no inverno, um sol escaldante no verão, e bestas sinistras, todos os seres humanos que chegam aqui, vieram há muito tempo atrás, na época das mortes naquela... Era uma sala no ministério...
_Sala da Morte. _Ajudou Sirius, prendendo-se a cada palavra que o homem dizia.
_Sim, nunca mais ninguém havia chegado aqui... Na verdade eu pensei que nunca mais veria um ser humano em minha vida inteira...
_Mas quem roubou minhas roupas?
_As bestas. _Disse o velho desoladamente. _Elas roubam meus mantimentos, comida... E adoram varinhas, pegaram a sua, não foi? As que elas roubaram dos outros bruxos há muito tempo atrás já nem mais funcionam, não há nada que estes monstros não peguem que não venham a destruir. Estão sempre insatisfeitos, resmungando por causa dos seus corpos medonhos e da sua infelicidade. Apenas quem entende o sentido de ser rejeitado por vê-las e ouvi-las, sabe? Alguns de meus companheiros não conseguiam enxerga-las nem ouvir uma palavra do que diziam. Percebi que era porque não entendiam o que era viver à margem, sabe?
_Então... Nem eu nem você estamos mortos? _Sirius perguntou, sorrindo. Sem se preocupar se poderia ou não ver e escutar as bestas.
Um fio de esperança invadia seu coração, Alvo Dumbledore, o maior bruxo do mundo arrumaria um jeito de lhe salvar dali, ou mesmo Lupin, que era grande conhecedor de Artes das Trevas.
_Eu sei que está pensando... _Disse o outro com o olhar fúnebre para Sirius. _Que alguém virá salva-lo, não é? Esqueça, homem, não há ninguém que possa salva-lo daqui.
_Você não conhece Alvo Dumbledore... _Disse Sirius, entusiasmado.
_É claro que conheço! _Disse o velho. _Alvo Dumbledore é um grande bruxo, mas não pode salva-lo. Ele é como todos os outros, não sabem o que é de verdade isso aqui. Veja, o que eu sei é que há muito tempo atrás, os bruxos encontraram este arco... E um deles foi atraído para cá, nunca mais voltou, e assim acontecia com todos que entravam. Passando algum tempo, os bruxos concluíram que era uma passagem para morte, e por se tratar de um artefato muito perigoso, o ministério o confiscou, mas nos meados dos anos 40, os seguidores de Grindewald eram atirados aqui sem dó nem piedade... Eu mesmo fui jogado... Fiz alguns trabalhinhos para ele. Na época houve um pesquisador que contestou que aquele arco ia dar em morte certa, então entrou, nunca mais voltou também, Ficou mais que provado que era morte, homem! Para eles lá... E mesmo que não fosse exatamente morte, era como se fosse, porque ninguém voltava, todos passaram a temer o arco e aquela maldita sala em que eram realizados os julgamentos.
Sirius ficou muito quieto, alisando o braço esquerdo com a mão, apesar do casaco de peles, ele ainda sentia frio, o chá e o pão haviam terminado. Simplesmente era inacreditável supor que depois de passar doze anos preso em Azkaban ele tivesse que viver naquele “nada” sozinho com um estranho. Sua mente voltou-se mais uma vez para o afilhado, que lhe era como um filho.
_Tem filhos, moço? _Perguntou o outro, guardando a louça suja, como a adivinhar o pensamento do outro.
_Ah, não, mas sou tutor de um rapazinho, meu afilhado... _Ele disse com o olhar longe. Preocupado se Harry estaria seguro.
_É realmente uma pena, né? _Perguntou o velho. _Também deixei uma mocinha.
_Mas deve haver uma saída... _Contrapôs Sirius.
_Infelizmente não há, homem. Já disse, todos que tentaram, morreram de frio ou foram mortos pelas bestas... O melhor a fazer é aceitar as coisas como elas são...
_Eu não posso aceitar, não vou terminar meus dias assim. _Disse Sirius levantando-se e deixando o casebre.
_Pode ir, mas você vai voltar... _Disse o velho.

Sirius andou sem rumo pelo gelo por algumas horas, até que seu corpo não conseguiu mais mover-se de tanto frio, e tudo o que ele via pela frente era congelado e sem vida. Acabou voltando para a casa do velho, mas no outro dia, refez o mesmo caminho, neste dia por azar, contudo, encontrou uma besta. Seu rosto era enorme, negro e transfigurado, suas pernas eram tortas, e havia dentes enfiados por todo o corpo. Ela rugia e falava algo asperamente em uma língua que Sirius não conhecia, como um cochicho. Tentou ataca-lo, mas Sirius tranformou-se em um enorme cão negro e a enfrentou com bravura, mordendo-a na perna fétida. A besta o deixou, guinchando de dor.
Sirius refez esse caminho por muito tempo, e nada encontrou a não ser bestas e gelo. Houve um dia, porém que chegou ferido no casebre do velho. O homem que estava sempre pronto a ajudá-lo, comportou-se de modo muito frio àquele dia.
_Você vai sangrar até morrer... _Ele disse. _Estou cansado de trabalhar enquanto você tenta fugir.... Não vou lhe dar mais nenhum remédio, nem comida. Se não quer acreditar em mim que não há saída, não acredite.
_Senhor, por favor... Me ajude hoje, e prometo servir ao senhor. _Suplicou Sirius que via seu sangue manchar o chão congelado.

A lide era muito cansativa, Sirius passava o dia inteiro numa floresta congelada, procurando coelhos para matar. Muitas vezes encontrava a casa devastada pelas bestas, e tinha que refaze-la. Mal tinha tempo para fazer rápidas refeições e dormir, quase não tinha tempo para pensar. Mas de qualquer forma, estava tendo mais aventura na luta contra as bestas, que tivera desde que deixara Azkaban e fora para o largo Grimmauld. Estava mais forte e musculoso, havia recuperado sua forma física.

Um verão quente derreteu o gelo que encobria o leito do rio ao lado da floresta, e a neve que se encontrava nos galhos das árvores caiu no chão como água gelada. Já era possível ouvir o farfalhar dos galhos das árvores frondosas na floresta, e o pio sereno e alegre de aves coloridas. Ao longe, pássaros voavam sobre as encostas das montanhas, agora amarronzadas. O cheiro de terra molhada invadia as narinas de Sirius, e ele começava a achar que ainda havia esperanças de deixar o lugar. Ele e Bernard, o velho de barba comprida e grisalha, pararam de caçar e passaram apenas a pescar, nos lagos calmos da floresta.
Conversaram por longas horas, tempo em que Sirius contou ao amigo tudo sobre a sua vida, como fora preso em Azkaban injustamente e fugira.
_V-você conseguiu... Conseguiu deixar Azkaban? Ainda eram os dementadores que guardavam a prisão?
A lembrança dos dementadores ainda provocava sensações ruins em Sirius, por isso ele meramente confirmou com a cabeça.
Quando os dois voltaram para casa, com cestos cheios de peixe, e as roupas encharcadas de suor, Bernard estava muito estranho e desconfiado.
_O que houve, Bernard? _Sirius questionou. _Parece estranho... Não se sente bem?
Bernard olhou culpado para o amigo e depois disse:
_Eu já te contei como fiquei sozinho aqui? _Perguntou, com os olhos lacrimejando.
_Sim, eu supunha que não... _Acrescentou frente à negativa de Sirius. _Pois bem, assim como você eles também quiseram deixar este lugar... Não conseguiram no inverno, contudo, encontrar passagem alguma... Mas num verão, como este em que estamos agora, nós formamos uma comitiva e partimos para a tentativa de deixar isto aqui. Depois de muitos dias de viagem, chegamos a um local congelado, mesmo no verão, em que uma neblina fria fazia nossos corações congelarem e toda e qualquer felicidade evaporarem de nossos corações, estávamos perto do final, dos portões congelados.
_VOCÊ QUER ME DIZER QUE ENCONTROU UMA SAÌDA E ESTAVA ME ENGANANDO TODO ESTE TEMPO??? _Sirius perguntou, como um cão bravo. Qualquer consideração pela figura do ancião abandonando seu coração.
_Calma, Sirius. _Disse o outro, desesperado. _Havia aqueles seres medonhos, os comensais guardando o lugar. E os outros quiseram enfrentá-los, é claro que eu tentei impedir-lhes, mas eles estavam alucinados... Tiveram as almas sugadas por aqueles seres, e eu voltei sozinho para casa. Então prometi que esqueceria os portões e viveria de qualquer forma por aqui. Tudo o que queria era um amigo para compartilhar as tarefas e me ajudar com as bestas. Veja bem, estou velho e cansado. Logo morrerei, e você, Sirius, foi minha maior alegria desde quando perdi os outros. Você não pode entender como fiquei feliz ao vê-lo, não queria que você se fosse, mas como você já disse que deixou Azkaban uma vez, talvez você tenha uma chance... Mas ninguém sabe onde aqueles portões vão dar.
Sirius não sabia se ficava aborrecido ou emocionado com as palavras do amigo, mas ele podia compreendê-lo. Sentira-se tão sozinho quanto ele quando estava no largo Grimmauld.
_Você vai partir? _O velho perguntou.
_Claro que vou, e vou levá-lo comigo. _Disse Sirius, sorrindo.
_Ah, não, obrigado companheiro. Mas eu não posso... Não conseguiria atravessar os portões e ainda seria uma carga a mais pra você. Vá em paz, eu não vou ficar por aqui muito tempo mesmo. Logo, logo eu conhecerei a verdadeira morte, sabe?
_Será que lembra onde ficam os portões? _Sirius perguntou, esperançoso.
_Terei o maior prazer de lhe dizer onde estão. _Disse o velho.
_Eu vou voltar... _Disse Sirius. _Porque eu voltarei para te pegar, prometo, Bernard. Deve haver alguém que...
_Não prometa o que não pode cumprir, amigo. Isto aqui é um local designado para a vivência das bestas, estamos nós dois aqui por acaso. Eles não vão permitir que os bruxos me tirem daqui assim.
_Mas podemos usar um expecto patrono contra os dementadores...
_E abrir a passagem para as bestas irem para o seu mundo? _Perguntou o velho. _Não, melhor do jeito que está. Eu sinto que logo deixarei a vida, é como te digo. Passei tanto tempo aqui que não vale mais a pena voltar. Venha, vamos preparar uma muda de roupas para a área congelada.
E então, eles viajaram por longos três dias a pés, preferiram não usar mágica, pois poderiam parar no local errado. Só paravam para fazer refeições e dormir poucas horas. Quando finalmente chegaram ao pedaço congelado daquele mundo, o coração do maroto queria sair-lhe pela boca. Ele voltaria ao seu mundo, para junto das pessoas que mais amava. Havia ainda pessoas que ele queria se vingar, como todos os comensais que de alguma forma o impediram de ser feliz, principalmente Rabicho e Belatriz. Mas, antes de tudo, ele queria derrotar Voldemort, pois agora, a vida tornara-se um bem muito precioso para ele, e seu sangue fervia de imaginar que tantas vidas pudessem ter sido arrancadas de suas famílias por causa daquele nome, Voldemort.
Bernard escondeu-se detrás de uma árvore coberta de gelo, enquanto Sirius avançava para os enormes portões congelados, vestido em peles que mais assemelhavam-se a trapos. O portão era feito de estacas de ferro com intervalos que permitiriam uma criança pequena fugir. Com certeza, nem uma besta que acabasse de “nascer”, contudo poderia atravessá-la, pois elas possuíam enorme cabeças. Transformando-se num enorme cão negro, mas magro o bastante para passar entre as barras congeladas. Sirius adiantou-se, sentindo a esperança se esvair de seu coração, até o momento em que pulou entre duas barras. Virou-se a tempo de dar uma última espiada no amigo e caiu, caiu, e caiu, sem saber em que direção estava indo...


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