O caso das manchas



 


18. O caso das manchas


 


 


A atividade voluntária da vez era costurar capas meio soltas dos livros – ainda haviam volumes largados em lugares errados, mas aparentemente decidiram que o novo problema dos livros desprotegidos era mais importante. A razão pela qual não poderiam simplesmente encantar a porcaria dos livros para que isso não acontecesse escapava à Draco, em meio à sua fúria velada. Precisava fazer do jeito trouxa, mas por sorte Irma Pince não era tão chata quanto Filch e, ao que parecia, fingia não perceber o pequeno feitiço de proteção dos dedos que ele aplicara em si mesmo, a única coisa que impedia sua mão de se transformar em um paliteiro.


 


“Bem, ao menos não preciso usar panos sujos”, pensou ele. Na verdade, sem risco de se ferir, a atividade era só bastante monótona. Pegar-alinhavar-puxar-travar-arrematar... pegar-alinhavar-puxar...


 


A mente de Draco corria solta em pensamentos voláteis durante aquela atividade. E, entre alguns espasmos de raiva pela situação, pensava em Luna. O que ocupava a maior parte do seu tempo, aliás.


 


Não haviam conversado sobre Hogsmeade desde então. Ela voltara a olhá-lo nos olhos e falar com ele quando se encontravam (em geral quando ia buscar um livro de sua lista enquanto ele estava entretido com as agulhas), de modo que aquela estranha barreira de silêncio e vergonha criada com a conversa na enfermaria havia desaparecido. Draco se sentia feliz com isso - ela havia hesitado em deixá-lo se aproximar ao perceber que gostava dele, mas não teve como resistir. Ninguém resiste a um Malfoy. Muito menos Luna encontrou forças e vontade para se manter afastada, uma vez que estar com a ele a fazia tão feliz...


 


Mas, por outro lado, ela também não falava sobre aquilo. Draco percebia que ela usava o tubérculo da Bavária como marcador de páginas, mas ela nunca conversava com ele sobre aquilo. E, pra falar a verdade, ele também não.


 


Enquanto voltavam da aldeia para Hogwarts foi a única vez que abordaram alguma coisa parecida com aquilo, quando Luna dissera algo como “não outra vez”.


 


Draco não havia entendido. “Não gostou, Lovegood?” (ele nunca a chamava de Luna nesse tipo de frase). “Duvido muito, quase impossível eu diria”. Totalmente na defensiva.


 


“Oh, não, não!” apressou-se ela a responder sem jeito. “Não é isso, eu go.. ahn, bem, eu só quis dizer que... sabe? Ahn, eu só, só acho que não deveria ter feito isso, não que eu tivesse como evitar, quer dizer, eu queria, mas não deveria, e, ahn, meu pai, meu pai não me deixa namorar, ISTO É, NÃO DIZENDO QUE VOCÊ QUEIRA NAMORAR COMIGO, er, Morgana, Távola, sorvete! Deveríamos tomar sorvete, no frio é bom, que não derrete...” – e Luna prosseguira nessa linha de pensamento, que até chegarem em Hogwarts havia evoluído para Petauros do Açúcar e apanhadores de sonhos.


 


Ele havia achado linda a falta de jeito da menina, de uma forma meio atrapalhada, mas agora já não tinha mais tanta certeza de ter sido a melhor escolha simplesmente apreciar enquanto ela falava. Primeiro porque fazia parecer que todo seu esforço havia levado a lugar algum, de certa forma, visto que continuavam na mesma situação de antes. E segundo porque, por mais ridículo que parecesse, percebeu que não havia dito que gostava dela.


Em um primeiro momento, se sentira confortável e seguro nessa situação (afinal, se abrir assim seria baixar a guarda para as piores lancetadas imagináveis), mas esse momento passara. Agora, se sentia ridículo por não ter contado.


 


Principalmente porque, remoendo as palavras de Luna, percebeu que talvez ela não acreditasse nisso. Ou estivesse insegura sobre isso. E ele queria, demais, que ela acreditasse. E que estivesse com ele. Já que é pra fazer, melhor fazer direito, não é? Não iria desistir. Só precisava achar uma brecha entre seus mil afazeres.


 


E, do mesmo modo, ele notou que ela tampouco dissera alguma coisa nesse sentido. Ele sabia. Ela sabia. Mas será que ela admitia? Abandonara a vergonha, mas estaria pronta para deixar o sentimento crescer mais e mais? Mas como ele odiava esses jogos mentais. Não levavam a lugar algum, ao contrário, somente o deixavam com dor de cabeça.


 


“Luna, sua malquinha complicada”, pensou em voz alta. “Não gostasse tanto de você ia ver se insistia nisso”.


 


Draco não tinha certeza se alguém o vira voltar com Luna Lovegood à escola, mas parecia pouco importar. A história das panquecas e do livro, somados à um boato sobre ele e Di-Lua na enfermaria (alguém fugindo da aula deveria ter visto) já conseguiam ser suficientes para boa parte da escola falar sem parar.


 


Freya e Siegfried, rancorosos, lideravam o grupo que gritava ofensas para ele (de longe, é claro), e Pansy aparentemente havia se metamorfoseado em uma versão raivosa e histérica, onde usava todo o seu poder vocal para xingá-lo, ao invés de tentar convencê-lo a ficar com ela. “Obra da Freya, com certeza”, pensava Draco, mas de forma inexpressiva. Tanto fazia a maneira como Pansy gastasse sua loucura.


 


A maior parte da Sonserina idolatrava seu nome e poder paterno, mas morria de medo da retaliação dos Shwon. Além disso, todos eles consideravam estranhíssima aquela história da biruta do Pasquim e do Príncipe de Salazar, de modo que a reação que lhes parecia perfeita era a indiferença. Ninguém andava conversando muito com Draco ultimamente. Não que antes houvessem conversado muito. Mesmo antes do seu castigo.


 


Quando começou seu isolamento, Draco percebeu que não fazia muita diferença. A maior parte dos seus seguidores eram puxa-sacos, e ele descobriu que não tinha mais paciência para isso. A grande, imensa ironia de tudo aquilo era que a turma do Potter agora o observava de um jeito mais amigável.


 


Draco não fazia a menor questão de ter amizade com aquele povo, especialmente a sangue-ruim-sabe-tudo, mas descobriu que os respeitava por sua sinceridade. E uma parcela da legião do-menino-que-sobreviveu-nhénhénhé, indo na conversa dele, também não o hostilizava. O maior problema era sua própria casa, mas ele descobriu que podiam ir todos pro inferno se eram incapazes de respeitar alguma coisa. Oras, se até mesmo seu inimigo jurado o fazia!


 


Acabado o serviço, mas não os pensamentos, Draco deixou a biblioteca. Estava se encaminhando aos porões da Sonserina, para ver se conseguia dormir um pouco, quando a viu. Luna. Recolhendo papéis que haviam caído no chão. Draco era muito, muito forte, mas mesmo que não fosse ele não conseguiria ter coragem de reclamar da Sonserina conhecendo ela, que enfrentava todos os dias um calvário muito pior. E sempre o fazia sorrindo.


 


Sem dizer uma palavra, começou a ajudá-la. Ela ficou surpresa, mas agradeceu. Pareceu muito, muito feliz.


- São os pergaminhos da lição de Poções da Corvinal – disse ela, arrumando-os em ordem alfabética. – Snape nos mandou entregar ao fim da aula, mas como foi chamado pelo Dumbledore me mandou deixar na sala dele mais tarde. Claro que todo mundo aproveitou que teve um tempo maior, então eu tive que levar agora, mas deixei cair e... ah, mas que pena!


 


- O que foi? – perguntou Draco.


 


- Meu pergaminho. Está manchado. Onde será que esbarrei? Que pena...


 


Draco olhou. E percebeu. Não havia como aquelas manchas serem acidentais. Eram manchas de feitiço. Snape adorava tirar pontos por qualquer coisinha. Será que Luna não era tão ruim assim em feitiços?


 


Então Draco olhou para ela. Seus olhos tristes não enganavam: ela sabia que tinha sido de propósito, apenas fingia que não. Era irremovível? Então tá. Ele pegou a varinha.


 


- Isso acontece sempre com você?


 


Luna percebeu que era inútil tentar enganá-lo.


 


- Pelo menos umas duas vezes por semestre. Eu recupero, claro, mas é tão... chato...


 


Draco murmurou um feitiço, sua voz mista de ódio e de proteção por Luna. Ela não pareceu entender. Seu olhar ficou assustado ao perceber todas as folhas em suas mãos manchadas.


 


- Mas o quê...?


 


- Agora estão todas iguais – ele sorriu. – Talvez eles parem, se perceberem como isso é chato. E não poderão reclamar, uma vez que a sua também está. Será bem feito pra eles.


 


Luna não sabia se tinha coragem, sabia que não era correto, mas não podia negar que estava feliz.


 


- À prova de erros. Sou um gênio do crime. – disse ele, dando uma piscadela. – Boa noite- gritou, e dirigiu-se à sua casa.


 


Luna ficou ali, ainda parada, um bom tempo antes de entregar os papéis para o Snape. Em sua mente, sensações conflitantes interagiam sem cessar.


 


Draco não viu Luna na biblioteca, no dia seguinte, mas encontrou na sua mesa de trabalho um pacotinho de biscoitos de cardamomo, obviamente caseiros, com as letras “obrigada por tudo – Luna”, e isso alegrou seu dia. Ou, pelo menos, alegrou-o o quanto foi possível até que se lembrasse que muito em breve deveria visitar o Ewan outra vez.


 


E ele nunca soube, mas a turma da Corvinal inteira perdeu pontos pela lição de Snape, e nunca mais as coisas de Luna apareceram manchadas outra vez.


 


___________________________


È, na verdade a visita ao Ewan deveria ser neste capítulo, mas acabou que deixei pro seguinte. A idéia toda deste era explicar o que aconteceu depois de Hogsmeade e colocar a cena do “estão todos iguais agora”, que eu acho super fofinha e tal...



Acabou virando isto. Não que eu me importe, eu adoro escrever as cenas do Draco com a Luna =*** ! E acaba que a cada coisinha entre eles o sentimento cresce mais e mais, de forma ogânica!



Não tenham raiva da Luna, ela tem o pé atrás por conta de tudo que fazem, né? Mas ela gosta dele. O Draco também sabe.



Pois é, ficou pro 19 então o “coração diferente”... tudo preparação pro que quero escrever depois! =D



Podia colocar no mesmo capítulo, mas... prefiro separar, pra ficar mais curtinho!



Espero que não tenha frustrado ninguém com o desenrolar dos fatos. Mesmo mesmo! =*

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.