Cai o pano



22. Cai o pano


 


A voz de Draco ecoava pelas escadas e corredores vazios, alta, tentando fazer tremer os alicerces de pedra do castelo de Hogwarts. Era alta e raivosa, daquelas vozes que cansam a garganta. Draco berrava com força, enchendo o ar, preenchendo o vazio do silêncio com seus gritos, tentando desesperadamente preencher o vazio que sentia dentro de si com a própria voz. Tentava, aos gritos, expulsar o demônio que o assombrava. Estava na sala da professora Guinevere.


 


- QUAL EXATAMENTE É O PROBLEMA DE VOCÊS? – dizia ele, com a voz seca e atolada de raiva. Não chorava, o que dava à sua voz um aspecto cortante.


 


Ao seu redor, a professora Guinevere e o pai de Luna – ao menos parte dele – recebiam seus gritos de braços abertos. Eles sabiam como era, como ele se sentia. Recebiam e absorviam todos os gritos como se com isso fossem capazes de diminuir a dor dele... mas, é claro, não conseguiam. Nada conseguiria.


 


Guinevere suspirou. Sentiu vontade de chorar, mas segurou bravamente suas lágrimas. Quem diria que um dia ela iria simpatizar com o moleque dos Malfoy? Não ela mesma, é claro. Mas conseguia ver, agora, o que Luna tinha conseguido tão facilmente, por ser tão pura e tão despida de preconceitos: ele realmente era muito, muito especial. Uma coisa que não aparecia para todos, mas que ela conseguira enxergar de longe. Talvez apenas ela conseguisse. E agora... agora ela...


 


- Não há o que fazer – disse Guinevere, quebrando o silêncio para impedir o choro. – Ela tem Leukos. Assim como sua mãe tinha.


 


- VOCÊS A DEIXARAM VIR PARA A ESCOLA!


 


- Era o desejo dela – disse a voz cansada do pai de Luna. – Ela está doente, mas não morta. E realmente acreditou que pudesse se curar. Não queria perder o ano, por isso pediu para vir à escola.


 


- MAS SE ELA TIVESSE TOMADO OS REMÉDIOS, ELA...


 


- Draco – interrompeu-o Guinevere. – Ela não deixou de ser tratada por estar na escola. Todos os professores sabiam. Por isso nenhum deles reclamava dos pulôveres e suéteres de Luna – ela sente muito, muito frio. Eu estou aqui também. Eu não sou professora, acho que você percebeu. Eu sou enfermeira. Suspendi meu estágio e vim para Hogwarts só para ficar de olho na Luna, aplicar os remédios...


 


- Mas não adiantou – disse Hegbert, tomando a voz para si. – A medicação começou a não fazer efeito. Levamos ela frequentemente ao St. Mungus para ver o que podia ser feito. Aumentamos a dose. Nada. Ela simplesmente não responde mais aos medicamentos tradicionais.


 


- E CONTINUARAM DEIXANDO ELA AQUI? – Draco sabia que gritava coisas sem sentido, mas não podia evitar. Eles não estavam salvando Luna. Eles deveriam estar fazendo algo errado. A dor era cegante.


 


- Draco – disse Guinevere, calmamente, resignada. – Não há o que possamos fazer. Quando a medicação começou a falhar, ela soube. Ela escolheu não sair daqui.


 


- Ela estava esperando por um milagre – concluiu Hegbert.


 


- MILAGRE?


 


- Milagre. – continuou ele. – Não havia mais nada que ela pudesse fazer, a não ser esperar por um milagre. Um milagre que nunca veio. Eu não consegui salvar minha Gerda, e nem a minha única filha. Eu não iria negar à ela o direito de viver seus últimos dias como preferisse.


 


- Ela escolheu acreditar. Até o último minuto. Escolheu acreditar que poderia se curar. Por isso não quis ir embora.


 


- Mas ela.. – disse Draco, pela primeira vez sem gritar. – ela... Luna sabe... a lista dela...


 


- Ela escolheu acreditar que pode vir um milagre – disse Guinevere. – Mas sabe que ele pode não vir. Aliás, não creio que ainda acredite que isso é possível. Acho que ela tenta fingir que tudo está bem em uma tentativa de se convencer disso. Não é fácil entender o que está acontecendo com ela.


 


- Minha Luna, ela... – disse Hegbert, com a voz falhando. – Ela é uma pessoa muito boa. Ela.. ela decidiu viver o máximo que conseguisse... o melhor que conseguisse... no tempo que... ela tinha... e ela... ela sempre se preocupou comigo... mais que com ela... Merlin, ela não merecia isso... ela fez a peça...


 


Draco olhou para ele, intrigado. A peça. Que começara tudo.


 


- Foi Gerda quem a escreveu – disse Guinevere. – Ela... a deu de presente para o Hegbert, antes de morrer. Escreveu no Hospital. Luna quis interpretá-la, como um presente. Usando todas as Lux-venusianas que sua mãe cultivava. Dumbledore deixou.


 


Draco estava arrasado. Pensou na peça. Pensou na música. A mensagem havia sido escrita para o pai de Luna. Ele quis desesperadamente que não servisse também para ele. Ouviu um barulho às suas costas e, então, percebeu que havia alguém na porta. Luna. Ela entrou. Estava um pouco pálida desde a outra noite, quando haviam visto o cometa Haley.


 


- Draco... – começou ela, meio surpresa. – Não... não achei que estivesse aqui.


 


- Você. Você deveria ter me contado. – disse ele. Calmo.


 


- Eu não queria que ninguém me tratasse com pena. Me tratasse diferente. É uma coisa que aconteceu. Como meus cabelos loiros. Eu sou assim.


 


Ele a observou.


 


- Eu não queria que ninguém tivesse que cuidar de mim...


 


- Nem eu? – perguntou ele.


 


- PRINCIPALMENTE VOCÊ! – disse ela, baixando a voz. – Eu... eu não queria que você tivesse trabalho comigo. Que me achasse uma fraca. Eu gosto de você. Eu queria que... queria ser... digna. De você. – engoliu um soluço.


 


Draco pensou em se aproximar dela, mas permaneceu estático. Talvez fosse o pai de Luna ali. Talvez fosse o choque. Ela continuou:


 


- Eu tentei me curar. Com todos aqueles remédios de gosto horrível e efeitos piores. Não adiantou. E tentei flores, frutas, raízes, banho com pedras. E eu tentei acreditar. Não adiantou. Então eu tentei aceitar. E viver o máximo que desse. Mas... é muito difícil. Aceitar que vou embora. Que vou estar longe de você. Eu fiquei confusa. Eu não queria gostar de você, mas... eu gosto. Eu fui egoísta. Sinto muito. Mas eu não queria que... que você fosse embora. É seu direito, é claro, mas... eu só... eu não queria... – algumas lágrima começaram a correr pelo rosto de Luna, silenciosamente. Ela queria tanto não chorar!

Olhou para Draco. Ele sabia. Ele tinha que saber. Ela não queria ir embora. Não queria se afastar dele. Sabia que ia morrer, mas antes disso quisera se manter o mais perto possível dele. Da sua felicidade. Esperando que um milagre ocorresse. Desejando. Mais do que nunca, desejando estender seus dias de vida. Triste pelo destino, pelo seu destino, que aceitara. Devia haver um motivo. Mas qual seria?


 


- Lovegood. Escute bem que vou falar uma vez só – disse Draco, seco. Virou-se para ela. – Não há a menor chance de que você mande em mim. Ou que possa decidir qualquer coisa sobre a minha vida. Então, pare de ser idiota. – Olhou para Guinevere, para Hegbert, e depois só para Luna. – EU NÃO IREI EMBORA. E vocês nem tentem vir com essa história pra cima de mim. Estou falando sério.


 


Dito isso, ele saiu da sala, deixando estupefatos os três membros da família Lovegood.


 


Percorreu os corredores como em um sonho. Tinha que trabalhar, mas não deu a mínima. Andou como um zumbi, em transe, a tristeza pesando seu olhar. Fazia menos de um dia que tudo havia desmoronado mesmo?


 


Quando saiu da escola, percorreu o lago. E quando chegou perto da árvore em que havia ensaiado o papel de Aram, tantos meses atrás, ele chorou. Chorou por uma hora inteira, soluçando, gritando, tentando desesperadamente entender o sentido de tudo aquilo.


 


Como poderia sua Luna, tão linda, ir embora? Como poderia não haver o que fazer?


 


Havia corrido, furioso, atrás de Guinevere. Ela conversava com ele. O pai de Luna apareceu em algum momento. Nada fazia sentido. Nada podia resolver a situação.


 


Guinevere havia dito. A medicação havia parado de fazer efeito. O que podia esperar, agora, era apenas que Luna fosse piorando e piorando, até que... até que...


 


Continuou chorando até anoitecer, sozinho. Pela primeira vez na vida, Draco desejou que realmente existisse alguém comandando tudo lá de cima. Alguém que pudesse trapacear no jogo da vida e manter sua Luna viva. Que pudesse curá-la.


 


O que ele faria sem ela...?


 


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Antes de mais nada, agradeço de coração os comentários e os novos leitores... ou leitoras. Eu fiquei muito, muito feliz! Espero que as leitoras antigas, pra quem devo o final da história, também possam um dia lê-la. E espero que realmente gostem de ler minhas linhas tortas.


 


Esse capítulo, sinceramente, odiei escrever. Não gosto da idéia, não gostei de como ficou, mas vai ser assim mesmo. Em algum momento, ele teria que conversar com a Guinevere e o Hegbert (quando comecei essa fic, o pai da Luna ainda não chamava Xenofílio... decidi manter o meu nome original).


 


Espero ter podado algumas pontas soltas, e, bom... agora é ver daqui pra frente.


 


Eu não sei se as motivações da Luna estão claras, mas isso é porque ela está muito confusa, com sentimentos conflitantes dentro de si. Ainda vou explorar a mudança que conhecer o Draco fez pra aceitação ou não da situação dela.


 


Sinceramente, tenho desejado também um milagre. Mas não sei se ela vai concordar.

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