Pisada, Ron!



No outro dia, no trabalho, Ron foi até o gabinete de Ammya.


— Bom dia, Ammy.


— Olá, Ron – cumprimentou a cunhada com um sorriso. – Tudo bem? Como está a Hermione?


— Tudo, ela está legal. Escuta, será que você não teria um pouco de poção Polissuco aí? Vou precisar para uma missão.


Ammy não estranhou o pedido – os aurores estavam acostumados ao uso constante dessa poção.


— Acho que posso te dar um pouco. Mas se é pra uma missão, porque você não pede á chefia? – a garota questionou, entregando um vidrinho a ele.


— Ah, toda aquela burocracia... Eu já gastei minha cota do mês – explicou ele, levemente corado. – E não pode trazer da loja pra mim uma Vomitilhas amanhã? – ele acrescentou, puxando do bolso alguns nuques de bronze, que Ammya recusou com um gesto.


— Não precisa pagar, não; dou um jeito de contrabandear umas pra você, George não vai ligar. Também precisa delas para a missão?


Ron hesitou um instante antes de responder.


— Na verdade, são para uma brincadeira que quero fazer com um rapaz.


— Ron, Ron, você não muda mesmo, não é?! – disse a garota, com um sorriso simpático.


Ronald deu um sorriso constrangido e saiu dali, deixando os nuques com ela, a despeito do que ela tinha dito.


Dia seguinte, como prometido, Ammy trouxe as Vomitilhas. Mas Ron só foi fazer uso delas na quinta-feira, seu dia de folga.


Ele saiu de casa bem cedo nesse dia, Hermione ainda dormia. Levando no bolso o que pedira a Ammy, postou-se na frente do Profeta Diário. Viu cada pessoa que chegava, desde a zeladora que abriu o prédio. Por volta das 8h, ele viu Hermione vindo e escondeu-se na loja que ficava em frente. Cinco ou dez minutos depois, ele e Wilfred Reed se aproximando e o chamou.


— Ei, Reed!


O rapaz olhou para ele, surpreso, aproximando-se ressabiado.


— O que quer comigo? – perguntou, de cara.


— Nossa, mas como você parece abatido... – Ron fez cara de espanto. – Está tudo legal? – perguntou com jovialidade, botando uma bala na boca. – Quer uma? – ofereceu. Reed pegou uma, distraidamente, e colocou-a na boca também. Talvez não o tivesse feito, se reparasse que Ron tinha disfarçadamente cuspido a sua.


— O que quer comigo? – repetiu o poeta.


— Devia ir para casa... – comentou Ron. Como o outro o olhasse com impaciência, retirou um envelope de papel pardo do bolso e entregou-o a Wilfred. – Hermione saiu apressada e esqueceu isso. Queria que entregasse pra ela, parece ser importante.


— Por que não entregou na recepção?


— Eu ia fazer isso, mas vi você chegando e como sabia que com certeza você vai encontrá-la... Não é?


Wilfred abriu a boca pra responder, mas ao invés de palavras um jorro de vômito saiu de sua boca. Ron pôs uma mão no ombro dele.


— Está tudo legal, cara? Olha, tem uma farmácia ali adiante... – Ron fingiu um ar grave e preocupado. Wilfred tentou responder mas foi de novo impossibilitado de fazê-lo pelo mesmo motivo. Largou então o envelope e saiu correndo.


Com um sorriso debochado no rosto, Ron tirou do bolso um vidrinho e derramou, ou melhor, jogou lá dentro um fio de cabelo negro. A poção (porque era isso que o vidrinho continha) borbulhou e adquiriu um tom arroxeado. Ron retirou-se para um canto mais escuro e bebeu-a. Instantes depois saía desse canto uma réplica exata do poeta Wilfred Reed. Ron apanhou as coisas de Reed, que ele largara no chão ao passar mal, e entrou no Profeta Diário.


— Hermione está na sala dela... Lucy? – perguntou à bruxa da recepção, lendo o nome dela no crachá. Ela ergueu os olhos da lixa de unha.


— Está sim, Willie. A propósito, vai ter um sarau na segunda à noite, o que acha de...


— Conversamos sobre isso mais tarde, ok? – ele interrompeu. “Esse Reed é mais canalha do que eu pensava”, considerou, entrando na sala da esposa. Hermione estava de pé, examinando uns papéis com ar preocupado, de costas para a porta. Lançou um olhar por cima do ombro quando Ronald entrou.


— Ah, é você, Wilfred – arrumou os papéis e virou-se para encará-lo. Ron fechou a porta atrás de si e Hermione lançou-lhe um olhar surpreso, indo até a porta e entreabrindo-a. Ron achou prudente não fechá-la de novo.


— Espero que já esteja com a máquina em ordem – continuou ela, pausadamente, sem tirar os olhos perscrutadores do rosto dele, – temos que sair.


— Isso pode ficar para depois – disse. Hermione ergueu vivamente as sobrancelhas, cruzou os braços e ficou a examinar o garoto em silêncio, o rosto sério, enquanto ele falava. Ron não ficaria tão nervoso assim em frente do Ministro, suava e tremia ligeiramente, mas continuou falando: – Precisamos conversar, Hermione... sobre nós. Você sabe que há muito tempo eu te amo. Agora simplesmente não posso suportar mais...


— Sr Reed, eu já lhe disse... – interrompeu Hermione, friamente; de repente, porém, seus olhos se iluminaram e ela calou-se, com um sorriso torto que não se estendia aos olhos dela.


Animado por esse tom frio usado pela esposa, Ron passou para o teste final.


— Não posso mais, Hermione... – repetiu, e beijou-a. Esperava e queria que Hermione lhe empurrasse, ou batesse, ou gritasse por socorro; mas a garota não ofereceu nenhuma resistência. No instante seguinte, Ron recuou exaltado, vociferando:
            — Eu sabia! Eu sabia que você m... trairia seu marido na primeira oportunidade! – ofegava; mas controlou-se, intentando continuar com a farsa para ver até onde iria, medir a extensão da traição de Hermione. Ele ajoelhou-se. – Fuja comigo – pediu. – Eu te levo para longe, ninguém vai nos encontrar, ninguém vai nos aborrecer, seremos só nós dois...


Então ele percebeu que Hermione ria. Era um riso amargo, e seus olhos estavam rasos d’água. A mulher vociferou, cuspindo as palavras:


— Você é ridículo, Ronald Weasley! – ele levantou-se:


— Como...? – balbuciou.


— Como?! Como você pôde pensar que eu te trairia, seu estúpido? Como ficou tão cego a ponto de achar que eu não te reconheceria? Eu sou casada com você, te conheço desde os onze anos, conheço sua expressão, sua linguagem, seus maneirismos, seu beijo... – ela agora chorava abertamente, e estava visivelmente transtornada. – Como você pôde se sujeitar a essa humilhação? Achou mesmo que...? Olha, saia daqui! – ela ordenou, apontando a porta e batendo com um pé no chão; obviamente contendo a raiva, desviou o olhar do garoto para a mesa. – Vá embora e me deixe trabalhar em paz, eu não quero mais te ver, em casa a gente conversa.


O garoto não ousou desobedecê-la. Sem falar e sem olhá-la, saiu do prédio, abatido. Nem deu atenção aos chamados de Lucy. Já passara um bom tempo desde que tomara a poção – dali a pouco ele voltaria a ter sua própria aparência.


Aparatou em casa. As perguntas de Hermione ecoavam em sua cabeça. Agora se sentia realmente um estúpido, um ridículo, e não podia acreditar que duvidara da esposa, que tinha pensado realmente que ela o traía. Temia o confronto da noite e previa suas possíveis consequências. Por mais compassiva que Hermione fosse (e ela não era tanto assim) não poderia perdoar aquilo. Fora uma desconfiança cruel e suja. Se tivesse se dado o contrário, se Hermione tivesse feito aquilo com ele, ele se sentiria por demais ofendido.


Ele não conseguiu fazer nada a tarde toda. Ficou perambulando pela casa, começando a fazer muitas coisas mas não terminando nenhuma. Quando a garota chegou, ele estava na sala. Esperou um instante ali, depois de ouvir o barulho da porta, mas como ela não veio, foi procurá-la. Chegou no corredor a tempo de vê-la sumir na escada com passo firme, ainda vestindo o sobretudo. Segui-a até o quarto e parou na porta, segurando o umbral com uma das mãos.


A garota abrira uma mala e jogava suas coisas dentro dela, indiscriminadamente, sem olhar por qualquer arrumação. Tinha no rosto uma expressão determinada e não desviou a atenção da mala quando o marido se aproximou. Ficaram assim por um tempo.


— Aonde você vai? – perguntou o garoto, rompendo o silêncio incômodo.


— Para a casa da minha mãe – houve novo silêncio, durante o qual Hermione continuou a jogar coisas na mala, chamando-as de toda a casa com auxílio da varinha. Ron deu um passo para dentro do quarto.


— Não vá, Mione – pediu em voz baixa, comovida. Hermione ergueu os olhos.


— Me dê um motivo – ela pediu, por sua vez, num tom quase suplicante.


O garoto pensou em dizer simplesmente que a amava e não suportaria a vida sem ela, mas achou que precisava de um motivo mais forte, de utilidade prática, para anular aquela ofensa. Engoliu em seco; Hermione esperava. Ele disse:


— Eu... eu não sei fazer nada em casa, nem sei cozinhar, vou acabar morrendo de fome.


Por aí se vê que Ron, apesar de ter lido o “Doze maneiras de encantar bruxas”, não entendia nem um pouco a mente feminina. Hermione bufou; continuou a encará-lo, chocada, por uns instantes; em seguida bateu com força a tampa da mala e fez com que esta a seguisse para fora do quarto, empurrando Ron para o lado ao passar por ele. Ela andava rápido. Após breve hesitação, Ron seguiu-a.


— Hermione... Hermione, me desculpe... fica aqui, vai... eu sei que errei feio, mas nós podemos consertar isso... – porém ela não lhe dava atenção. Chegando na porta, virou-se com uma mão na maçaneta e, dedo em riste, avisou:
 


— Não ouse vir me procurar – e saiu. Ron saiu também, a tempo de vê-la agarrar a mala e desaparatar. Entrou, batendo a porta.


 

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