Capítulo 19



22/FEVEREIRO – 09:23h – SEXTA-FEIRA – AULA DE INGLÊS
O seu irmão quer mesmo que eu vá à festa dele – L


Eu disse que ele quer. Sei que vocês não são mais os melhores amigos do mundo, mas ele se importa ainda com você.


Mentira. Nem se importa.


Lily, você é uma mongol tapada!


Ai. Qual foi o objetivo de tanto amor?


Bom, sei que James não gostaria de saber que estou tendo essa conversa com você, porque ele é um cara, e todo mundo sabe que caras não falam sobre sentimentos, mas você precisa saber.


Do que está se referindo? AH MEU DEUS, ELE ESTÁ MESMO APAIXONADO PELA MICHELLE?


O quê??? Não, sua babaca! O que a Michelle tem a ver com isso?


Bem, eles estão bem amiguinhos, não acha?


Hum, dá licença, mas você era bem amiguinha dele e isso não queria dizer que vocês estavam apaixonados um pelo outro. Ou... você está agora?


Estou agora o quê?


Apaixonada pelo meu irmão!


Não! Alex, pára com isso! Eu só me preocupo com ele, porque convivi por muitos anos com meninas populares e sei que a Michelle irá magoá-lo ao cubo!


Tudo bem. Pode até ser que esteja certa.


Eu estou certa.


Que seja. O negócio é que você não percebeu uma coisa.


O que não percebi?


É que acho que o meu irmão, além de magoado, também está furioso. Às vezes penso que ele acha que é mais fácil ir viajar se estiver “odiando você pra sempre”, em vez de apenas magoado. E, entende, eu sei que James irá sentir muito a sua falta.


Duvido. Ele é uma criança que acha que só por que o julguei precocemente pode ficar achando que tudo gira ao redor dele.


Ah meu Deus. Quem está furioso aqui é você!


Estaria bem menos se James não fosse o idiota o bastante.


Ei. Cuida, Lily. Sei que você também está magoada, mas ele é meu irmão. Eu sempre o chamo de idiota, mas porque ele é meu irmão.


Ah, que se dane.


Nossa. Você precisa de um remedinho, hein.


Acho que sim.


22/FEVEREIRO – 11:00 – SEXTA-FEIRA – PROVA DE QUÍMICA ORGÂNICA E INORGÂNICA
Beleza, fiquei mesmo muito grata ao Sr. Skohg e ao Sr. Lio por terem cedido seus dois períodos para podermos realizar a prova com mais tempo e com mais calma. Mas não posso afirmar que isso tenha me ajudado totalmente ou em alguma coisa. Eu só fiquei pensando no que a Alex me escreveu mais cedo.


Será mesmo que o James não quer admitir que vai sentir saudades de mim, por isso fica mudando de humor constantemente, impedindo assim que eu note sua fúria e tudo?


Não. Não é possível. Sei que o James é muito sincero – o menino mais sincero que já conheci – e viria até mim e me diria o que está acontecendo. Mesmo que agora só me considere uma colega, o James continua sendo o James.


O meu James.


Não o da Michelle.


Porque ele nunca foi dela.


E nunca será.


Prontinho.


Hum, o quê?


22/FEVEREIRO – 12:57h – SEXTA-FEIRA – ALMOÇO
Ok, aquilo foi... foi surreal.


Mesmo, mesmo, mesmo.


Mais uma vez a Michelle estava lá na mesa de almoço. Não agüento mais vê-la em suas roupinhas curtas, como se nem estivéssemos em fevereiro. Pelo menos, ela se cobre bem mais do que a Taylor ou a Jamie. E isso poderia ser ponto verde comigo, se eu não estivesse tão a fim de mandá-la para a Tunísia sem viagem de volta.


Só que assim que me viu, ficou toda nervosa e tratou de se levantar, arrumar a saia por cima da meia-calça e, como sempre, falar comigo:


- Oi!


Acenei com a minha cabeça.


- Olha, não vou ocupar a mesa de vocês, juro que não – a voz dela estava corrida e como se estivesse com medo.


É, da Zora, eu bem sabia.


Mas, ai, tadinha da menina. A Michelle nem é uma má pessoa. Nem é tão rodada ou algo assim.


- Não, tá tudo bem – sorri, sentindo pena, porque parecia que estávamos a escorraçando de perto de nós.


- Hum – fez baixo; acho que mal a escutei. Olhou para James e logo agarrou meu pulso – Posso dar uma palavrinha com você? – perguntou-me gentil.


- Hum? – falei afogada na surpresa.


E daí ela pegou a minha bandeja das minhas mãos e a colocou suavemente na mesa. O James olhou para nós.


Fingimos que não o tínhamos visto.


Michelle, então, me afastou da mesa e fomos para perto das comidas – mas não entramos na fila -, parecendo mesmo muito aflita.


- Uau, o que foi? – olhei-a esperando se pronunciar.


- Olha, Lily, não sei o que vocês estão pensando sobre mim com essa minha aproximação repentina de todos vocês.


- Não estamos pensando nada – neguei, mentindo.


Ela lançou um olhar sorrateiro ao meu grupo, especialmente ao James, pude perceber.


Apertei os olhos.


- Não quero que você ache que, sabe como é, estou roubando-o de você – seus cabelos bateram em meu rosto assim que suas íris claras se voltaram de novo para mim.


- Roubando quem de mim, Michelle? – quis saber, completamente confusa. Achei que ela estivesse se referindo a todo o meu grupo de amigos. Não existe ninguém em especial. Então... do que falava?


- Você sabe – ela gaguejou, e voltou a focar a minha mesa – O James.


Engasguei com a minha própria saliva.


Como é que é?


Que história é essa?


- O James? – achei que a minha voz tinha até mesmo feito eco pelo refeitório, de tão alta que a soltei.


- Bem, claro que sim – ela deu de ombros, mas sua expressão estava impaciente – Vocês são quase como um casal.


Meus olhos se arregalaram.


A coisa estava ficando séria, hein. E confusa.


- Não, não – me apressei a desmentir, com as minhas mãos na altura do peito - Você está entendendo tudo errado! – acusei-a ainda com a minha incrédula – Nem mais meu amigo o James é! – afirmei.


Ela pareceu cética. Mordeu o lábio inferior e falou:


- Ah – piscou confusa – Mas achei que vocês estavam tão juntos que...


A hipótese de qualquer teoria vindo dela, quase me fez ficar tonta. Mas acho que foi por causa das lâmpadas fosforescentes do refeitório.


- Não! – exclamei com força. Alguns alunos na fila olharam para mim, então abaixei o tom: - Nós nunca tivemos nada, só amizade mesmo!


- Mas aquela sua amiga, hum, emo, gótica, não sei, me disse que vocês até se beijaram uma vez – agora ela sussurrava.


E eu quase tive um ataque cardíaco.


A Nichole está espalhando pra todo mundo que eu e o James nos beijamos ou o quê?


Caramba, que porcaria é essa?


Senti todo o meu sangue subir de uma vez só para meu rosto.


- Tudo bem. Aconteceu. Mas foi só uma vez – ah, como eu estava em pânico!


Ela ficou lá me olhando com olhos de gatinho, esperando alguma coisa.


Então se cansou, porque soltou um longo suspiro e falou:


- Não quero atrapalhar a relação de vocês, é só isso que queria lhe dizer – logo emendou: - Se você quiser ficar brava com alguém, fique comigo, porque o James é muito realmente um amor, entende. Só está me ajudando nas provas. Nada de mais. Juro, Lily.


- Woo, calma. Eu acredito em você – eu ri, mentindo pra valer. Mas quem se importa? – E não ficarei brava com vocês – fiz um barulhinho irritante com a garganta – Pareço brava com vocês? – inquiri, fazendo a minha melhor cara de Gato de Botas.


Michelle analisou meu rosto.


- Bem, não...


- E é isso aí – coloquei uma de minhas mãos em meu ombro coberto por um lindo casaquinho de lã fina – E se você estiver querendo mesmo o James, por mim, tudo bem – sorri. Falsa, falsa, falsa! Lily Evans, você deveria estar no Clube de Teatro, garota!


Mas a expressão que a Michelle não me deixou com uma fúria assassina.


- Opa, eu não estou sentindo nadinha por ele! Calmalá! – seus olhões demasiados gigantes estavam me assustando.


- Por que se você...


- Não, Lily! Ele não se importa comigo! – guinchou ela.


- Mas se se importasse, isso quer dizer que... – estreitei meus olhos.


- Não! Eu não gosto do James – falou.


Ahãm, querida.


E eu não morrerei sem ele aqui.


Somos ótimas mentirosas, hã?


Fala sério. Até parece que vou acreditar nela!


- Ah, hã... – franzi a testa, perdendo o foco. Sério, acho que eu deveria dizer para a Sra. Rings substituir essas lâmpadas brancas. Elas me fazem mesmo muito mal – Certo. Tudo bem. Eu... acredito em você – assegurei mais uma vez.


Michelle sorriu toda feliz, como se fosse a minha melhor amiga, e partiu pra cima de mim. Não, não, ela não quebrou a minha cara. Só envolveu seus longos braços em torno de meu pescoço, dando-me um abraço.


Não preciso dizer/escrever que quase morri ali, preciso?


- Gostaria que todo mundo fosse tão legal assim comigo como você, sabe – ela comentou.


Eu só pude sorrir sem graça.


E, graças a Deus, ela me largou.


- Você também é... – olhei para as paredes, procurando qualquer palavra – super legal.


Michelle sorriu toda fofa de novo.


Ai, caramba. Essa menina está precisando de um namorado!


Então, voltamos à mesa e almoçamos juntas. Eu, ela, o James, A Alex e a Nichole.


Sirius estava atrás de Alicinha, claramente; Remus na biblioteca, obviamente; Zora tinha ido conversar com a diretora, porque, bem, ela é a Zora; e o Peter estava sentado com Emmy Vance, a menina loura que sempre anda com barrinhas cereais na mochila.


E, sabe de uma coisa? Não foi muito esquisito almoçar desse jeito. Sabe, junto com a Michelle. Ela sabe um monte de piadas sobre marinheiros e sobre cachorros.


A questão é... comigo não, negão. Nunquinha que acreditarei na palavra da Michelle. Sei que ela é verdadeiramente fofa, tipo uma Taylor Swift das escolas – mas sem os cachos -, mas eu não sou idiota. Pareço ser. Só que não sou.


22/FEVEREIRO – 13:02h – SEXTA-FEIRA – CORREDOR
Não me importei com a quantidade de alunos perto de mim, eu tinha de interrogá-la.


- Então, qual é a sua desculpa por ter contado o meu segredo para a Michelle? – não digo que o meu tom estava calmo ou controlado.


E ela percebeu que não estava.


- Que segredo? – a Nichole arqueou as sobrancelhas, perdida.


- Que eu beijei o James! – sussurrei em sua orelha.


- Aaah – ela riu. Como assim riu? Não era para rir! – Bom, achei que a Michelle é uma menina confiável, sabe. E contei.


- Ah, e você me ouviu lhe dando essa autorização? Que você podia contar sobre isso para mais alguém?


- Ah, Lily, qual é... – ela rolou os olhos.


- Qual é coisa alguma! – exclamei – A Michelle é... – hum, do mal? Não sei.


- Olha, não tenho tempo para a sua crise de ciúme, ok?


- O quê? Ciúme? – eu ri.


- É obvio que sim. E é muito desnecessário, já que o James é seu e tudo.


- Ele não é meu!


- É, sim. Só que você não está fazendo nada para conquistá-lo para sempre.


E dizendo isso, entrou na sua sala de cálculo. Acho que tinha prova.


Mas como assim?


Eu NÃO quero conquistar o James. Ele só é um amigo. Não conquistamos – daquele jeito – amigos!


O que está dando nas pessoas à minha volta, hein? É um complô, por acaso?


22/FEVEREIRO – 14:12h – SEXTA-FEIRA – PROVA DE GEOGRAFIA FÍSICA E HUMANA
O que a Michelle queria conversar com você lá no almoço? – A


Ah. Nada de mais. Só queria saber se eu podia ajudá-la em Inglês


 Tudo bem, vou mesmo para o Inferno, então não preciso ficar medindo as minhas mentiras.


E ela a abraçou, só porque concordou em ajudá-la?


É. Sabe como são as populares: agem por impulso.


Mas ela é fofa.


Aham. Muito.


 Era ironia. Mas no papel não podemos exportar ironia. Mas tanto faz. A Alex acreditou que eu tinha concordado e não falou mais nisso.


 E sobre Geografia. Cara, eu gostaria de ao menos saber por que estudamos isso. Não é como se algum dia eu vá cair em um deserto e ter de voltar para casa seguindo os picos de montanhas ou formiguinhas, sabe.


 22/FEVEREIRO – 15:31h – SEXTA-FEIRA – ÔNIBUS
Essa Michelle é filha de uma lhaminha desgraçada mesmo, viu! Ah é. Eu acredito muito nela. Até parece!


Quero dizer, para alguém que não quer nada com o meu melhor amigo, ela está saindo da rota completamente!


Se me afirmou que não o quer roubar de mim, porque eu a vi com aquela saia fofa de babados (e curta demais para a estação) entrando no carro do James? Ele foi levá-la à sorveteria? Ahãm. Só se a sorveteria fosse dentro do quarto dele ao algo assim – o que é surreal demais, porque, por mais que os Potter tenham uma montanha de dinheiro fabulosa, não têm uma sorveteria dentro de casa, que nem às vezes eu vejo naquele programa da MTV.


Não acredito que ele ofereceu carona a MICHELLE e NÃO a mim! O que ele acha que sou? Cria do Satã? Não, porque quem é, é a minha avó.


Mas me tornarei cria do Satã se essa menina continuar a ser tão promíscua e falsa.


E não estou nem aí se a estou julgando errado.


O diário é meu e eu falo mal de quem quiser! Falo MESMO! Oras!


22/FEVEREIRO – 14:50h – SEXTA-FEIRA - QUARTO
Ah. Meu. Deus.


Acabei de entrar no túnel do fim da minha vida.


Se antes eu estava muito ferrada, agora estou nadando em um azar imenso.


COMO É que isso aconteceu? COMO É que eu não percebi? Já sei: sou a maior idiota de todas.


É como quando surtamos e achamos que somos as maiores esquecidas do mundo depois que perdemos o nosso, sei lá, lápis favorito. Não que eu seja muito adaptada a escrever de lápis; prefiro lapiseira. Mas tanto faz. Imaginemos que o objeto perdido seja um lápis. Daqueles que tem desenhos de bichinhos fofos. Então, viramos o nosso quarto de avesso para encontrar o lápis perdido. Ficamos HORAS procurando-o. E, assim que sentamos na cama, derrotadas pelo cansaço, sem querer enfiamos as mãos no bolso do nosso casaco de lã de ficar em casa - porque ele é tão horroroso que você só o usa em casa, aos fins de semana – e sentimos uma coisa bem parecida com um lápis em um dos compartimentos. Olhamos. É o lápis perdido! Amaldiçoamo-nos e não acreditamos que perdemos tanto tempo em procurar uma coisa que estavam bem ali, pertinho de nós.


É assim que estou me sentindo. Uma idiota que não consegue nem mesmo se dar conta que tudo o que precisa está bem ao meu lado, bem mais perto do que imaginava.


Então, eu estava bem quentinha e bem feliz – na medida do possível; tudo bem é mentira – ouvindo The Ready Set, que é bem felizinho para o meu estado deprimente dos últimos dias, porque acho que meu cérebro já estava berrando: “SE VOCÊ OUVIR MAIS UMA PALAVRA DESSA TAYLOR SWITF, VOCÊ MORRE!”, quando levei um BAITA susto. Isso porque, apesar da altura do som nos meus ouvidos, alguém com a fúria de um javali se adentrou em meu quarto e berrou:


- Pare de bancar a criança e levante-se agora!


Eu só fiquei olhando para a minha avó, com uma surpresa enorme.


- Humm, dê licença, mas esse é o m... – comecei a retrucar, tipo, numa boa, sabe. Sem irritação. Acho que tudo o que sentia era depressão. Mais nenhum sentimento é capaz de ser extravasado por mim. Sério. Não consigo nem mesmo ser irônica com a D. Julia!


- Dê licença coisa alguma! – agora a minha avó tentava arrancar as minhas cobertas de cima de mim, e pelo jeito, ganharia – Eu mandei levantar, Lily!


Sem largar meu i-pod, sentei-me na cama, sentindo-me ficar desprotegida após D. Julia jogar meu coberto de tigre em cima da cadeira da escrivaninha.


- O que é? – perguntei sem demonstrar emoção.


- Tire essas porcarias das orelhas, porque só irei falar uma vez – seu dedo apontou para os fones de ouvido, ainda em minhas orelhas.


Só que eu totalmente consigo prestar atenção nela e na música. Eu sempre soube como fazer um monte de coisas escutando música. Tipo... escrever. Ou ler um livro. Sei que existem pessoas que têm dificuldades de concentração, que não podem nem mesmo escutar as folhas do jardim voando, para ler ou sei lá. Mas, de tanto que sou dependente de música, aprendi a manter a concentração nas duas coisas. Nos livros e nas músicas. Para mim é algo normal. Só que é claro que minha avó não consegue enxergar essa minha habilidade.


No fim, arranquei a música de meus ouvidos, mais deprimida ainda, porque, depois que rejeitei Breathe (da Taylor) um milhão de vezes, Stays Four The Same estava me fazendo querer ter um momento feliz com a voz pop do Jordan. A Taylor estava raptando muito rápido as minhas forças de felicidade.


- Certo. O que você quer? – não estavam a fim de falar, muito menos de ouvir o que quer que ela pretendesse me dizer, mas sabia que não tinha alternativas. Era MORTE ou MORTE.  


- Quero que você se vista decentemente e me diga o que está acontecendo de verdade. Sem mentiras, desta vez – pude perceber seu olhar sereno e duro. Mas, acho que por trás de tudo isso, consegui deslumbrar um pouco de compaixão. É esquisito ver isso nela, já que D. Julia mal se importa com as vacas que morrem desnecessariamente para alimentar um mundo totalmente egoísta. Imagine se irá se comover com a depressão da única neta? Ela prefere sair para fazer compras. Ao menos, era isso que pensava antes de vê-la tão irritada ali, no meu quarto, me obrigando a me levantar e agir de acordo com a sua vontade.


- Humm, se eu contar a você, você pode me deixar continuar a morrer de tédio aqui na minha cama? – arrisquei.


- Você pode morrer de tédio no consultório da sua mãe, porque é para lá que a levarei se não me obedecer. Daí, além de contar a história somente para mim, contará para ela também. Quer isso? – sua voz estava tão estreita e tão rugida que minha cabeça deu um nó.


Não acredito que ela estava me chantageando! Não é de hoje o meu trauma de me sentar na cadeira estofada de mamãe para ficar contando os meus problemas estúpidos forçadamente. Quero dizer, eu consigo dividir meus problemas com minha família – lê-se aqui minha mãe -, de verdade. Só que o negócio de mamãe ser psiquiatra é assustador. Sempre parece que no final de qualquer conversa mais íntima, ela vai me receitar algum medicamento. E, tudo bem, provavelmente ela devesse fazer isso, porque acho mesmo que devo ter alguma síndrome ainda não descoberta pela medicina psíquica.


Mas, bom, ainda assim, minha avó não tem o direito de me chantagear!


D. Julia é muitas coisas. Chata, urubuzeira, irritante, dramática, desprovida de sentimentos, mas chantagista? Essa é nova. Certo, mentira. Ela sempre me chantageou, desde filhote. Sempre ficava, tipo: “Se você não escolher a blusa rosa, não irá ganhar aquele sorvete!” ou “Se você não fizer isso, contarei para a sua mãe sobre aquela vez que você derrubou a estátua chinesa dela!”. Basicamente, acho que vivi sendo chantageada. Vivendo no TERROR.


- Não! – exclamei, me rastejando pela cama, até o pé dela, para ficar mais perto de D. Julia, caso eu tivesse de agarrá-la e impedi-la de correr até a minha mãe.


- Muito bem. Sou toda ouvidos. Demore o quanto quiser. Só quero saber se terei de fazer alguma coisa para consertar o seu coração – ela me disse, fazendo um gesto com as mãos que indicava que eu deveria me afastar dela. E daí D. Julia sentou-se na minha cama e ficou com aquela cara de expectativa.


- Consertar o meu coração? – franzi a testa, confusa.


- Exato. Talvez, se você conseguir me contar o que está havendo, descobrirá o porquê desta minha frase.


Suspirei, começando a sentir alguma coisa incômoda em mim. Podia ser a irritação que estivesse voltando para onde nunca deveria ter saído.


- Olha, eu sei o que tenho, certo? Não preciso de você como psicóloga ou sei lá – foi a primeira coisa que falei. Acho que estava querendo ser muito mal-agradecida, mas pelo jeito, minha avó não percebeu isso com os mesmos olhos.


D. Julia permaneceu com olhos de gato pra cima de mim, completamente na espera, como se eu nem tivesse falado nada. Acho que aguardava qualquer tipo de confissão vergonhosa. Tipo, que não suporto mais a voz doce da Taylor Switf. Ou então, que estou apaixonada secretamente por música alternativa, principalmente depois de ter ouvido repetidas vezes NeverShoutNever e The Ready Set.


- Me conte como foi a apresentação com o James, você não me contou todos os detalhes – ela me incitou, ainda que levemente. Porque eu não pretendia tocar no nome dele. Do James. Era algo que, além de machucar meus tímpanos, machucava igualmente minha alma.


- Não quero falar sobre isso – decretei.


- Foi tão péssima assim?


- Não – lancei um olhar magoado a ela -, eu cantei direitinho e tudo. Mas o James nem mais quer ser fofo comigo!


Não acredito que tinha acabado de confessar alguma coisa para a MINHA AVÓ! Sobre O JAMES!


O que eu tinha na cabeça? Com certeza, não era um cérebro. Não em completo funcionamento.


Claro que, ao ouvir o nome de James ela se iluminou. 


- Hummm. E por que se incomoda com esse fato? Achei que você não quisesse mais saber dele – ela avó me confrontou.


- Eu o quero de volta, ok? Quero-o novamente como meu amigo! – exclamei.


- Certo. Então, o que está lhe impedindo de fazer algo?


- Tudo. Ele, eu, essa minha mágoa... a viagem dele – eu balançava a cabeça com um que de vergonha, acho. Não sei bem se era vergonha, sei que era algo que estava me incomodando muito. Algo um tanto parecido com... derrota. E não era nada bonito me sentir uma derrotada, sendo que, se pudesse fazer algo para consertar as coisas, totalmente estaria dando o meu sangue para concretizar isso.


D. Julia franziu a testa de repente, muito de repente, como se estivesse andando no centro da cidade e o Jack Nicholson tivesse pulado em sua frente, dizendo que estava querendo assaltá-la – mas, claro que se o Jack Nicholson, algum dia, quisesse assaltar minha avó, sofreria as devidas conseqüências por ter sido tão estúpido. Ela pularia em cima dele e ficaria fungando em seu cangote até arrancar um beijo dele ou algo assim. Ela é apaixonada por ele desde Melhor é Impossível. Tipo, acho que o respeito muito, adorei muito esse filme, mas mesmo assim. Ele é um velho de peitos flácidos!


Mas, bem, me surpreendi com a esquisitice abrupta dela. D. Julia não é capaz de entrar em um estado leve de estupor nem se lhe dissessem que o petróleo proveniente da Arábia Saudita se esgotou completamente. Bem, porque talvez ela não saiba que se o petróleo de lá acabar, estourará uma imensa crise mundial. As garrafinhas de plástico, as canetas Bic, os CDs e os sacos plásticos estariam com os dias contados. Mas, claro, minha avó nunca pensa nessas coisas, porque, desde que ela ainda possa continuar a gastar seu dinheiro virtual de seus cartões de créditos, tudo está bem.


- O James irá viajar? – ela parecia um tanto enjoada, mas talvez só fosse o cheiro de incenso de laranja que se alastrava pelo meu quarto.


- Sim – confirmei, sem ânimo – Para o Canadá. Para sempre, acho.


Agora ela decididamente estava mais do que esquisita. Estava... sem palavras. E nunca a vi sem palavras. Nem quando viu a Lady Gaga na MTV, pela primeira vez. Ela só disse: “Qual é o problema deste mundo em passar bons exemplos à sociedade adolescente?”. Agora, ela, paulatinamente, foi direcionando sua mão direita à boca, como se estivesse se obrigando a ter algum tipo de reação.


- Para sempre? – ela repetiu, abrindo um espaço entre seus dedos e sua boca, para que o som saísse abafado, mas audível.


- Bem, talvez não. Ele quer estudar francês por um período. Acho que irá ficar por lá por um ano, até ser aceito novamente na faculdade que escolheu – sinceramente, não faço idéia como consegui explicar isso a ela, porque minha garganta estava tão afogada, lutando fervorosamente contra aquele choro que subitamente queria se romper, que achei que não seria capaz de pronunciar uma só palavra.


Mas minha avó escutou e continuou quieta, como se eu estivesse lhe dando um sermão.


Quando achei que ela tinha perdido de vez a voz, e já tinha perdido minhas esperanças nessa coisa de ela querer me ajudar e tudo o mais, quis saber:


- Quando é o dia da viagem?


Era impressão minha ou ela parecia muito abalada, tal como eu? Claro que ela não estava sentindo aquela coisa estranha, mas creio que igualmente não estava se sentindo feliz. Não mais, pelo menos.


- Segunda-feira – informei-a, praticamente me sentindo um soldado derrotado na guerra de independência dos EUA – Estou ferrada – resumi, suspirando, sem querer.


Ai, que ódio! Qual era o meu problema? Por que estava sentindo aquela coisa estranha? Eu nem sabia o que era, de fato! E acho que nem almejava descobrir, porque, e se fosse uma coisa ruim? Não queria me sentir ainda mais deprimida!


- Segunda-feira é muito perto – ela constatou e, no segundo posterior, carregava uma carranca histérica no rosto. Exclamou, desesperada: - Ele praticamente já está preparando as malas! COMO É QUE VOCÊ ME CONTA ISSO SÓ AGORA, LILY? – ok, ela tinha surtado de vez, não nego. Até pulei na cama, de susto.


- Bem... eu já o perdi. Isso é inquestionável. Até parece que importa – dei de ombros, sem querer lhe dar a resposta verdadeira: que ela é a minha última opção. Não queria que minha avó acabasse me batendo também. Seu berro já tinha surtido efeitos bem traumáticos, porque, sabe, gritar com uma deprimida não é muito legal.


- Então... você está mesmo desistindo? – seu tom de voz não estava necessariamente baixo. Ela parecia muito arrependida por ter sido muito boazinha no começo da conversa. Sei que estava muito a fim de me fazer ouvi-la com aquele tom de voz severo que me apavora completamente.


- O que quer que eu faça? Que me jogue de uma ponte e o faça sentir-se culpado pelo resto da vida? – perguntei recuperando minimamente a minha selvageria habitual para com ela – Acho que o James nem mesmo se sentiria culpado; iria se sentir feliz por eu ter batido a cabeça no asfalto e os médicos não conseguirem deter a minha hemorragia cerebral!


Isso não a fez desarmar. Continuou sustentando aquela expressão “você é a próxima a fazer uma visitinha aos arcanjos, mocinha!”. Não movi um músculo da face ou do tronco; acho que quando estamos deprimidas não conseguimos nem mudar de posição para fazer a câimbra do pé cessar.


- Lily Evans, não me obrigue a ser ainda mais sarcástica do que você! – ela bateu as mãos no colo, realmente impaciente – Não é possível que, depois de tanto tempo sendo minha neta, você ainda não aprendeu nem a metade das minhas lições! – exclamou ela, frustrada.


- Hum, eu não sou uma futura princesa que necessite de lições, D. Julia – falei. Achei realmente que minha avó estivesse, tipo, querendo me relacionar à Mia Thermopolis, ou sei lá. Achei mesmo que ela estivesse brincando comigo.


- O quê? – por um mero segundo, a confusão tomou conta de sua pessoa, mas daí: - Claro que não! O mundo seria muito ignorante se elegesse você como uma princesa vigente!


Não pude nem mesmo me indignar com sua frase, porque sei encarar perfeitamente uma verdade bem colocada.


- Verdade – minha voz saiu mínima.


Ela me ignorou e continuou:


- Meninas não desistem, Lily. Não meninas que têm convicções e compromissos!


- Não tenho compromisso algum com o J...


- Você acha que eu desisti quando meu pai me mandou para Sally Mount? Pelo contrário! Por mais que ele não soubesse nem da metade do que eu fazia no meu tempo presa naquela escola opressora, mantive segredos e planejei meu futuro sem a ajuda de nenhum professor pacato!


- Tá, mas o que isso tem a ver com o meu prob...?


- Shiii! Me ouça, Lily! Me ouça! – ela se aprumou mais em minha cama, com cara de quem tinha acabado de arrancar uma unha encravada.


Calei-me, surpresa. Sua voz estava muito afobada e urgente. Como se precisasse salvar seu par de sapatos favoritos da chuva.


- Você está cega. Completamente fechada para o mundo. E isso não é digno de uma menina que escreve contos sobre o amor inglês medieval! – a minha avó me disse.


E foi aí que fiz a cara mais franzida da minha vida. Como é que ela sabe dos meus contos? Eu nunca nem mesmo os mostrei a minha mãe. Quero dizer, quero ser uma escritora, mas acho que começar a publicar meus textos mais vergonhosos não é um modo especial e honroso de se começar.


- O... quê? Como é que você sabe sobre meus contos? – agora a idéia de poder ler meus contos sobre o amor inglês medieval em um livro de contos criados por escritoras de dezoito anos completamente me aterrorizou.


- Você é tão desorganizada que mal sabe onde é que guarda suas próprias obras literárias – ela me contou com descaso – Então, Lily, quando é que vai começar a ser sincera consigo mesma? Em relação à escrita e ao James? – questionou-me.


E só fiquei olhando para ela como se estivesse na frente do Zac Efron. Não conseguia acreditar numa coisa tão idiota!


- Eu não sei do que está falando – rapidamente neguei com a cabeça. Não sei se estou preparada para mostrar ao mundo a verdadeira Lily. A Lily que quer ser alguém.


- Sabe sim. E cabe a você dar o rumo certo a essa história. À história da sua própria história. Porque, daqui a uns anos, pode ser que se torne uma gorda solteira adoradora de gatos pelo fato de ter desistido de ser feliz.


Uau. Talvez uma clínica de reabilitação mental é uma boa para a minha avó. Sinceramente.


- D. Julia, tudo bem. Eu quero realmente tentar publicar os meus trabalhos, mas não sei se estou mesmo fazendo a coisa certa. Parece... loucura. Sei que se escrevesse um livro acerca de uma menina que se apaixona por um garoto que acabou de conhecer, minhas chances de me ver auto-realizada seriam gigantescas. Só que ninguém se interessa por uma escritora que disserta sobre o contraste que a África sofre desde a colonização francesa! – isso é tão verdade que não pude interferir em meu emocional. Meu desespero estava transbordando geral.


- Esse livro acerca da menina que se apaixona por um garoto que acabou de conhecer seria baseado na sua experiência com o James? – acho que ela estava me alfinetando, ainda que sua voz não estivesse ácida ou algo assim.


- O QUÊ? – berrei, sentindo meu estômago se revirar, mesmo que ele estivesse vazio.


- Você está apaixonada por ele, Lily. Todo mundo sabe, todo mundo vê, exceto você. E talvez ele, se é que o pobrezinho já entendeu tudo e é tão cavalheiro que está esperando o momento certo para lhe comunicar seus sentimentos a você.


- ISSO É MENTIRA! – exclamei – Ele não está apaixonado por mim! Claro que eu gostaria que nós tentássemos alguma cois... – arregalei os olhos. O que estava passando mesmo na TV? Acho que era hora de eu calar a boca.


As sobrancelhas da D. Julia se ergueram muito.


- Você o quer. Só não consegue aceitar o fato de que estragou tudo – ela tomou fôlego – Então, saia dessa cama e comece a pensar em um modo de impedi-lo de sair deste país.


- Eu não... eu não... – olhei para minhas mãos suadas. Por que elas estavam suadas? E por que meu coração tinha disparado tão rápido que podia jurar que daqui a um minuto teria um ataque cardíaco?


O que estava acontecendo comigo?


- Você sim. Você sim – D. Julia afirmou veemente.


- Não... Eu não estou vivendo numa mentira. É tudo verdade: não estou apaixonada por ele. O James é só... – meus olhos foram de minha avó para as paredes. Ah não. Será mesmo que estou forjando tudo isso?


- Hummm?


- O James é só... um amigo especial – terminei vagamente.


- Amigos especiais sempre são especiais de um modo desconhecido. E você tem que começar a aceitar essa coisa estranha que sente quando está com ele. Você sente algo diferente, não é?


- Não sei. Quero dizer, às vezes sim. Mas não é como se... Bem, claro que é diferente do tempo em que eu amava o Jason. Muito diferente até. Nunca tive cumplicidade alguma com ele, e o James é sempre tão atencioso e prestativo e fofo. Bem, era. Ainda assim, ele me faz sentir... – não sabia por que estava confessando tudo aquilo à bruxa do mal de Londres, mas achei que fosse útil. Além do mais, as palavras saíam de minha boca antes que eu tivesse a noção do que fazia. E ele me faz sentir como? Compreendida? Alegre? – Amada.


Minha avó subiu a expressão.


- Amada? – sua voz ecoou por meu quarto muito, muito fascinada.


- Sim – confirmei -, e parecia que sempre ele queria me ver feliz, feliz de verdade. Ele sempre programava saídas que sabia que eu não iria recusar. E ele até dançou comigo! O Jason nunca fez isso – parei atônita. Caramba. Por que eu estava admitindo tudo aquilo se não fazia nenhuma importância? E se fazia, qual era a importância? O James nem liga mais para mim! Mas talvez a importância esteja na minha vida. Talvez ele importe para mim. Talvez, não. O James completamente importa para mim. Se não fosse assim, eu não estaria tão desesperada por conta de sua partida para o outro lado do mundo – AhmeuDeus – sussurrei, ao me dar conta de uma coisa, que me fez sentir um solavanco no estômago – Eu estou apaixonada por ele – tirei meus olhos do pôster da Hayley e procurei o rosto de minha avó.


Ela ficou impassível. A não ser pelo sorrisinho vitorioso nos lábios enrugados.


- Parabéns, você acabou de descobrir o que tem – ela me disse sem entonação alguma.


Abri minha boca. Fechei-a. Por que, pela primeira vez na vida, olhar para o pôster gigante da Hayley não estava me ajudando em nada? Eu nem conseguia pensar em alguma coisa boa. Só conseguia pensar: “YEEY, Lily, você está tão ferrada!”. Ai, quero a minha morte.


Ai caramba.


- Isso é... você acha que sou a maior mentirosa do mundo? – eu quis saber, depois de ter perdido a fala por alguns segundos.


- Se isso lhe incomoda, acho que sim. Mentiras nunca se sustentam por muito tempo – ela me disse.


- Mas... mas... mas ele vai embora! – exclamei.


- Então, intervenha! Detenha-o!


- Como? Eu fracassei nosso relacionamento completamente! – minha cabeça se balançou pesarosamente.


- Isso é verdade. E isso significa o quê? – ela esperava a minha resposta avidamente.


- Que... ficarei sem ele para sempre e nunca serei capaz de lançar livro algum, conseqüentemente me transformarei em uma velha gorda adoradora de gatos? – arrisquei bem dramática.


- Por um lado sim, mas só se você ficar aí na cama ouvindo essas canções horrorosas.


The Ready Set nem é ruim, D. Julia. Ela nem nunca viu o rosto do vocalista da banda, porque acho que se visse, do modo como ela é obcecada por rostinhos bonitinhos, completamente o iria adorar. Mas essa é só a minha humilde opinião. Eu sou muito mais o James, porque ele me deu forças para cantar a minha música preferida na frente de mais de mil alunos. O Jordan nunca fez nada por mim, além de... bem, fazer músicas fofas e divertidas. Mas acho que ele não fez isso por mim, acho que fez mais por ele. Bem, tanto faz.


- Ah, perfeitamente aceitável – concordei.


- Então, amadureça e comece a confiar em si mesma. Pare com toda essa história de que é um fracasso. Você não fracassou ao cantar, não fracassou ao escrever aqueles contos. E não irá fracassar em seu livro sobre a África nem com o James – ela desandou a falar, com um ar todo sério.


Meus olhos brilharam e o a ânsia de choro voltou.


- Você acha realmente que não sou um fracasso? – minha voz estava muito agradecida.


- Se fosse, não teria realizado tantos feitios. Nem teria tanta coragem para começar a admitir que precisa de ajuda – ela respondeu com naturalidade.


Não sei, de verdade, o que me deu, mas eu encostei minha cabeça em seu ombro. Exatamente como fazia com a minha mãe quando eu e Jason brigávamos. Minha avó nem me repeliu ou se moveu.


- O que faço agora? – eu quis saber.


- O que o seu coração lhe mandar. Ele pode lhe ensinar muito mais coisas do que eu, Lily.


- Mas... acho que nesse quesito sou um fracasso. Mal consigo suportar o fato de que me separarei daqui a dois dias do meu amor inglês contemporâneo! – exclamei, ferida por dentro. Acho que eu parecia um gato miando. Que triste.


- Não desista, Lily. Não renuncie a felicidade.


Fiquei ali encostada na minha avó, como se fosse, sei lá, um bichinho de estimação carente por muito tempo.


Minhas lágrimas escorriam por meu rosto de um modo fervoroso e contínuo. Não tive como freá-las. Pareciam ter vida própria. E tudo o que eu sentia era vergonha por ter mentido tanto.


Acho que sou a maior mentirosa do mundo, sério.


E, agora que sei que a verdade existe, cabe a mim tentar consertar o que fiz. Só que não sei como, já que só tenho dois dias para reverter todo o mal que causei ao James.


Não acredito que confundi frisson e amizade com amor! Que estúpida que sou. Deveria ir para a guilhotina, se ainda houvesse esse tipo de instrumento de morte nos dias de hoje.


22/FEVEREIRO – 20:25h – SEXTA-FEIRA - QUARTO
Sinceramente, alguém precisa me deter. AGORA.


QUAL É o meu problema? Tipo assim, pra que quero ir à festa da Anne? Sei que ela totalmente me convidou, até disse que queria mesmo que eu comparecesse, como se eu fosse a Taylor ou alguém assim. Mas acho que tudo isso é resultado de sexta passada. Sabe como é, o debate, e o fato de que sou a vice-presidente daquela escola de loucos. Só que, não é porque a maioria da galera popular – que não aprova mais a Taylor e seu grupinho do mal – agora me acha razoavelmente interessante – e começou a me convidar para as festas das quais eu só entrava com a Taylor, porque se fosse sozinha só ririam da minha cara de falariam: “O que VOCÊ está fazendo aqui, nerd?” – que irei me aderir a essa gente. De todo modo, eu já sei como é fazer parte da galera popular – meio que indiretamente, claro, já que nunca fui a líder de algum pelotão de robôs frescos e afetadinhos – e posso dizer que é tudo muito idiota. Você é convidada a festas que tem música alta demais, com letras que ninguém entende e que só vai gente que você não dá a mínima, por mais que finja que sim, e que lota as casas e só arruma confusão. Até hoje eu me pergunto: “Sério que é isso que estou perdendo por não ser a menina mais bonita do colégio?”. De verdade, ficar em casa com o meu pijama de ursinhos, comendo sorvete e assistindo às minhas séries favoritas é muito mais produtivo e divertido.


Mas, bom. O negócio é que, de última hora, resolvi ir dar uma conferida nessa festa. E isso nem tem a ver com o fato de que o James também vai. E a Michelle.


Hum, possivelmente tem sim, mas quem disse que eu dou o braço a torcer? Além do mais, não foi a minha avó mesma que me disse que eu deveria fazer alguma coisa? Pois então, irei fazer. Não sei o quê, mas irei. Quem sabe eu possa fingir que não estou ligando para a partida dele e o convencer numa boa a ficar. Isso se ele se prestar a conversar comigo por cinco minutos. Ah é, ele vai total ficar conversando comigo. Porque ele nem tem nada melhor a fazer, tipo, dançar com alguma menina mais legal do que eu. Se não considerarmos a Michelle, claro.


Oremos para que pelo menos metade do meu plano dê certo. Isso se eu conseguir chegar à festa, porque, aparentemente, meus pés não estão querendo ir para lá.


22/FEVEREIRO – 23:17h – SEXTA-FEIRA - QUARTO
E daí que a minha avó ficou:


- AONDE VOCÊ VAI?


Ela completamente parecia muito chocada, especialmente porque eu tinha escolhido o vestido rosa degradê de strass e de babadinhos abaixo da cintura. Mas eu não estava muito a fim de discutir o que estava vestindo. E eu só precisava saber se alguém me levava até a casa da Anne.


- Mas você não tinha me avisado que iria sair hoje, Lily. A louça ainda está lá na pia para você – foi o que a minha mãe, lá no sofá, me disse, aborrecida.


Certo, mãe, irei ficar em casa para lavar a louça e perder o único cara que conseguiu me deixar na depressão. Acorda!


- Lavo quando chegar. Não irei demorar muito. A Anne me pediu para ir, então não posso dar uma de chata – eu mesma não agüentava a minha impaciência, mas foi necessária, porque assim a minha mãe podia sair do meu pé.


Aliás, tanto faz qual fosse a minha desculpa, eu decididamente estava disposta a ficar de castigo por conta dessa festa.


- Você sabe que eu não gosto quando você faz coisas assim, Lily – percebi os olhos de mamãe pequenininhos, mas dei de ombros.


- Deixe a menina, Kristen. Ela precisa sair um pouco de casa. Você não tem idéia de quantas horas a Lily fica lendo aqueles romances água-com-açúcar e escutando aquela menininha chatinha cantando – foi a vez de a minha avó sair em minha defesa.


Que milagre. Ou nem tanto, porque pode ser que ela já soubesse de todo o meu plano, e é claro que não me impediria de sair de casa se fosse para consertar as coisas com o James.


- Ei, a Taylor Swift não é chatinha – era tudo o que eu tinha a dizer a D. Julia.


A Taylor sempre odiou a Taylor Swift. O que é bem estranho, principalmente considerando que elas têm o mesmo nome e têm os mesmos olhinhos. Apesar do cabelo da minha ex-Taylor ser uma coisa mais platinada e totalmente liso, ela ainda parece uma inspiração da Taylor Swift. Mas acho que sempre foi por isso que ela nunca gostou da Taylor da música. Taylor sempre me disse para largar o meu i-pod e as musiquinhas da Swift, porque eu estava me contaminando. Ela dizia:


- Caramba, Lily. Você tem que parar de escutar essa menina, porque se continuar vai acabar virgem, sozinha e morando em uma fazenda no Tennesse. Sem contar que ela tem uma doença chamada romantismo e isso pega e é o mal da vida. Sério, como você pode gostar dessas musiquinhas tão melodramáticas e choronas? Será que ela conhece uma coisa chamada sorvete? Você e ela podiam se juntar em uma tarde dessas e tomar um potão de sorvete para largarem de ser tão entediantes. Que saco vocês são.


T sempre achou que um pote do seu sorvete favorito acaba com qualquer mágoa ou TPM.


Eu sempre ficava:


- Mas, T, você nem nunca deu uma chance a ela. Como você pode saber que ela é tão chata assim?


Mas, sabe. O negócio da T é que, na verdade, tem um baita ciúmes e inveja da outra Taylor. Talvez porque ela nunca soube tocar violão ou ser tão fofa e simpática com as pessoas. Ou talvez porque tenha inveja do suposto romance da Taylor Swift com o Taylor Lautner. Ou talvez porque não saiba cantar. Ou talvez porque simplesmente odeia tudo e todos que gosto.


Bem, não importa. Porque eu estava começando a ficar agradecida a minha avó por ser tão irritante e conseguir arrancar qualquer confissão de mim, exatamente como fez à tarde. E não posso deixar de lembrar que, se não fosse pela Bruxa de Londres, meu coração ainda estaria todo confuso e mentindo para si mesmo, como tem feito por todo esse tempo. Até hoje, graças a ela.


- Tanto faz. Você não pode continuar a se degradar daquele modo – D. Julia me disse, pouco se importando para o que eu tinha dito, e então, virou-se para minha mãe: - Leve-a até a festa, Kristen.


Não é preciso dizer que minha mãe ficou com uma cara de incredulidade e só disse:


- Até parece.


Então, meu coração disparou, louco pela idéia de que talvez eu não fosse nem mesmo chegar à casa de Anne.


- Mã-ã-e! Por favor. Não quero pegar um ônibus de vestido de festa! Só hoje, vai – rapidamente eu estava implorando.


- Essa tal de Anne é tão importante assim? – ela me devolveu furiosa, nem se movendo.


- É, é sim. Ela é totalmente fofa e me convidou, não por que a Taylor nem foi convidada, mas porque quer mesmo que eu vá – achei que um pouco de drama fosse amolecer o coração dela. Mamãe sempre reclamava que ninguém me convidava porque me achavam legal e sempre dizia que era muito injusto a Taylor me levar a tira colo às festas em que ia. 


- Tudo bem, você venceu, mocinha, mas não vá se acostumando, porque não acredito que irá me faz perder a reprise de Psych – subitamente, minha mãe rolou os olhos e se espreguiçou. Ela tinha caído no drama. YEEY.


Em poucos minutos, mamãe tinha trocado o pijama por um conjunto de moletom branco e calçado o seu tênis de corrida.


- Então, a Alex ou alguma das meninas também vai? – minha mãe quis saber, já no carro, quando viramos na Avenida.


- A Zora é presidente, lembra? Então parece que agora alguns dos populares estão dando algum valor para nós.


- Para quem? – ela franziu o cenho, confusa.


- Nós, os impopulares – expliquei.


Ela detesta essa coisa de “populares” e “impopulares”, porque a escola é um lugar de aprendizado e não de competição de status, mas ela só diz isso porque nunca teve de conviver com toda aquela gente obcecada por esportes, maquiagem e roupas de marca.


Ela fez uma careta.


- E por que não pegou carona com uma das meninas? – é claro que ela não tinha aceitado muito a idéia de sair de casa numa sexta-feira à noite para me levar a uma festa, quando tinha que assistir aos seus programas favoritos. Acho que herdei isso dela.


- Porque decidi ir à festa agora a pouco. Achei uma desfeita não comparecer, quando a Anne foi tão legal comigo – falei, e isso nem era uma enorme mentira. Eu também achei muito esnobe essa coisa toda de eu fingir que não estava nem aí para a festa da menina, sendo que ela me deu convite e tudo.


- Hum. Pelo menos você está saindo de casa. Depois que você e o James brigaram, você anda muito caseira.


- Mãe, eu sempre fui caseira – lembrei-a aborrecida - Só que o James sempre me propunha saídas indispensáveis.


- Sinto falta dele – mamãe disse, distraída, de olho nos carros da outra rua.


Meu coração se apertou. Achei que fosse chorar, mas respirei fundo e pensei que, no fim das contas, ir à festa fosse me fazer bem.


- Eu também – concordei, com a minha voz baixa. Acho que mamãe nem me escutou.


Apesar de eu estar decidida a fazer alguma coisa – sei lá o que, mas tanto faz -, não sabia se sairia da casa da Anne cantando algum tipo de vitória. Eu nem sabia como estava caminhando naquele sapatinho de princesa! Imagine! Podia ser que eu tropeçasse na escada e desse de cara no chão e acabasse sendo a piada da festa, e daí, não teria chance alguma de conversar com o James, mesmo que por alguns segundos.


Mas eu estava desesperada demais quando passei pela porta de carvalho da sala da Anne para me jogar no chão por conta do sapato idiota – mas fofo.


Mesmo sem querer, começava a me sentir enjoada, talvez pelos hálitos alheios, que exalavam bebidas alcoólicas. E não era apenas cerveja. Aparentemente, Anne podia comprar champagne, vodca e vinho. Não sei com que dinheiro, porque, logicamente, pais não deixam cem dólares nas mãos dos filhos quando vão viajar para eles comprarem bebidas que não sejam sucos, Coca-Cola e Red Bull.


Não sabia como localizar qualquer uma das meninas naquela imensa casa, principalmente porque se estivessem enfiadas em algum quarto, seria muita falta de respeito ficar verificando todas as portas. Mas elas não são populares, de modo que nunca me enfiariam em quartos com caras que não conhecem, a menos que a menina em questão seja a Alex e o cara em questão fosse o Remus. Mas, é. Nunca aconteceria. Segundo ela, eles ainda são completamente amigos. E amigos não se enfiam em quartos para fazer alguma coisa.


Então, a Anne chegou a mim. Ela estava sentada no tapete felpudo da sala e, rapidamente, se levantou em um pulinho e foi me abraçar. Sua mão segurava em coquetel de morango sem álcool, que quase foi jogado em mim, por conta de sua animação. Pelo menos, agradeci, a dona da festa não estava bêbada.


- Liiiiiiily! Que ótimo! Você veio mesmo! Achei que não fosse vir, porque sei que não gosta dessas coisas, mas daí pensei que se fosse por mim, você poderia fazer um esforcinho! – a Anne é muito faladeira, sabe. Tipo a Zora, só que com o gênio da Alex.


- Hum – sorri sem emoção, sem nem mesmo pensar – É.


- Amei o seu vestido! – foi a única coisa que ela me disse antes de sair correndo para abraçar mais convidados.


E ali estava eu de novo perdida.


Depois de muito ser interceptada por meninos e meninas que, ao passarem por mim, diziam:


- E aí, Lily? Você está tão fofa!


Ou então:


- Caramba, olha quem tá aqui! A salvadora da escola! Ooooii, Lily!!


E eu quis me esconder quando um cara que nem sei quem é chegou a mim e falou:


- Você não quer subir? Acho que você não deve conhecer os quartos!


Daí eu praticamente fiquei me esgueirando, totalmente em pânico.


Até que vi a Nichole conversando com o Paul Fuber, o cara mais gótico de todos lá da escola, e que ninguém tem coragem de chegar perto. Mas parecia que, pela cara extasiada e animada de Nick, ela estava se divertindo muito com o gótico. Estavam com drinques coloridos nas mãos – provavelmente sem álcool, porque, já tinha percebido que todos os coquetéis não continham álcool – e ela ria com a mão na boca, enquanto ele pegava um punhado de mechas do cabelo dela.


Uau.


Achei que fosse cair do salto ali mesmo, quando alguém esbarrou em mim e me segurou.


Eram mãos de menina.


- Desculpa, Lily! Não a vi – o sorriso extremamente branco de Michelle me chegou por alguns segundos.


- Tudo bem – fingi que não estava muito aborrecida, porque a Michelle é uma popular bem legal. Não é toda malvada nem fica caçoando dos impopulares.


- Vestido legal, esse o seu – ela apontou para os babados que começavam em minha cintura.


- Hum – grunhi – Obrigada.


Então ela alargou o sorriso, como se fizesse menção de me abraçar, mas não fez nada. E, de repente, achei bem bom de ela ter quase me jogado no chão. Ajeitando sua franja, perguntou-me, toda feliz:


- Você não viu o James por aí, viu? – como eu tinha ficado um pouco paralisada por ter escutado essa pergunta, ela continuou a sorrir simpática, e se apressou a explicar: - O James Potter – pude notar que seu rosto bonito se iluminou ao falar dele. Do James, sabe como é – Vocês eram amigos, não eram? O que aconteceu? – ela quis saber, naquela voz animadinha.


- Hum. Não quero falar sobre isso – acho que fui um tanto ríspida, mas não me importei. Por que ela queria saber do James? O que ela queria com ele?  - Mas, hummm, por que o está procurando? – acrescentei displicente.


- Estivemos conversando agora a pouco, mas então eu fui ao banheiro e ele desapareceu – ela me disse, dando de ombros, mal sabendo quais eram as minhas intenções. As piores possíveis, claro. Tipo, a cabeça dela batendo no assoalho e tudo mais. Quem ela pensava que era para ficar atrás do MEU James? Que garota vadia! – Meninos são esquisitos, não são? – ela deu uma risadinha.


Agora me sentindo mais aborrecida do que nunca, desde que entrei ali, apertei meus lábios, tentando medir minhas palavras. Ela não podia saber que o James é meu. Ainda que as coisas não estejam das mais belas entre nós, claro que ele é meu. Só meu; não irei dividi-lo com uma vadia animadinha.


Ai, que ódio.


- É – contive-me e apenas deixei escapar isso por entre meus lábios pressionados e furiosos.


- Bom, vou continuar a procurá-lo. Até mais, Lily – Michelle sorriu ainda toda simpática e acenou. Então, saiu de minha frente, o que foi uma ideia muito sábia de sua parte, porque eu não sabia por mais quanto tempo suportaria tê-la ao meu redor sem querer fazer alguma bobagem. Tipo, tentar arrancar seu cabelo louro. Ou seus olhos.


Daí, não me importando se estaria quebrando qualquer climinha, fui em direção a Nick e seu novo amigo.


- Oi – falei, fingindo um sorriso feliz, assim que cheguei neles.


- Ah, Lily! Você veio! Que divertido! – ela me abraçou, toda animada, então se virou para o cara ao seu lado, que agora já tinha parado de mexer no cabelo dela – Esse é o Paul. Ele é da turma de inglês do Sirius.


Devo admitir que o Paul estava caidinho pela Nichole. De verdade. Ele a olhava com adoração, um tipo adoração muito, muito fofa. E ele também era super bonito e descolado, apesar de gótico.


- E aí – ele apertou minha mão, em um cumprimento muito gentil – Eu votei em você na eleição. O seu discurso foi muito legal – ele me informou.


- Obrigada, de verdade – falei, impaciente – Humm...


- Ele é amigo do Sirius. Tipo, mais ou menos. Eles se falam bastante nas aulas – achei um amor todo o deleite da Nichole. Acho que alguém aqui se apaixonou também. Ao menos, ela será feliz com ele, já que não foi desonesta com ele e, ao que tudo indica, eles estavam se curtindo muito. Dava pra ver nos olhos deles. 


- Aaaah, que bom – sorri inutilmente, mas daí, peguei a mão de Nichole, desesperada – Vai um pouquinho ali comigo? Preciso falar com você – sussurrei, tentando não ser muito chata e não separar os dois.


Educadamente, Nichole disse a Paul:


- Eu já volto. Pode tomar conta da minha bebida? – ela sorria, e ele, claro, retribuiu.


- Com certeza. Vou ficar aqui esperando você – ele piscou todo amoroso com o lápis no olho e tudo.


Ambos sorriram profusamente e tudo o que pude constatar foi que eu precisava me distanciar dos dois.


Assim que estávamos longe o suficiente de Paul, a primeira coisa que ela me disse foi:


- O que você achou dele? Do Paul? Ele não é muito fofo?  - a voz de Nick estava ansiosa e sua expressão, de gatinho todo apaixonado.


- Sim, um amor – concordei impaciente.


- E foi ele que veio falar comigo. Por causa da minha camiseta de O Estranho Mundo de Jack – ela realmente estava com a camiseta de O Estranho Mundo de Jack por baixo do casaquinho negro – Ele foi muito fofo, você precisava ter ouvido!


Acho que conversar com ela, sobre mim, seria mais difícil do que eu imaginei.


Caramba, será que a Nichole já ouviu falar de “ficar com os pés no chão”? Aparentemente não.


- É, que amor – repeti, ficando seriamente aborrecida. Que monstra que eu sou! Ela super feliz ali e eu tentando arrastá-la para os meus dilemas depressivos! Que bela amiga eu sou.


- Sim – ela sorriu mais uma vez, antes de colocar no rosto uma expressão preocupada – O que aconteceu com você? Parece que não está muito bem.


Era uma observação muito válida. Eu estava entre o desespero e o ódio. Mas talvez ela também estivesse falando das olheiras que tentei disfarçar com um quilo de maquiagem.


- Ah meu Deus. Você nem vai acreditar – eu me alterei, colocando as mãos na cabeça, mas logo as deixei cair – A Michelle, a Davis, sabe...?


- Sim, ela faz aula de química comigo. Ela é tão burra, que meu Deus. Mas parece ser legal – a Nichole disse.


- Não, não é não! Ela está dando em cima do James. Totalmente.


- E... desde quando você liga para isso? Não é você mesma que toda hora fica repet…


- Nichole, tem outra coisa – eu falei aflita – Eu percebi que gosto dele. Sabe como é, daquele jeito especial.


Ela me interpelou, após de soltar um gritinho histérico e apavorante, se quer saber a minha opinião.


- Aleluia, Lily! Achei que você fosse deixar o ano acabar para ir atrás dele! – ela parecia aborrecida comigo, daí esqueceu-se da cólera e começou a falar toda vitoriosa: - Está vendo? Eu sabia que você é apaixonada por ele! – ela pulava toda maluca na minha frente - E, sério, ele também é apaixonado por você, mas não quer aceitar isso. Exatamente como você.


- Duvido. Parece que agora ele quer a Michelle – meu ódio subir à garganta.


- Mas...


- Não posso deixá-la o conquistar, ainda que não saiba o que fazer. Ah meu Deus, eu estou sempre tão perdida! – suspirei desolada.


- Mas, Lily... – sua voz desceu num sussurro – Ele vai embora na segunda...


- Eu sei! E agora? – fiquei olhando para ela, esperando alguma idéia.


Nada veio. Nichole meramente balançou a cabeça.


YEEY. Estou ferrada!


- E se você tentasse ir falar com ele? Tipo, numa boa? – ela inclinou a cabeça e me disse.


- Será mesmo que ele irá ser tão legal assim a ponto de ficar escutando mais desculpas? – duvidei, franzindo a testa.


- Você nunca irá descobrir se não tentar – foi a última coisa que me disse, antes de eu agradecer a ela e ela voltar ainda mais animada para junto de Paul, que ainda a aguardava no mesmo lugar.


Novamente, como sempre, eu estava no meio de muita gente sem saber que próximo passo seguir.


Eu precisava de ajuda. Talvez da Zora, ela sempre tem planos maravilhosos, então... ela é a ajuda perfeita. Sempre foi.


Só que, por mais que ansiasse pelas idéias detonadoras da Zora, meu cérebro só dizia para ir procurar a Michelle e ficar de olho nela, caso essa cara de pau topasse com o James por acaso, ou sem acaso algum.


Então, foi o que fiz.


Simplesmente saí andando a procura de Michelle.


- Lily! Você não me disse que estaria aqui! – a Alex me abraçou, tão animada quanto Nichole, quando me viu - Pensei que não viesse. Liguei lá para a sua casa pela tarde e a sua avó me disse que você estava dormindo.


- Ah, oi. É, eu estava dormindo – falei. Só que, dã, era mentira. Eu estava lá no meu quarto chorando que nem um bebê, enquanto ouvia música e escrevia as letras das canções da Taylor Swift no meu caderno de letras.


- E agora está aqui! – ela bateu palmas uma vez - Achei que estivesse um pouco na fossa por causa do meu irmão, mas é bom ver que você tem orgulho próprio! – ela sorria e me bateu levemente no braço.


É, Alex tenho tanto orgulho próprio que estou aqui perseguindo a Michelle para impedir que ela faça qualquer coisa com o seu irmão, tipo beijá-lo, ou levá-lo para a privacidade de um quarto. O que, se quer saber, não duvidava nada que ela fosse capaz disso. Principalmente a alternativa do quarto.


- É, você está totalmente certa – menti, mas minto toda hora, então, tanto faz.


- Que bom, porque odiaria se você se deprimisse só por causa do James, porque, sabe como é, ele é o maior idiota de todos, e até você sabe. Bem, sabe, não sabe?


- Hum – POR QUE continuávamos falando sobre o James? Que porcaria isso! – É, acho que sim. Mas e daí? Ele tem o direito de tocar a vida e ser feliz longe daqui. Até parece que estou me importando se nunca mais o verei. Irei para a faculdade e encontrarei um cara legal lá, que goste de meninas virgens, e então serei feliz com ele. Qual é o problema? O seu irmão é um completo idiota mesmo – desandei a falar rápido, como se quisesse me livrar de uma bomba.


A Alex ficou me encarando um pouco atônita e incrédula.


- Você vai ser compreensiva com isso? Achei que tivesse ficado toda surpresa, quando eu contei a você sobre a viagem dele – a Alex estava mesmo me achando a maior babaca.


- Bem, e daí? Nem mais amigos somos, então, tanto faz. Vou viver a minha vida, do modo como irá viver a dele – dei de ombros.


MENTIROSA! MENTIROSA! MENTIROSA!


Pelamor, como eu sou uma fingida idiota!


Será bem feito para mim na segunda-feira, quando o James estiver partindo rumo ao Canadá. Quando é que irei começar a aprender com os meus erros? Fala sério.


- Caramba. Você tomou alguma cerveja? – ela estava mais do que incrédula agora. Parecia abismada.


- Não, eu não bebo, lembra? – neguei insatisfeita.


- Cara, você está precisando voltar para a sua caminha e dormir o fim de semana todo. Você está totalmente retardada. Andou cheirando aquelas canetas marca-texto? Porque acho que elas drogam pra valer as pessoas – Alex sacudia a cabeça naquele tom todo preocupado e analítico.


- Eu estou bem. Juro. Só que entendo quando uma história acaba. E a minha história com o seu irmão já acabou há um tempão, tipo assim – assinalei duramente.


Alex permanecia a balançar a cabeça como se estivesse vendo uma lula gigante engolir a Emma Thompson inteirinha e de uma só vez.


- Quando é que irá admitir que gosta mesmo do James? E você sabe que não me importo com isso – ela me disse.


- Irei admitir agora, então, já que insiste.


Os olhos verdes de Alex saltaram das órbitas.


- Como é que é? – ela ofegou.


- Eu o amo, tá bom assim? E sinto muito se fiz tudo errado com ele e agora ele me odeie. Quero muito consertar as porcarias que fiz, mas seu irmão é inflexível. Então, desisti. Simples – minha voz de confissão estava muito semelhante a minha voz rouca que um dia a usei para convencer a minha mãe de que estava sofrendo de dor de garganta, só para faltar um dia de aulas.


- Mas... mas... Lily! Não faça isso! Como é que você irá saber se ele não é, tipo, o amor da sua vida? – ela me perguntou, toda gaguejante. Uau, acho que todas nós deveríamos parar de ler Meg Cabot e escutar Taylor Switf. Isso é uma doença. Talvez nem mesmo cura exista para essa nossa síndrome de romantismo.


- Acha mesmo que o amor da minha vida iria para o Canadá ao invés de se ajoelhar na minha frente e me pedir em namoro? – eu lhe questionei, com as mãos na cintura.


- Bom... – ela pensou por dois segundos, então: - É, não, não mesmo. Mas é porque o James está confuso. Ele é o maior idiota de todos, eu já disse.


- Exatamente. Não quero que o amor da minha vida seja o maior idiota de todos – afirmei, mergulhada na mentira.


Eu sou uma vergonha para o mundo, eu sei. Parece que tudo o que faço é mentir.


- Mas... e se ele a ama também? Já parou para pensar nisso?


- Alex, você é irmã dele. Você dorme no quarto ao lado do dele. Se você não sabe se ele está apaixonado por mim, quem é que sabe? – falei, aborrecida – E aposto como ele nunca lhe disse nada sobre mim.


- O quê? – ela ficou chocada - Ele vive falando em você. Sempre fica tipo “Isso me lembra a Lily...”. Só que ultimamente ele não faz mais.


- É, porque me odeia. E geralmente não amamos pra valer uma pessoa que odiamos. Então, não, o seu irmão não está apaixonado por mim também – isso me estava irritando imensamente. Quando é que ela iria calar a boca e me deixar livre para ir atrás da Michelle?


- Mas, Lily. Converse com ele, por favor. Diga o que sente. Quem sabe isso o impeça – ela me aconselhou.


Senti-me ultrajada ao cubo.


- Mas nem pensar! Até parece que irei acabar mais ainda com a minha vida. Posso até mesmo correr o risco de ele rir da minha cara – olhava para Alex como se ela fosse a pessoa mais pirada do mundo. Bem, de acordo com a minha lista de Pessoas-Mais-Piradas-Que-Conheço a Alex está na quarta posição. Logo depois da Zora, do Sirius e da Nichole, respectivamente.


- Ele não fará isso! O James é muito educadinho! – ela defendeu o irmão – Além do mais, se ele também estiver sentindo o mesmo só vai, sabe como é, beijar você. E totalmente cancelar a viagem.


- Alex, aprenda uma coisa, ok? – coloquei minhas mãos em seus ombros, segurando-me para não começar a chacoalhá-la – Tudo é muito fofo e perfeito em nossa mente, mas daí, chegamos na vida real e tudo o que encontramos é injustiça e imperfeição. Desculpa, amiga, mas essa é a vida.


Ela me olhou entediada.


- Por que você é tão pessimista? – ela me indagou, com a cara fechada.


- Por que eu nunca tive sorte. Pense bem, eu já namorei o cara mais popular da escola; achei que estivesse completamente apaixonada por ele, mas aí percebi que era tudo uma ilusão do coração. Qual é a chance de dessa vez, com o seu irmão, as coisas darem certo? Sinceramente?


- Muita chance, se você for lá e contar para ele! – a Alex atirou, aborrecida.


- Ah é? Então por que você não arrisca o seu orgulho e conta para o Remus sobre a sua verdadeira intenção para com ele? – eu sei, foi muito golpe baixo, mas, quem sabe, fosse me livrar mais rápida dela por este caminho.


Mesmo com a pouca luz da casa – aparentemente, festas populares ficam mais legais no escuro, porque daí você pode beijar quem quiser sem saber qual é o rosto da bendita pessoa -, vi seu rosto se encher se rubor.


- Lily! – exclamou ela, considerando muita sacanagem aquilo.


- O quê? Não é a mesma coisa? – perguntei com um que de malvadeza na voz.


- Não! Não é! – gritou ela - O Remus… ele já me disse que só me quer como uma amiga! Mas o James nunca lhe disse isso, disse?


- Bem... – porcaria, ela tinha me pegado!


- Tá vendo! – ela me olhou feio.


- Tanto faz. Eu estou bem com tudo isso – falei, suportando a mentira mais uma vez.


Por que eu não dizia de uma vez que estava morrendo com a partida dele? Que tipo de pessoa sou? Masoquista?


- Isso, continue a mentir assim, que se tornará a segunda maior idiota do mundo – a Alex me disse toda sentida e irritada.


Abri minha boca para retrucar, mas ela já tinha desistido de me convencer e já tinha dado as costas para mim.


Antes que ela partisse totalmente, berrei:


- Você não irá contar a ele, vai? Que, sabe como é, eu gosto dele. Daquele jeito e tal. Não vai, vai?


A Alex parou e tornou a me encarar. Disse:


- Bom, o problema é seu se não quer correr atrás da sua felicidade.


Achei aquilo um dramalhão mexicano, digno de novela, mas ainda assim não pude deixar de agradecer. Acho.


- Então... – como ela não tinha me dado uma confirmação oficial, precisava forçá-la um pouco mais até me sentir um pouco mais aliviada.


- Não irei contar. Juro que não – Alex me garantiu com uma entonação diferente na voz. Acho que era cansaço ou pena.


- Obrigada – eu disse, gratificada.


Aí, ela definitivamente partiu. Misturou-se aos outros e desapareceu.


Que bela ajuda ela tinha me dado! (NÃO)


Logo após me recompor – tentando com todas as minhas forças não me render às lágrimas que nasceram com meus cantos dos olhos -, voltei ao meu plano inicial. Procurar Michelle: ainda em processo.


Passei por muitos esportistas, esbarrei em minhas patricinhas, derrubei algumas bebidas, tropecei em meus próprios pés algumas vezes... mas, então, deslumbrei um cabelo louro se balançando para o final do jardim, onde era tão reservado que eu conseguia escutar a fonte funcionando ali perto, mesmo com a música lá dentro da casa.


Daí, a voz.


- Aqui está bem melhor – a voz disse.


E constatei que era mesmo de Michelle.


Porcaria.


E ela falava com alguém.


Por favor, por favor, que ela não esteja conversando com o James! Não com ele!


Só que senti meu estômago afundar ao ouvir aquela risada ecoar por ali. Aquela risada que me faz tão feliz!


- Olha, ainda tem uma fonte! Podemos jogar moedinhas e fazer um pedido! – ele disse, ainda rindo.


O James parecia bem. Bem mesmo. Tipo feliz. Com alguém que não era eu. Com a Michelle! COMO ASSIM, VIDA?


- Você tem alguma moeda? – ela lhe perguntou.


Acho que ele foi caçar algum pence em seus bolsos.


- Ahá. Duas! – o barulho das moedinhas se atritando chilreou.


- Beleza! – a Michelle exclamou.


Aproximei-me mais dos arbustos, que ficavam bastante próximos dos dois. De certo modo, com a pouca claridade que ali tinha nenhum dos dois me veria. Assim, eu podia espioná-los.


Eles então se levantaram do banco de pedra e andaram até a fonte calmante. Ambos fecharam os olhos e, após, alguns segundos silenciosos, afundaram as moedas na água límpida da fonte. Ouvi o barulho das duas atingindo o fundo de pedra.


- Então, o que você pediu? – a Michelle quis saber. Parecia ansiosa.


- Se eu contar, o pedido não irá se realizar! Nunca ouviu falar disso? – o James meramente riu.


- Ah, mas isso não é sério. Achei que só deveríamos seguir isso à risca se estivéssemos fazendo pedidos a uma fonte realmente poderosa. Como aquela lá de Roma.


- Fontana di Trevi é a mais famosa – o James não pôde deixar de dizer.


- É. E nem estamos lá em Roma! Você pode me contar. O seu pedido, sabe como é – ela o pressionou, mas de modo leve.


- Prefiro não arriscar – ele riu novamente.


- Você acredita mesmo nisso?


- Eu acredito até mesmo em alienígenas, então, o que se pode esperar de mim? – o riso dele me contagiou e eu reprimi o impulso de fazer o mesmo. De rir, quero dizer.


Eles riram, e ela colocou a mão direita em cima da esquerda da de James. Apertei os olhos. Larga ele, sua idiota!


- Não seria legal se tudo acontecesse de acordo com os nossos desejos? – ela quis saber, provavelmente só tentando envolver o James com uma história boba.


- É. Mas esse é o mundo real. Não estamos em Nárnia ou sei lá onde – ele constatou.


Silêncio. Achei que seria eterno, quando ela perguntou:


- Você não gosta muito de mim, gosta? Por que eu gosto muito de você. Queria ter um amigo como você. Só que tudo o que me aparecesse são caras idiotas que só ligam para esportes ou peitos.


O James riu.


- Claro que gosto de você. Você é... fofa. É mesmo – ele assegurou.


- Awn. Você é mesmo diferente. Nenhum cara me disse até hoje que sou fofa. Só me dizem que sou gostosa. Ou qualquer coisa pior, que é melhor eu nem dizer – ela falou toda derretida.


- Bem, ainda bem que você me conheceu, então – dessa vez, ele somente sorriu.


Eles ficaram sorrindo um para o outro tempo suficiente para eu querer acabar com o clima deles. Ou então para eu querer vomitar. O que eu conseguisse fazer primeiro.


Os dedos dela ficaram dançando com os dele por um bom tempo.


Até que, repentina – tão repentinamente que eu achei que aquilo não estava de fato acontecendo – e vagarosamente, o rosto angelical e maquiado de Michelle foi avançando contra o de James. Ele não o afastou do dela. Deixou que ela completasse seu movimento como se quisesse aquilo. Então, ela chegou nele. Pude ver o momento em que os lábios dela se conectaram perfeitamente com os dele. E, então, parei de olhar. Fiquei avidamente interessada na grama sob meus sapatos de princesa. Que coisa mais idiota, eu sei, mas jura mesmo que eu suportaria vê-lo beijar outra menina? A Michelle, ainda por cima? Desculpe, mas meu nome é Lily Evans, não Lily Idiota Evans, por mais que às vezes eu seja mesmo bem idiota.


Ouvi-os se separarem, quando aquele barulho de beijo cessou e a Michelle deu um selinho estalado na boca do James.


Eca.


As lágrimas que tanto lutei para não virem à tona antes de achá-los pediram permissão para serem expelidas e molhar minhas bochechas.


Pode até ser que eu seja uma fraca, mas aposto como você também choraria se visse – e ouvisse – o amor da sua vida, bem como a Alex colocou, beijando uma lhama-loura-agora-totalmente-vadia, que provavelmente só o queria beijar para depois contar para as amigas e fazê-lo entrar no 43569º lugar da lista de Caras-Que-Já-Beijei.


Agora, sério, POR QUE nunca tenho sorte? Por que a minha vida é tão recheada de azar?


Já estou cansada disso tudo. De verdade.


Por que o Senhor não me faz um pouquinho feliz? Só para variar?


A Michelle disse:


- Você é um cara legal.


O James sorriu desconfortável. Acho que desejava correr dali, mas talvez fosso só imaginação minha.


- Você também não fica muito atrás. Tipo, para uma menina loura e popular – ele falou, arrancando risos frenéticos de Michelle.


Ela recostou sua cabeça no ombro dele e suspirou. Mais uma vez, pude enxergar os dedos dele segurando os dela.


Minhas lágrimas caiam na terra e banhavam o meu rosto, com certeza acabando com toda a minha maquiagem.


O silêncio era descomunal e incômodo. Desistindo de tudo agora, virei em direção à porta que dava para a cozinha de Anne. Em passos muito pequenos - por conta dos sapatos; não é brincadeira tentar correr de salto alto na grama -, retornei à casa. Tentei não soluçar para não denunciar que eu estivera por ali, só que era um pouco impossível. Não consegui reprimir alguns solucinhos.


Sentei-me nas escadas que davam à cozinha, desorientada. Tirei os sapatos e percebi que meus dedinhos estavam vermelhos. A dor nos dedos não era tangível à dor que sentia no coração.


E acho que foi bem ali, nas escadas, que meu coração decidiu parar de lutar. Ele simplesmente calou a boca e ficou martelando dolorosa e lentamente em minhas costelas.


Antes que qualquer um – principalmente Michelle e James – chegasse a mim e quisesse saber o que eu tinha, por que eu estava me acabando de tanto chorar, achei melhor me levantar e sair dali. Sair da festa.


De pés no concreto frio, flanqueei a casa e fui para a calçada. Não me importava que horas fossem - não me animava em abrir a bolsinha de contas e verificar em meu celular -, nem o perigo da noite. Ilogicamente e como se carregasse uma cruz nas costas, caminhei por quarteirões sob as luzes dos postes. Descalça, com a minha face toda melecada de tanto estar chorando e com o coração pisoteado mais do que nunca.


Eu sei o que se passa por sua cabeça. Você acha que eu deveria ter ido até à Michelle-Lhaminha-Desgraçada-Mas-Sempre-Arrumadinha-e-Cheirosa e arrebentado com a cara dela, para que nem mesmo a melhor cirurgia plástica do mundo a conserte, mas não sou uma pessoa violenta. Tento não ser, ao menos. Só acho que violência não cura sentimentos nem restaura a nossa felicidade. A propósito, em algumas situações, o uso abusivo da força física desencadeia tragédias – tanto psicológicas, quanto espaciais (no caso de alguém ter morrido por conta de uma pancada na nuca com um taco de basebol) -, e não quero ser a menina que causa dor alheia por ter tirado a vida de uma lhaminha desgraçada só porque peguei essa mesma lhaminha desgraçada fazendo algo com o meu cara que não deveria ter feito (principalmente depois da unergúmena loura ter afirmado de pés juntos que não rola nada entre ela e o meu cara).


Então, claro que fui embora, deixando assim, a lhaminha desgraçada e fútil aproveitar o resto da noite com o meu cara.


Eu sei, revoltante.


Acho mesmo que eu merecia apanhar de você. Mas, ei, ao menos eu não sou uma lhaminha desgraçada, de modo que tirar a minha vida não lhe serve para nada. Sem contar que faculdade alguma quer ter estudantes que já têm ficha na polícia. Só estou dizendo.


Um carro parou.


- Ei, moça? Não acha melhor ir de táxi para o Fim do Mundo? – o cara de táxi me perguntou, já abrindo a porta.


Olhei-o. Tudo estava embaçado demais.


Sem objetar, entrei no carro. Não que parecesse a coisa mais sensata a se fazer – até parece que eu estava raciocinado -, mas já não agüentava mais caminhar. Minhas pernas estavam fatigadas, implorando por um descanso.


E esse cara do táxi podia ser um estuprador, sem dúvidas. Estupradores estão em qualquer lugar. Em Londres, em Manhattan e aqui, em Bedford. Tipo os traficantes de drogas. Só que sem as roupas de vila, porque os estupradores têm de parecer sujeitos legais para fazer você cair na conversa deles. E depois de você ter sido idiota de cair na conversa romântica deles, eles fazem aquilo com você.


Não dando a mínina se o cara era mesmo um estuprador ou apenas um homem de bom coração, que percebeu que eu necessitava de alguma ajuda, apenas lhe disse o meu destino, após ele me perguntar se eu aceitava uns lencinhos. Mas depois que ele me ofereceu os lencinhos, percebi mesmo que ele era legal. Lencinhos, oi?


Para os lencinhos, eu disse:


- Pode ser.


E então, passei o percurso inteiro assuando o nariz nos lencinhos e soluçando mais um bocado.


Ainda bem que o cara deixou a corrida por dez libras – talvez tivesse ficado demasiado preocupado comigo, por causa da coisa toda do choro compulsivo -, porque foi o único dinheiro que, por acaso, encontrei perdido ali naquela bolsinha.


Para isso tenho sorte.


Por que NÃO com o resto da minha vida?


Entrei em casa pé ante pé, esperando que ninguém estivesse ali embaixo na sala. E, realmente, tudo estava apagado. Ah, as luzes da frente e do hall estavam acesas, mas o resto da casa, não. Suspirei aliviada e agradecida. Ao menos não precisava enfrentar interrogatórios. E eu, mais do que todo mundo, sei que é um saco os interrogatórios de D. Julia.


Ainda com os sapatos nas mãos, subi as escadas.


Quando passei pelo quarto de mamãe, ela me perguntou:


- Já voltou?


Pensei em responder:


- Não, só o meu espírito, porque o resto continua na festa.


Mas, daí, pensei que nem para tirar com a cara da minha eu tinha forças ou ânimo. Então, falei:


- Sim. Vou me deitar. Boa noite, mãe.


Ela retribuiu:


- Boa noite, querida.


Continuei caminhando até a minha cama e me joguei nela. Então, depois de tirar a porcaria do vestido e colocar meu pijama de ursinhos, fechei a porta e comecei a chorar ainda mais. E não parei até agora.


Quando é que irei dormir? Acho que nem Deus sabe, amor.


Só sei que a minha vida estava muito melhor antes de eu resolver sair de casa para ficar espionando o James na festa da Anne.


23/FEVEREIRO – 12:11h – SÁBADO - QUARTO
Oi, Deus. Olha eu aqui mais uma vez.


E, ah, obrigada, muito obrigada mesmo, por detonar de vez com a minha vida. Amei a festa de ontem, especialmente a parte do beijo da Michelle e do James. Animou-me pra valer. Então, será que agora dá para me enviar alguma ajuda do além? Porque acho mesmo que estou necessitando urgentemente de uma ajudinha.


Sei que a Alex também precisa de uma força – por causa da coisa toda ainda não resolvida com o Remus -, mas sem querer soar melodramática ou egoísta demais, creio que eu deveria estar na frente dela. Sabe como é, na frente dela para receber o seu toque de destino feliz. Como não sei que tipo de toque de destino feliz o Senhor irá me arranjar, irei totalmente oferecer o meu desejo íntimo para que o Senhor não seja muito extravagante ou me decepcione (como ultimamente tem feito – desculpe, mas é a verdade; ao menos com o Senhor posso ser sincera).


Será que o meu destino pode estar com o James, por favor? Tipo assim, ao menos, neste prezado momento é tudo o que quero. Porque o James é um cara muito fofo – quando não está de mal de mim – e especial. Digo isso porque ele tem alma de artista. E eu amo caras com alma de artista. Sei que pessoas com alma de artista são muito menosprezadas neste mundo totalmente injusto, mas talvez seja por isso que me dou muito bem com esse tipo de gente. Porque somos minoria. E minoria tem a tendência de se juntar para se proteger e ser compreendida. Então, agora entendo perfeitamente porque esquisitos sempre se dão bem com outros esquisitos. Porque, como se sabe, esquisitos tem esquisitices em comum com outros esquisitos. E é por isso que caras de banda acabam namorando meninas de banda. Talvez isso nem seja destino. Acho que é tipo uma regra. Porque, pensa comigo, quem melhor do que um guitarrista para entender a cabeça de uma baixista? Além do mais, pessoas de bandas vivem em um mundo paralelo, que condiz com o tipo de profissão delas. O tio da esquina nunca faria um relacionamento com uma vocalista mega famosa dar certo, porque ele é um mero indigente nesse vasto mundo. Provavelmente o Tio da Esquina seria muito ciumento com todos os fãs que vão até a sua namorada tentar beijá-la, ou então muito impaciente por ficar tipo dois meses sozinho, enquanto fica no sofá assistindo às reprises de E.R, esperando a sua vocalista voltar da turnê européia.


Tá vendo?


O Tio da Esquina nunca se adaptaria ao mundo da vocalista fofa que encanta metade do mundo.


E é por isso que sei que sou a garota certa para o James. Eu também tenho alma de artista. Escritores são igualmente temperamentais e sensíveis. E eu sou uma escritora, por mais que não ache que meus “trabalhos” sejam muito significantes. A Michelle? Convenhamos, ela é uma patricinha que só sabe diferenciar seda de algodão ou então um vestido Gucci de um Miu-Miu. Ela não tem alma de artista. A felicidade de James não pode estar com a Michelle. Ela nunca entenderia as horas que ele quereria passar sozinho no quarto tocando violão. Nunca enxergaria a diferença entre um violão acústico e um Dreadnought. E ela nem é esquisita como ele. Eu sou esquisita como ele.


Tá vendo?


Eu efetivamente me adaptaria ao mundo de James. Na verdade, já me adaptei. Muito rápido. Tanto é que me adaptei que não consigo mais sair dele.


E, de verdade, o Senhor acha que, algum dia, o James irá me perdoar?


E, olha, eu sinto muito, muito mesmo por eu não ter sido completamente sincera com o James. Tipo, em relação às minhas opiniões antes de sermos amigos. Mas, ao mesmo tempo, fico pensando numa coisa: qual é o problema de eu ter julgado o James mal? Muitas pessoas – a maioria dos estudantes do meu colégio, por exemplo – me julgam erradamente – talvez porque eu não tenha uma beleza muito hipnótica ou não use as roupas da moda – e até parece que me importo! O problema é de toda essa gente se não quer conhecer a Lily legal que sou. Eu tento fazer com que me achem levemente interessante sendo simpática até mesmo com pessoas que odeio, só que nem isso adianta. Todo mundo ainda me julga antecipadamente, mesmo antes de me ouvir dizendo um oi.


Só que nunca deixei as opiniões alheias me afetarem. Eu entendo perfeitamente que existam pessoas tão mesquinhas que só olham para o próprio umbigo e que não sejam tão flexíveis socialmente. Acho que é direito de cada um escolher quem merece a sua atenção ou não merece. Por isso nunca troquei mais do que três palavras com a Jamie. Ela é demasiada fútil para o meu interesse.  Ocasionalmente, a Taylor também deveria ser – demasiada fútil, tipo assim -, só que não mandamos no coração. Ele apenas se interessou pela Taylor, porque achava que ela pudesse ser uma boa amiga. Só que não foi. Uma boa amiga, quero dizer. E então ele desistiu dela. E acho que ele tem que parar de desistir das pessoas. Nunca é bom desistir de alguém, porque pode ser que você mude a perspectiva dessa pessoa que o seu coração largou. Um bom exemplo de alguém que não desiste de outro alguém é o Zac, namorado da Taylor. Ela sempre o magoa, mas o Zac a ama demais e não desiste dela. Acho mesmo que a Taylor deveria dar mais valor a ele, porque ele é praticamente a única pessoa que de fato a ama pelo o que é. Dá totalmente para perceber que o Zac não a ama porque ela é popular ou acha que é superior. Não. Ele a ama porque ela, lá no fundo, é uma boa garota. O Zac a ama até mesmo ela sendo péssima em matemática. Se isso não é amor incondicional e eterno, não sei o que é.


E isso só comprova o fato de que esse tipo de amor – incondicional e eterno – está morrendo. Ou já morreu e o Zac é a única pessoa do planeta que ainda sustenta isso.


E, mesmo que o James esteja decepcionado e magoado comigo, o meu coração não vai desistir dele; ele sabe que o James vale à pena. Ele vê que o James é um bom garoto, que pode me fazer feliz – se algum dia isso der certo.


Pode ser que eu seja absolvida pelos pensamentos equivocados. Mas acho que nada anula a decepção por causa daquela aposta maldita. Acho que, na verdade, foi ela que acabou com os sentimentos dele para comigo.


E a culpa é totalmente da Taylor. Foi ela quem começou com essa história de aposta. Mas, claro, eu fui besta o suficiente em aceitar participar dela.


Bem, mas só porque pensei que não machucaria ninguém. Achei mesmo que nunca nutriria afeição por James. Só que, além de toda a afeição, comecei a nutrir admiração e amor. Amor de verdade. E foi quando o perdi. Porque no momento que me aproximei dele e ganhei o primeiro sorriso dele, venci a aposta. E a Taylor soube. E imediatamente começou a maquinar num jeito de acabar com toda a minha felicidade.


Como eu já tinha há muito me esquecido dessa aposta, foi muito normal eu e James nos tornarmos amigos. Isso porque, na época da aceitação da aposta, nunca passou pela minha cabeça nem pela cabeça da Taylor que o James podia ser um cara maravilhoso. Tudo o que sabíamos – por nossas imaginações – é que ele era um menino esquisito sozinho no mundo, que nunca mereceria um pingo de compaixão. Só que mereceu. Mereceu a minha compaixão. O meu afeto. O meu amor. E tudo foi destruído, para sempre.


Tá vendo o que dá escutar seu coração dizendo que deve fazer amizade com uma menina loura exibida? Dá uma porcaria tamanho do Sol.


Mas a grande questão – a questão que ultimamente não tiro da cabeça – é como que irei me esquecer daquele beijo que vi ontem e ter forças para resolver correr atrás da minha felicidade?


Aliás, ainda tenho forças para fazer algo? Acho que não, já que só fico deitada aqui em minha cama assistindo à Disney e tentando fingir que estou me divertindo muito com os episódios de Hannah Montanna, Os Feiticeiros de Waverly Place, Sunny Entre Estrelas e Minha Vida Com Derek.


E outra coisa. Por que sou tão infantil? Por que, ao invés de ir assistir a A Sociedade dos Poetas Mortos prefiro escutar a Selena Gomez, a Demi Lovato e a Miley Cyrus atuando bobamente – mas divertidamente, só para deixar claro aqui o quanto as acho legais. Menos a Miley, porque pode ser que ela não seja tão fofa como é em sua série na vida real. Acho que tenho retardamento mental, porque o que mais falo é “Awn, que amor” para qualquer coisa. Todo mundo sabe que meninas de dezoito anos param de dizer coisas desse tipo aos dez, mas é, acho que sou eternamente criança.


Será que morro se ingerir sorvete demais? Posso até tentar.


É isso. Eu estou acabada. Adeus, vida cruel.


23/FEVEREIRO – 15:23h – SÁBADO - QUARTO
Por que achei que ficaria a tarde toda fingindo estar cansada demais da festa de ontem sem que alguém batesse na porta? Sei que só comi umas poucas torradas com Nutrella, mas será mesmo que preciso de uma babá, cuja maior felicidade é ficar me perguntando se já quero sair da cama e ir comer um pedaço da torta de morango encomendada? Não que D. Julia sirva muito como babá – provavelmente se ela tivesse que lidar com crianças, estrangularia as pobrezinhas antes mesmo de elas quererem se atirar no poço -, mas é o que está se semelhando, desde a hora em que eu disse um pequeno bom-dia a ela, fui até a cozinha me abastecer de mais um copo de água e voltei para os confins eternos da minha cama toda embolada, por conta das cobertas pesadas. Então, ainda que eu soubesse que ela não me largaria, verificando-me a cada meia hora, não esperava mesmo que eu tivesse que ir tão longe. Obviamente, ontem, achei que a nossa conversa acerca de meus puros sentimentos que envolvem o James já tivesse bastado e me deixado bem a fim de nunca mais desejar escutar mais conselhos de D. Julia. Só que, é, não foi bem assim. Ah, não que eu tenha saído do quarto e implorado a ela que me ouvisse mais uma vez, ou que me conduzisse na direção certa de novo.


Foi ela que entrou aqui. Pela décima vez, desde ao meio-dia, talvez.


Como eu estava deitada, toda lamentosa e silenciosa, ela achou uma ótima idéia me assaltar novamente. Como se já não o tivesse feito há cinco minutos. Só que, desta vez, algo mudara. Sua entonação estava modificada e acalorada:


- Muito bem, Lily. Já estou acostumada às mentiras das pessoas, cujas têm como objetivo me afastar ou me depreciar; ainda assim, acha mesmo que não sou capaz de chegar à conclusão de que a minha única neta é uma mentirosa barata?


Eu, que tinha fechado os olhos rapidamente para simular que estava dormindo, no momento em que a minha porta foi escancarada de supetão, achei aquilo um ultraje. Ou uma bela de uma provocação, que apenas essa senhora é capaz de formular. Portanto, cansei-me do teatro e tirei a coberta de meu ombro, de modo que meus olhos já abertos pudessem mirar a expressão muito zangada de minha avó.


- Não sou uma mentirosa barata! – exclamei, franzindo o rosto, demonstrando assim, parte de meu próprio rancor.


- Se não fosse, essa sua farsa teria perdurado por muitas horas mais – minha avó me respondeu intensamente.


Ah meu Deus, o que ela sabe? Será que ela soube que não consegui andar por muito tempo com os sapatinhos de princesa que havia me dado de presente juntamente com a tiara fofa de cristais?


Não, Lily, isso é decididamente uma emergência. Sua avó não pode ser tão fútil assim a ponto de estar lhe xingando de mentirosa por causa de meros sapatos!


- Do que está falando? – ainda que não tivesse muitas forças, estiquei meu pescoço um pouquinho.


Ela soltou um longo suspiro. Aparentava estar muito impaciente e cansada.


- Que porcaria, Lily! Ontem eu lhe dei plena cobertura para ir se divertir e tudo o que vejo, após me levantar, é você jogada nesta cama! – é, ela estava mesmo muito zangada. Do tipo que poderia me arrastar para fora do quarto facilmente – Por que permanece neste estado deprimente, ainda? Achei que já tínhamos definido tudo, ontem! Achei que você fosse começar a acreditar mais em si mesma. Mas é o que estou percebendo? Não, não é! – agora sua voz estava muito alta, como se quisesse me obrigar a tornar a fazer mais confissões.


Porém, eu já tinha aberto totalmente o meu coração. Eu já lhe contara tudo o que sabia. E, olha, não me leve a mal, minha avó me ajudou muito. Não mais do que eu mesma já tinha percebido, mas ela funcionou como o final de uma faísca, somente prolongando o fogo.


Ali, depois de saber exatamente de onde sua irritação nascia, vi que tudo o que ela gostaria de saber era sobre a festa. Mas, bom, eu a entendo. Como é que a neta sai toda arrumada, toda apressada para uma festa praticamente imperdível e amanhece ainda mais na fossa do que já se encontrava? Era claro que tinha algo errado. Algo terminantemente desconcertante.


Era difícil, mas o meu emocional tão frágil não suportaria outra conversa. Acho que ele se esfacelaria com a simples menção daqueles nomes. E ainda mais com a narração do incidente que me fez tirar os sapatos de princesa e sair andando pelas ruas, até um táxi me achar.


- Hum – pigarreei fraco, desejando que ela não elevasse a voz, porque minha cabeça estava latejando -, não me diverti ontem – observei com a minha voz bem pequenininha.


- E foi fazer o que naquela festa? Comprar uma leva de bois? – ela ironizou. Se eu não estivesse tão acabada poderia ter até mesmo rido, porque... bois. Eu amo bois. Só que não cabe nem um único boizinho bebê aqui, imagine uma leva deles!


- Fui atrás do James – soltei sem ânimo algum. Eu parecia bem chateada. Minha voz parecia, quero dizer. Porque eu, eu mesma, estava é deprimida, querendo ficar aqui enterrada na quentura no meu colchão até completar cinqüenta anos. Ou até eu me esquecer que James já esteve em minha vida. O que acontecesse primeiro.


Acho que ela recebeu essa informação de um modo bem surpreso. Chegou a levantar as sobrancelhas preenchidas a lápis e a separar um tantinho os lábios.


- Você foi atrás dele? – minha avó repetiu como se imaginasse que era uma baita de uma mentira.


Só que não era. Eu tinha até mesmo me machucado para sempre por conta dele. Do James, tipo assim.


- Sim – confirmei toda abobada -, e foi a pior idéia do mundo. A pior que já tive – meus músculos doloridos reclamaram quando eu fiz menção de me sentar, porque encará-la estando deitada estava dando início a leves tonturas. Talvez eu devesse ter ingerido mais torradas com Nutrella, só para não estar parecendo um cachorro fraco demais.


Suas mãos enrugadas se juntaram e em seguida foram parar em seu rosto, como se temesse olhar para mim. Como se eu fosse a vergonha de seus dias.


E, bem, talvez agora eu seja de fato.


- O que foi que você fez? – sua voz estava quase penalizada. D. Julia, com pena de mim? Desde quando? Nem mesmo quando meu pai foi embora de casa ela se deu ao trabalho de me abraçar e de me dizer palavras de consolo!


Acho que sentia toda a mágoa voltando, quando lhe respondi, em tom ofendido:


- Não fui eu que destruí as minhas esperanças!


Então, ridiculamente fácil, aquelas mesmas lágrimas que tanto caíram na noite passada – e que teimavam em cair sempre que eu despertava de um breve cochilo – quiseram mostrar à D. Julia que ela estava completamente equivocada. Completamente julgando tudo errado. E acho que ela não esperava por essa. Pelas lágrimas, digo. Isso porque seu rosto, que já estava mortificado o suficiente, se desequilibrou e ficou admirado por, talvez, eu ser tão fraca ou covarde.


Quando ela se aproximou alguns passos de mim – e parou quando seus joelhos bateram na espuma da cama -, percebi o que seu rosto revelava. Não manifestava desgosto por ter uma neta tão ridícula, que estava chorando por um cara que magoou e que agora não a quer mais. Tudo o que eu via ali era desespero moldado em aflição.


Ela estava magoada por eu ter me machucado. 


Certo, etzinhos do mundo de minha avó. O que foi que vocês fizeram com ela na última vez em que vieram visitá-la? Vocês, por acaso, acrescentaram um coração em seu peito? Foi isso?


- Lily, o que foi que aconteceu exatamente naquela festa? – ela exigiu saber, estendendo as mãos e fazendo suas pulseiras reluzentes se chocarem umas nas outras, produzindo um barulho chato.


Eu não podia contar. Não estava preparada. Mal estava preparada para absorver a verdade de que meus dias felizes terminantemente se encerraram! E eu estava tentando, a todo o custo, esquecer aquela cena. Aquele entrelaçamento de bocas e junção de dedos. Sabe, parece uma coisa estupidamente natural de se fazer, mas requer muita habilidade. Por exemplo, você tem que preencher seu cérebro, ao máximo, com outros pensamentos. Talvez com o que faria se fosse um dos sobreviventes de Chernobyl. Sei lá, qualquer assunto que não lhe remeta à circunstância que quer fingir que nunca aconteceu. Além de boicotar sua massa pensante tem de falsificar um ar de felicidade para que os que estão à sua volta não percebam o que há de errado com você.


Todavia, ali, bem em frente da única mulher que se propôs a infernizar os meus dias com a história de “a Lily e o James”, senti-me deveras impotente. Como se eu tivesse quatro anos e tivesse acabado de ser descoberta tentando afanar mais biscoitos antes do jantar. Devo lhe avisar que não é uma sensação muito boa. Eu, definitivamente, queria tomar o líquido que encolheu a Alice, para, quem sabe, fugir de toda a explicação. Mas é claro que não tinha líquido encolhedor algum perto demais de minhas mãos, de modo que apenas tranquei um pouco o choro, abaixei a cabeça e despejei:


- Não preciso mais lutar contra o meu fracasso, D. Julia. Já sou uma fracassada oficial – contei a ela, o que a deixou um tanto desconsertada.


- Mas... – ela realmente tentou buscar palavras, todavia sua voz morreu antes que pudesse encontrar uma sequer.


- Ele estava beijando a Michelle, tá legal? – exclamei.


Ela, apesar de não ter as palavras que realmente gostaria na boca, suspirou e, com uma voz muito furiosa, disse:


- Rá, então ele acha que pode ficar aos beijos com umazinha qualquer enquanto você está se dilacerando por ele?


Ca-ram-ba. Ela ficou muito ensandecida. Sua reação foi tão pior quanto a minha. Sei que o meu primeiro instinto foi começar a chorar que nem uma bezerrinha perdida, mas, obviamente, senti uma raiva desgraçada. Eu pensava: “Como é que o James pôde ter beijado uma popular? Porque fez isso comigo?”. Só que daí, bem mais tarde, provavelmente quando os primeiros raios do Sol começaram a atingir as paredes de meu quarto – e eu ainda estava molemente acordada, depois de tanto ter me acabado em choro seguido de choro -, percebi que talvez o James nunca me viu como uma garota. Sabe como é, uma garota de verdade, que fizesse aflorar todos os seus instintos masculinos. Seus olhos, agora posso admitir, podem ter me admirado alguma vez, claro que sim. Talvez por causa do lance da guitarra. Ou talvez pelo lance da minha voz. Mas sua admiração nunca passou de certo orgulho de amigo. Ele apenas me enxergava como uma menininha deslocada, cuja vida precisava de um pouco de carinho.


- D. Julia, não importa mais... – inutilmente eu disse, naquela minha voz mínima.


- Não importa mais? Não importa mais? – ela repetiu, toda maluca, agora os dedos em punho. Não que os tivesse apontando para mim, somente parecia que fechando os dedos deste modo, sua raiva ia se acumulando mais ligeiramente – Lily Evans! Se você desistir agora nunca ficará com a casa do campo que coloquei em seu nome no meu testamento! – berrou ela, achando que a casa do campo é mesmo muito mais importante do que a minha felicidade ao lado do James.


Só que tanto fazia. Não me importava se eu ficarei com a casa ou não. Não me importava se ela estava gritando toda descontrolada. Eu já tinha colocado as minhas armas no chão e desistido.


- Você acha que aquele tal de... – ela franzia a testa e olhava para as paredes, como se elas pudessem lhe dizer o nome da pessoa que procurava - Como era mesmo o nome dele? Carl? Não. AH! – ela berrou, assustando-me levemente - Kurt Cobain – sua cabeça afirmava e eu logo arregalei os olhos. O quê? O que o ídolo do James tinha a ver com a nossa conversa? - Você acha que ele desistiu de ter uma banda? Acha que ele desistiu no primeiro tropeção que levou? É claro que não! Porque ele sabia que podia conseguir! – ela estava ainda muito zangada, mas aparentemente sabia perfeitamente do que falava. Apesar de eu continuar a olhar para ela toda confusa.


- O que... – sussurrei fracamente – Olha, eu conheço a história do Kurt Cobain – chacoalhei minha cabeça como se fosse um cachorro me livrando dos pêlos encharcados - Do Nirvana. Sei que os caras ralaram muito, sofreram muito, especialmente o Kurt. Eu li o livro – daí lembrei uma coisa: - Que, por acaso, não vejo a dias... acho que o deixei em algum outro lugar da casa.


- Está comigo – minha avó confessou.


Choque. Foi tudo o que senti.


Minha avó lendo a biografia do cara que ela mais despreza no mundo, ainda que ele já esteja mortinho da silva?


Por que ela quereria ler Mais Pesado Que o Céu? Ela odeia biografias!


- O quê? – exclamei.


- Bem, você sabe que sofro de insônia, às vezes, e ler me traz calma e me conduz ao sono mais rapidamente – ela me disse como se aquilo não fosse nada de mais – Então, achei que você não fosse sentir falta desse título, considerando que só fica lendo aqueles romances água-com-açúcar.


Minhas sobrancelhas se ergueram involuntárias.


Ca-ram-ba ao cubo vezes dois.


- Você leu o livro? – perguntei atônita.


Ela ficou aborrecida.


- Sim, acha que sou tão inútil assim que não consigo apreciar uma boa história?


De verdade, nunca achei que tivesse ficado tão emocionada na vida com a minha avó quanto naquele momento.


- Mas você o odeia – lembrei-a chocadinha.


- Bem, às vezes é preciso odiar para amar – sua voz estava de sermão - Ou admirar, como é o caso – corrigiu-se ela - Porque, sinceramente, aquelas músicas que eles faziam... Uh, Deus me livre – sua expressão demonstrava asco, mas não me importei.


Como assim, Jesus? A minha avó, a D. Julia, admirando o Kurt Cobain? Aquele mesmo cara que ela vivia repetindo ser tão estúpido que acabara com a própria vida tendo tudo nas mãos?


Falem sério, etzinhos! Acho que vocês me enganaram, hein. Vocês trocaram a minha avó bruxa pela avó da Chapeuzinho Vermelho, não trocaram?


Eu não sabia o que falar. E ainda não tinha entendido muito bem como a vida do Kurt poderia me ajudar a parar de ficar na depressão.


- Ele acreditava, Lily – ela retornou, continuando a falar do Kurt Cobain.


- Eu sei, mas só porque ele era mesmo magnífico com uma guitarra nas mãos! – supliquei.


- Acredite também – ela me disse.


- Não consigo mais. Sinto muito – agora eu não conseguia mais ficar sentada, precisava urgentemente sentir as minhas costas apoiadas no colchão macio. Nossa, quando estamos na depressão até mesmo discutir nos deixa cansada.


- Ah, então você irá realmente desistir? – minha avó parecia não acreditar em minhas palavras.


- Olha, tanto faz agora – me mexi sobre as cobertas, com uma sensação de desalento ao cubo invadindo todas as minhas veias, como se fosse um veneno ultra potente. Deitei-me, espreguiçando-me lentamente.


- Lily... – ela resmungou, em um sussurro sôfrego – Não desista. Acredite. Acredite.


Sério. Por que ela não podia simplesmente me deixar morrer aqui e tudo, como eu planejei desde ontem, após a festa? A propósito, não suportava mais nenhuma vez ouvir alguém dizer essa porcaria de palavra. “Acredite”. Sabe como é. Do mesmo modo como sou contra a escravidão infantil e contra um país partir em busca de bombas nucleares para conseguir demonstrar o seu potencial, não sou a favor de pessoas entrarem no meu quarto e me passarem conselhos que sempre expressam a mesma idéia. Principalmente, se a idéia tem o intuito de me fazer acreditar em algo que nunca existiu. Tipo no Coelhinho da Páscoa, ou nos Duendes Coloridos do Matagal. E, de verdade, não estou a fim de acreditar em coisa alguma. Só de fazer qualquer esforço para alcançar alguma conquista de esperança eu já fico altamente cansada. Parece que meu cérebro também quer parar de lutar. Contra tudo, especificamente.


- AimeuDeus, pare de repetir isso! O James ficou a semana inteira me atirando essa palavra! – estourei, sem mover um músculo. Só o ato de mexer a boca e fazer com que minha voz de elevasse já me deixara exausta.


- Que palavra? – ela quis saber, sem arredar os pés de onde estava, que era bem na frente da minha cama, lá no fim – “Acredite”? – indagou-me um tanto hesitante, talvez para ter certeza de que era a resposta correta.  


- Exatamente! – disse desgostosa.


Houve um silêncio. Até achei que minha avó tinha, finalmente, cedido e saído daqui. Só que voltei atrás, depois que notei que não tinha escutado os seus sapatos fazerem toc-toc no piso. O que é, devo dizer, uns dos barulhinhos mais chatos do mundo. 


- Ai, meu Deus – ela crocitou pausadamente, como se estivesse vendo uma centopéia gigante e não estivesse lúcida o suficiente para exportar seu estupor.


Isso me fez levantar a cabeça de meu travesseiro, só por precaução. Só para certificar de que ela não estivesse tendo um derrame, do nada. O que é muito comum em idosos, claro.


D. Julia estava de olhos arregalados. E acho que não estavam muito focados. Achei que alguma aranha tivesse picado seu pé e a paralisado. Sabe, a aranha Parawixia bistriata, que é encontrada no cerrado brasileiro, possui uma peçonha capaz de paralisar insetos, que é decorrente de um bloqueio da ação do glutamato. Por causa dessa descoberta, lá no Brasil, pesquisadores afirmam que o impedimento do glutamato age como salva-vidas dos neurônios. A substância poderia ser útil para enfrentar o mal de Alzheimer, a esclerose lateral amiotrófica e outras doenças do sistema nervoso. Então, achei que alguma coisa – tipo uma aranha parecida com a espécie localizada no Brasil – tivesse feito algo com D. Julia.


- O que foi? – tinha algo obscuro em sua voz e em sua expressão que me fez automaticamente inquirir.


- Lily – ela falou de modo muito espaçado. Revirei os olhos – Acho que o James está tentando dar sinais a você.


Mesmo não entendendo nada, grunhi:


- Hum, é.


D. Julia soube que eu não estava pegando o assunto e retornou:


- Não. Escute – minha avó estalou os dedos, alarmada, como se aquilo fosse urgente. Só que eu não enxergava a emergência naquilo tudo. Nem sabia a que estava se referindo – Do mesmo modo em que só percebeu ontem que o sente por ele é muito mais grandioso do que sequer imaginava, está sendo, mais uma vez, tapada para isso também – como eu lancei a ela um olhar feio, apressou-se a explicar: - Para o que o James está tentando fazer.


Isso continuava a não fazer sentido algum. Eu ainda não estava vendo aonde queria chegar.


- Dá para ser clara, por favor? – reclamei entediada de escutar sua voz rouca por conta dos milhares de cigarros que já tragou na vida – Eu só quero que me deixem em paz – comentei.


Minha avó inflou exatamente como aqueles peixes baiacus. Parecia frustrada e decepcionada. Não liguei.


- Lily, você é uma rúcula de tão burra! – levantei minhas sobrancelhas assim que ela exclamou isso. Não estava de fato me importando com qualquer xingamento que viesse dela. Sempre a ignoro mesmo. Minha avó desanuviou a expressão e suspirou, agora com a fala um pouco mais contida: - Acho que James quer o mesmo que você – finalizou, por fim.


Fiquei surpresa. Minhas sobrancelhas não saíram lá de cima.


- Sério? – perguntei – Ele quer passar o resto da vida dele também no quarto ouvindo músicas fofas demais a ponto de fazê-lo querer enfiar a caneta na Aorta? – eu estranhei bastante. Por que James quereria uma coisa dessas se, provavelmente, lá em Montreal freqüentará quartos de meninas espevitadas e atiradas (assim como a maiorias das meninas do mundo de hoje, claro)?


Minha avó fez uma cara de Garota, o que foi que você fumou hoje?, mas logo me cortou:


- O quê? – ela sustentava a mesma expressão de Garota, o que foi que você fumou hoje?, como se eu fosse uma retardada total. Opa, eu sou uma retardada total – Claro que não, sua pateta – seus olhos maquiados se reviraram irritados.


- O que é, então? – não deixei transparecer a minha curiosidade. Ah, claro que eu estava curiosa. Sei que estávamos falando do menino que partiu o meu coração, após eu partir o dele, mas esse menino era o James. Portanto, é claro que eu estava louquinha para saber. Tudo que envolve o James é de extrema curiosidade minha. Hum, excessivamente, depois de ontem, quando afinal descobri o que significa aquele frisson idiota e aquela sensação esquisita sempre que estou perto demais do James.


Agora, minha avó parecia louca da vida comigo. Acho que ela não se surpreenderia muito se viesse a descobrir que, na verdade, sua filha, minha mãe, pariu uma topeira ao invés de uma menina normal.


- Jesus! – ela quase gritou, frustrada ao cubo, mas então, ao voltar os olhos de novo para mim, normalizou a voz, quase como se quisesse ensinar um cachorro a fazer contas: - Ele quer saber se você sente o mesmo. Se você retribui o que ele sente por você.


Hã, sei.


Foi isso o que pensei lá deitada em minha cama, enquanto a observava no meio de meu quarto.


Essa mulher é verdadeiramente lunática. Para sempre. Deve ter vindo para a Terra com defeito de fábrica, porque não é possível. Sabe aqueles brinquedos que, por mais que o consertemos e o limpemos e tudo, sempre param de bipar ou de acelerar ou de falar, sei lá eu, por algum motivo desconhecido e nunca o restauramos? Apresento-lhe a minha avó. Ela é igualzinha, só que com peças extras que nunca conseguimos trocar. Tipo seu descontentamento perante a tudo e sua adoração por gastar dinheiro onde não é essencial.


E eu, efetivamente, queria acreditar naquilo. Na coisa de que o James está jogando comigo para se certificar do meu amor para com ele, sabe como é. Só que, bom, não dava. Era como querer acreditar que os juízes fundamentalistas lá do Irã serão dizimados e que a mutilação de partes íntimas de menininhas africano-subsaarianas se encerrará. Tipo não dá. Todo mundo sabe que depois que Mahmud Ahmadinejad assumiu o poder em 2005, a coisa de ser fundamentalista está frenética lá, e que a mutilação de clitóris provém, verdadeiramente do fator étnico, e não do religioso – como todo mundo pensa -, já que essa prática tem a ver com os ritos de iniciação e de entrada na idade adulta de alguns povos. Além do mais, não é apenas na África que esse costume é tradicional, porque alguns países daqui da Europa e lá da América do Norte também são adeptos a extirpação de genitálias femininas. Portanto, até parece que os pais de menininhas de cinco anos irão pensar melhor e deixá-las permitir sentir algum tipo de prazer sexual.


Daí eu ri, mesmo que de má vontade e sem sentir felicidade alguma.


- Fala sério – rolei meus olhos – Qual é o problema de vocês? – indaguei irritada.


Ela inalou o máximo de ar possível antes de responder:


- Não é para menos que o está deixando escapar. Você nem quer tentar acreditar – seus cabelos louros falsos chicoteavam sua face suavemente.


Olha, essa coisa de acreditar é muito para mim. Eu já acredito no amor e no romantismo. Ela já deveria estar satisfeita. Mas querer que eu postule que o meu ex-melhor amigo, que agora me odeia pra caramba e que está se mudando de país porque não suporta nem mesmo freqüentar mais a mesma escola que eu, está tão apaixonado por mim quanto eu estou por ele? Hã, sei. Acho que é mais fácil me fazer crer que fui vendida à minha mãe pelo cara que criava cachorros aqui perto, há muito tempo. O que justifica o meu desprezo por gatos – mesmo aqueles bem fofinhos – e a minha animação quando vejo que minha mãe está chegando da rua com sacolas de supermercado. Porque sempre fico procurando o meu pote de Nutrella no meio das frutas, verduras e iogurtes.


Além do mais, caia na real. Essas coisas de amor correspondido só acontecem em filmes do tipo O Som do Coração ou Letra e Música e em livros do tipo O Sorriso das Estrelas e Sorte ou Azar? Coisas românticas nunca acontecem na vida real. E todas as meninas sempre se apaixonam por um cara completamente diferente do que ele é, afinal. Pensamos que ele é fofo e que gosta de nos presentear com flores e que nos deixariam fazer declarações em público. Mas, daí, quando começamos a namorar o cara, vemos que não é nada disso. Ele não é tão fofo quanto parecia que era, é alérgico a flores – de todos os tipos – e morreria se disséssemos a palavra “amor” alto demais, em algum ambiente público, quando estamos junto a ele.


- Do que adiantaria? Ele vai embora – lembrei esse pequeno detalhe. Eu estava mesmo fadada a ficar enterrada em minha cama o dia inteiro. O que mais posso fazer, além de ler, de escrever, de escutar canções tristes, de ignorar as frases da minha avó e desejar a minha morte?


- Isso mesmo: renda-se como as meninas fracas e covardes – foi tudo o que tinha a me dizer, com o maior desprezo que conseguia carregar na voz.


Fechei os olhos.


Será que ser um gato é fácil? Porque estou pensando seriamente em querer reencarnar como um gato na minha próxima vida. Acho que pelo menos eles não precisam se apaixonar por seus melhores amigos, freqüentar escolas, crescer na vida ou escutar a avó insuportável dizendo-lhes que é uma rúcula, de tão estúpida.


Todavia, eu cansei de lutar. Cansei de lutar contra a Taylor. Cansei de lutar contra as populares. Cansei de lutar até comigo mesma. E, principalmente, cansei de lutar para obter a glória da minha felicidade.


Simplesmente, não vale mais a pena.


E eu já estou no valão do fim da minha vida mesmo. Então, até parece que me importo.


- O que quer que eu faça? – perguntei, olhando para o teto, agora que tinha me deitado. Emendei: – Então dê o seu jeito, porque eu cansei e perdi, beleza?


Não sei por quanto tempo eu fiquei encarando a brancura do meu teto até perceber que minha avó não estava mais aqui. Sei que quando minha vista embaralhou completamente - e achei que fosse, mais uma vez, ser vencida pelo sono, desviei o olhar e o deixei recair sobre o recinto todo, esperando dar de cara com uma D. Julia encarnando um boi furioso – percebi que não havia mais ninguém comigo. De novo, eu estava só, como sempre estive.


Então, suspirei e calmamente fechei meus olhos cansados. Assim que nada mais vi, já estava profundamente mergulhada em um longo cochilo.


24/FEVEREIRO – 16:13h – DOMINGO – QUARTO
Sabe, quase nunca peço ajuda a alguém. Não sou do tipo que decepciona o próprio orgulho. Mas agora entendo que as pessoas precisam reclamar por auxílio. Senão, pode até ser que morram, ou algo assim. E mesmo que eu tenha pedido ajuda a última pessoa que realmente queria – depois da minha avó, claro, mas ela me ajudou um monte, apesar de tudo -, não foi tão ruim. Não precisei ficar ouvindo-a proferir aquelas frases de cartõezinhos para mim nem nada. Foi meio que bom, na verdade. A conversa, sabe como é.


Comecei hesitante, aproximando-me da porta de seu escritório, onde preserva tudo sobre a sua carreira:


- Mãe? Eu posso conversar um pouco com você?


- Claro, Lily, que pergunta. O que aconteceu? – ela levantou o olhar na tela do computador.


- Humm. Eu poderia lhe dar tantas respostas...! – ri amargurada - É que... você já se apaixonou por alguém que não deveria ter se apaixonado?


- Claro – ela riu - É inevitável – deu de ombros - Aquela pessoa que achamos que é tão legal, na verdade, pode ser a pior pessoa do mundo, só que nós não sabíamos.


- Não, não é bem desse jeito que quero abordar o assunto –apressei-me a dizer - É que... Mas o que você fez para esquecer essa pessoa? – quis saber, esperançosa.


- Me apaixonei de novo – respondeu simplesmente, daí riu mais uma vez e disse: - E aí descobri que estava grávida de você.


- Ah –falei baixo - Mas eu não quero ficar grávida agora só para esquecer... esse cara.


- Essa é uma excelente idéia – mamãe sorriu, alegre. 


Sorri sem ânimo.


- Você desistiu mesmo do Jason? – ela sondou.


- Não! – exclamei, horrorizada - Eu só... – pensei em o que responder. Não seria nada fácil - O que fiz não foi bem desistir – reivindiquei - Eu só... abri os olhos e enxerguei a realidade que eu tanto negava, sabe.


- Eu sinto muito – ela disse, mas acho que não estava tão melancólica assim - Ele parecia feliz com você.


- Eu sei, mas eu não era feliz com ele – assustada com a minha resposta, consertei: - Quero dizer, durante um tempo sim, ele conseguia me fazer sorrir e tudo mais, mas... depois tudo parecia muito igual, tudo muito repetitivo, eu não consegui suportar!


- É uma pena – ela sacudiu a cabeça - Eu gostava dele, apesar de tudo, sabe como é – olhou para mim com os olhos carregados de obviedade - Aquela coisa de ele de nunca entrar aqui e nunca conseguir comer a minha sobremesa, mas – sua voz se energizou - você vai superar. Só falta tempo para isso.


- É, e, além disso, magoei para sempre a melhor pessoa do mundo – lamentou, amargurada.


- A Taylor também vai superar, Lily – mamãe me disse.


- Não, não estou falando da Taylor – neguei surpresa por ela achar que estou mesmo tão mal assim só por conta da Taylor - É que eu me apaixonei pelo cara mais legal que conheci e simplesmente estraguei tudo – olhei para meus pés. Queria fazer alguma coisa para acabar com aquela minha inquietude - Ele agora vai embora e vai me odiar para sempre.


- Uau – mamãe exclamou, sabendo onde isso daria - Isso tem a ver com... o James?


Corei. O que eu poderia falar? Ela já devia saber de tudo mesmo, oras!


- É. Mas... que porcaria. Eu me apaixonei por ele. Foi tão... inevitável. Foi tão... fácil – achei que se a minha voz estivesse culpada o suficiente, eu lidaria com aquilo melhor - Nós simplesmente saíamos e conversávamos e uma hora tudo mudou –levantei meus olhos, esperando ver também a expressão confusa no rosto de minha mãe. Mas ela não estava confusa. Parecia feliz. Não mega feliz, mas definitivamente não aparentava estar toda vitoriosa, tal como minha avó - Eu não me sentia mais feliz com o Jason e só queria o James por perto, porque ele me fazia rir e sempre sabia o que me falar – contei derramando as minhas palavras como se fossem pequenas bombinhas que estivessem me incomodando - E agora eu estou perdida, não sei o que fazer para esquecê-lo.


- Bem, talvez desde o começo essa amizade não fosse somente uma amizade – ela falou com a voz sem entonação alguma. Era a voz de uma psiquiatra que já ouviu de tudo - Sempre houve algo a mais, mas você não conseguia enxergar ou não queria enxergar, porque... você nunca achou que isso fosse dar certo.


- E não vai dar certo, mãe! – quase gritei, frustrada - Eu sei que todas as revistas que leio dizem que há uma probabilidade maior de um namoro dar certo entre amigos, mas nem amigos nós somos mais!


- Talvez você esteja subestimando o destino – ela me atirou com descaso.


- Que destino? – perguntei soltando um risinho triste - Nós... não vamos dar certo – abanei minha cabeça, pesarosa - O que eu faço, hein? Estou enlouquecendo! – exclamei - Eu não o quero perder para sempre! Se ao menos pudesse fazer algo para obrigá-lo permanecer aqui... mas ele não quer me ouvir, simplesmente está magoado demais comigo. 


- O que você fez, afinal, Lily? – agora ela tinha deixado o tom profissional para trás e dava para ver que estava exigindo a minha confissão.


- A culpa não é toda minha! – fui logo dizendo, completamente louca - A Taylor é que é uma vadia e acabou com tudo!


Minha mãe nunca tinha feito aquela cara para mim. Sabe como é, olhos arregalados e face estática. Acho que eu nunca fui uma menina muito merecedora de caras impressionadas ou surpresas. E dava para ver que minha mãe estava muito, muito surpresa. Também, pudera, eu nunca chamei a Taylor de qualquer coisa a não ser “amiga”. E “vadia” não é bem o que todos estão acostumados ao me ouvir falar dela. Sem contar que todos estão tão enganados, tão manipulados, tão apaixonados somente pela beleza impecável dela, que não vê o que ela é verdadeiramente, a vadia que é. Porque, caramba, ela é muito vadia! Desculpe, Sra. McGrow, mas essa é a verdade, somente aceite.


- Ela contou ao James as coisas que eu e ela comentávamos sobre ele, mas isso foi antes de eu o conhecer de verdade, como a pessoa tão fofa que é! – a raiva da Taylor brotou fracamente em meu peito - Ela mostrou aquele livro idiota e todas as nossas conversas que salva do MSN para me derrubar – irritada, fechei os punhos - E, claro, ele ficou tão decepcionado que vai embora para o Canadá e nunca mais vou vê-lo!


- Por que a Taylor salva as conversas online? – minha mãe achou aquilo um absurdo.


- Porque ela tem que ter provas contra as pessoas! É isso o que ela faz: joga tudo o que você já fez ou já falou contra você mesma e arrebenta com tudo!


- Meu Deus, a Taylor é quase tão pior do que aqueles agentes secretos do Jack Bauer – por mais que ela estivesse quase rindo, notei que estava muito chocada.


- Não, mãe, ela é pior, porque a Taylor é real, entende? – lembrei-a.


- U-a-u – mamãe fez.


- E foi ela também que contou ao Jason que viajei com o James para Beadlow e, claro, brigamos e decidi terminar, porque ele já estava me sufocando.


- Ah, então foi por isso que você foi parar na diretoria, naquele dia, por mau comportamento? – as sobrancelhas dela se ergueram. Mas acho que não estava, de fato, me julgando.


- Sim. Eu... voei para cima dela antes das aulas começarem.


- Sabe, Lily, eu queria ter tido a metade da coragem que você tem – sua voz estava meio orgulhosa e surpresa - Eu nunca consegui enfrentar as pessoas. Nem mesmo aquela chata da Mary Wilton, que sempre caçoava de mim por causa das minhas sapatilhas velhas que eu tanto gostava – ela balançava a cabeça agora, com os olhos apertados, talvez por causa da lembrança.


- Do que importa eu ter batido na Taylor? – eu quis saber - Isso, por acaso, fez com que o James voltasse atrás? – coloquei minhas mãos na cintura - Não. Ele nem me disse uma única palavra. Ele nem me segurou, ou me separou da Taylor.


- Bem, você nunca vai saber se não tentar.


- Não posso mais tentar. Acabou, eu sei disso – falei.


- Desistir nunca é uma boa opção, porque você pode se arrepender e realmente não conseguir consertar as coisas.


- Desistir não é covardia – recitei.


- Não, claro que não. Muitas vezes, não. Mas... é arriscando que se chega a algum lugar – ela piscou rapidamente para mim.  


- Não faz diferença – minha voz estava morta mais uma vez - Vou ter que aprender a viver com isso em mim. Até parece que ele está ligando.


Minha mãe ficou me olhando. Não disse nada. Somente ficou ali, me olhando. Acho que estava decepcionada por ter uma filha tão estraga-tudo. Ou por ter uma filha tão covarde que não sabe nem mesmo como reatar uma amizade.


Tudo bem, encaremos os fatos: eu sou uma perdedora. O que a minha mãe quer?


- Vou... voltar para a TV – eu falei, bem devagar.


- Ok, tudo bem. Se precisar de alguma coisa, me chama. Você sabe que sempre estou aqui para você.


- É, pelo menos alguém está – comentei, deixando o escritório.


Correção: todo mundo está para mim, exceto a pessoa que mais quero que esteja.


24/FEVEREIRO – 17:30h – DOMINGO - QUARTO
Acho que o mundo está completamente enlouquecendo – de vez.


Porque uma coisa é a Nichole e a Alex ficarem em cima de mim para eu ir à despedida idiota do James, lá em sua casa. Agora, é muito diferente o Sirius me pedir para dar uma passadinha na festinha. Até agora estou um tanto confusa e incrédula. Porque também ele ligou para mim. De verdade, não é brincadeira. Ele ligou. Quando li o visor indicando “SIRIUS” ali, quase caí da cama e deixei tudo o que estava em minhas mãos – só o livro Firebirds, na realidade - ir para o chão. Atendi, atônita:


- Sirius? – minha voz estava, com certeza, muito surpresa.


- Ah – ele fez sério. Por que estava sério? O Sirius quase nunca consegue ficar sério. É como se ele fosse um grande cachorro feliz, que nunca pára de latir ou de abanar a cauda – Oi. E aí?


- Hum, tudo ótimo – respondi, obviamente carregando uma mentira gigante. Mas tanto faz.


- Ah – ele ecoou mais uma vez – Então... hã... você irá lá na casa do James?


Meu peito se comprimiu violentamente, deixando-me sem fôlego.


- Deixa eu pensar – fingi, tingindo a minha voz de sarcasmo – Não, claro que não – agora não estava mais ironizando. Minha entonação estava dura, quase furiosa.


- Ah – Sirius falou.


E, antes que eu pudesse me deter, as palavras saíram da minha boca. Além do mais, por mais que o Sirius não seja uma das pessoas que mais fale sobre a vida do melhor amigo, achei que pudesse arrancar qualquer confidência. Isso nem seria deslealdade da parte dele, em todo caso. Qualquer coisa, digo que o torturei para liberar essa informação. E eu sou ótima em torturas. Bem, na teoria. Porque nunca torturei ninguém pessoalmente. Eu sou humana, fala sério.


- Então, o James está com a Michelle? – fechei meus olhos, esperando ouvir a resposta que me deixaria ali na minha cama para sempre.


O Sirius fez uma pausa.


- O quê? – ele parecia não acreditar no que eu lhe inquiria – De onde você tirou essa loucura?


Ah. Então alguém não está sendo verdadeiro o suficiente com o melhor amigo aqui, hein. Achei que o James contaria a Sirius. Meninos sempre comentar uns com os outros sobre meninas que beijaram na festa de ontem. Especialmente se a menina em questão é a Michelle.


- Humm – tentei pensar rápido – Não importa. Só me responda.


- Fala sério – o Sirius ria – O James nunca trocaria a Michelle por... – ele interceptou sua fala, daí remendou: - É, não. O James não está com a Michelle.


Ouvi-o soltar um palavrão baixinho no outro lado da linha.


Depois disso eu estava a todo vapor.


- O James nunca trocaria a Michelle por quem? – eu quis saber.


- Por ninguém, oras! – ele estava irritado – O James nunca sairia com uma popular. Quem faz essas coisas sou eu, lembra?


Não sei. Tinha alguma coisa errada. Sabe quando a gente sabe que tem um pano em cima do nosso mangá preferido rasgado? Pois é, eu tenho esse sexto sentido muito aguçado. E sou eu que vivo mentindo o tempo todo, o que me leva a ser uma perita em pessoas que estão tentando encobrir alguma coisa com mentiras fracas.


Só que eu meramente deixei o assunto de lado, desapontada. Talvez o James ainda não tenha contado ao Sirius sobre o beijo de sexta. É bem esquisito, mas sei lá. Vai ver o James não sai por aí contando sobre a sua vida sentimental e totalmente privada nem mesmo para as pessoas mais próximas. Pode ser bem provável. Normalmente eu também sou assim, então pode ser que eu engula essa.


- É mesmo – respondi sobre a coisa de o Sirius sair com populares.


O Sirius logo tratou de não me deixar no vácuo.


- Olha, parece que vai ser bem legal a festinha. Parece que a Nichole vai levar brownies. Você deveria ir – ele me disse.


- Sirius – suspirei. Temia que quisesse chorar e isso não seria nada legal – Não vou conseguir, certo? Você está sendo um fofo e tudo, mas não vai adiantar – apertando um pouco os lábios, para fazer desaparecer a vontade de chorar, complementei: - Desculpa.


- Lily. O James gostaria que você estivesse lá – o Sirius insistiu, muito sério.


- Como é que você sabe disso? – não pude deixar de retrucar.


O Sirius não entende como funcionam as relações humanas. E não sabe nem da metade do sentimento que nutro por James. Então, como é que ele sabia se o James não iria somente me ignorar?


- Você precisa ir – o Sirius disse – Só porque ele está um pouco magoado com você, e você com ele, por causa dessa viagem tosca, isso não significa que você não pode querer se divertir.


- Mas eu não quero me divertir – reclamei, agora sufocando as lágrimas – Como irei me divertir com o James lá, sabendo que em menos de vinte e quatro horas não irei mais vê-lo? – dei uma fungada, mas muito baixa. Acho que o Sirius não a notou – Não estou preparada para isso. Para me separar dele. Eu fui a maior babaca com ele – choraminguei.


Achei que o Sirius fosse confirmar a minha depreciação, mas ficou calado.


- Olha, sei que é bastante difícil. Eu também não quero ficar sem ele. Mas é a vida, certo – foi o que ele me disse – E independentemente do que está sentindo, deveria dar uma chance a isso, Lily.


- A isso o quê? – perguntei com as minhas lágrimas já rolando por minhas bochechas, mais uma vez. Fiquei confusa.


- A esse sentimento que está sentindo. A essa saudade precoce dele – o Sirius me respondeu nada impaciente e irônico.


Fiquei quieta, apenas tentando secar meu rosto com uma só mão.


- Pode ser a última vez que o vê – o Sirius acrescentou um tempinho depois.


Maravilha. Agora meus soluços estavam assíduos.


- Certo – balbuciei, muito ciente da dor aguda que afligia meu coração – Vou desligar, se você não se importa. Preciso... fazer umas coisas – ah, que se dane. Não tive tempo para inventar qualquer desculpa. O Sirius supera essa.


- Tudo bem – ele concordou, aparentemente não ligando para a rapidez de como eu queria desligar em sua cara – Estaremos lá, esperando você – adicionou.


Nem consegui respondi algo, porque a essa altura eu já estava chorando tão alto que meramente apertei o botaozinho vermelho para finalizar a conversa.


Mamãe, por magia ou por extinto, sei lá, apareceu aqui agora pouco. Me viu chorando e ficou sentada na minha cama dando tapinhas confortáveis em minha cabeça, como se isso fosse resolver tudo. Ficou falando umas coisas que não prestei atenção e logo foi embora, pedindo desculpas e dizendo que eu deveria tomar um banho para relaxar, porque estava indo para – ah, nem posso imaginar! – uma consulta de emergência com o problemático do Charlie.


E agora? O que faço? Fico aqui chorando que nem uma perdedora ou vou dar uma conferida na porcaria da festinha de despedida?


24/FEVEREIRO – 21:14h – DOMINGO – QUARTO


You have a way of coming easily to me.


And when you take, you take the very best of me.


So I start a fight 'cause I need to feel somethin'


And you do what you want 'cause I'm not what you wanted.


Bem, a verdade é que eu sou uma covarde. Eu já sabia disso, mas depois de hoje, tenho a mais plena certeza a respeito disso. Se bem que não sou somente covarde. Se construíssemos uma lista incluindo todos os adjetivos que me descrevem, ela seria composta assim:


~ Mentirosa


~ Supridora de felicidade


~ Infantil


~ Covarde


~ Manipuladora (bem, só o James acha isso)


~ Péssima amiga


~ Idiota


~ Fracassada


~ Louca


~ Apática perante a tudo


~ Ignóbil o bastante para destruir qualquer relacionamento


~ Depressiva (neste exato momento)


~ Frustrada


~ Intransigente


Provavelmente existem muitas outras palavras que caibam perfeitamente nesta lista, no entanto estou acabada demais no momento para ir de encontro com elas. Não estou conseguindo pensar direito. E parece que as lágrimas são um fator inibidor de pensamentos férteis. Se eu tivesse aprisionado todas elas, daria para encher alguma piscina da cidade.


E parece que sou imune a comprimidos contra a dor de cabeça. Tentei convencer mamãe de me dar alguma de suas pílulas fortes – aquelas que ela vive dizendo que todas as celebridades tomam regularmente pelo estresses do dia-a-dia -, mas até mesmo o meu poder de persuasão eu perdi. Antigamente eu conseguia fazê-la me dar aquele comprimido para o sono – por causa das minhas crises de enxaqueca. Só que até mesmo tentei dizer a ela que dessa vez – hoje – eu poderia morrer sem suas caixinhas proibidas. Até parece que funcionou. Ela só disse:


- Eu deveria lhe dar lítio, isso sim. Mas, como vê, não tenho esse calibre e não posso lhe receitar antidepressivos.


Daí eu fiquei, tipo:


- Mas, mãe, você é psiquiatra! Psiquiatras receitam Valdoxan para seus pacientes a toda hora!


- Mas você não é minha paciente! – ela me lembrou.


- Você está vendo que preciso de ajuda! E não está fazendo nada! Que tipo de mãe você é, afinal? – eu já estava desesperada.


- O do tipo que sabe que você não tem tendência à depressão e que essa sua tristeza pode ser melhorada com um pote de Nutrella e com um CD da sua banda favorita – ela estava categórica.


Certo. Isso é muita verdade. Normalmente Nutrella e o Paramore me ajudam pra caramba. Só que agora não irá me adiantar de nada. Porque também, sempre que ligo meu I-pod espero ficar escutando a voz doce da Taylor Swift, não da Hayley Williams. Provavelmente estou totalmente traindo o meu amor por ela, mas quem disse que eu sou apenas de uma pessoa? Nós podemos amar muitas pessoas ao mesmo tempo, oras! Claro que amo mais a Hayley do que a Taylor, entretanto, ainda assim, estou me sentindo horrível. Só que parece que a Taylor sabe exatamente por o que estou passando e ela é a melhor para esse tipo de coisa, porque totalmente parece que ela fica em depressão todas as semanas, se considerarmos todas as suas músicas. Até parece que ligo. Até parece que o mundo liga. E ela é total fofa com a maioria das pessoas. E isso é legal.


- Eu nunca irei melhorar! – exclamei – Ele irá partir e irei ficar ainda mais despedaçada!


- E você quer que eu faça o quê? Me jogue na frente do avião dele, amanhã? – mamãe explodiu.


- Hum... será que adiantaria alguma coisa? – perguntei inocente.


- Ah, francamente, Lily. Vá para seu quarto – ela abaixou os olhos para as teclinhas do lap top, assinalando que eu deveria deixá-la em paz. Mamãe odeia domingos. São sempre dias de conclusão de relatórios.


Daí, claro, eu vim para cá chorar mais um pouco, pela insensibilidade da minha mãe. Quero dizer, é de se imaginar que ela queira que sua única filha não se torne uma mendiga no futuro, mas parece que não está ligando muito se daqui a dez anos terei uma casa ou não.


E eu fui totalmente lá. Não que tivesse ido para me divertir, fala sério. Meu cérebro não sabe mais o que é se divertir desde aquela quarta-feira monstruosa. Mas, bom, eu fui lá para conferir se a Michelle tinha sido convidada. Porque pode até ser que eles já tenham passado dos beijos, o que significa que o James a convidaria para sua despedida. Não sei se ele é o tipo de cara que vai para a cama com uma menina e a larga na estrada ou qualquer coisa assim, que nem naquele filme que vi com a minha avó nas férias, mas se não for – o que é mais plausível, já que ele é todo fofo e gentil -, quer dizer que não dispensou a Michelle e agora ela faz parte de sua vida – mesmo que à distância.


Esperava que o encontrasse e logo em seguida falasse: “Lily! Que ótimo, você veio! Quer uma coca-cola?”, só que as coisas não saíram bem assim. Saíram bem do avesso, se quer saber, uma vez que nem cheguei a colocar os pés dentro da casa dos Potter. É sério. Nem mesmo me encontrei com o James ou lhe disse palavras de despedida, tipo “Tchau, vou sentir a sua falta”. Saltei do táxi e andei até a porta da cozinha, que fica ao lado da casa. Pude distinguir algumas pessoas – as de sempre – em volta da piscina e pude ouvir o Fall Out Boy lá dentro da sala. Parecia que todo mundo estava mesmo se divertindo. E eu estaria me divertido também, se não tivesse me perguntado o que eu estava fazendo ali.


O que o James quereria com uma mentirosa manipuladora? O que eu achava que estava fazendo ali? Não iria convencê-lo a ficar nem nada. Não conseguiria. Já tentei. E ele está irredutível. Sem contar que a viagem é bem amanhã. Sei que o Sirius me disse que ele gostaria que eu fosse e tudo. Talvez fosse mesmo verdade. Talvez o James realmente me quisesse ali para me dar adeus ou sei lá. Só que, enquanto observava a Alex e o Remus conversando fofozamente e a Nichole e o Paul – aham, o gótico – aos beijos na espreguiçadeira ao lado da mesa de bebidas, percebi que aquele não era mais o meu lugar. A Alex é irmã do James. A Nichole é gótica e tudo, mas nunca deixou de mencionar qualquer coisa a respeito dos pensamentos que já teve sobre ele. Quem omitiu uma parte importante do passado a ele fui eu. Era eu que ele não queria ver, por mais que o Sirius tivesse me dito o contrário. De todo modo, o que resolveria eu fingir me divertir se tudo o que queria era beijá-lo e lhe dizer que sinto muito por tudo o que causei a ele? O James só ficaria me olhando sem o mínimo de pena nos olhos. Como sempre. Digo, ele pode agir como um fofo, mas seus olhos nunca estão fofos.


Portanto, dei o fora. E, ah, a Michelle estava mesmo lá. Eu a vi com um copo de suco de laranja, enquanto falava ao celular muito amistosamente. Não sei onde o James estava, porque voltei para o táxi antes que pudesse procurá-lo. Não quis procurá-lo, porque sei que se o visse me sentiria ainda pior.


É isso aí. O James partirá para o Canadá amanhã sem ouvir o meu adeus. E eu ficarei aqui saboreando todos os potes de Nutrella do mercado sem ter recebido um abraço de despedida dele. Maravilha, não? Era tudo o que eu queria.


Acho que mandarei uma “Boa Sorte!” por e-mail. Sei que ele confere sua caixa de entrada todas as semanas. Quem sabe, quando vir a minha mensagem ligue para mim para contar como é estar convivendo com meninas de saiazinhas azuis.


Querido James,


Novamente estou lhe pedindo desculpas por ter sido tão imatura com você. E quero muito, muito mesmo que você se divirta em Montreal. E que tudo dê certo para você. Sei que não faço mais parte da sua vida, mas, como uma colega, desejo que seja feliz. Então, boa sorte, Jay! :)


Com amor,


Lily


Não. Não! Com amor? Fala sério! Apaga, apaga!


Amigavelmente,


Lily


Isso. Amizade. É isso que ele deve receber. Não posso lhe comunicar o meu amor por um E-MAIL. Aliás, ele me odeia e tudo. Garotos que odeiam meninas mentirosas não se apaixonam por elas.


Ah, tanto faz. Melhor ele não receber e-mail nenhum meu. Até parece que irá sentir falta.


Agora acho melhor ir me deitar, antes que eu comece a escrever outros e-mails. Pode até ser que eu comece a implorar por perdão de novo e isso seria vergonhoso ao cubo.


É, minha vida acabou. Vou ver se amanhã peço à mamãe se posso, ao invés de ir para a faculdade estudar jornalismo, ir para o convento ou para algum país miserável que me faça aprender alguma coisa com a vida. Ah, espera. Já aprendi alguma coisa com a vida: que sou a pior menina do mundo. Beleza, vida.


Querido James,


Eu amo você.


Ah, Lily, cala a boca. Vá dormir.


Excluir, excluir, excluir.


Alguém conhece o Jack Bauer? Será que ele se prestaria em vir até aqui, em minha casa, para atirar em mim ou me matar de qualquer outra forma? Ficarei esperando, de todo modo. O Jack Bauer, sabe como é. 





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N/A: Oi, gente linda do meu coração! <3 YEEEEEY, penúltimo cap! Nem acredito! Uau, estou escrevendo essa fic há quase oito meses! Estou meio feliz e meio triste por I Can Be Your Hero estar terminando D: Foi a fic que mais dei prioridade e que acabou me dando muitas oportunidades. Maaas, você já sabem, quem quer ler mais fics minhas é só acompanhar Às Vezes o Adeus é Uma Segunda Chance (que estou dando continuação e que estou me divertindo muito ao escrevê-la e espero diverti-los igualmente) e No One Like You (primeiro cap em Dezembro! Promeeeto!). Sei que essa época do ano ficamos atolados e tudo, mas senti falta de mais comentários, sei lá. Bem, isso não importa; estou muito feliz, ainda assim! 
E meeeeeu Deeeeus, acabei de saber que o Paramore vai vir para o Brasil em fevereiro e já quase tive um AVC, então nada mais poderia me deixar mais feliz (exceto os comentários de vocês, claro). Então, é isso aí :DDD
P.S.: desculpem pelos erros, mas não tive tempo de revisar esse cap ;)
Have a Nice Day!
Amo todos vocês <3
Beijinhos ao cubo ;* 

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