Raven



“É o bem contra o mal
E você de que lado está?
Estou do lado do bem
E você de que lado está?
Estou do lado do bem.
Com a luz e com os anjos”
(1965 Duas Tribos - Legião Urbana)





Um silêncio sepulcral desabou sobre todos naquele momento, como se um feitiço silenciador tivesse sido lançado. A única coisa audível era o ruído suave do vento passeando sobre a copa das árvores, lembrando sombriamente o lamento de um espírito agourento.

As varinhas que estavam apontadas para Snape se ergueram rapidamente, tendo como novo alvo os comensais que os circundavam.

Estes, por sua vez, estavam apenas aguardando um mínimo gesto de seu mestre para poderem atacar, mas Voldemort parecia se deliciar com a cena, vendo Harry e os demais cercados e aparentemente rendidos. Em nenhum momento os dois rivais desviaram a vista e para surpresa do Lorde Negro, a mente de Harry estava bloqueada para ele. Sorte de Harry, que Hermione havia sido tão implacável com ele após a saída deles de Hogwarts e repetisse como um mantra, o quanto era importante ele treinar Oclumência, ou talvez fosse ainda mais algum poder misterioso que o jovem rapaz tivesse adquirido. Mas de qualquer forma aquilo era bom, pois Harry tinha pensamentos e memórias importantes demais para serem invadidos pelo Lorde das Trevas. Um descuido qualquer e ele colocaria todos em sérios apuros. Como se eles já não estivessem encrencados o suficiente.

-Ora, ora, Riddle, um comitê de recepção? - Harry perguntou friamente, a varinha apontada diretamente em direção ao bruxo das trevas.

Ele ignorou com todas as suas forças a dor lancinante que sentia em sua cicatriz, dando a impressão de que sua cabeça racharia ao meio a qualquer momento e o suor frio que escorria por seu rosto. Sua única intenção era distrair Voldemort o suficiente para pensar em algo a ser feito.

-Exatamente, Potter, não podemos perder os bons modos, não? - E o Lorde abriu um sorriso desagradável. O olhar dele era semelhante ao de uma fera que está prestes a dar o bote em sua presa. Começou a andar lentamente em direção à Harry, mantendo Morrigan segura em seus braços e apontando a varinha para o pescoço da Sacerdotisa. - E olha que interessante, temos um convidado ilustríssimo aqui. Como vai, Severus?

Mas Snape não respondeu nada. Mesmo vendo que Morrigan estava abatida e possivelmente ferida, isso já foi o suficiente para ele não se importar com o resto. E com certeza, de todos os que estavam ali, Snape era o que estava em pior situação e desarmado. Era traidor tanto da Ordem da Fênix, quanto dos Comensais da Morte, já que não cumpriu uma ordem de Voldemort para tentar proteger Morrigan.

Entretanto, por mais que Harry estivesse com um ódio quase mortal pelo ex-professor de Poções, viu claramente que Snape estava ali não com má intenção. Ele não tinha como afirmar essa certeza, mas sabia que Snape poderia ser um aliado forte naquela batalha, por mais que não quisesse admitir aquilo. Sem contar que foi capaz de notar o quanto o bruxo ficara abalado em ver Morrigan rendida pelo Lorde das Trevas.

“Snape apaixonado?! Esse mundo é um lugar louco mesmo”

Harry era orgulhoso, mas sabia que naquele momento deveria haver uma trégua entre ele e Snape. O acerto de contas entre os dois seria mais tarde.

“Caso eu consiga sobreviver”, Harry pensou sombriamente.

Finalmente o olhar de Voldemort se desviou de Harry e caiu sobre a jovem ruiva que estava ali. Mas ela desviou a vista rapidamente, com medo que sua mente fosse invadida mais uma vez.

Naquele momento Gina havia compreendido que o fato de Voldemort estar ali, em parte era responsabilidade dela, já que não soubera fechar a mente e deixou que o Lorde das Trevas invadisse os seus pensamentos. Entretanto, como ela poderia saber que Voldemort era capaz de invadir a sua mente daquela maneira?

Voldemort continuou analisando todos os que estavam presentes. Por último, viu uma mulher de rosto sério e expressão impenetrável. Reconheceu ali alguém de grande poder, mas ele não deu tanta importância a isso, julgando ser superior a todos.

-Bem, eu poderia ficar horas conversando com você, mas não posso deixar os meus amigos - E Voldemort fez um gesto largo, indicando os seus comensais, que mais pareciam chacais ansiosos. - esperando por muito tempo. Eles precisam de diversão.

-Ah, Milorde, como eu ansiava por ouvir isso. - A voz odiosa de Bellatriz foi ouvida.

-Mas... - E com um novo gesto da mão o Lorde conteve o ataque de seus servos. - Não matem as Sacerdotisas. Pelo menos não agora... Elas ainda me serão úteis.

E compreendendo que aquela era a deixa para atacarem, várias vozes proferiram diversas maldições. Jorros coloridos saíram disparando em todas as direções, ricocheteando no chão e incendiando árvores. Os membros da Ordem tentaram se defender conjurando escudos e algumas das maldições lançadas pelos comensais acabaram se voltando contra eles.

Rony havia sido atingido de raspão por uma azaração e seu braço sangrava profusamente, mas ele havia se desviado para o lado a tempo suficiente para não sofrer algo mais sério.

-Garota estúpida, me entregue a minha varinha! - Snape finalmente conseguiu sair do seu estado de letargia e vociferou para Tonks, que nesse momento rebatia um feitiço lançado por seu “tio” Rodolphus Lestrange.

-Tonks, você vai entregar a varinha para esse aí? - Rony berrou em meio à balbúrdia, parecendo incrédulo.

Mas sem titubear, a Auror jogou a varinha de Snape para o seu respectivo dono, que com uma agilidade impressionável, abateu um comensal rapidamente.

-Rony, agora não é o momento pra isso! - Hermione o repreendeu, enquanto conjurava um escudo para se proteger da azaração de Aleto. - Snape nos avisou sobre o que ele pretendia fazer...

O ruivo apenas deu de ombros.

Aquele não era o momento para discutir a conduta e a moral do seu ex-professor de Poções.

Gina puxou Eriu pela mão para trás de uma árvore e estava decidida a proteger a Grã-Sacerdotisa, que parecia tão desprotegida sem ter uma varinha em mãos. Mas Eriu não parecia temer a confusão e nem os cruéis servos do Lorde das Trevas, sendo que a sua única preocupação era chegar até a irmã caçula.

-Eu preciso ficar ao lado de Morrigan. - Eriu falou, um olhar firme e decidido, tentando se desvencilhar de Gina, que segurava o seu braço com firmeza.

-Eriu, você pode se ferir e... - Gina parecia exasperada - Por tudo o que há de mais sagrado, tente ficar aqui!

Gina lançou um olhar suplicante à mulher mais velha, antes de se lançar no meio da batalha, procurando Harry com os olhos. Ela saiu desesperada atrás do namorado, e viu que ele começava a se embrenhar no meio do bosque. Voldemort também havia sumido e Morrigan estavam caída em um canto, aparentemente desacordada.

Mas antes que Gina conseguisse alcançar o namorado, ela é cercada por três Comensais da Morte, que gargalhavam abertamente do desespero da garota.

-Veja o que temos aqui. - Uma voz grave e masculina falou por detrás da máscara de comensal. - A namoradinha do Potter. Até que o moleque tem bom gosto, hein?

-Conjunctivitus! ­- Ela gritou, apontando para o comensal mais próximo. O encapuzado levou as mãos ao rosto, tamanha era a agonia que sentia em seus olhos, o impedindo de ver adiante.

Os comensais que ainda estavam ilesos gargalhavam mais ainda e começaram a cercar Gina.

-Não se aproximem de mim.- Ela rosnou, o rosto tão vermelho quanto os seus cabelos.

-Veja, Rabastan, a mocinha sabe azarar. - Um deles abriu a boca para rir novamente, mas no instante seguinte caia estuporado no chão. Havia sido atingido pelas costas.

O único que ainda não havia sido azarado olhou para trás e se deparou com um Rony Weasley muito enraivecido, que apontava a varinha diretamente para o coração do comensal. Rapidamente os irmãos Weasley conseguiram imobilizar e inutilizar aqueles três comensais, deixando-os desacordados e com suas respectivas varinhas quebradas.

-Você está bem, Gina? - Rony perguntou, lançando olhares ansiosos para os lados, para tentar não ser pego desprevenido.

-Eu estou sim, mas pelo jeito você não. - A ruiva apontou para o braço do irmão que não parava de sangrar. - Deixe-me dar um jeito nisso. Ferula!

Depois de ver o seu braço ser envolvido por ataduras, que por enquanto conseguiram fazer o seu sangue estancar, Rony entrou novamente na batalha para ajudar os outros.


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Após ter sido esquecida pelo Lorde das Trevas, Morrigan foi se arrastando lentamente para um local seguro onde pudesse se recompor e pensar em algo que pudesse ajudar os outros naquela batalha, mas nada lhe vinha em mente. O seu cérebro estava embotado por causa dos inúmeros feitiços de tortura que havia recebido na noite anterior. Bellatriz havia se divertido imensamente em treinar a maldição Cruciatus na jovem Sacerdotisa.

Por um lado Morrigan estava aliviada em ver que Snape estava bem e que ele realmente se importava com ela, já que havia se dado ao trabalho de procurá-la. Aquele encantamento feito por ele havia sido realmente valioso. Mas se ela estava aliviada por um motivo, outro fator fazia com que um medo latente tomasse conta dela. Ver a sua irmã mais velha depois daqueles dias todos de separação e numa situação tão perigosa deixou Morrigan em pânico.

Quando Voldemort havia ordenado que ela o levasse para Avalon, ela não contestou as suas ordens, porque não tinha a intenção de obedecê-lo. Já que Voldemort não era capaz de invadir os pensamentos da Sacerdotisa, Morrigan achou que poderia enganá-lo e fazer com que este se perdesse no meio das brumas que protegem Avalon. Somente as Sacerdotisas conheciam o encantamento capaz de dissipar as brumas, então ela achou que assim, poderia deixá-lo preso num limbo em meio aos dois mundos.

Mas foi pega de surpresa quando encontrou Eriu e os demais no meio do caminho. Talvez se ela não estivesse tão ferida e apavorada, poderia ter direcionado sua visão à Avalon e avisado sua irmã do perigo que rondava a Ilha Sagrada.

Agora, Morrigan se arrastava lentamente, oculta pela sombra das árvores e tentava alcançar o local onde a irmã mais velha estava. Mas foi surpreendida ao escutar uma risada aguda e debochada às suas costas.

-Ora, queridinha, aonde você pensa que vai? - Bellatriz parou em frente à Morrigan.

“Se eu tiver que morrer vou morrer dignamente, como uma Sacerdotisa deve fazer”

Morrigan se ergueu com um pouco de esforço e encarou a comensal que retirava a máscara que ocultava o seu rosto.

-Vamos, se você quer tanto me matar, porque não faz isso logo? - Morrigan perguntou em desafio, um sorrisinho cínico nos lábios. - Ah, me esqueci que você é apenas uma serva que só sabe receber ordens e lamber o chão do seu mestre.

Bellatriz se surpreendeu com a ousadia da moça. Poucas pessoas a enfrentavam daquela maneira e sobreviviam para contar a história. A comensal jogou a cabeça pra trás e gargalhou. Gargalhou tanto quanto a sua pouca sanidade permitia.

-Calma, queridinha, eu apenas vou me divertir um pouco mais. - Bellatriz apontou sua varinha e proferiu a sua maldição favorita. - Crucio!

Morrigan voltou a sentir a tão conhecida dor lancinante em todos os membros de seu corpo. Aquela agonia crescente que penetrava em cada mínima parte de seu corpo e que parecia queimar os seus ossos. Ela fechou os punhos e mordeu os lábios com força, sufocando o grito de desespero que estava preso na sua garganta. O seu lábio começou a sangrar, tamanho era o esforço que Morrigan fazia para não gritar.

Por mais que tentasse resistir àquela maldição, as suas forças começaram a abandoná-la. Morrigan sentiu os seus joelhos cedendo, o seu corpo fraquejando, a vida escapando debilmente de seu corpo. Desabou no chão com o rosto voltado para a terra e com os olhos semicerrados viu Bellatriz circulando ao redor dela, com um sorriso de satisfação no rosto. A comensal sentia um prazer mórbido em ver o sofrimento de Morrigan.

Abaixando a varinha, suspendeu a maldição e se agachou ao lado da Sacerdotisa. O brilho de insanidade voltou a irradiar nos olhos de Bellatriz

-É realmente uma pena que o mestre queira você viva...

E enquanto Bellatriz falava, Morrigan conseguiu discretamente tirar o punhal que estava escondido no meio de suas roupas e com um golpe ágil a lâmina afiada fez um corte profundo no rosto da comensal que urrou de dor, sentindo o sangue jorrar por entre os seus dedos.

Bellatriz começou a praguejar os impropérios mais medonhos que conhecia. Sem se preocupar em cuidar do ferimento em seu rosto, ela se voltou para Morrigan, que a encarava.

-Já chega disso. - A mão com que Bellatriz segurava a varinha começou a tremer de ira. - Milorde pode até me castigar mais tarde, mas eu vou acabar com essa vadiazinha. Avada Ked..

-Estupefaça! - E antes que Bellatriz terminasse de proferir a maldição fatal, foi atingida por um feitiço que irrompeu de algum lugar atrás de Morrigan. O corpo da comensal foi arremessado por alguns metros, colidiu com uma árvore e desabou sem sentidos no chão, enquanto o seu rosto ficava encoberto pelo sangue que não parava de jorrar.

-É um prazer rever você, titia!

Respirando pesadamente, o corpo ainda dolorido e trêmulo, Morrigan ergueu um pouco a cabeça, olhou para trás e viu Tonks acenando para ela. Mas logo a sua vista turvou, a escuridão tragando os seus sentidos, e ela mergulhou numa confortável inconsciência.

-Tá tudo legal com você, Morrigan? - A Auror gritou. Mas não conseguiu se aproximar mais de Morrigan, pois outra dupla de comensais se pôs entre ela e a Sacerdotisa.

E por mais que os membros da Ordem da Fênix derrubassem alguns comensais, eles ainda estavam em minoria.

-Remus! - A Auror gritou para Lupin, que estava a poucos metros de distância. Com grande dificuldade ele conseguiu se aproximar dela. - Me dê cobertura aqui.

-O que você vai fazer, Nymphadora? - O homem franziu a testa.

-Eu vou mandar um aviso para a Ordem. - Ela explicou rapidamente, sem nem se importar por ter sido chamada pelo primeiro nome. - Não deixe que os comensais vejam a direção para onde o meu patrono vai, senão eles podem acabar descobrindo a localização da nossa Sede.

Lupin deu graças internamente por estarem longe o suficiente dos comensais para que estes não o escutassem. Tentou distrair os comensais que estavam ali, enquanto Tonks saia correndo para o meio da mata.

-Expecto Patronum!

Uma enorme criatura prateada irrompeu da varinha de Tonks e saiu correndo pelo meio das árvores, com o objetivo de avisar a Ordem da Fênix de que eles estavam em apuros. Mesmo estando numa situação complicada, Lupin não deixou de conter um sorriso ao ver o patrono de Tonks: Um lobo.

-Será que eles virão? - Lupin perguntou, ansioso, quando Tonks voltou.

-Eu espero que sim...


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Voldemort apenas observava a batalha, girando a varinha descansadamente entre seus dedos.

Um sorriso de cruel satisfação surgiu em seu rosto ao ver uma jovem ruiva procurando desesperadamente por Harry no meio das árvores. Ele caminhou sorrateiramente em direção à jovem, a varinha erguida, apontando diretamente para ela.

-Gina... - ele cantarolou, com sua voz fria.

A ruiva parou no local onde estava e se virou lentamente, até que finalmente encontrou Voldemort parado, encarando-a com os seus olhos vermelhos e viperinos.

Trêmula, ela ergueu a varinha e apontou para Voldemort.

-Você vai duelar comigo, menininha? - Ele parecia divertido com a situação. - E pensar que há alguns anos você me teve como seu confidente. Isso não é... curioso?

Gina olhou para os lados, mas viu que, na tentativa de encontrar Harry, ela havia se afastado muito dos outros e que agora ela e Voldemort estavam praticamente isolados.

-Avada Kedavra! - Ele proferiu com satisfação, mas devido a sua agilidade no Quadribol, Gina havia conseguido se desviar a tempo, jogando-se no chão.

-Uh, a garotinha quer brincar? Que pena, mas eu não tenho tempo pra isso.

E Voldemort apontou a varinha outra vez para Gina e proferiu a maldição da Morte. Mas Gina tinha o firme propósito de escapar e mais uma vez ela conseguiu se desviar a tempo.

-Deixe-a em paz!

Com um suave ‘pop’, Voldemort viu Harry surgir ao lado de Gina e apontar a varinha diretamente para ele.

-Ah, como o amor é um sentimento notável. - Voldemort gracejou, vendo Harry abraçar Gina. - Notavelmente inútil e patético.

-Gina, saia daqui agora. - Harry sussurrou para Gina, escondendo a garota com o seu próprio corpo. - A briga agora é entre eu e o cara de cobra.

-Eu não vou deixar você aqui. - Apesar da voz trêmula, o olhar de Gina era decidido.

-Sabe, Harry, na noite em que matei os seus pais, o seu pai agiu da mesma forma. - Voldemort falou. - Tão corajoso e tão nobre... tentou proteger a mulher e o filhinho...

Harry sentiu o seu corpo ser inundado de ódio.
-Gina, eu já disse pra você sair daqui! - Ele sibilou, se afastando da ruiva. - Será que eu vou ter que estuporar você?

-Ora, Harry, porque se importar com a garota? Se ela quer ficar aqui e morrer, é uma opção dela.

-Você quer a mim, não quer? - A dor em sua cicatriz era quase insuportável, mas Harry ainda conseguia manter a voz firme. - Então deixe a Gina em paz.

-Ahhh, Potter. - Voldemort abriu um sorrisinho. - O seu maior problema é achar que o mundo gira ao seu redor. Como se tudo o que eu desejasse fosse matar você, fedelho. Agora eu tenho um novo objetivo...

Gina tremeu, ao imaginar o que Voldemort falaria a seguir.

-Avalon!

“... Harry, tu que fostes marcado pelas mãos da própria Deusa, mostrou ser merecedor de receber uma Insígnia Sagrada de Avalon...”

-Você não vai entrar em Avalon! - Harry sibilou lentamente, proferindo cada sílaba com clareza, como que para mostrar o quanto aquilo o indignava.

Voldemort jogou a cabeça para trás e gargalhou. Aquela voz fria e debochada tinha um poder aterrorizante tão grande, que só isso já foi o suficiente para deixar Gina petrificada.

-É o que veremos. - Voldemort parou de rir e apontou a varinha para o casal. - Avada Kedavra!

Mas Harry foi mais rápido e conseguiu desaparatar, levando Gina com ele. Com um novo estalo, o casal reapareceu às costas de Voldemort, que pressentiu a presença dos dois facilmente. Com um forte empurrão, Harry jogou Gina para trás de uma árvore.

-Pare de se esconder, fedelho, e me enfrente como um homem.

Mal Voldemort havia dito isso e a terra tremeu. Logo as folhas das árvores começaram a se desprender de seus galhos, arrancadas por um vento forte. As folhas começaram a rodopiar num redemoinho violento, envolvendo Voldemort numa redoma de folhas e terra.

Gina arregalou os olhos. Nunca vira Harry conjurar um feitiço tão poderoso antes. Por uns breves momentos achou que Voldemort havia sido contido, mas com uma forte explosão, o redemoinho se desfez numa rajada de vento forte que fez com que ambos os bruxos cambaleassem.

-Muito bom, Potter, mas isso ainda não é o suficiente.

Vendo que Harry estava concentrado somente em Voldemort, Gina começou a se arrastar lentamente, mentalizando o feitiço mais poderoso que conhecia. Mas a movimentação da garota não passou despercebida aos olhos do Lorde Negro.

Os olhos de Voldemort irradiaram aquele mesmo brilho escarlate e com um farfalhar de suas vestes negras, ele desapareceu.

Harry piscou os olhos, mas Voldemort simplesmente não estava ali.

O rapaz olhou para trás e viu Gina caminhando lentamente em sua direção.

-Gina, você está bem?

O rapaz parecia confuso, mas em nenhum momento abaixou a sua varinha. Nunca o lema de Moody ficara tão forte em sua mente: “Vigilância Constante”.

Mas o olhar da garota estava diferente. Estava... maligno.

-Eu estou muito bem, Potter! - Em vez da voz doce e carinhosa de Gina, o que Harry ouviu foi um sibilo frio e sem emoção.

-Gina...

A garota gargalhou com deboche.

Harry foi capaz de ver um lampejo vermelho brilhando nos olhos dela. A dor em sua cabeça era muito mais intensa, superando tudo o que o rapaz já tinha sentido, pois não era só a sua cicatriz que doía, mas também o seu coração.

Gina estava apavorada. Sua única intenção era ajudar Harry, mas quando Voldemort desapareceu, sentiu algo estranho. Era como se estivesse presa em um pesadelo, mas aquilo superava qualquer pesadelo que ela já tivesse tido. E o pior, era que ela já havia conhecido aquela sensação. Sim, o seu corpo já reconhecia aqueles sinais. Sentir a sua razão dar lugar a uma entidade maligna, malvada e imperiosa. Sentir que aquilo exigia toda a sua força e não a deixava em paz. A mesma sensação que a tomou quando era apenas uma garotinha e fora possuída pela memória do diário de Tom Riddle.

E agora o seu corpo não abrigava só o seu espírito, mas também o espírito destroçado de Voldemort, que usava a sua imagem para perturbar Harry Potter.

-Vamos, me impeça de conseguir o que quero! - Harry ouviu aquelas palavras saírem da boca de Gina, mas sendo proferidas com desprezo.

-Deixe a Gina em paz! - Harry voltou a falar.

“Minha culpa... não, não, outra vez não”

O desespero tomava conta do jovem rapaz. Todos os seus esforços para deixar Gina em segurança haviam sido em vão. Ele sempre soube que mais cedo ou mais tarde Voldemort iria usar o sentimento que um sentia pelo outro, mas Harry fora fraco. O amor que ele sentia por Gina era tão intenso, que ele não fora capaz de ficar longe dela por muito tempo.

-Crucio!

Incapaz de deter Voldemort no corpo de Gina, Harry deixou a Maldição Cruciatus atingi-lo em cheio. Dor, raiva, ódio, arrependimento... vários sentimentos e sensações se fundiam no corpo e na mente do rapaz, que não sabia o que fazer naquele momento. Ele se sentia tão culpado...

-Deixe...ela... - Harry balbuciou, com o restinho de força que ainda tinha, antes de cair de joelhos.

-Você não ouviu o que o Harry disse? - Uma voz imperiosa foi ouvida. - Deixe a garota em paz!

Harry suspirou cansado. Viu Eriu caminhando de maneira segura pelo meio das árvores e em nenhum momento um único feitiço fora capaz de se aproximar dela.

-Eriu, volte pra lá! - Harry rugiu.

Voldemort parecia cada vez mais satisfeito. Ele não fora capaz de permanecer muito tempo no corpo de Harry há alguns anos antes, mas Gina parecia a hospedeira ideal. A garota era mais sensível, mas ao mesmo tempo poderosa...

Gina estava ficando cada vez mais fraca. Voldemort estava se alimentado das forças da garota e usando isso contra Harry. Ele não precisava ser um Legilimente poderoso para saber que os laços que uniam Harry à Gina eram grandiosos.

-Eu já disse para você deixa-la em paz! - Eriu ordenou novamente.

Com o pouco de lucidez que ainda lhe restava, Gina lamentou ter sido tão fraca a ponto de não saber fechar sua mente e ser manipulada por Voldemort outra vez. Eriu era tão boa e tão generosa, havia sido tão nobre na tentativa de ajudar ela e Harry. Não queria que a Grã-Sacerdotisa se ferisse. Aquela guerra não era dela.

E apesar de seu grande poder estar subjugando Gina, Voldemort sentiu um pouco daquela emoção, quando uma tímida lágrima brotou dos olhos castanhos da garota. Aquilo era demais pra ele, que nunca soubera lidar com emoções tão profundas. Abandonou o corpo da garota, deixando Gina caída no chão, respirando fracamente, mas ainda lúcida.

Quando o bruxo das trevas voltou a reaparecer em seu corpo viperino, Harry se ergueu, ainda trêmulo, e apontou a varinha novamente para Voldemort. Sentiu algo duro incomodando as suas costas e somente quando o tocou, lembrou-se de Govannon.

Por breves segundos, Harry havia se esquecido da presença de Eriu, tamanha foi a sua surpresa ao constatar a presença da Insígnia Sagrada ali, junto dele.

A Grã-Sacerdotisa encarava Voldemort nos olhos, uma fúria gelada estampada em seu rosto transformado. Nunca Eriu havia sentido tanto ódio na vida. Odiava aquela criatura deturpada que estava a sua frente. Odiava o modo como ele usara as pessoas que lhe eram queridas para um objetivo nefasto. Odiava o seu olhar maligno e a sua voz fria.

Mas antes que ela pudesse falar algo novamente, foi atingida por uma azaração que a derrubou ali mesmo.

-Eu poderia matá-la agora mesmo, mas assim eu não poderia entrar em Avalon. - Voldemort falou suavemente, perto do ouvido da Grã-Sacerdotisa. - Seja um pouco mais esperta e colabore comigo. Eu não irei prejudicar os outros se tiver a sua colaboração.

Eriu sentiu a sua vista turvar e o corpo enfraquecido.

-Eu nunca abrirei a passagem para a Ilha Abençoada. - Eriu falou. - O Santuário de Cerridwen não será profanado por você.

Voldemort parecia entediado com as palavras da Grã-Sacerdotisa.

-Os seus deuses estão mortos, minha cara Senhora. - o Lorde falou. - Onde estão eles agora, que as suas Sacerdotisas e o seu templo sagrado estão em perigo?

A voz debochada e cheia de sarcasmo deixou Eriu enraivecida, mas Voldemort não deu importância a ela, concentrando as suas atenções em Harry Potter.

O rapaz erguera-se novamente, pronto para tentar duelar com Voldemort.

-Potter, porque você não desiste? - Voldemort parecia quase gentil. - Você não vai conseguir me vencer. Nunca. Você é apenas um garotinho medíocre, que sempre tem mulheres e velhos defendendo-o. - Nisso ele apontou Gina e Eriu, com um gesto displicente.

Harry deu uma olhada rápida ao redor, na batalha que ainda acontecia de maneira feroz ao seu redor. Rony parecia ferido, mas em nenhum momento demonstrava cansaço, assim como Hermione, que com feitiços ágeis e bem lançados, atordoava alguns comensais. Lupin e Tonks como membros mais velhos e experientes da Ordem da Fênix sabiam se defender. E Snape... bem, os conhecimentos de Snape em artes das trevas eram realmente preciosos. Só o mestre em poções havia conseguido abater cinco comensais de maneira dolorosa.

Mas apesar disso, os amigos de Harry davam mostras de fadiga e cansaço. Ele não sabia dizer quanto tempo mais eles conseguiriam resistir.

-Potter, eu sei que você está cansado e quer o bem dos seus amiguinhos... - A voz sibilante chegava aos seus ouvidos e Harry não soube dizer se Voldemort falava normalmente ou se era na língua das cobras. - Entregue-se... Isso só vai facilitar as coisas.

“Estará ele pronto para empunhar uma Arma Sagrada? Estará ele pronto para cumprir sua missão?”

Harry lançou um feitiço que atingiu Voldemort em cheio e que o lançou a alguns metros de distância.

Agora o duelo entre os dois havia começado de verdade.

Do lugar onde estava caída, Eriu viu a fúria estampada no rosto de Harry. O modo feroz com que os feitiços e maldições eram lançados e rebatidos. Mas ela sabia que o eleito não seria capaz de resistir por mais tempo. Ainda não havia chegado o momento de Harry enfrentar Voldemort cara-a-cara. O duelo final só poderia acontecer após a destruição dos fragmentos da alma nefasta daquele ser. Ela viu o rapaz tatear as costas, no lugar onde a Insígnia Sagrada estava escondida.

“Não, Harry, o momento ainda não chegou...”, a Grã-Sacerdotisa pensou fervorosamente, desejando que Harry ouvisse aquela mensagem mental. Talvez o poder de Eriu fosse realmente grande a ponto daquilo ter acontecido, mas no momento em que ela pensou isso, Harry retirou a mão rapidamente das costas, deixando Govannon oculta.

Mas ao mesmo tempo em que Eriu ficava aliviada em ver isso, por outro lado ficou apreensiva: os conhecimentos de Voldemort em artes das trevas eram realmente extensos e Harry já estava perdendo as forças.

-Morrigu, Senhora das Ravens, me auxilie nesse momento de dificuldade! - Eriu se empenhou na prece mais fervorosa de sua vida. - Morrigu, eu invoco sua presença aqui, neste momento. Não me abandones, Senhora!

A Grã-Sacerdotisa proferiu aquela prece com ardor, empregando toda a sua força, toda a magia que corria em suas veias. Todos os anos de dedicação e zelo deviam servir de alguma coisa. De que valia ter entregue sua vida à uma crença sendo que isso não poderia lhe ajudar mais tarde?

Silêncio. Como se o tempo tivesse sido congelado, Eriu via o duelo entre os dois bruxos à sua frente ocorrendo em câmera lenta. Não era capaz de ouvir mais nada, nem mesmo o ruído de sua própria respiração.

Mas logo, ela viu algo se movimentando no céu azul e sem nuvens. Um ponto negro foi se aproximando e se aproximando, até ficar visível aos olhos de Eriu. Era um enorme corvo negro, que após voar em círculos algumas vezes sobre o local onde a batalha se desenrolava, pousou ao lado de onde a Grã-Sacerdotisa estava caída.

-Eriu, filha do bom deus, o que queres de mim? - o corvo perguntou.

-Morrigu... Senhora... - Uma lágrima desceu sobre o rosto de Eriu. - Harry... ainda não chegou o momento dele. Ajude-o...

-Eu já fiz demais por esse rapaz. - O corvo respondeu. - Ele já tem a Arma Sagrada.

Outra lágrima desceu sobre o rosto de Eriu.

-Senhora minha... Avalon está em perigo... Se Harry não sobreviver, não sei o que será do seu santuário.

O corvo crocitou algumas vezes, dando a impressão de que estava gargalhando.

-O meu templo está em todos aqueles que ainda acreditam nos velhos ritos!

-Eu sei, mas... por favor, ele ainda não está preparado... ele tem uma missão a cumprir ainda...

-Caso eu o ajude, o que terei em troca? - A voz do corvo era implacável.

-Eu entrego a minha vida, minha Senhora. - Eriu falou solenemente. Ela tirou o punhal que estava preso na sua cintura e fechou os olhos. Fez um corte em sua mão direita e um filete de sangue brotou do corte, escorrendo pela sua mão e gotejando no chão de terra.- Eu entrego o meu sangue para a segurança de Avalon e do seu campeão.

Quando Eriu voltou a abrir os olhos, o corvo havia desaparecido. Uma força arrebatadora tomou conta dela, e a Grã-Sacerdotisa havia se esquecido quem era. Naquela hora, ela era a Deusa e a Deusa era ela. Ambas estavam presas no mesmo corpo e era impossível separar a essência irresistível de Morrigu do corpo fragilizado de Eriu.

E quando esta se ergueu, já não tinha o olhar terno da irmã mais velha de Morrigan e nem o carinho da mãe de Dylan. Muito menos a expressão solene da Grã-Sacerdotisa nos rituais no alto do Tor. A única coisa que ela tinha era fúria...

Caminhou novamente em direção à Voldemort. Este não lhe deu atenção. Estava compenetrado em aplicar a maldição cruciatus em Harry, que já estava quase perdendo os sentidos, de tão fraco que estava.

-Tom...

Voldemort escutou uma voz fria e debochada pronunciar o seu nome de batismo. Suspendeu a maldição que atingira Harry e se voltou, vendo Eriu caminhar em sua direção.

Mas ao contrário de antes, onde Eriu transpirava fúria e indignação por todos os poros, agora ela parecia estranhamente calma. Calma e fria como uma manhã de inverno, mas ainda assim inexorável.

Ele apontou a varinha para ela novamente e lançou outra maldição contra ela. Mas a única reação dela foi soltar uma lenta, debochada e fria gargalhada, que em nada combinava com ela.

Voldemort parecia curioso e um pouco espantado.

-O que você quer, mulher?

-Você já sabe o que eu quero, Tom! - Ela respondeu, parando em frente à Voldemort e encarando-o nos olhos.

-Não me chame de Tom. - Ele sibilou letalmente. - Eu sou Lord Voldemort!

A entidade que se apossara do corpo de Eriu gargalhou novamente.

-Vá embora, Milorde. - A frase foi pronunciada com desdém. - Eu não deixarei você conseguir o que quer.

A varinha nas mãos de Voldemort soltou faíscas verdes.

-E quem você pensa que é para me impedir de algo?

Os olhos de Eriu escureceram. Não havia mais o brilho reconfortante nas íris cinzentas, mas apenas um olhar mortiço e negro, como um poço sem fundo. Lá dentro havia apenas escuridão, loucura, medo, agonia, morte...

-Eu sou aquilo que você teme, Tom... - A voz fria da mulher sussurrou suavemente. - Aquilo que você sempre tentou vencer...

-Mulher, você está louca! - A voz de Voldemort era debochada, mas havia uma pontinha de apreensão.

-Estou? - No rosto dela, o seu sorriso era apenas um esgar de sarcasmo. - Eu não sou apenas uma mulher. Sou mais do que isso, muito mais... Você sabe do que eu falo, Tom Riddle.

As íris vermelhas de Voldemort brilharam novamente, as fendas no lugar de suas narinas dilatando exaltado. Ele olhou ao redor e viu que com um farfalhar de capas esvoaçantes, alguns bruxos começavam a aparatar: outros membros da Ordem da Fênix.

Após receber a mensagem de Tonks, Moody, Arthur Weasley e Kingsley Shacklebolt foram prontamente acudir os amigos. Com ânimo redobrado, agora eles duelavam em pé de igualdade.

Moody parecia ainda mais feroz, duelando com três bruxos ao mesmo tempo. O seu olho mágico girava descontrolado em sua órbita e ele conseguia impedir com antecedência os feitiços de seus inimigos antes que estes o atingissem.

Sem conseguir conter a sua fúria, Voldemort apontou a sua varinha para Eriu:

-Avada Kedavra!­

Harry arregalou os olhos, mas a mulher permaneceu de pé. Ela sorria em desafio, deixando Voldemort cada vez mais surpreso. Vendo que os seus Comensais estavam sendo vencidos, alguns destes feridos e outros desaparatando, ele deu uma última olhada ao redor, em Harry que parecia surpreso com a postura de Eriu e na mulher (se é que era mesmo uma simples mulher) que estava a sua frente.

Sem pronunciar uma única palavra, o Lorde desaparatou, deixando o que restou de seus servos para trás. Se eles fossem competentes o suficiente, conseguiriam escapar.

Harry sentiu a sua cicatriz arder uma última vez, sentindo uma pouco da ira e frustração que acometera Voldemort. Sentia náuseas, como se uma coisa muito quente e amarga estivesse subindo pelo seu estômago. Apoiou-se numa árvore e se levantou, indo ver se Gina estava bem. A garota estava sentada a alguns metros de distância, respirando regularmente, mas exibindo uma palidez significativa.

-Gina... - O rapaz murmurou, abraçando o corpo dela com cuidado, para não machucá-la mais. - Me desculpe... eu não consegui protege-la...

-Você não quer discutir isso agora, né? - Apesar da voz não ser mais do que um sussurro rouco, um pouco da vitalidade da garota havia voltado. - O que foi que aconteceu? Onde está Eriu?

Harry ajudou Gina a se levantar e quando olhou adiante viu a Grã-Sacerdotisa caída no chão.


~~//~~//~~//~~


Enquanto isso, Snape se esgueirava discretamente por entre as árvores, como se fosse uma sombra. Na falta de um termo mais adequado para definir a sua situação, ele sabia que estava ferrado. Havia ajudado a Ordem da Fênix a conter os Comensais da Morte, mas ainda era um foragido do Ministério da Magia. Mais do que nunca ele se tornara um pária. Mas ele tinha um objetivo e não iria embora dali sem conseguir alcançá-lo: Morrigan.

A Sacerdotisa estava desacordada, perto do local onde Bellatriz fora estuporada.

O bruxo se inclinou sobre o corpo de Morrigan, quase com reverência. Encostou o ouvido no peito dela e escutou o coração dela bater regularmente, e sentiu a sua respiração fraca. Apesar de estar mortalmente pálida, Morrigan estava apenas desacordada.

-Enervate! - Snape sussurrou suavemente, apoiando a cabeça da moça em seu colo.

E aos poucos, a jovem começou a se mover, voltando à consciência. Piscou repetidas vezes, sentindo o seu corpo dolorido e machucado.

-Ah, Severus! - Ela o envolveu em um abraço forte. - Eu não acredito que você está bem e está vivo...

Snape se remexeu incomodado. Precisava sair logo dali e levar Morrigan com ele.

-Escute, nós temos que sair daqui logo. - Ele sussurrou. Afastou-se do abraço e se levantou, tentado ajudar a moça a se erguer também.

-Mas, porque? - Ela franziu a testa, confusa. Olhou ao redor e viu Harry e Gina acudindo uma pessoa que estava caída.

-Não discuta, Morrigan! - Snape sibilou, estreitando os olhos para Morrigan. Fechou os seus dedos longos e finos ao redor do pulso da moça, disposto a desaparatar e levá-la com ele. Mas com um puxão brusco Morrigan se desvencilhou dele.

-Pare com isso, Severus!

Ela também estreitou os olhos para ele. Viu que a pessoa que estava sendo amparada por Gina era sua irmã mais velha. Lançou um olhar gelado a Snape e foi em direção à Eriu. Snape puxou Morrigan pelo braço, mas a Sacerdotisa parecia determinada a ver sua irmã.

-Não encoste a mão em mim! - Ela rugiu, apontando o seu punhal ensangüentado para Snape. - Eu preciso ver Eriu!

E saiu a passos largos dali, ajoelhando-se ao lado do corpo de Eriu. Gina chorava baixinho, abraçada a Harry.

-Eriu... - Morrigan chamou.

Com um pouco de dificuldade a mulher abriu os olhos. A presença sombria de Morrigu já não estava mais ali, mas apenas a Grã-Sacerdotisa de Avalon. O olhar dela parecia enevoado e demorou um pouco para encontrar os olhos de Morrigan.

-Minha fadinha... - A voz de Eriu não era mais do que um sussurro.

Morrigan tomou a mão de Eriu entre as suas e levou-a aos lábios.

-Veja, nós nos encontramos novamente, irmãzinha... - Eriu sorriu fracamente. - Fico feliz em ver que você está bem, eu precisava saber disso antes de partir.

-Partir? Mas do que você está falando? - A voz de Morrigan saiu embargada. - Eu vou levar você de volta para casa. Vou cuidar de você e vai ficar tudo bem...

-Morrigan...

-Sim, eu voltarei para casa para cuidar de você, minha irmã - Morrigan falava, mas a sua voz estava começando a falhar, entrecortada por alguns soluços.

Sentindo-se constrangido demais para raciocinar, Snape sentiu uma varinha lhe cutucando as costas. Quando olhou para trás, viu Shacklebolt empunhando a varinha para ele. O auror parecia implacável, pronto para desferir uma azaração em Snape.

-Não, Kingsley!

Shacklebolt parecia surpreso, quando viu Lupin e Tonks andando em sua direção. Depois de terem amarrado e amordaçado os comensais que haviam sido estuporados (entre eles estavam o casal Lestrange) e que seriam enviados a Azkaban, o casal viu que Shacklebolt iria fazer o mesmo com Snape.

-Severus nos ajudou hoje! - Lupin falou. - Não sei qual foi o motivo que o levou a fazer isso, mas não sei o que seria de nós sem a ajuda dele.

Snape fechou a cara. Já estava ficando nauseado só de imaginar o discurso que viria a seguir. Odiava quando Lupin começava com aquele discurso sobre nobreza e caráter.

Shacklebolt parecia incrédulo.

-Mas ele é um foragido do Ministério! - O bruxo negro bradou com sua voz grave. - Ele matou Dumbledore.

-Escute, Kingsley! - Lupin parecia estar dando uma explicação sobre uma matéria particularmente complicada de escola. - Vamos interroga-lo nós mesmos, ok? Snape tem coisas demais para nos explicar. Essa aparição dele foi estranha demais.

Aproveitando que havia sido esquecido no meio da discussão entre Lupin e Shacklebolt, Snape se aproximou do local onde Morrigan estava. Tocou gentilmente o ombro da moça, num pedido mudo de desculpas.

O olhar de Eriu se desviou de sua irmã e pousou na figura sombria de Snape. O bruxo se sentiu incomodado com aquele olhar penetrante.

-Morrigan... é ele? - Eriu perguntou à Morrigan, sem desviar o olhar de Snape.

A Sacerdotisa apenas assentiu afirmativamente. Com um gesto imperioso, Morrigan chamou Snape, fazendo com que ele se ajoelhasse ao seu lado.

-Severus, pela Deusa, me ajude aqui! - Morrigan parecia febril, tentando erguer o corpo da irmã.

Snape encarou a mulher agonizante e seu olhar demonstrava respeito.

-Existe algo que eu possa fazer? - Ele perguntou, fazendo com que Harry se surpreendesse com isso. Naquele momento, os dois bruxos que sempre viveram em pé de guerra, estavam solidários com a dor e com o sofrimento das duas Sacerdotisas.

-Sim... - Eriu parecia mais lúcida. Os seus olhos cinzentos olhavam de Morrigan para Snape. - Cuide de minha irmãzinha!

-Sua irmã? - Snape olhou para Morrigan e depois para Eriu. As duas mulheres pareciam ser completamente diferentes, mas havia algo mais intenso que os laços de sangue que as unia: o amor e respeito de outras vidas.

Eriu tomou as mãos de Snape e de Morrigan, que começara a chorar, entre as suas.

-Não chore, Morrigan! - Eriu falou. - Eu não me arrependo do que fiz. Entreguei a minha vida à Deusa por uma causa em que acreditava... vou embora em paz. Agora você... você tem uma missão aqui no mundo de fora. - E ela olhou para Snape. - Você ainda tem muito que viver.

Soltou uma das mãos e tocou o ventre de Morrigan.

-Você ainda terá os seus filhos, irá conhecer a doçura de ser mãe. - O olhar da Grã-Sacerdotisa voltava a ficar vago. A voz dela soava etérea e sobrenatural; com o que restava de suas forças ela estava em transe, tendo a Visão.

Snape olhou espantado para Morrigan.

Eriu percebeu isso e sorriu um sorriso triste.

-Não, não é para já.

-Eriu, não fale assim! - Morrigan não conseguiu conter um soluço.

Gina escondera o rosto no peito de Harry e chorava baixinho. O rapaz afagava os cabelos da namorada mecanicamente. Estava confuso, cansado, totalmente estupefato. Quantas pessoas ainda iriam morrer na sua frente por causa de Voldemort? Por que tinha que ser assim?

-Harry... - O rapaz se sobressaltou ao ouvir a voz de Eriu o chamando. - Não se culpe mais. O que aconteceu foi uma opção apenas minha. Foi o preço que paguei para a segurança do meu lar.

O rapaz abriu a boca para retrucar, mas um gesto de Eriu o conteve.

-Eu sei que de certa forma o impedi de usar Govannon. - Ela continuou falando. - Mas não era o momento de você usar esse poder. Não... A Insígnia Sagrada é para um momento decisivo. Você saberá quando isso acontecer...

-Senhora... - A voz de Harry soou embargada.

-Que a Deusa abençoe vocês... - Eriu apertou as mãos de Snape e Morrigan com firmeza mais uma vez. Logo o toque foi se afrouxando, assim como os olhos da Grã-Sacerdotisa foram perdendo o brilho, fitando o céu com uma expressão vazia.

E com o último sopro de vida que restava em seu corpo, Eriu sorriu...

Longos minutos se passaram, sem que ninguém ousasse quebrar o silêncio.

Morrigan abraçara o corpo inerte de Eriu, como se assim, fosse capaz de reter a vida da irmã, mas sabendo que os seus esforços eram inúteis.

Depois de um tempo Morrigan se afastou e secou as lágrimas que banhavam o seu rosto.

-Preciso levar o corpo de Eriu para Avalon! - A voz segura dela contrastava com a sua aparência destroçada. - Severus, você pode me ajudar?

O bruxo meneou a cabeça em concordância.

-Nós também queremos ajudar. - Gina falou.

-Mobilicorpus!

O corpo de Eriu ergueu-se alguns metros acima do solo por um feitiço feito por Harry.

Como um cortejo, os bruxos que estavam em Avalon, acompanhados por Snape e pelo Sr. Weasley tomaram a trilha que levaria ao lago, enquanto Shacklebolt e Moody ficaram encarregados de avisar o Ministério que havia alguns comensais rendidos e leva-los à prisão dos bruxos.


~~//~~//~~//~~


Depois do que pareceram horas intermináveis, o grupo de bruxos chegou ao lago.

Morrigan caminhava à frente, guiando o caminho deles, ocultando a sua dor por detrás de uma máscara de força que ela não possuía no momento.

-O que nós vamos fazer agora? - Hermione sussurrou pra Gina, as duas com os olhos muito vermelhos.

-Severus, eu preciso de um barco. - Morrigan falou. - Não sei se sou capaz de chamar os barqueiros mais uma vez.

Com um gesto largo da varinha de Snape, um pequeno barco surgiu na frente deles. Rony e Harry o colocaram na margem do lago e com um novo feitiço, o corpo de Eriu pousou suavemente ali.

As lágrimas silenciosas voltaram a brotar dos olhos escuros de Morrigan e com voz doce, ela começou a entoar uma canção.


Cast your eyes on the ocean
Leve seus olhos para o oceano
Cast your soul to the sea
Leve sua alma para o mar
When the dark night seems endless
Quando a noite sombria parecer sem fim
Please remember me
Por favor, lembre-se de mim.



A brisa soprou mais forte e começou a empurrar o barco para dentro do lago. Aos poucos o barco foi sumindo e sumindo. O ruído suave do vento acompanhava a voz de Morrigan, enquanto as águas levavam a barca para o meio do lago.


Breathe life into this feeble heart
Sopre vida nesse coração débil
Lift this mortal veil of fear
Rasgue a veia mortal do medo
Take these crumbled hopes, etched with tears
Leve essas esperanças despedaçadas, cavadas pelas lágrimas.
We'll rise above these earthly cares
Nos elevaremos acima de tais desvelos terrenos



E o inesperado aconteceu. As brumas que pairavam acima do lago se dissiparam, abrindo passagem para a chegada de sua Senhora.

-Eriu...

Morrigan escondeu o rosto no peito de Snape e começou a chorar convulsivamente. Ela não viu as brumas voltarem a baixar sobre o lago, quando o corpo da Grã-Sacerdotisa do templo chegou à outra margem do lago.

O Sr. Weasley não sabia o que fazer. Tinha chegado a pouco tempo, não presenciara boa parte da batalha e nem sabia nada sobre as atitudes de Eriu, mas permaneceu em silêncio, em sinal de respeito.

Depois de um certo tempo, ele se voltou para os filhos. Era impossível esconder o alívio que sentia ao vê-los bem, apesar do momento.

-Ronald, Gina! - Ele os chamou. - É melhor irmos. Pode ser perigoso ficarmos aqui por mais tempo.

Todos concordaram.

O patriarca dos Weasley tirou algo de dentro das vestes e tocou com sua varinha.

-Portus!

O objeto foi tomado por um brilho azul e tremeu.

Os bruxos se olharam constrangidos, simplesmente por causa da presença de Snape ali. Ele bufou irritado e entregou a varinha.

-Eu já estou ferrado mesmo! - Ele murmurou.

E quando todos tocaram no objeto encantado, foram transportados para a nova Sede da Ordem da Fênix.


~~//~~//~~//~~


Sobre o capítulo: Ok. Agora podem me xingar...
Well, eu não fiquei nada feliz em ‘matar’ a Eriu, afinal, ela foi uma das personagens que eu mais gostei de criar, mas a morte dela teve um propósito e mais tarde vocês compreenderão o que se passa na minha cabeça.
Tenho que dar algumas explicações:

Raven: Significa Corvo

Morrigu: A Morrigu era tida como a Grande Rainha, Senhora Suprema da Guerra, Rainha dos Fantasmas e Rainha Espectro, pois possuía forma mutável. Reinava sobre os campos de batalha, ajudando com sua magia. Representa o aspecto idoso da Deusa Tríplice, sendo associada aos corvos e gralhas. Patrona das Sacerdotisas e Feiticeiras.

A música que usei no final do capítulo é "Dante's Prayer" da Loreena McKennitt.

Eu coloquei aquela parte estranha entre a Morrigu (possuindo o corpo da Eriu) com o Voldemort pelo seguinte: eu precisava espantar o Voldie de algum jeito (risos) e eu acho que a coisa que o Voldie mais teme é a morte, logo, a presença da Morrigu seria capaz de deter o malvado vilão. Espero que não tenha ficado muito sem noção, mas... sei lá, foi o que surgiu na minha mente perturbada.
Enfim, só temos mais um capítulo pela frente, além do epílogo, que não será muito longo.
Um agradecimento especial à André Arievilo, o meu querido beta, que me ajudou MUITO com esse capítulo, fazendo com que eu não deixasse alguns detalhes mal explicados.
Bem, se você leu até aqui, agradeço a paciência por causa da demora desse capítulo. Pra compensar, ele foi bem longuinho (na verdade, o mais longo da fic). Agradeço também os comentários, votos, emails, scraps e afins. Muito obrigado mesmo.
Grande beijo, bom final de domingo e nos vemos no capítulo final dessa história.

Ps: Abri um tópico na comu para discutirmos esse capítulo, please, apareçam por lá. A moderadora da comu está chateada pela ausência de vocês ;-)

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