A Casa dos Potter



No momento em que meus pés tocaram o chão, uma dor nauseante atravessou minha perna. Cambaleei, ainda meio perdida e fui em direção ao chão.


- Ah! – ofeguei.


Mãos, que eu supus serem de Tiago, me seguraram, impedindo minha queda.


- Lílian, o que aconteceu? – ele perguntou alarmado, me pegando com facilidade no colo.
Eu arfava, controlando a vontade de gritar.


Tiago me colocou levemente em algo macio, acho que um sofá. E pela primeira vez, parei para observar o ambiente.


Era claro e iluminado. Era também arejado, parecia ter alguma janela aberta, pois um ar calmo e gélido batia levemente em meu rosto. Parecíamos estar em uma sala ampla e o único som audível era minha respiração ofegante e, talvez, barulho de carros lá fora.


- Onde... – tentei dizer, suportando fortemente a dor. – Onde estamos?


- Na minha casa. – ele respondeu rapidamente. – Ih, caramba...


Tiago avaliava minha perna, acima do joelho. Eu teria corado por ele ter levantado um pouco meu vestido, mas estava mais espantada com o que eu via.


Um corte demasiado fundo se encontrava ali. A pele estava em carne viva, jorrando sangue pela minha perna e vestido. O corte, na verdade, parecia mais um grande buraco, como se tivesse sido arrancado a força.


- Estrunchamento. – Tiago disse, espantado, e em seguida começou a murmurar palavras e palavras para o machucado, passando a varinha pelo local.


- Isso dói. – resmunguei.


- Estou tentando.


Ouvimos passos. Fiquei alerta, agarrando com mais força a varinha que eu segurava.


Mas era apenas a Sra. Potter, vestida num avental sobre o vestido, mas sem perder sua elegância. Sua boca se abriu num O quando viu a cena.


- Tiago? – ela disse, espantada. – Mas o que aconteceu? O que é isso?


- Hogsmeade foi atacada. – Tiago disse, sua expressão concentrada. – Mãe, ainda tem ditamno aqui em casa?


- Tem. – a Sra. Potter respondeu ainda olhando a cena, boquiaberta. – Tem sim... vou buscar.


Vi ela sair por uma porta atrás de Tiago e rapidamente já estava de volta com um frasco marrom.


Tiago o destampou rapidamente e com cuidado, aplicou quatro gotas do líquido em meu ferimento.


- Ai! – exclamei, não me contendo; minha pele parecia estar em chamas, e logo depois de uma espécie de fumaça verde encheu o ar, senti minha perna totalmente dormente.


- Os feitiços não eram o bastante pro corte. – Tiago explicou com um sorriso de desculpas. – Mas você logo ficará boa.


Olhei para o machucado. Ele parecia estar se cicatrizando, como se a dias o estrunchamento tivesse ocorrido.


- Tiago. – a Sra. Potter se adiantou, as mãos apertando a barra do avental laranja. – Pode me explicar o que aconteceu?


- Comensais da Morte e dementadores invadiram Hogsmeade de novo. – ele explicou, ainda avaliando minha perna.


- Comensais... da Morte... em Hogsmeade? – ela indagou, mais aterrorizada do que nunca. – Mas e os aurores? Não tinham melhorado a segurança no ultimo ataque que teve?


- Todos foram pegos desprevenidos, mãe. Com certeza ninguém esperava por isso. E o último ataque já aconteceu faz tempo.


- Mesmo assim! – ela guinchou. – Filho, que perigo! E eu posso saber o que vocês estavam fazendo lá?


- Ora, hoje é a formatura, não é? Estávamos comemorando.


- E onde está Sirius?


- Ele ficou lá.


- O quê? – ela exclamou, sentando-se numa poltrona próxima, acariciando o peito. – Como assim, ficou lá? Como você...


- Almofadinhas já é maior de idade. Ele escolheu ficar lá, eu não podia fazer nada.


A Sra. Potter continuou parada, em estado de choque, os olhos fitando o nada.


Tiago continuava a fitar meu machucado, como se com os olhos fizesse ele se curar totalmente.


- Você está bem? – perguntei a ele.


- Por que não se preocupa mais com você? – ele disse, embora sorrisse. – Está pior do que eu.


Nós dois estávamos cortados e sujos de terra em alguns pontos; sem falar do meu cabelo, que tinha sido atingido por um feitiço perdido.


Antes mesmo que eu percebesse, a Sra. Potter já estava ao nosso lado novamente.


- E você querida? – ela disse com os olhos em minha perna também. – O que houve?


- Eu estrunchei na aparatação. – falei, meio constrangida de ter sujado o chão e o sofá marfim de sangue.


- Minha nossa! Mas isso é uma loucura! – ela disse. – Onde está a segurança desse Ministério? Vocês sabem a gravidade da situação, o perigo que correram?


- Estamos vivos, é isso que importa. – Tiago riu.


A Sra. Potter assentiu. Ela olhou para Tiago e o abraçou com força, as lágrimas escorrendo por seus olhos castanhos esverdeados.


- Ah, Merlim, obrigada. – ela murmurou, enquanto Tiago olhava pra mim sobre o ombro da mãe, novamente corado; eu apenas sorria.


Ela soltou novamente o filho e enxugou as lágrimas no avental.


- Eu vou preparar um lanche pra vocês. Tiago, porquê não leva Lílian para o quarto de visitas?


Tiago assentiu, enquanto a Sra. Potter saia novamente pela mesma porta.


Antes, porém, que Tiago me ajudasse, houve outro estalo.


Sirius surgiu ali, intacto, apesar de sujo. Olhou ao redor e nos viu, sorrindo.


- Beleza? – ele perguntou, cumprimentando Tiago com um abraço amigo. – Qual foi dessa vez, Lílian?


- Ela estrunchou. – Tiago respondeu e não podendo se conter, perguntou: - O que aconteceu depois que saímos?


- Bem, os aurores que haviam chegado tiveram que espantar os dementadores. – ele começou, se jogando na poltrona onde momentos antes a Sra. Potter havia se sentado. – Mas era tarde demais.


- Como assim? – indaguei.


- Os dementadores só chegaram lá pra ajudar os Comensais capturados a fugir. Tínhamos pegado dois deles. – ele balançou a cabeça. – Você viu nosso velho amigo Mulciber?


- Vi. Pelo visto mal esperou sair de Hogwarts pra estrear sua máscara nova. – Tiago disse entre os dentes.


- Mas não restou nenhum Comensal? – perguntei.


- Não. Evaporaram no momento seguinte.


- Afinal, porque é que eles fizeram esse show hoje? – Tiago indagou.


- Como dá pra se perceber, eles foram atrás de um cara que trabalhava no Ministério. Acharam ele no Cabeça de Javali e como já estavam por lá mesmo, aproveitaram pra se descontrair à maneira deles. – Sirius deu de ombros.


- Que horror. – tremi.


- Quem será o homem? – Tiago disse. Agora o cheiro de bacon chegou em minhas narinas; só agora percebi como estava faminta.


- Um tal de Percy Butler. Deve trabalhar num departamento bem importante para ganhar tal privilégio.


- E Aluado? – perguntei, tentando, mas não conseguindo, me endireitar no sofá; Tiago me lançou um olhar de alerta.


- Foi pra casa.


- E como será que estão os outros? – eu continuava a perguntar.


- Suponho que vão nos mandar notícias em breve.


- Sirius! – a Sra. Potter apareceu no portal com uma bandeja cheia de ovos e bacon no prato. Depositou-a na mesinha de centro e apertou Almofadinhas num abraço tão caloroso quando o de Tiago. – Você está bem? Não se machucou?


- Tá tudo no lugar. – Almofadinhas sorriu.


- Minha nossa! Fiquei tão preocupada! – ela comentou, servindo os pratos e conjurando mais um pra Sirius. – Se eu não soubesse que Thales estava no trabalho eu estaria ainda mais desesperada. Com certeza isso já caiu nos ouvidos do Ministério, não?


- Ah, sem dúvidas. – Sirius disse, começando a atacar a comida. – Ainda mais porque um dos funcionários de lá foi morto.


- Quem? – ela perguntou temerosa.


- Percy Butler. – Tiago repetiu a informação com a boca cheia.


- Já ouvi falar nele. – ela falou com as mãos nas cinturas, pensando. – Se não me engano ele trabalha no Departamento de Transporte Mágicos. Quase todo dia eu passo por ele no átrio.


- E ele tinha algo... anormal? – Tiago perguntou.


- Não. Uma pessoa normal pra mim.


- Nunca se sabe. – Almofadinhas deu de ombros.


Fez-se um breve silêncio, enquanto eu, Tiago e Sirius terminávamos de comer. A Sra. Potter ainda refletia.


- Tiago – a Sra. Potter começou, me fitando -, porque Lílian está aqui ainda? Não falei pra levá-la ao quarto de visitas?


- Ah, é. É que Almofadinhas tinha chegado e...


- Então leve ela logo, ela precisa de descanso. – ela ralhou. – Está tudo bem, querida?


- Está, está sim. – assenti. – Não se preocupe, eu não me importo de ficar por aqui.


- Ora, onde já se viu. Temos quarto de visitas para isso.


- Como foi que fez isso, Lílian? A sorte como sempre te acompanhando onde quer que você vá? – Sirius riu com sarcasmo.


- Tivemos que aparatar depressa, porque por pouco quase fomos atingidos por uma Maldição da Morte. – Tiago comentou.


- O quê? – a Sra. Potter disse estupefata. – Porque você não me dá os detalhes também, Tiago?


- Eu sei que a senhora ficaria preocupada, então...


- Isso não é desculpa! Eu nem saberia o que fazer se vocês fossem atingidos! Meu Merlim...


- Eu já disse que está tudo bem. – Tiago respondeu descansando o prato e pondo-se de pé. – Vou levar Lílian pro quarto.


- Mas eu estou bem aqui... – insisti.


- Pelo visto a Lílian não conhece a hospitalidade dos Potter. – Sirius riu-se.


- Você vai pro quarto. – Tiago finalizou, pegando-me novamente no colo.


Ele me levou para o lado oposto de onde a Sra. Potter saía, que eu supus que fosse a cozinha. Passamos por uma outra sala, tão arrumada como a anterior, as mesmas poltronas e sofás marfins, quadros de bruxos por toda a parede. Já dava para se perceber que a Sra. Potter tinha um bom gosto de decoração.


Chegamos a um corredor longo, amplo e claro com, pra minha surpresa, umas dez portas de madeira maciça. Tiago me levou até a última, abriu com o cotovelo e entramos.


O quarto era muito aconchegante, as paredes beges, a janela virada para o sul; não havia quadros nas paredes, apesar da tapeçaria e das cortinas serem incríveis. Só havia uma cama de casal que ocupava parte do cômodo e um acesso à outra porta, que supus ser um banheiro.


Tiago me colocou calmamente na cama.


- Espero que esteja confortável. – ele sorriu.


- Não precisava disso. – reclamei. – E não sei por que você me trouxe pra cá. Tenho que ir pra casa.


- O quê? – ele disse, balançando a cabeça. – Nem pensar. Você não vai pra casa agora. Vai dormir aqui.


- Tiago, eu vou pra minha casa.


- Não, não vai. – ele disse; eu bufei. – Você precisa descansar. Recuperar sua perna. Não pode ir embora agora. Sem falar – ele continuou, vendo que eu ia protestar – que com certeza seus pais nem devem saber disso. Você voltaria pra casa amanhã, não é? Faz de conta que está em Hogwarts ainda.


- Tiago...


- Lílian, sua recuperação é importante. E está decidido, se você quiser ir embora, será amanhã.


Eu suspirei, vencida. Ele riu.


- Vai ficar tudo bem. – ele me tranqüilizou.


- Estou com medo. Como será que estão os outros? Você se lembra da situação em que o Dougie estava?


- Com certeza ele está bem. Está em casa.


- Laura e Peter?


- Sem dúvidas, devem ter sido os primeiros a desaparatar. – disse, rindo com desdém.


- Alice e Franco?


- Estão prestes a se tornar grandes aurores. Estavam ótimos quando viemos pra cá.


- O que me faz lembrar. – falei. - Me desculpe.


- Desculpar o quê? – ele ergueu as sobrancelhas, sem entender.


- Eu sei que você queria ficar lá. Lutar também, sabe. – acrescentei, quando ele parecia ainda mais intrigado. – Só que eu te fiz vir embora.


- Está tudo bem. Não podíamos nos separar.


Eu sorri agradecida, e logo em seguida soltei um longo bocejo.


- É melhor dormir. Foi uma noite cansativa. – ele disse e então me avaliou. – Você quer tomar um banho, suponho?


- É, e isso é um problema. Minhas coisas ficaram em Hogwarts.


- Com certeza eles devem devolver amanhã. Enquanto isso, nós te emprestamos alguma roupa.


Assenti e ele me ajudou novamente a me por de pé.


- Espere um pouco. – ele disse e saiu pela porta.


Olhei pro meu vestido; estava horrível. Rasgado, sujo, arranhado e desbotado. Fiquei surpresa que ele tivesse resistido mais.


Tiago voltou logo em seguida, com uma toalha e vestes.


- Aqui está. – ele disse e fiquei surpresa com a roupa que ele havia trago.


- Tiago, não é mais... correto você trazer roupas da sua mãe? – perguntei corada, estendendo uma camisa enorme; parecia pertencer a ele, apesar de ficar gigante em mim.


- Não sei se você vai querer usar uma roupa de minha mãe, se é que você me entende. – ele disse, e acabei entendendo. Não conseguia me imaginar usando um vestido de tecido escocês.


Entrei desajeitada no banheiro, a perna manca e dolorida. O banheiro era no mínimo o tamanho triplo do banheiro da minha casa; Tiago nunca citara que era tão rico. E isso, não sei por que, me deixou meio desconfortável.


Tomar um banho foi como se tirasse um grande peso do meu corpo; me deixou relaxada e muito mais calma.


Quando voltei ao quarto, Tiago já me esperava, deitado de um lado da cama. Ele me olhou de cima a baixo e sorriu.


- Veio a calhar. – ele comentou, me fazendo rir.


- Usei um feitiço pra deixar maior. – confessei e ele fez um beicinho. – Mas não fique preocupado, depois eu deixo ele no tamanho normal.


- Não é isso... é que... bem, deixa pra lá. – ele disse e eu olhei para o outro lado, ruborizada.


Andei até a cama, mancando, e com sua ajuda consegui me aprumar melhor na cama.


- Vou deixar você descansar. – ele disse, começando a se levantar.


- Não. – a palavra saiu automaticamente da minha boca, pra surpresa minha e dele. – Não... fique mais um pouco. Por favor.


Seus olhos brilharam de satisfação. Eu já conseguia ver em minha cabeça o sorriso malicioso que Maria faria se presenciasse aquela cena: eu e Tiago deitados na mesma cama, eu usando uma camisa dele.


- Temos que confessar que nossa despedida de Hogwarts não foi do jeito que esperávamos, não é? – ele riu, me fazendo o acompanhar.


- Não mesmo. Mas apesar do que aconteceu hoje, eu vou sentir falta de lá.


- É incrível como em todo ataque temos que estar presentes. – ele comentou, acariciando meu cabelo ainda úmido.


- A culpa é sua. Você nasceu com o dom de levar encrenca em qualquer lugar que você vá.


- Agora a culpa é minha? – ele bufou, sacudindo a cabeça. – Bem, não duvido nada que o Ranhoso era um daqueles mascarados.


Eu suspirei, impaciente.


- Se você acha que só porque saímos de Hogwarts esse assunto pode voltar, você está enganado.


- E não é verdade? Se Mulciber estava lá, tudo indica que ele também poderia estar.


- Tiago, esse assunto morreu. – cortei.


Foi sua vez de suspirar.


- Tudo bem.


Passou-se um tempo de silêncio. Sempre que Severo era o assunto acabávamos assim, sem falar por um tempo.


- Escutou esse barulho? – perguntei, apurando os ouvidos; pareciam ser batidas.


- Escutei. O que...?


- A janela! – apontei para a única janela do quarto, onde uma figura parecia se debater do lado de fora.


Tiago correu para abrir, me fazendo sentir o momentâneo ar entrar no quarto. Ele tirou a carta do bico da coruja, que logo saiu de volta janela afora.


- É da Maria. – Tiago informou, abrindo o envelope.


Meio excitada, juntei-me a Tiago para ler a caligrafia deitada de Maria:


Olá Lílian


Estou escrevendo pra avisar que está tudo bem por aqui. Dougie está dormindo agora, vai se recuperar. E você? Como está? Pontas também está bem? Responda-me quando puder.


Fiquei sabendo por Marlene sobre tudo o que havíamos perdido, e é muito bom que ninguém tenha se ferido gravemente.


Iremos nos encontrar em breve? Talvez eu te visite na sua casa, ou onde estiver (Espero que não seja na sua casa, sua irmã é insuportável).


Espero sua resposta.


Maria.


P.S.: A coruja que entregou a carta é de Marlene, Marta ainda está em Hogwarts.


- Eu disse que ele ia ficar bem. – Tiago comentou, quando eu soltei um suspiro de alívio.


- É.


- Agora você deve dormir. Deve estar cansada. – Tiago depositou a carta na mesa-de-cabeceira.


Entrei debaixo da coberta com cuidado; minha perna ainda ardia. Tiago deitou-se ao meu lado na cama, e eu encostei minha cabeça em seu peito, exausta.


Mal fechei os olhos, e o sono começou a me dominar. E comecei a perceber como esse dia parecia não ter tido fim; hoje mesmo de manhã acabo de ser a mais nova integrante da Ordem da Fênix, seguida por uma formatura e um passeio para Hogsmeade, que acabou sendo atacada por Comensais e quando saio acabo me estrunchando.


Era muita coisa pra se absorver em um dia só. É, eu precisava dormir.


- Boa noite. – foi a última coisa que ouvi Tiago dizer, antes de apagar.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.