Digníssimo Flaubert




15- Digníssimo Flaubert

— Devia largar a vaidade e começar a se preocupar com assuntos mais importantes do que ficar por ai se agarrando com todo mundo!

— Você está me ofendendo! Só porque você é uma encalhada não significa que todas as outras garotas devem ficar sozinhas também!

— Eu não sou encalhada, sou apenas mulher de um homem só — Estephanie, a monitora, respondia com rispidez, enquanto tentava disfarçar a expressão de ódio que se manifestava em seu rosto — Mas... Dá próxima vez que eu pegar você e qualquer outro garoto se esfregando pelos cantos do castelo, levarei a questão diretamente para a direção, está ouvindo Emily?!

— Não me diga... Não sei se você se recorda, minha querida, que eu sou uma das alunas mais ricas desta escola, e é praticamente impossível alguém me tirar daqui, quanto mais uma sangue-ruim como você!!! — Emily agora perdia o controle e começava a gritar, sem se preocupar com as colegas que ainda estavam dormindo.

Estephanie não respondia, estava imóvel, segurando um travesseiro na mão e respirando profundamente, tentava falar alguma coisa, mas as palavras pareciam estar presas. Emily a olhava com uma expressão de vitória, seus olhos azuis-vivo brilhavam, como se ela fosse uma caçadora olhando a presa acuada e indefesa.

— Imbecil! — Estephanie virava as costas e rumava para a porta — A propósito... Sinto muito pelo fora que você levou do Philip... E... cuidado com suas companhias, o cara com quem você dormiu esta noite beijou mais três garotas antes de se encostar em você... — E saíu porta a fora.

Eva e Judith, ainda deitadas em suas respectivas camas encaravam Emily, boquiabertas.

— Se alguma de vocês fizer qualquer comentário...! — os olhos de Emily as fuzilavam. Ela pegava suas vestes e caminhava para o banheiro.

— Mas que bela forma de se começar o dia. O que será que deu nessas duas? Será a ressaca?! — perguntou Judith a Eva.

— Não sei... — ela se espreguiçava — Essa não! — exclamava ela ao pular da cama.

—O que deu em você?! — Emily procurava seus chinelos em baixo da cama.

— Esqueci o material de defesa contra as artes das trevas lá no salão comunal ontem a noite!!

— Então corre e vá ver se ainda está lá! — respondia Judith — Mas antes... Venha ver só uma coisa...

— O quê?

— Tem um gato branco de baixo da minha cama — Judith estava extremamente cômica com os cabelos loiros e curtos voltados para baixo, enquanto ela se agachava para pegar o gato.

— Ah — Eva ria — Receio que esteja sobre minha responsabilidade. Deixe ele ai, logo o devolverei para sua dona.

Eva colocou suas vestes e logo desceu para o salão comunal. Por sorte, seus materiais referentes à matéria de defesa contra as artes das trevas estavam no mesmo lugar onde ela havia deixado. Como a pequena briga entre Estephanie e Emily a havia acordado muito cedo, tinha tempo de sobra para organizar as fotos que havia tirado e concluir o trabalho. E aproveitando que o salão estava praticamente vazio, foi o que ela fez.

— Que droga. Está ficando uma porcaria... — Eva se debruçava sobre o trabalho.

— Joga tudo fora, oras...

— E tira zero... Faça como nós — Allana aparecia por trás de Eva — Por que acordou tão cedo?!

— Digamos que eu fui acordada.

— Hum... Parece que toda a ala feminina foi, não é? — Aline se sentava numa cadeira próxima.

— Não me diga que vocês também ouviram?!

— Não só ouvimos, como vimos!! — Allana se sentava no colo da irmã — A patricinha da sua sala foi pega pelos monitores no flagra. Depois da festa ela e um garoto do sexto ano foram para a sala dos monitores se divertirem naquela poltrona de veludo que tem lá — ela soltava uma gargalhada — Foi hilário! Mas me parece que o caso será abafado.

— Que absurdo! — Eva parecia desacreditar.

— Tudo o que absurdo em Hogwarts acaba por ser ocultado, minha querida. Aliás... Ouve um certo burburinho ontem, antes do jogo.

Eva sorria enquanto encarava o rosto corado e felino de Allana.

— Deixe fazer-lhe uma apresentação gratuita — Ela pulava do colo da irmã, prendia os cabelos pretos e cacheados, forçava uma expressão carrancuda, alterando completamente os traços de sua face delicada, corrigiu sua postura, começou a andar em torno da cadeira em que Aline estava sentada, de forma pomposa.

Eva não conseguia segurar a risada:

— Está igualzinha ao Rég! — ela aplaudia — Continua.

— Hãm hãm — Allana se concentrava para imitar a voz de Régulo — Graças a Salazar que Medaline Emburgo se mandou daqui... Ia sujar a minha imagem... Não devia ter me distraído do meu objetivo... Ficar com garotas da Grifinória, e ainda nascida trouxa, eu devia estar bêbado. Prefiro mil vezes as sonserinas, apesar de haver poucas bonitas. É claro que a Rookwood ganha de qualquer uma da casa.

Eva ria, mas no fundo sabia que algo a incomodava. Achava o máximo a apresentação das gêmeas, adorava saber o que Régulo pensava, principalmente quando era favorável a ela, mas algo a perturbava sem que ela se desse conta do que era. Talvez... “Pobre Medaline... Se a mistura era realmente inofensiva... Por que ela ainda não tinha voltado do St. Mungus?”.

— Não entendo o que ele quis dizer com “haver poucas bonitas” — concluía Aline, com um muxoxo.

— A propósito... — Eva sorria amarelo, tentava deixar de pensar no ocorrido a Medaline — Vocês jogaram incrivelmente bem!

— Mas isso é obvio — Allana levava as mãos à cabeça num gesto de incredulidade — Somos perfeitas — piscava para Eva.

— Bom dia, bom dia... Olá Eva, Aline, Allana! — Wendy chegava no salão, com a mochila nas costas, acompanhada por Meline Greenhouse.

— Oi — Eva parecia distante — Vão tomar café? — Eva reparava que Meline respondia afirmativamente com a cabeça — Ótimo, vou com vocês. Até logo, Linn, Lana, e... Obrigada pelas novas...

Wendy, Meline e Eva saíram do salão comunal e subiam as escadas que saiam das masmorras a fim de chegaram ao salão principal. Meline parecia exausta, mas Wendy estava disposta e bem humorada.

— Sabe, Rookwood, vc é muito estranha... — Os cabelos loiros de Meline lembravam os de Eva, porém enquanto Eva possuía fios muito lisos, Meline tinha poucos cachos dourados nas pontas. — Vive derretida por Régulo, mas em vez de ficar na festa e aproveitar a companhia ele,você foge como uma criancinha.

— Como se as coisas fossem fáceis, Greenhouse... Tenho certeza de que Eva ficaria na festa se Régulo fosse dar atenção total a ela. Mas Phil, Ulisses e Régulo são inseparáveis nestas festas. Você deveria saber disto melhor do que ninguém, pois o seu irmão está envolvido.

— E o seu ex-namorado também, não é? — Meline encarava Wendy — Mas tenho certeza de que Régulo preferia a Eva, o Ulisses estava caindo de bêbado...

Eva reprimia um risinho. Elas agora já estavam nas escadarias principais.

— E você que não se cuide. Se Ulisses é meu ex-namorado, é porque tive um bom motivo para terminar com ele. Se eu fosse você pararia de me atirar em cima dele. — respondia Wendy.

— Eu sei me cuidar — retrucava Meline, sarcástica — Agora... você está investindo em Jack, não é?!

— Que bobagem, nós somos amigos. — o trio passava pelo professor Cardiff — Bom dia, professor.

— Bom dia — respondia o diretor da Sonserina.

— Ah! Professor — gritava Eva, antes que Paul Cardiff sumisse de vista — Ontem a noite eu encontrei um gato branco no corredor, como sei a quem pertence, resolvi recolhe-lo, para ele não ficar perambulando pelo castelo. Ele está no dormitório feminino no momento, pertence a uma aluna da Grifinória.

— Ótimo! — ele parecia divertir-se —Vou pedir para os monitores o retirarem de lá. E vou tirar 15 pontos da Grifinória pela falta de atenção para com seus bichos. Até o café — e ele se retirava.

— Você é mais burra do que pensei, Eva — Meline parava em frente de Eva — Será que não percebe que se continuar andando com a Cellin Vicker vai acabar perdendo o Régulo?! Não diga nada, eu sei que o gato é dela. — as meninas agora adentravam o salão principal. Alguns poucos alunos já estavam nas mesas, mas o café ainda não estava servido.

— Não se meta neste assunto, Meline! — Eva se irritava.

As meninas ficaram conversando até que as mesas começassem a se encher. O clima da escola ainda não era o tradicional, onde havia sempre aquele fervor dos alunos barulhentos, os professores geralmente severos e o tempero da competição entre as casas. O ambiente ainda estava marcado pela cicatriz que insistia em não se fechar: os constantes ataques que o mundo bruxo estava sofrendo. Porém a competição entre as casas ainda era presente, a casa de Corvinal estava na frente, seguida agora por Sonserina, Grifinória e, por último, Lufa-lufa.

O salão já estava cheio, assim como as mesas repletas de comida, quando as corujas rompiam a calmaria matinal dos alunos e mestres. Max pousa no ombro de Eva, largando em seu colo o jornal e um pergaminho pequeno. Sem exitar, Eva retirou o pergaminho e iniciou a leitura:

“Querida princesa,

Sei que deve estar muito confusa a respeito de tudo o que deve estar acontecendo. Papai não deixa de comparecer às reuniões acerca dos assuntos que envolvem a segurança da minha querida filha. Estou sempre por trás daquilo que a cerca, meu amor. Não deve temer.

Confie sempre no professor Cardiff e fique junto de seus amigos da Sonserina. Espero que a ida de seu irmão para aquela casa não a faça se aproximar de pessoas daquele nível.

E preste muita atenção! Não acredite em tudo o que vê!! Se viu o senhor Michelangelo Gallo no ataque deve saber que não era exatamente um ataque. Existem muitas coisas acontecendo, princesa, coisas que você ainda não entende, mas logo as entenderá. O sr. Gallo é nosso amigo, independentemente de você o ter visto sendo caçado por aqueles aurores.

Sempre confie nos amigos do papai, pois eles são como nós, sangues-puro.

Te amo,
Augusto Rookwood”

Antes mesmo que ela pudesse começar a ler o Profeta Diário, Régulo estava sentado ao seu lado:

— Terminou o café?!

— Acabo de perder a fome — respondeu ela, com uma expressão vazia.

— Más notícias?!

— Não... É que... Meu pai está estranho... Ele está agindo como se tudo fosse mudar... — ela se sentia insegura.

— Mas tudo vai mudar. Só que para melhor... — ele segurava sua mão — Venha, vamos dar uma volta pelo jardim.

Desanimada, ela deixava suas amigas cheias de olhares e risinhos na mesa do salão e ia com Régulo para fora do castelo, o barulho dos alunos que circulavam impedia que os dois conversassem com privacidade, de modo que eles só puderam voltar a conversar quando se encontravam no imenso jardim aveludado, onde o gramado lembrava um extenso tapete verdejante.

— Tenho uma pergunta a lhe fazer, mocinha...

— Pois não, senhor Black? — ela recuperava o bom humor.

— O que aquele gato sarnento estava fazendo no seu dormitório?! — o tom dele era inquisitivo.

— Esta é uma boa pergunta, o achei no corredor. Levei ele para dentro e hoje avisei ao professor Cardiff que ele estava lá — Ela o olhava ansiosa, esperando sua reação.

Para a surpresa de Eva, Régulo ficou pensativo e distante, seus olhos emitiam uma sensação de dúvida, como se o gato fosse um perigo iminente.

— Agora que já me fez a sua pergunta. Eu tenho algo muito mais importante para lhe perguntar.

— E do que se trata?

—Você... — ela parecia escolher as palavras certas — Tem alguma idéia de quem possa ser o assassino dos...

— Dos...? — Régulo a olhava nos olhos, curioso.

— Do professor Garner?!

Mais uma vez a reação de Régulo a surpreendeu. Ela queria perguntar a respeito dos pais de Cellin, mas não tivera coragem. Porém Régulo havia ficado mais pálido e sem reação.

— Não faço idéia — ele engoliu em seco.

Algo minúsculo saía da floresta e rumava na direção do casal. Vestia uma capa de fundo roxo, esvoaçante e cumprida. Conforme se aproximava podia-se distinguir melhor seu semblante... Era uma mulher.. Não, era uma garota... De cabelos pretos...Não, castanhos e cacheados... Uma aluna... era Sue Ellen Flaubert.

— Hei! O que faz por aqui?!

— Oi Régulo — ela parecia muito mal humorada — trazendo sua garota para um passeio?! — ela encarava Eva, arqueando a sobrancelha.

— Sue, esta é Eva Rookwood — Régulo sorria, recuperando a cor natural de seu rosto — Eva, está é a nossa estrela... Sue Ellen Flaubert.

Eva a encarava sem saber como reagir. Queria fazer algumas perguntas, porém achava que pareceria indelicado e não gostaria de fazer um mau papel na frente de Régulo.

— Já ouvi falar muito de você! — disse Eva, finalmente.

— Igualmente — respondeu Sue, objetiva.

— Sério?! — perguntou Eva, curiosa, olhando para Régulo.

— Sim — concluiu Sue — Bem, eu vou indo, não quero atrapalhar — ela virava as costas para os dois.

— Está de mau humor ou é só impressão minha?! — questionou Régulo.

—Tem um bando de aurores na floresta. Parece-me que encontraram algo que não deviam. Malditos!

— Na floresta?! — perguntou Eva — O que pode haver na floresta que interesse a eles?!

Sue parou de andar, virou para trás e encarou Eva:

— Nem queira saber, querida. Está muito além da sua compreensão. Mas...— analisava Eva mais atentamente — Quem sabe um dia... — e voltava ao seu caminho.

Sem entender, Eva ignorou a imagem de Sue, que ia sumindo conforme esta tomava distância e resolveu prestar mais atenção em Régulo, que estava ao seu lado. Não entendia, de todo, o modo como ele se comportava. Era obvio que a esta altura Régulo tinha pleno conhecimento a respeito do sentimento que Eva tinha por ele. Mas a forma como agia era extremamente instável. Em um dia ele a abraçava e conversava com ela como se ela fosse sua melhor amiga, no outro, ele estava beijando outra garota em público, voltava então a dar atenção a ela, depois passava por ela como se não existisse e agora...

Agora, bem ali, no extenso jardim de Hogwarts, o lugar onde eles conviveram desde os 11 anos, diante de um dia levemente nublado e confortável, sobre a névoa que saía do lago e as colinas distantes que completavam a paisagem familiar e aconchegante de Hogwarts, exatamente ali... Nenhum dos dois emitia a menor sílaba, elas caminhavam lentamente ao redor do lago, sem se importar com o tempo ou com as aulas que teriam que assistir no dia seguinte. Estavam satisfeitos por estarem ali... Em profundo silêncio.

— Por que fez aquilo?!

— Aquilo o quê? — perguntou Régulo.

— Com Kail!

— Rixa de jogo, oras... — Régulo abria um enorme sorriso — Você viu o jogo? Foi incrível, não é?!

— Não, não foi!

— O quê?! — ele pareceu decepcionado.

— Você não segurou minha mão! Sempre fez isso! — ela o encarava.

— Eu... Estava com muita raiva de você! Não gostei de você ter ido com aquele sangue-ruim em Hogsmead, podia ter se machucado!

— E se eu tivesse ido com você não poderia ter me machucado?! — ela argumentava — Aliás, você não me convidou...

— Também por estar com raiva de você, por causa das suas más companhias!

Eva cruzava os braços.

— Bobagem... Você me faz de idiota... — ela desviava o olhar — Essa é que é a verdade!

— O que é isso agora?! — Ele se aproximava — Essa é a maior besteira que já ouvi, Eva. — passava a mão pelos cabelos dela — Você é muito linda... Sabia? Eu adoro você! Mas... Não a compreendo. Eu gostaria de que você fosse de outra forma...

— De que forma?! — ela volta a encará-lo.

— Eu queria que você fosse como os outros Rookwood. Que fosse mais firme, mais confiante, que não se envolvesse com as pessoas erradas. Por um momento... por um momento pensei que você tivesse mudado... Quando você chegou admitindo que o vagão em que viera estava cheio de sangues-ruins, mas... Veja só... O mesmo sangue-ruim que estava no vagão foi o cara que te acompanhou no passeio!! — ele parecia nervoso — Será que você não percebe?! Eu não posso me aproximar de uma garota que não sabe em que mundo vive!!

— Você! — ela também estava irritada — Você também beijou uma sangue-ruim!!! Medaline Emburgo é uma nascida trouxa! — ela gritava, sua voz ecoava pelo espaço imenso que estava diante deles, sobre o lago.

— O que?! — a expressão de Régulo agora era de total desprezo — Não me diga que você beijou aquele imbecil?!

— Sim! — ela gritava — Sim! E sabe por que?! Porque quem eu queria beijar nunca estava ao meu lado!

Régulo fechava os punhos, seus olhos pareciam faiscar. Eva começava a chorar, porém não movia um músculo se quer. Ele respirava fundo e tentava recuperar a calma, enquanto ela continuava a chorar, sem mais ter o que dizer.

— Droga — ele dizia, finalmente — Não quero perder você — ele concluía.

— Não vai! — ela tentava parar de chorar.

— Vou sim! Vou sim! — ele voltava a se irritar. — Enquanto não mudar por completo, não poderei mais deseja-la, não poderei tê-la!! Você é fútil, Eva. Só estuda poções, não gosta de mais nada! Seu desempenho é mediano em tudo o que faz! Mas o pior é que você não sabe o que quer, anda por ai no mundo da lua, é muito ingênua... Como eu queria que você mudasse!

— Mudar como?! Como?! — ela reparava que ele também estava quase chorando.

— Isso... Independe de mim... — ele acariciava o rosto de Eva com as mãos geladas — Mude... E fique comigo...

Ele voltava para o castelo. Enquanto Eva permanecia em frente ao lago. Ela tirava o amuleto de dentro das vestes e segurava ele com firmeza, enquanto suas lágrimas continuavam a cair. Mas nem mesmo seu poderoso amuleto conseguia apaziguar as agonias que agora dominavam seu corpo e sua alma. De fato, ela sabia que seu amor por Régulo era muito mais do que uma paixão de colégio, a ausência e o desprezo dele doíam a ponto de fazer com que sua visão sumisse, sua cabeça doesse. Ela começava a ver tudo borrado e quando o jardim começava a entrar em foco ele estava girando, girando e girando...

“Mude... E fique comigo...” O rosto de Régulo tomava forma, o olhar era de desprezo, nojo... Por que é que ela vivia afinal?! Vivia para ser sempre Eva Rookwood, uma escocesa pertencente à consagrada família Rookwood, ingênua e que nunca estava preparada para saber das coisas, sempre confusa e amedrontada, nunca sabia de nada, sempre aguardando o momento em que começaria a entender... Entender o quê? Para quê? O que ela era afinal? Para que vivia? Régulo tinha toda a razão, ela era uma menina fútil e burra!

Mas isso iria mudar, pois ela vivia por algo, ou melhor... Por alguém...

Sempre pela manhã a biblioteca assumia sua função de quartel general, onde todos os alunos se reuniam para eliminar parte da carga pesada que se acumulava ao longo dos meses. As janelas colossais iluminavam as mesas acopladas às estantes imponentes, alguns alunos sentados tentavam encontrar nos inúmeros livros respostas para suas indagações mais audaciosas ou monótonas. No caso de Eva, que estava isolada na parte escura da biblioteca, era uma indagação completamente audaciosa:

“Dark Garden, a cidade secreta fundada por Flaubert e sua misteriosa esposa era composta por uma imensa mansão onde este residia o pequeno vilarejo que circundava o riacho Derilion. O riacho tinha uma importância fundamental para a manutenção da cidade, pois era través dele que se regavam as rosas negras, a mercadoria que proporcionava à família Flaubert um lucro inimaginável. Havia também uma espécie de capela, onde bruxos especiais se reuniam, para discutir a respeito de um grupo específico de bruxos e restringir seu comportamento e modo de vida”

Alguns minutos atrás, Eva tentava se manter calma e tranqüila. Pelo menos o bastante para ter um diálogo com o professor Richard Goldsmith. Ela havia entrado no banheiro feminino do segundo andar, lavado o rosto, além de levar um susto enorme com a presença da Murta. Após restituir sua postura, ela caminhou até a sala de defesa contra as artes das trevas, onde infelizmente não havia encontrado o professor. Com a ajuda de Taylor, que costumava aparentar estar em todos os lugares ao mesmo tempo, Eva localizou Richard na sala de poções, conversando com o professor Cardiff. Disse a ambos que precisaria de uma autorização para ter acesso à área restrita da biblioteca, para poder concluir da melhor forma possível seu trabalho de defesa contra as artes das trevas. Cardiff, que já conhecia Eva há muito tempo, estranhou sua dedicação a outra matéria que não fosse a dele. Mas Richard colaborou e redigiu uma autorização que dava a aluna o direito de fazer pesquisas em todos os livros de sua matéria.

Naturalmente que Eva não queria concluir trabalho nenhum. Sua real intenção era a de se dedicar a compreender tudo o que estava a sua volta, independentemente do que fosse, nem que para isto tivesse que se tornar a aluna mais dedicada de toda Hogwarts. Após concluir sua pesquisa num dos cinco primeiros livros que pegara, ela partia para o próximo, sem ao menos sentir a passagem das horas...

“Flaubert parecia ser equilibrado e perspicaz, mas na realidade escondia um profundo distúrbio emocional que se agravava com o passar do tempo”

E outro livro:

“ Maximillian foi um excepcional administrador, educador, alquimista... Sua filosofia era: Suas qualidades ou seus defeitos jamais o atrapalharão, desde que você os converta em poder. Possuía a ambição de expandir o jardim das rosas por toda a Europa, extinguir o poderio militar dos trouxas e criar sua própria escola de magia”

E ainda um quarto livro, e o mais esclarecedor:

“Ginerlia Flaubert, sua ambiciosa esposa foi de fundamental importância em suas conquistas, pois possuía um poder especial que a tornava fonte de conhecimentos raros e habilidades mentais. Ginerlia possuía o dom de realizar um certo tipo de magia sem o uso de qualquer tipo de instrumento mágico. Com a grande quantidade de energia que armazenava em seu corpo, ela conseguia inserir imagens, sensações ou emoções na mente de trouxas ou de bruxos vulneráveis. Este dom foi um dos precursores do princípio de composição da poção dos sonhos. A ordem de bruxos a qual Ginerlia pertencia era chamada de elemental, e seu poder específico era a ilusiomagia.”

— Pelas barbas de Sonserina! — exclamava Eva, baixinho — Quem diria que isto teria alguma relação com as aulas de defesa contra as artes das trevas! — ela tirava o cabelo dos olhos e olhava para longe, a fim de descansar vista. Começava a entender que suas aulas em Hogwarts tinham uma utilidade maior do que imaginava, e percebia também o porque de Régulo gostar tanto de defesa contra as artes das trevas. Elementarismo era o máximo! Controlar o que os outros vêm, sentem, promover ilusões mentais!! Aquilo era poder!

Mas ela não queria perder muito tempo filosofando, já tinha perdido o almoço na biblioteca, o jantar logo seria servido. Queria concluir sua leitura o mais rápido que pudesse:

“ Seguindo a morte de Maximillian, o controle da cidade passou-se para as mãos de seu filho Seth. Porém, conforme o comércio das rosas ganhava novos territórios, tornava-se cada vez mais difícil comerciar. O Ministério da Magia descobriu a existência da cidade e reconheceu a ameaça que a comunidade de Dark Garden poderia representar ao mundo bruxo e elemental...”

Eva tinha finalmente concluído a leitura de tudo o que achara a respeito de Maximillian Flaubert nas estantes da área restrita. Mas aproveitando que tinha carta branca para ler qualquer livro de defesa contra as artes das trevas, ela não resistiu quando viu um livro intitulado “Artes das trevas para iniciantes”. Retirou o enorme livro de capa cinzenta e afrouxou a fivela que o mantinha fechado, folheou as páginas e deteve sua atenção em algo extremamente simples e engraçado. Havia a descrição de um feitiço usado para explodir objetos de modo a fazer com que seus pedaços voem a uma distância de até 1 quilômetro, sem atingir aquele que executou o feitiço.

Pela janela já se podia ver que o céu estava escurecendo. Eva guardou os livros nos locais onde ela os retirara e reuniu seus pertences para ir jantar. Porém, ao olhar novamente pela janela, viu mais uma vez a imagem da rosa negra bem delineada, mas desta vez não estava no céu. Ela se aproximava mais da janela, cautelosa, e analisava a imagem atenciosamente. No gramado do jardim, o mesmo lugar que estivera esta manhã discutindo com Régulo, agora havia claramente o desenho da rosa negra, como se um excelente jardineiro tivesse aparado a grama de modo artístico, complementando a paisagem com o esplendor da lágrima de Maximillian.

Como sempre acontecia, segundos depois a imagem desaparecia e Eva ficava sem entender que tipo de mensagem era aquela, se era destinada a ela e quem a estava mandando. Ou poderia ser pura imaginação sua, ou talvez outras pessoas também a pudessem ver...

Eva saía da biblioteca com a cabeça nas nuvens. Se não estivesse tão distraída, notaria que assim que saíra da área restrita, alguém que a estivera observando o tempo todo, e que estava com o rosto coberto, havia entrado e retirado exatamente os mesmos livros que ela havia pegado.

— Hei, cuidado!

Alguém em quem Eva havia trombado despertou-a de seus pensamentos.

— Desculpe-me — ela olhou-o atentamente e reparou que era Herbert Moonwave, o monitor da Grifinória, acompanhado de...

— Eva! — Cellin a olhava, com uma expressão esperançosa.

— Monitorando os corredores?! — perguntava Eva a Cellin, com frieza.

— Acabamos de terminar a ronda da noite... — Cellin olhava para Herbert, que saia de mansinho, deixando as duas a sós.

— Eu tenho que ir jantar... — Eva virava as costas para Cellin.

— Espera! — Cellin a segurava pelo braço — Eu gostaria de agradecer... Por ter cuidado do Alvo.

— Devia tomar mais cuidado com o gato! — ela ainda a tratava com frieza.

— Eu... Sei que você está muito magoada comigo. Acho que não devia ter dito aquilo para você. Sinto muito.

Eva sentia seu amuleto queimar em seu peito. Mas desta vez tinha plena consciência do que o poder da pedra representava. Parecia inevitável que elas fizessem as pazes. Eva amava Cellin como se fosse um membro de sua família, iria perdoa-la, mas não pelo contrato mágico que assinara ao aceitar o amuleto em seu primeiro ano, e sim, pelo fato de realmente gostar de Cellin. Sabia que isto poderia ser fatal para o objetivo que cada vez mais se tornava evidente em sua vida. Mas pelo amor de Cellin e de Régulo estava disposta a enfrentar a dualidade de sua razão de viver... A amizade de uma sangue-ruim... E o amor de um sangue-puro.



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