POÇÕES COM SNAPE



O dia seguinte amanheceu com um belíssimo céu azul e raios de sol iluminando magistralmente o Salão Principal. Apesar disso, a temperatura continuava amena, o que para duas brasileiras era surpreendente, quando não frustrante.


Lia chegara cedo à mesa da Grifinória e já se servia de café com leite e torradas. Tudo ainda estava tranquilo, com poucos alunos presentes; e o burburinho sempre onipresente ainda estava baixo e preguiçoso.


Os professores já estavam todos alocados em seus lugares à mesa principal, incluindo Dolores Umbridge, que não havia apenas desagradado à Lia e à Tina, mas a todas as outras pessoas com quem elas haviam conversado desde que a mulher fora apresentada. À Lia, a presença daquela desagradável senhora era duplamente irritante, uma vez que, na opinião da garota, aquele casaquinho rosa-chá era a visão mais odiosa em toda a decoração.


—Oi! – sussurrou Tina nos ouvidos da amiga, fazendo-a pular e derramar café sobre seu colo.


Acenando a varinha de modo impaciente e fazendo seu uniforme voltar ao seu perfeito estado original, Lia virou-se para mirar os olhos azuis cristalinos de Valentina Alves.


—Você e sua mania de chegar sem ser notada. Quer me matar com um ataque cardíaco?

—Está assustada? – perguntou Tina, sentando-se ao lado da amiga e olhando ao redor, como que confirmando a ausência de ouvidos curiosos a espreita.


—Assustadíssima. – respondeu Lia, em tom ainda mal-humorado. – Já viu aquela coisa odiosa que a Umbridge está usando? É de dar pesadelos a qualquer ser humano com alguma consciência estética.


—Pior é o mestre de poções. – disse Tina, dando um sorrisinho. – Ele aparentemente não lava o cabelo desde a adolescência.


—Cuidado, ele é o diretor da Sonserina. Você deve muito respeito a ele, sem contar que eu tenho certeza que ele consegue ler a mente das pessoas.


—Por que?


—Porque ele está olhando pra cá, agora. E com cara de quem não gostou da piada.


Valentina virou-se e deu-se com os olhos negros do Professor Severo Snape mirando-a com desgosto. Antes que ela pudesse fingir que não havia visto, de modo cortês, ele indicou a mesa da Sonserina com uma das mãos, deixando claro o lugar para onde ela deveria se dirigir.


—Depois precisamos falar, Lia. – disse Tina, desvencilhando-se do banco da Grifinória ainda com uma das mãos apoiadas no ombro da amiga. – É certo que você tomou seu banho ontem, não?


—Claro. Ainda não me rendi aos costumes europeus. – murmurou Lia rapidamente, reconhecendo o tom que Valentina usava quando havia algo suspeito no ar.


—Ouviu alguma coisa diferente quando abriu as torneiras? – perguntou ela, agora olhando nervosamente para a mesa dos professores, onde Snape parecia estar ficando realmente impaciente.


—Não. – Lia disse. – Tudo normal. Alguma chance de serem canos muito antigos? – ela continuou, deixando clara a sua decepção com o assunto.


—Dificilmente.


—Fantasmas, então?


—Não acredito que sejam. – Tina prosseguiu, agora claramente levando até o último limite a paciência do Mestre de Poções.


—Eu dou crédito para os fantasmas. Eles podem ser realmente incômodos, Tina. Mas contanto que eles não invadam o banheiro enquanto eu estou no chuveiro, vai estar tudo tranquilo entre eu e eles. Existem limites que precisam ser respeitados, e eu acho que o Prof. Snape concorda comigo nesse ponto. – adicionou, levantando-se.


Snape sustentava agora uma expressão de quem estava pensando, com muita satisfação, em uma punição para um crime que ele aparentemente julgava gravíssimo.


As duas iniciaram o caminho em direção à mesa da Sonserina na tentativa de abrandar os ânimos do coordenador da casa verde e prata. Tina agora parecia mal humorada e Lia preferiu não olhar para a mesa principal.


—Você viu alguma coisa em Hogwarts, Uma História que diga que os alunos devem obrigatoriamente se sentar somente nas mesas de suas próprias casas? – perguntou Tina.


—Não. – disse Lia, parando para pensar. – Mas parece muito incômodo para os professores...


—Eu não acho que sejam fantasmas, Lia. – Tina interrompeu-a. —O som não era típico de fantasmas, você sabe muito bem que eu consigo reconhecer esse tipo de coisa facilmente, o Collegium era cheio de fantasmas!


—Os fantasmas ingleses podem ser mais difíceis de reconhecer... Às vezes eles estavam cantando alguma música típica, quem sabe?


Tina parou para mirar os olhos castanhos-esverdeados de Lia. A este ponto elas já estavam em frente à Mesa da Sonserina.


—Você é sempre muito engraçadinha...


A garota conteve-se apenas a manter o olhar cínico estampado no rosto.


—Você deveria estar na Sonserina, junto comigo! – finalizou.


Lia riu.


—Alivia a minha barra, Tina! Eu estou pagando a gentileza da sua visita, vindo até aqui confraternizar com esse monte de gente antipática! Correndo, inclusive, o risco de ser chutada de Hogwarts pelo Prof. Snape.


—Ele não tem todo esse poder. – sussurrou Tina, com um certo prazer em dizer tal coisa. – Mas o que eu estou dizendo, queira você me dar ouvidos ou não, é que tinha algo estranho naquele som que eu ouvi ontem e que não eram fantasmas!


—Olha, depois a gente pergunta pro resto do pessoal, já que isso está te incomodando tanto, está bem? Mas relaxa aí... Fica fria...


—Se manda, Lia. Se manda. – apressou-se Tina, ao ver Snape levantar-se de sua cadeira com o ar satisfeito de quem já tinha se decidido a respeito do que fazer.


Cecília não pensou duas vezes e voltou, de um salto, para o seu lugar na mesa da Grifinória. Ao sentar-se, procurou os olhos de Professora McGonagall, na mesa principal. Ela a observava do modo rígido usual, mas havia um ar de sorriso em seu rosto.


Snape, a este ponto, já se encontrava atrás de Valentina.


—Srta. Alves.


—Pois não, Professor Snape.


—Os lugares dos alunos são sempre reservados, para que não haja o risco de as mesas ficarem super-lotadas. – ele parou esperando, aparentemente, que Valentina tivesse algo a dizer. Parecia uma cobra, pronta para dar o bote e, reconhecendo o perigo, a menina permaneceu calada. 


—Sem contar que as mensagens internas da Sonserina são, obviamente, enviadas apenas para aqueles sentados à mesa da Sonserina. – o mestre parou novamente, como que esperando que a mensagem penetrasse na cabeça da garota.


—Eu entendo, professor.


Com um aceno ele continuou, uma expressão irônica no rosto:


—Tenho certeza de que a senhorita não vai querer perder qualquer comunicado que eu venha a fazer durante as refeições, estou certo?


—Sim, senhor.


—Então estou certo também de que não voltarei a ver a senhorita sentada à mesa de outra casa, que não a Sonserina. Até porque, as casas são facilmente identificáveis através das cores. A Sonserina é a casa verde e prata, se a senhorita ainda não percebeu.


—Eu já percebi, sim, senhor. – disse Valentina, em um tom metálico.


A sensação de estar sendo tratada como uma idiota foi confirmada pela última frase debochada de Snape. Valentina se perguntou o que aconteceria se ela resolvesse explicar ao professor que ela tinha a visão em perfeitas condições.


—O relacionamento entre as casas é encorajado através das aulas que são dadas em conjunto e nós, professores, consideramos que isto já é o suficiente. A senhorita concorda?


Valentina não respondeu. Se a opinião dela fosse levada a cabo, muitas mudanças teriam de ser feitas ali, a começar pelos hábitos de higiene do professor. Ela desejou que ele não estivesse lendo a sua mente e para a sua felicidade, Snape meramente acrescentou:


—Mantenhamos a organização, Srta. Alves. Um mínimo de organização. Não quero mais ter o incômodo de me preocupar com isso, estou sendo claro?


—Como água, senhor. – ela respondeu. – Cristalina. – acrescentou, na esperança de incentivar o mestre.


Dando a conversa por terminada, Snape virou-se e, sem mais palavras, voltou à mesa dos professores. As vestes negras farfalhando teatralmente às suas costas.


Como que para reforçar as palavras do seu coordenador, envelopes verdes lacrados com o brasão da Sonserina surgiram magicamente em cima da mesa, ao lado de cada estudante sentado à Mesa da Serpente. Valentina abriu o seu, com ajuda de uma régua e lá encontrou os horários das aulas que teria durante a semana.


—Poções e Defesa Contra as Artes das Trevas com a Grifinória já pela manhã. Inacreditável. – ela escutou uma voz conhecida falar ao lado dela.


Valentina virou o rosto e deu-se com Draco Malfoy, que acabara de chegar.


—Pensei que você gostasse de ter aulas ministradas pelo diretor da Casa.


—Eu gosto, mas o único problema é que esse pessoalzinho da Grifinória é insuportavelmente burro quando se trata de Poções.


—É uma marca da Sonserina que todos os alunos sejam bons na matéria que seu diretor ministra? – Valentina jogou, um pouco mal humorada.


Voltando ao seu horário, ela viu que a semana era recheada de aulas da Sonserina com a Grifinória.


—Perfeito. – ela murmurou.


—O que você está resmungando aí?


Valentina olhou um pouco irritada para Malfoy, mas querendo evitar mais desacordos pela manhã também com o monitor da casa, ela desviou de assunto com um autocontrole invejável.


—Malfoy, você sabe se há alguma regra em Hogwarts que diga que os alunos só podem sentar-se à mesa de suas respectivas casas?


Ele terminou de bebericar seu café e respondeu:


—Não que eu saiba. Mas é interessante manter os modos, principalmente se você pertence à Sonserina.


—E qual seria o motivo?


Ele olhou para Valentina com a mesma impaciência de quem explica algo muito idiota a uma criança ainda mais idiota.


—Alves, não sei se já te informaram, ou se você já percebeu sozinha, que estar na Sonserina é apenas para os bruxos de sangue puro e que tenham algo a mais na cabeça além do desejo insaciável que algumas outras pessoas aqui têm de simplesmente aparecer.


Abstraindo um pouco da informação preconceituosa de Draco, ela fez outra pergunta:


—E por acaso Prof. Snape costuma enviar recados restritos somente no horário das refeições?


Draco pensou um pouco, enquanto passava cream cheese numa torrada.


—Algumas vezes. O mais comum é que recados em geral sejam enviados diretamente ao quadro de avisos que fica no salão comunal.


Diante de tal afirmação, Valentina olhou contrariada para Snape, que tomava seu café tranqüilamente na mesa dos professores.


O sinal que avisava o início das aulas tocou, e sem esperar muito, Valentina terminou seu café, pegou sua mochila e foi até Lia que ainda terminava de comer.


—Vamos tratar de pegar um lugar por perto. – ela disse, mais uma vez pegando Cecília de surpresa


—Que diabos, Tina! Será que você podia começar a fazer mais barulho quando chegar? Parece um fantasma!


—Pare de reclamar, você está muito irritadinha hoje, além de atrasada, como sempre.


Tina deu um tapinha no ombro da amiga e seguiu a leva de alunos da Sonserina rumo às masmorras.


Chegando à sala de aula, os alunos rapidamente escolheram seus lugares. Sentaram-se em trios e Valentina se convenceu de que Sonserina e Grifinória eram como água e óleo – realmente não se misturavam.


Hermione, Harry e Rony chegaram sem olhar para o lado que a Sonserina ocupava, mas coincidentemente sentaram-se na mesa ao lado da que Valentina dividia com Pansy Parkinson e uma outra menina que ela ainda não se interessara em descobrir o nome. Lia sentou-se na mesa a frente da onde Hermione estava com os meninos; ela dividia a mesa com um menino de ar amedrontado, que se chamava Neville Longbottom, e um rapaz de cabelos rastafari, chamado Lino Jordan.


—Ainda estou me perguntando como Dumbledore pôde ter aceitado aquela mulher horrível para ministrar uma aula tão importante. – Tina escutou Hermione sussurrar para os dois. —Está claro que o Ministério está começando a interferir em Hogwarts!


—Quando é a nossa primeira aula com ela? – Rony perguntou.


—Logo depois do almoço. – Harry respondeu. —Também com a Sonserina.


—Ah, mas eu não posso esperar, não posso mesmo esperar para confirmar minhas suspeitas em relação a Umbridge. – Hermione falou, espumando.


—Não terão que esperar muito.


A voz baixa e fria de Valentina fez Hermione dar um pulinho de susto igual ao que Cecília muitas vezes dava quando não esperava que ninguém estivesse por perto prestando atenção.


—Oh, desculpe, Tina. Não a tínhamos visto.


A menina deu de ombros.


—Tudo bem, já estou acostumada. – disse, com um sorrisinho. —Mas o que tanto vocês têm contra a Profa. Umbridge?


—Não a chame de professora com todo esse respeito. – Hermione disse, visivelmente revoltada. —Ela não merece.


—Não mesmo, antes ela tem que mudar, no mínimo, aquele penteado ridículo. – Lia riu-se, virando para trás para participar dos cochichos.


—O que vocês sabem que eu ainda não sei? – Tina perguntou, interessada.


Hermione não teve tempo de responder, pois Snape acabara de ordenar silêncio e de escrever no quadro-negro as instruções da primeira aula, com um simples aceno da varinha.


—Página dez, todos vocês.


Todos os alunos obedeceram imediatamente, em silêncio.


—Este é o ano em que vocês prestarão os NOMs, por isso vamos começar a aprender coisas mais complexas a partir de hoje. Vocês precisam estar preparados se quiserem continuar tendo aulas de Poções no ano que vem, porque eu não vou aceitar nenhum aluno de sexto ano com notas baixas na minha sala. – ele disse, enfático.


Rony, Harry e Hermione se entreolharam.


—E quem disse que eu quero continuar tendo aulas com ele? – Harry murmurou, inaudível.


—Como assim, ele tem o poder de expulsar alunos quando chegam no sexto ano? – Valentina sussurrou para Pansy, ainda não muito familiarizada com o sistema de educação de Hogwarts.


—Sssh. Depois falamos sobre isso. – a menina retrucou com antipatia.


 Snape lançou um olhar profundo a todos e começou a falar, muito lentamente, a respeito da complexidade e importância da Poção da Sobrevivência Sobrenatural.


—Quem pode citar os dois casos em que essa poção é utilizada?


Hermione prontamente ergueu a mão. Snape fez que não havia visto.


—Ninguém?


Hermione manteve a mão no ar.


—Desiste. Ele não vai mesmo com a sua cara, Mione. – Rony sussurrou para ela.


—Muito bem, já que ninguém é capaz de responder, anotem em seus cadernos.


Hermione abaixou a mão, muito contrariada, e a turma não pôde evitar as risadinhas baixas e ecoaram aqui e ali.


Snape começou a citar:


—Os dois únicos casos em que a Poção da Sobrevivência Sobrenatural é usada são em ataques de lobisomens e vampiros. Nos lobisomens, ela neutraliza quase que totalmente os sintomas que a vítima tem a cada lua cheia; nos vampiros ela apenas funciona se a vítima for metade humana e metade vampiro.


Um menino da Sonserina ergueu a mão e Snape prontamente o pediu para prosseguir com a pergunta.


—Professor, como assim “metade humana e metade vampiro”?


—Há alguns ataques em que a vítima não chega a beber o sangue do vampiro após ter sido mordida, mas também não chega a morrer. No entanto, acredita-se que seja o contato do sangue com a saliva do vampiro que a deixe com certas seqüelas. Alguém pode mencionar que seqüelas são essas?


Sem titubear, Hermione ergueu a mão. Snape revirou os olhos com impaciência.


—Muito bem, srta. Granger. Prossiga.


E como se ela tivesse decorado um capítulo inteiro de um livro, Hermione resumiu tudo de forma rápida e clara:


—As seqüelas de um meio-vampiro são: visão noturna triplamente apurada, desejos repentinos por sangue, palidez, sensibilidade exagerada à luz, fogo e sol. Os olhos também tendem a adquirir o mesmo brilho estranho dos olhos de felinos; as unhas ficam transparentes como vidro e afiadas como navalha e, finalmente, os dentes caninos crescem visivelmente, dando a falsa impressão de que são realmente vampiros. Embora os meio-vampiros sejam bastante fotossensíveis, eles podem caminhar ao sol sem sofrerem nenhum tipo de dano.


A turma manteve-se mergulhada em completo silêncio diante de tal perfeita definição.


—Correto, srta. Granger. – Snape disse, com uma certa expressão de prazer. —Mas a senhorita parece ter esquecido de um pequeno e importantíssimo detalhe; – Snape saboreou a expressão de triunfo desaparecer do rosto de Hermione e seus dois amigos. —Os meio-vampiros não são nenhum pouco inofensivos apesar de sua condição metade humana. Os desejos momentâneos por sangue os levam a realmente atacar outras pessoas. Eis a importância a Poção da Sobrevivência Sobrenatural nesse caso.


Snape se colocou mais uma vez a frente de todos e ordenou:


—Por que não estão copiando o que eu disse? Andem logo e agora todos na página quinze. Sigam as instruções do livro e as que eu adicionei no quadro. Elaborem um pouco da poção e ao final da aula, quero uma amostra de cada grupo. Todos os ingredientes podem ser encontrados no armário.


Sem mais, Snape sentou-se à sua mesa para algumas anotações, enquanto os grupos de alunos começaram, um pouco freneticamente, a procurar os ingredientes no armário e a ler instruções no livro.


Ao final da aula, que transcorreu com algumas pequenas explosões inofensivas e um leve cheiro de podre, todos os alunos tinham um belo dever de casa e ordens para praticarem mais. Quanto às poções, a de Hermione foi, obviamente, a única que estava certa.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.