Capítulo 18






My Hero:







[N/A1:  b.coelho , obrigada por me ajudar a postar esse vídeo :)]


[N/A2: eu sou a-p-a-i-x-o-n-a-d-a por esse vídeo. Assim que finalizei este cap, pensei em postar esse vídeo, só para quem não conhece a música conhecê-la, e para quem já a conhece matar as saudades. Sem contar que a voz da Hayley está maravilhosa *-* Aproveitem!]

----------


19/FEVEREIRO – 09:23h – TERÇA-FEIRA – AUDITÓRIO DA ESCOLA
Desculpe pela letra quase ininteligível. É porque estou tremendo tanto, que mal consigo apoiar direito a lapiseira no caderno. Minhas mãos ainda estão suando um pouco, o que quer quiser que, além da tremedeira, meus dedos escorregam toda hora.


Tipo, ai meu Deus. A platéia ainda está frenética. As palmas, até agora, não se acalmaram e chegam até meus ouvidos. O James não para de jogar aqueles sorrisinhos pequenos para o meu lado. Ele tornou a se sentar aqui ao meu lado. Claro que ele está sempre se levantando, quando alguém chega aqui atrás e diz algo como:


- Caramba, vocês foram demais!


Mas, ainda assim, ele se senta na mesma banqueta que estava antes de irmos lá para frente com os nossos violões.


Ele está sendo um amor. Tanto quanto um cara que não se importa mais comigo consegue ser. Sei que os sorrisinhos discretos fazem parte da coisa toda. De ser legal comigo, mesmo quando não deveria ser, sabe como é.


Bom, a apresentação não foi muito ruim, no final das contas. Felizmente não quis vomitar na frente de todo mundo ou sair correndo. Claro que meu estômago estava gelado, como o resto de meu corpo, e minha respiração trancada demais para tentar ficar calmíssima. Mesmo assim, consegui cantar e acertar as notas numa boa. Meus dedos tremiam, mas, depois da primeira estrofe, tudo se alinhou de verdade e não quis pensar no James – em sua viagem, mais especificamente – ou no fato de que poderia arruinar a minha música favorita.


Acho que, por agora eu fazer parte do Conselho, não havia por que a maioria dos meus colegas – e amigos, claro – não me receber fazendo algum barulho – mesmo que leve e sem ritmo -, o que me deu algum tipo de coragem. Pouca, é verdade, mas estava ali, sabe. Olhei para o James: ele parecia demasiado confortável. Acomodamo-nos nos banquinhos de couro estofados bem no meio do palco gigante demais para só nós dois. Aos poucos, os assobios e os clep-clep morreram. Mas talvez nem fosse por causa da minha roupa, que tinha até mesmo arrancado elogios de Nichole, que tinha chegado a mim lá nos armários, antes de James.


Ela estava ali para saber se eu estava melhor. Do meu ataque de choro ontem no banheiro, sabe. Nick parecia mesmo aflita, como se estivesse furiosa e preocupada. Furiosa com o James; preocupada comigo.


- Não se deprima, ele não pode ir embora! – ela não parava de repetir.


O que sempre me levava a dizer:


- Mas eu não estou deprimida, Nichole.


- Você chorou ontem. Eu nem chorei – ela falou e, pensando melhor, acrescentou: - Mas, bom, só porque não sou tão próxima assim dele – olhou bem para mim: - Mas você é. Você é a melhor amiga dele.


Eu estava nervosa por causa da iminente apresentação, porém tive que rir – ainda que molemente.


- Fala sério! – meu olhar voou para ela com pena. A Nick é mesmo daquelas românticas positivas. Que nem a amiga da Ellie Harrison em Avalon High. Pode até ser pior, porque, na verdade, ela me lembra muito a Tina, amiga da Mia Thermopolis. Só que com roupas chiques demais e sempre em cores fúnebres. Parei de rir e juntei um pouco de fôlego: - Já fomos mesmo muito amigos, mas agora? Claro que não. E essa viagem dele só prova que estou mais do que certa.


A Nichole parecia não aceitar o meu pessimismo. Ou a minha praticidade. Que seja.


- Ou mais do que errada – ela consertou, com uma voz que indicava que discordava totalmente do meu ponto de vista.


Até parece que me importei. Quando estamos prestes a entrar no campo de visão das pessoas que estudam conosco – incluindo os professores, a diretora, o vice-diretor, a Reitora convidado, o Sr. Green, o Conselheiro; e o restante dos funcionários que ali trabalham -, ao lado da pessoa que jamais imaginaríamos ter de superar uma perda, tocando e cantando a música que mais marcou a nossa vida não levamos muito em consideração o que uma fanática por Lord Byron nos diz. Por mais que essa fanática seja uma de nossas amigas.


Apenas me limitei a suspirar. Aquilo, aparentemente, também me ajudou a desacelerar meus batimentos cardíacos.


Não estava mesmo a fim de perguntar sobre o que de fato falava, mas, após um rápido silêncio, as palavras pularam de minha boca:


- Como é que posso estar errada?


Nichole tremeu toda, como se fosse um gato se esticando logo depois de uma sonequinha. Claro que estava fazendo drama. Ela sempre faz drama.


- Caia na Real, Lily – ela me disse, com selvageria. Ou talvez fosse impaciência – Encare os fatos. Você magoou o James, então ele acha que tem que ficar bravo com você para sempre, e para ter essa certeza, quer se afastar o máximo possível de você, porque daí não vai precisar voltar a olhar para você e querer sentir o sentimento bom que nutria por você, quando eram melhores amigos.


- Nichole! – agora eu ria abertamente. Esqueci-me até mesmo que queria vomitar de nervoso – Se liga! Fala sério!


- Estou falando sério – ela ficou chateada comigo – Por que isso também não faria sentido? – questionou-me.


- Por que não faz verdadeiramente sentido algum! – respondi acalorada. E ainda não tinha parado de rir – De verdade, você tem que ser mais realista – aconselhei, o que não melhorou em nada a cara de decepção da Nichole - Essas coisas só acontecem nos livros. Tipo em Crepúsculo ou nos livros da Meg. Na vida real, nada disso funciona – afirmei com muita convicção - Quer dizer, qual é a probabilidade do menino mais lindo do colégio chegar à sua casa e dizer que seria bom tomar banho de piscina com você? Vou dizer: nenhuma – acrescentei.


Ela estava decepcionada mesmo.


- É por isso que as pessoas são incapazes de aceitar o romance na vida delas! Elas simplesmente não acreditam! – Nick me disse, acho que sofrendo.


Mas é a maior idiotice. Eu totalmente acredito no romantismo. Eu leio UMA TONELADA de livros românticos por ano. Especialmente os da Meg Cabot. Só que a maioria das situações são tão irreais! É como tentar acreditar que um leão preferirá comer couve a uma zebrinha saltitante! E meninos sempre preferem as meninas louras, de cabelo liso, de boa aparência e que saibam dar saltos mortais por causa das coreografias que fazem no grupo de animadoras de torcidas em todos os jogos escolares. Eles não escolhem a menina tímida, ruiva, que ama uma banda que o resto do mundo mal conhece e que, além de tudo, quase zera todas as provas de matemática, ano após ano! Isso não faz sentido algum. Nem mesmo no mundo que eu gostaria de fazer parte.


- Hum – comecei, agora perdendo um pouco a capacidade de ser paciente. Eu queria ir para o banheiro. Talvez não necessariamente para vomitar, mas para me esconder -, dê licença, Nick, mas eu totalmente acredito nessas coisas – ela não parecia confiar muito em mim. Continuei: - Em romance, sabe como é. Só que você está errada. O James não quer mais ser meu amigo.


- É. Talvez ele queira outra coisa. Só que isso você também não consegue aceitar. Porque igualmente não acredita – foi a resposta completamente louca que ela me deu, que agora, além de decepcionada e chateada, estava um pouco furiosa comigo.


Só que eu não podia fazer nada.


- Nichole – agora eu já estava mais do que desalentada. Tipo, eu a amo muito. Acho que, depois da Alex, a Nick é a menina que mais amo na escola. Eu e ela, nesse sentido de romantismo e de ficar lendo livros românticos, somos praticamente irmãs. Só que eu não queria ouvir o que ela tinha a dizer sobre isso. Sobre essa teoria dela de amor. Ou sobre como o James me ama e como eu o amo também. Levantei uma de minhas mãos. Queria um tempo – Não. Por favor, não comece com isso – pedi.


Acho que ela notou alguma coisa no fundo de meus olhos – talvez fossem as lágrimas que ainda nem nasciam neles, mas que, com certeza, queriam vir à tona -, porque sua expressão automaticamente se tornou mais leve, e seus próprios olhos se arregalaram.


- Tudo bem – ela concordou.


- Jura vai parar com isso? Com essa coisa de ficar criando teoriazinhas sobre mim e o James? – perguntei, agora com a minha voz fraca. Acho que o choro estava desativando as minhas cordas vocais, tornando-as menos potentes – Porque já estou surtando lá em casa com a minha avó a todo o momento me dizendo que devo fazer isso ou aquilo para consertar a minha situação com ele. Além de todas as indiretas que me joga a respeito de como eu deveria começar a prestar atenção no meu coração, porque pode ser que eu ame mesmo o James – emendei exausta.


- Certo. Não vou mais falar – ela me disse, mas com uma voz muito menos energética do que antes – Mas... – Nichole não se importou e acrescentou.


Suspirei ainda mais desanimada.


- Mas o quê? – perguntei.


- Bom, você sabe. Eu já lhe disse – Nichole ajeitou o prendedor de bolinhas da minha cabeça, todavia parecia um pouco sem graça – Naquele dia em que beijou o James.


O enjôo voltou com tudo. E aquela sensação esquisita também.


- O que tem aquele dia? – meu desespero se arrebentou em minha alma. Não queria falar sobre aquele beijo bem no meio do corredor, com pessoas que estudo e que podem totalmente escutar a conversa e revelar para toda a escola! Achei que Nichole seria um pouco mais cautelosa com isso, mas não. Ela simplesmente tinha que falar sobre aquilo.


- Sabe como é. Aquilo que eu escrevi no MSN - pausa - Que existem sentimentos que entendemos muito depois de senti-los – ela me olhou na expectativa, como se esperasse que eu a agradecesse por ainda se lembrar daquela conversa online. Mas eu não fiquei agradecida coisa alguma. Eu queria surtar. Só que como fiquei quieta, ela prosseguiu, retulante: - E acho que esse é o seu caso. Ou melhor, o caso de ambos – finalizou.


Eu abri a boca, mas não consegui dizer nada. Só conseguia pensar: O quê?


- Nick – minha voz estava pesarosa -, pare de ler um pouco romances. De verdade.


Ela sorriu. Não parecia feliz, somente esperançosa.


- Se você permitir sentir, Lily, vai entender o que estou falando. Daí vai começar a acreditar – Nick me falou, ainda sorrindo daquele jeito todo acanhado e cuidadoso.


Tive pena dela, sério. Quer dizer, quem é que quer viver para sempre em um conto de fadas, sendo que tecnicamente nem nunca esteve em um? Pensava que eu fosse altamente babaca por só ficar lendo os livros fofos e românticos da Meg Cabot, mas a Nichole ultrapassa a babaquice. Ela é doente. Tem alguma coisa muito errada com ela. Posso sentir.


No momento em que iria lhe responder “Tudo bem, Nick, tudo bem”, só para confortá-la ou não deixá-la ainda mais decepcionada comigo, o James apareceu. Aí, é claro, ele me disse que o Sr. Martin me queria aqui para nos preparamos para as apresentações. Então, a Nichole se limitou a sorrir para o James e a acenar para mim, despedindo-se de nós, e permitindo que eu seguisse o James até aqui. 


Daí, claro, eu estava muito nervosa, só que o nervosismo meio que se estabilizou quando eu agarrei a mão de James, que já tinha alcançado meus dedos, antes de eu largar o caderno e pegar o meu violão para irmos até o palco. E totalmente nos lembramos de entrar pelo lado direito, exatamente como a Sra. Rings planejava.


Não lembro muito bem como é que aquele desejo ardente de fazer as notas vibrarem e reverberarem no auditório se iniciou. Sei que o James fez a primeira nota soar, e então eu quis acompanhá-lo. Talvez porque aquela fosse a minha música. Ou porque ele era o James ali. Tocando comigo.


A acústica era ouvida naquele silêncio lindo, de dar mesmo emoção. Até o Sirius – que é sempre a última pessoa a calar a boca no mundo – estava quieto. Estava totalmente prestando atenção em nós, aliás.


Então, era a minha vez. A minha vez de cantar. De começar a cantar, quero dizer. Claro que o James iria me acompanhar, mas só no refrão, como combinamos antes.


Estava muito nervosa para àquela hora. E despreparada também, já que há uma semana – ou até mesmo mais, não consigo me lembrar – não ensaio cantando essa canção. Na verdade, desde que a Taylor contou tudo ao James, na quarta-feira passada, não ensaiava My Hero. Nem mesmo a toquei em casa, em momento algum. Estava mesmo sentindo falta dela. A melodia é tão calma e relaxante que, sempre que tenho algum tempo, vou lá, pego meu violão, sento na cama e a toco. É como uma terapia musical, se isso de fato existir. É o que me faz lembrar o porquê amo as bandas comuns. Não é só Paramore, claro. Mas Foo Fighters não é o que todos podem chamar de muito chocante, hum? Bem, só se levarmos em conta que o Dave Ghrol era baterista do Nirvana, mas mesmo assim, acho que isso não seja assim tão importante nos dias de hoje. Principalmente agora que o Nirvana deixou de existir e é lembrada apenas como uma lenda musical.


Too alarming now to talk about


Take your pictures down and shake it out


Truth or consequence, say it aloud


Use that evidence, race it around


Minha voz ecoou de modo esquisito. Como se eu estivesse muito rouca. E como se estivesse tentando falar enquanto estava me afogando em uma piscina. Sabe como é, a minha voz é mesmo rouca – um pouco, ao menos. O que sempre levam as pessoas a me perguntarem se estou doente da garganta ou algo assim. Às vezes me irrito com isso, porque eu odeio as meninas de vozes agudas -, porém na primeira estrofe estava imensamente grave demais. Por isso, pigarreei antes de entrar no refrão. Olhei para James. Ele parecia completamente alheio à escola. Agia como só nós dois estivéssemos ali no auditório. Sei disso, porque aquele sorrisinho estava ali. Não acho que os que estavam na platéia prestaram atenção nisso, já que o James estava com a cabeça demasiada abaixada e virada para mim. E ele, para completar todo o meu nervosismo, olhava para mim. Acho que para me passar coragem.


Ele ergueu ligeiramente uma das sobrancelhas, dando o sinal. Respirei fundo antes e abri novamente a boca para cantar. E dessa vez, concluí feliz: minha voz voltara ao normal. Não estava tão grave quanto no começo.


There goes my hero


Watch him as he goes


There goes my hero


He's ordinary


Ali, tudo ficou claro demais. Acho que até mesmo arregalei os olhos para James. Não consigo me lembrar se fiz mesmo isso, mas ele quis rir, o que comprova que devo ter tido algum tipo de reação que não deveria ter. Bem, o que percebi foi que as nossas vozes eram maravilhosas. Juntas, quer dizer. Elas se casavam esplendidamente. Era como se fossem feitas uma para a outra. E a voz dele é tão, não sei. Tão volumosa. Tão grave. Não que seja como a do Dierks Bentley, mas estava quase alcançando.


E, depois de ouvir nossas vozes juntas – quase dançando sincronizadas -, me perdi. Completamente. Porque esqueci o porquê estava nervosa e só relaxei. Aquela tensão se dissipou totalmente a partir daí. Não sabia se era porque o James não tirava aquele sorriso fofo do canto dos lábios ou se era porque eu me sentia segura ali com ele. Ou talvez fossem as duas coisas. Eu não conseguia desviar o olhar dele. Tentava – tentava mesmo – querer olhar para as reações da platéia, mas fazer aquilo – parar de olhar para os olhos também verdes de James – era impossível. E eu tinha medo que se o fizesse, meu nervosismo voltasse e eu me desesperasse. Então, iria permanecer observando as quase imperceptíveis covinhas dele e seu sorrisinho e seus olhos.


Era de novo a minha vez sozinha. Não queria só escutar minha voz, mas era o que deveria ser feito.


Don't the best of them bleed it out


While the rest of them peter out


Truth or consequence, say it aloud


Use that evidence, race it around


Tinha consciência de que estava arrasando, porque o James abriu um pouco o sorriso. Acho que estava aprovando a minha voz. Ou sei lá. Não conseguia pensar muito; só queria continuar a olhar para ele. Rapidamente, a minha parte terminou e o James teve de me ajudar a cantar mais uma vez o refrão. Fiquei feliz, porque tinha amado aquilo. Tipo, nossas vozes juntas, tão lindas e tudo o mais.


There goes my hero


Watch him as he goes


There goes my hero


He's ordinary


No meio da estrofe, não me segurei e sorri para ele. Porque caramba! Ele não parava de sorrir e estava me deixando maluca ali. Também sorri pequeno, pois não queria que as outras pessoas percebessem tanto o que estava rolando entre nós. Não queria revelar a nossa química – apesar de ele estar me detestando no momento. Meus olhos vacilaram no sorriso, porque os desconectei dos de James. Não sei qual foi o problema, porém, instintivamente, eu os abaixei para o chão. Acho que estava um pouco envergonhada. Bem, você também estaria se um cara muito fofo estivesse cantando e tocando junto com você a sua música e não parasse de sorrir – e ao que tudo indica somente para você.


Kudos my hero


leaving all the best


You know my hero


 the one that's on


Enfim, o final. Mais uma vez o refrão e cairíamos fora dali. Não estava dando graças a Deus, porque eu tinha a-do-ra-do a sensação. Não somente a sensação de cantar música que me fez apaixonar por uma banda completamente a minha cara, como também a sensação de ficar olhando para o James e percebendo praticamente tudo o que ele pensava. Porque, de verdade, ele olhava de um jeito tão estranho para mim, que se eu me esforçasse um pouquinho só, iria entrar em sua mente e ler todos os seus pensamentos.


O Grande Finale:


There goes my hero


Watch him as he goes


There goes my hero


He's ordinary


Então, acabou. Nós continuamos a tocar a melodia e... e daí as palmas renasceram e os cochichos também. Finalmente, criei coragem de desgrudar meus olhos de James e encarei todos ali. Não quero me gabar nem nada assim – também porque nunca me gabo de nada; isso não faz o meu tipo -, mas acho que até mesmo a diretora estava orgulhosa de mim. Ela parecia ensandecida ali, batendo palmas e fazendo aquela cara de gato de botas. Dirigi meus olhos até a Taylor e mesmo ela estava diferente. Não estava com o olhar aborrecido nem nada. Assemelhava-se a alguém que estivesse sido forçada a ir a um concerto muito chato e que, no final, tivesse reconsiderado a idéia e agora estivesse um pouquinho admirada.


Sob os aplausos, saímos de lá e nem me preocupei em ficar encarando meus pés, para que eles não tropeçassem em qualquer coisa que tivesse pelo caminho. Eu estava muito esquisita. Estava eufórica e meu coração estava batendo quase em minha garganta.


- Caramba – foi a primeira frase que o James me disse. Ele ainda sorria para mim, mas agora seus dentes estavam expostos.


Engoli em seco. Acho que precisava de um copo de água.


Descemos as escadas e demos de cara com o Sr. Martin, bem ali ao pé delas. Das escadas, sabe. Ele estava também enlouquecido. E maravilhado. E possivelmente encantado.


- Eu sabia que isso daria certo! – ele exclamou, juntando as mãos e as esfregando – Vocês são perfeitos juntos!


Soltei um risinho e olhei para James, de canto de olho. Ele parecia ainda mais feliz.


- Obrigado, Sr – o James lhe disse, todo cordial.


- Obrigada – também retribuí.


E, mesmo sob os protestos de todas as minhas células agitadas, fui me sentar. Antes, agarrei uma garrafinha de água que tinham colocado em cima de uma das mesas estrategicamente para essa situação – para as pessoas nervosas demais que, quando terminam suas apresentações, estão mortas de sede -, e me virei para o James, que também tinha ido pegar uma garrafinha. Perguntei:


- Foi bom, não foi?


O James me olhou como se eu estivesse despirocado de vez.


- O quê? Nós arrasamos! Foi maravilhoso! – a voz do James estava frenética e agitada – Nós somos perfeitos juntos, mesmo – ele concordou.


Não sei. Eu achei que tinha alguma coisa. Tipo, alguma coisa naquilo tudo. Na felicidade da voz dele, no sorriso que estava me deixando atônita e na entonação com que disse aquela última frase. Sobre nós sermos perfeitos juntos. Tinha alguma coisa. E, por mais que achasse que fosse somente a minha imaginação de artista e tudo, não consegui ignorar, ainda que não estivesse entendendo nadinha.


- É, presumo que sim – dei de ombros, não querendo alarmá-lo. Porque agora eu tinha mesmo ficado esquisita. Mais esquisita do que antes. E eu não queria que ele percebesse a minha repentina esquisitice. Não que ele fosse ligar muito, já que ele é todo esquisito também. Mas não é desse tipo de esquisitice que estou falando. É de uma totalmente diferente, tão diferente que nem sei explicar ou descrevê-la.


Mas enfim. Sorri, só para demonstrar que não ligava para o fato de que, aparentemente, até mesmo o Sr. Martin concorda que eu e James somos perfeitos juntos.


Será?


Não sei.


Bem, eu amei as nossas vozes juntas, e certamente ele me faz sentir de um jeito diferente. Mas isso é o bastante? Eu nem estou apaixonada por ele, ou algo do tipo!


- Tá vendo? Não é difícil, é? – o James se aproximou ainda mais de mim, fazendo-me abaixar a garrafinha de água que tinha levado á boca.


- O que não é difícil? – eu perguntei confusa. Meu coração batia acelerado. Talvez fosse a adrenalina.


- Acreditar – ele me respondeu simploriamente.


Caramba! Essa gente quer mesmo me fazer acreditar em tudo! Bem, só o James e a Nichole. Por enquanto. Mas, ainda sim, estou me sentindo atacada e invadida! É como se eu fosse uma pessoa completamente fechada para o mundo. Só que não sou. Tudo bem que não sou do tipo que acredita em extraterrestre ou em fantasmas, todavia acredito no amor. E no romantismo. Tipo tem tanta gente que zomba e deprecia o amor! Mas eu estou aqui disposta a achar outro cara para me fazer feliz. E isso deveria ser levado em consideração.


- Ah – falei. Voltei a encaminhar o gargalo da garrafa até meus lábios. Minha garganta parecia o deserto do Saara.


- Você ainda não acredita, não é? – a voz de James estava decepcionada. Como a da Nichole lá no corredor, antes de virmos para cá.


Surpreendi-me. Quase engasguei, e então, mais uma vez, afastei o líquido de mim.


- James. Isso é piração – aleguei impaciente – Esse nem é o meu dom. Você mesmo me disse que o meu dom está nas palavras – comentei, lembrando-me disso.


Ele sorriu.


- E está mesmo. Se o seu poder de acreditar nas outras coisas transcendesse o de acreditar em suas palavras, você poderia estar muito mais realizada e feliz.


Opa. Como é que é? Do que ele sabe sobre qualquer coisa? Ainda mais sobre o quanto quero ser realizada? Acorda.


- Não entendi – falei.


James provou um gole da água. Aproveitei e fiz o mesmo. Ah! Como era bom sentir a garganta molhada. Sorvi quase metade do que tinha na garrafa. Ele esperou que eu não estivesse com a boca ocupada para me responder, caso eu quisesse rebater qualquer coisa.


- Achei que não fosse entender mesmo – ele completou, sorrindo. Só que era um sorriso muito diferente. Estava sem graça ou mais ainda decepcionado. Parecia que o negócio era pessoal. Parecia que ele estava decepcionado comigo.


- James... que tal falar a nossa língua? – pedi educadamente, assim que a necessidade por água se acalmou - Não estou mesmo entendendo o seu papo – confessei.


O James se afastou da mesa e foi se sentar.


- Deixa para lá – ele deu de ombro, e no segundo seguinte estava tomando mais água.


Fiquei magoada. Não sei por que, mas realmente fiquei. Achei que ele estivesse imaginado que fosse infantil demais para aquilo tudo. Para entender o que quer que fosse.


Só que, tenho certeza, se ele tivesse me explicado, eu teria feito um esforço para compreender.


Mas, assim que me sentei ao seu lado, não quis falar mais sobre aquilo. Se ele quer me tachar de infantil ou qualquer outra coisa, o problema é dele.


Então, estamos em silêncio até agora. Às vezes o James levanta para conversar com alguém, mas acho que prefere ficar aqui sentado. Tentou diversas vezes puxar papo comigo, mas eu já tinha desencanado. Ainda sorri muito, sabe como é. Fica olhando para mim e dando aquele sorrisinho que quase me fez ter um ataque cardíaco lá em cima do placo. Mas, ainda que o meu coração, sempre que vê os sorrisos do James, se agite muito, eu estou fingindo que não estou ligando para nada. Para seus sorrisos ou para o fato de que ele quer ficar sentado aqui ao meu lado a ficar ao de Rob. Só estou esperando ser chamada para tocar a porcaria da melodia de White Riot. Que nem me lembro mais, sinceramente. Podia pedir para que o James a tocasse rapidinho para mim, só para me fazer relembrar, mas tenho o meu orgulho.


19/FEVEREIRO – 09:51h – TERÇA-FEIRA – AUDITÓRIO DA ESCOLA
Não estou nem aí se a Molly está cochichando a respeito de mim.


As danças com bambolês ainda estão rolando. E, pelo o que me informaram, a próxima atração será – ora, por que a surpresa? – uma dancinha com saltos mortais e “Me dê um E, me dê um O”, o qualquer outra coisa, das líderes de torcida. Acho que a Taylor não deve estar tão satisfeita assim. Bem, não está mesmo. Quando saí daqui rapidinho – o Sr. Martin, que estava tendo um ataque com o Floob por algum motivo, nem se deu conta que deixei o recinto por alguns minutos – para ir apanhar Avalon High, que eu trouxe - porque, fala sério, odeio ficar esperando – em meu armário, passei pelo corredor vazio que serpenteava a ala esquerda do auditório, que é onde todos os populares estão situados, e olhei bem para o rosto angelical – porém inescrupuloso – e maquiado de Taylor. Ela parecia uma cobra que estivesse sendo incomodada em sua toca. E eu sabia que, se pudesse, e se estivesse ao seu alcance, daria o bote a qualquer minuto. Só que, obviamente, a Taylor não pode fazer nada. A psicóloga da escola e a diretora e o vice-diretor estão de olho nela. Como se ela fosse um hamsterzinho e todos eles fossem uma pomba que estivesse somente perseguindo o pequeno roedor e que não pretendiam atacá-lo. Então, tudo o que a Taylor pode fazer é amarrar a cara e contar os minutos para sair daqui.


Só que a Molly não está sussurrando sobre mim para a Ellen a respeito da expressão que vi no rosto da Taylor. Ela está murmurando porque estou lendo. Porque fui até o meu armário e voltei com um livro nas mãos. Sei que ninguém em sã consciência faria isso – considerando quando deveria estar ensaiando a melodia que está prestar a tocar para a Reitora da sua escola daqui a poucos minutos -, mas é questão de necessidade, sabe como é. Como todas as vezes em período de provas que, ao invés de eu estar revisando rapidamente a matéria da prova em questão fico lendo, somente absorvendo as palavras de um assunto que nem tem a ver com a escola. Não é a toa que me chamam de esquisita o tempo todo. Só que disso eu não reclamo. Bem, nunca reclamei das vezes que já me chamaram de esquisita – incluindo aquelas que foram feitas na minha cara, na frente de refeitório inteiro -, mas se me chamam de nerd, por exemplo, eu ataco mesmo. Sei que sou nerd em história, em inglês e em literatura. E sei um monte de informações que são inúteis para o cotidiano de uma sociedade adolescente comum. Todavia, sou péssima com números. Só devo saber razoavelmente bem a parte de análise combinatória e de logaritmos e de exponenciais. Ou talvez nem mesmo isso. Nunca perco o meu tempo com algum dever de matemática. Ao contrário disso – de fazer os deveres de matemática -, fico lendo Meg Cabot ou escrevendo sobre qualquer bobagem que me dê vontade, tipo sobre meninas perdidas em um país que não conhecem ou sei lá.


Mas eu não estou ligando. De verdade, não estou dando a mínima para os risinhos da Ellen ou para os olhos, como de um júri, de Molly. Não posso fazer nada se elas não lêem Meg Cabot tipo nunca. Elas estão perdendo toda a parte divertida de ser uma menina quase invisível – mesmo vendo ruiva e tal -, que por conta disso se refugia para as palavras de uma escritora definitivamente incrível. E estou ainda menos preocupada se qualquer uma das duas me acha infantil demais para ficar lendo livros do tipo Meg Cabot. Porque, acorda, a minha mãe já leu toda a saga de Harry Potter. E ela tem mais do que quarenta anos. O que quer dizer que não existe idade para apreciar livros – sejam eles de qualquer gênero ou de qualquer tipo de indicação etária específica.


O James, que continua ainda sentado bem ao meu lado, encostando de vez em quando o joelho no meu joelho, não dá a mínima para o meu livro. Tudo bem, ele perguntou sobre o que se trata e eu simplesmente respondi. E ele não pareceu inclinado, momento algum, a rir ou a deixar escapar um sorriso debochado, do tipo: “Caramba, Lily. Você é tão criança!”. Ele só disse:


- Já li Cornwell. A lenda do rei Arthur é mesmo muito atraente.


E eu tive de concordar. E daí emendei:


- As Brumas de Avalon são ótimas. Os livros, claro.


- Fantásticas – ele revidou, parecendo entretido no assunto.


Bem, lendas medievais são tão chamativas quanto o Holocausto, no meu ponto de vista. Não que o Holocausto me deixe, especificamente, com vontade de ler qualquer livro sobre isso. E, tudo bem, ainda bem que a Meg não quis escrever algum livro sobre o Holocausto. Eu não suportaria. Mas a lenda de Rei Arthur não parece tão categórica assim. Tipo dá totalmente para não querer acreditar na lenda e tudo. E dá para largar o livro se você não estiver se contentando com a Ellie e com o Will.


Ainda assim, bom, sou eu. Se eu parasse de ler qualquer livro da Meg é porque estou com alguma doença muito, muito grave. Porque eu já li Pero de Magalhães Gândavo, um autor português de literatura informativa - que foi um tipo de manifestação literária ocorrida em território brasileiro durante o século XVI -, e ele é totalmente entediante. Quase tanto quanto Paulo Coelho. Certo, nem tanto. Acho que só não prezei suas obras porque, afinal, não gosto de literatura informativa. Muito menos que faz referência a um país que não conheço nem quero conhecer, acho. Só li, porque estava na biblioteca municipal e lá só tinha livros antigos e coisas assim.


E, sabe como é. Aquela coisa que eu disse lá no dia do debate da eleição, na sexta. Sobre o fato de que gostamos de coisas estranhas, mas isso não quer dizer que devamos ser desprezados ou zombados, porque são essas coisas que define quem somos e que nos deixa mais parecidos com nós mesmos. E, assim sendo, não podemos ter vergonha do que apreciamos. Sei que essa história pode parecer muito idiota, mas é o meu ponto de vista.


Ontem mesmo - ou hoje mesmo, não sei -, antes de parar de ficar rolando na cama e tentar adormecer um pouco, estava confabulando comigo mesma. Quer dizer, eu sempre confabulo comigo mesma todas as noites, antes de pregar os olhos. Fico pensando o que aconteceria se estourasse outra crise mundial, ou o que faríamos se o petróleo do mundo todo se esgotasse semana que vem, ou aonde poderíamos ir para nos abrigar longe dos dinossauros, caso Jurassic Park fosse realmente real. Só que, sabe, às vezes sempre paro na frente do mesmo muro. Naquele muro que parece que não quero quebrá-lo para dar uma espiada através dele. Aquele que tem uma placa em neon gigante, informando: “AMADURECIMENTO POR AQUI”. Ou poderia ser também: “PASSE POR AQUI E CRESÇA”. Não sei se gosto de mudanças. Não faço idéia do por que, mas para mim, todo mundo deveria agir da mesma forma sempre. Para sempre. O que é incompreensível, já que as pessoas crescem. E quando crescem, conseguintemente, mudam. Claro que sei que algumas mudanças são boas, e outras bem ruins. Algumas deixam cicatrizes, que deixam as pessoas irreconhecíveis; outras, de tão mínimas, nem são detectadas. E eu não quero pular de menina para mulher tão rapidamente. Só que sei que essa pressão é constante na vida de meninas de dezoito anos. E, olha só, eu tenho dezoito anos. Acabei de fazer dezoito anos, praticamente. Só faz um pouco mais de um mês.


Mas, precisamente, esse é o clico. O ciclo da vida e tal. Todo mundo nasce, é criança, é adolescente, se torna adulta, por alguma razão compõe uma família, fica velho e morre. Daí tudo recomeça. Sempre recomeça. É tipo aquela coisa que o Sr. Hunt falava no primeiro bimestre sobre Ecologia que a matéria possui um fluxo cíclico, porque sempre acaba voltando aos produtores e é reaproveitada como matéria orgânica. E essa coisa nunca para. Essa coisa do ciclo, tanto da vida humana quanto da vida das cadeias alimentares, sabe como é.


Ninguém – exceto o Michael Jackson, mas ele já morreu; e o Peter Pan, mas ele nunca existiu – vive para sempre com sete ou quinze anos. Não física e mentalmente. Ninguém mais quer ter quinze anos, a propósito. Todo mundo fica: “Preciso logo fazer dezesseis para comprar um carro, fazer todo mundo parar de me tratar como criança e ser a menina mais popular da escola!”. Daí, depois dos dezesseis, querem logo completar dezoito, porque, afinal, você consegue o que todos almejam desde sempre: independência. E depois dos dezoito, já querem pular para os vinte e um. Todo mundo quer – precisa – crescer rápido.


E eu sempre fico pensando: “Qual é o meu problema? Por que eu não quero crescer?”. Na última vez em que falei com mamãe sobre isso, ela não me disse, tipo: “Ah, meu Deus, Lily! Você quer ser o Peter Pan! Você é tão ridícula!”. Tá, pode ser que não tenha me dito isso porque era o meu aniversário de dezoito anos e ela é minha mãe, pelamor! Ela só disse: “Não se preocupe em querer crescer. A maturidade não é algo mensurável ou visível a olho nu. Uma hora você vai saber que cresceu e vai se dar conta que nem viu isso acontecer”. E, sério, vai parecer idiota aqui, mas eu fiquei muito feliz com essa resposta. Contudo, ainda sinto aquela pressão em largar os meus hábitos que possam ser tomados como adolescentes, ou pior: infantis. E sempre que falo comigo mesma sobre isso – sobre crescer – eu fico cética. Porque não sei se vou conseguir crescer. Não é fácil se separar de nossos hábitos. Não sei se sobreviverei se parar de ler Meg Cabot, ou deixar de assistir a Disney, ou se tiver de acabar com a animação e admiração que sinto pela minha banda preferida, ou se tiver de abandonar meus All Stars para substituí-los por sapatos de princesa. Concluo, sempre taxativa, que tudo isso já faz parte de mim e que determina quem eu sou. E que se eu tiver que virar as costas para qualquer um desses meus vícios, não serei mais a Lily Evans. Serei... bem, alguém que nunca pensou como Lily Evans. Só serei mais uma pessoa que mudou para ser aceitar pela sociedade. E fazer coisas assim – mudar só para fazer parte de algo -, não é muito legal, porque deixa a nossa alma verdadeiramente acabada. Separada de nossa mente e corpo. É como tentar juntar o cérebro do gato com o corpo de um cachorro. Nunca vai funcionar. Porque, apesar de os dois serem fofos e tudo o mais, são tão antagônicos quanto... sei lá. A Nichole e a Zora, tipo assim.


Ainda sobre mudanças... é só dar uma conferida na Taylor. Antigamente, quando criança, costumava ser toda educada e só sorrisos para todo mundo – até para pessoas que nem conhecia. Mas agora? Fala sério. Ela é toda arrogante, de nariz empinado, como se fosse uma porcaria de uma rainha ou sei lá. E deixou de ser educada e só sorri de verdade fora do ambiente escolar, porque enquanto está aqui dentro é a maior falsa com todo mundo. Sorri para as meninas e, no momento seguinte, está comentando de como a fulaninha parece que nasceu em uma fazenda, porque só anda com blusas de “fazendeira” (xadrez, sabe como é).


Tipo, tá, não que eu esteja julgando a Taylor. É só um ponto de vista. Só quero deixar claro aqui o quanto mudar só para conseguir algo – como, por exemplo, ser eleita a menina mais linda do colégio ano após ano -, pode dilacerar alguém. Pode trazer raiva e mágoa, também.


Entretanto, claro, por mais que as pessoas que estimamos mudem – ou estimávamos, no meu caso, se estivermos nos referindo à Taylor – e não consigamos aceitá-las do mesmo modo que um dia já o fizemos ou enxergá-las com os mesmos olhos, não devemos pensar que estão piores. Apenas estão diferentes e mais parecidas com elas mesmas – independentemente do que nosso coração tenta nos dizer e do peso da nossa decepção.


Agora o James está me perguntando por que larguei Avalon High para escrever. Quer saber se o livro me entediou.


Eu respondi: “Não, claro que não” e lancei um olhar feio a ele, caso estivesse passando por sua mente tentar ler o que não paro de escrever. Daí ele disse:


- Acho que é melhor parar. Daqui a pouco você sobe de novo lá – sua voz não estava aborrecida ou como se estivesse me considerando uma bebezona. Só estava... bem, como sempre. O que é um amor. Ele consegue ser um amor sempre. Mesmo quando não quer ser, já que não está nem aí para mim mais e vai viajar. E isso me lembrou o que eu deveria ter perguntado ontem para ele lá quando estávamos sozinhos no terceiro andar, após as aulas.


- Tanto faz – murmurei, fazendo pouco caso de seu conselho sobre eu largar a lapiseira e o caderno. Levantei os olhos da folha e mandei: - Então, quando vai viajar?


Acho que o peguei de surpresa. Acho que não esperava essa pergunta. Provavelmente qualquer outra. Ou até mesmo nenhuma.


Ele se desvencilhou da cara de espanto, piscou e sorriu. Falou:


- Segunda-feira. Não tenho certeza quanto ao horário do vôo, mas é já na segunda-feira – havia alguma coisa naquelas duas palavras: segunda-feira. Ele fez sua voz as moldar de modo diferente. Como se estivesse sublinhando-as.


E, sério, segunda-feira é daqui a apenas alguns dias. Daqui a seis dias, para ser mais precisa. Não demonstrei em minha face o súbito enjôo que me pegou desprevenida nem o gelo que se instalou rapidamente em meu estômago.


Segunda-feira.


Caramba.


Ai, droga. É minha vez de novo. O James estava certo. Preciso pegar minha guitarra e ir tocar. Espera. Que música irei tocar?


O James me disse:


- Acredite. Você vai conseguir.


E, mais uma vez, seu tom estava esquisito. Sua entonação estava. Exatamente quando disse “segunda-feira”. Parecia que queria me avisar sobre algo. Sério? Mas sobre o quê?


Tudo o que consigo pensar agora é, tipo: O James vai embora. Segunda-feira. Que é daqui a seis dias. E seis dias passa rápido demais. Segunda-feira. AimeuDeus, SEGUNDA-FEIRA. Alguém atira em mim?.


Será que a Meg pode me ajudar com isso? Com a maldita segunda-feira? Hum, acho que nem mesmo ela pode me salvar.


- Lily! Quer ir lá tocar? Vai logo, menina! – o Sr. Martin grita. E eu preciso mesmo ir.


Socorro.


19/FEVEREIRO – 10:06h – TERÇA-FEIRA – AUDITÓRIO DA ESCOLA
Grande coisa. Toquei e acabou. Todo mundo, como eu já presumia, aplaudiu e ficou lá sorrindo. Aparentemente Foo Fighters é bem mais emocional do que The Clash. Até parece que ligo. Nem sei como acertei todos os acordes e tudo o mais. Saí daqui com amnésia. Só que - ainda bem – deu tudo certo. Nem mesmo James pareceu tão admirado assim com a melodia de White Riot. Ah, sim, ele veio até mim – bem, ele já estava lá no pé da escada - por onde todos deveriam sair do palco - me aguardando – e disse:


- Muito bom.


Só isso. Só “Muito bom”. Como se eu fosse um cachorrinho que tivesse entendido que deveria rolar na grama e não correr atrás do próprio rabo.


Claro que não iria olhar feio para ele, muito menos deixar que ele soubesse que pouco me animou.


- Obrigada – apreciei, falando muito rápido.


Mas, bem, gostei que não precisei dele nessa última semana para ensaiar comigo. Claro que nem ensaiei, só que me admirei com o fato de que soube fazer tudo sem ensaios extras nem nada do tipo. E eu nem estava nervosa! Não como antes de tocar e cantar My Hero. Posso até mesmo dizer que estava despreocupada com a minha segunda vez no palco hoje. Não estava ligando realmente. Meu cérebro só ficou, tipo: “Lalala, que seja. Lalala, o que será que tem para o almoço?”. Sei lá. Sei que nem estava dando a mínima para a apresentação de guitarra. Acho que porque nem ouço The Clash ou porque White Riot nunca fez parte da lista das Músicas Que Marcaram A Minha Vida, como My Hero.


Mas, bom, tanto faz. Ainda bem que todo esse estresses acabou, porque coisas muito mais importantes a pensar.


Tipo: como vou convencer o James a ficar na Inglaterra ser usar nenhum de artifício que prejudique e comprometa a minha alma feminista.


Não acredito que a viagem dele é logo na segunda-feira! Parece tão perto! Eu mal absorvi a notícia e já recebo outro soco no estômago! Que vida mais injusta essa! Aposto que se eu fosse a Lady Gaga totalmente conseguiria fazê-lo largar essa idéia idiota de estudar francês no Canadá. Mas, é, eu não sou a Lady Gaga. Ainda bem. Porque não sou do tipo que sai por aí vestindo quase nada e aparece na TV só de calcinha e sutiã. Também porque eu nunca apareci na TV.


Mas, bom, o negócio é que não fiquei muito satisfeita com aquele mero “Muito bom”. Sei que ele estava sorrindo e tudo, e eu fiquei realmente enjoada e sentindo uma coisa muito estranha em mim, como se quisesse somente abraçá-lo ou algo assim, para me fazer sentir melhor ou sei lá, porém, ainda assim, não me animou. Achei mesmo que tudo estava bem, sabe. Quero dizer, ele foi um fofo lá no palco comigo, cantando e tocando a minha música preferida, e ficou dizendo aquela coisa de eu acreditar em mim mesma, ou qualquer coisa assim... pelo menos, foi isso que concluí. Mas acho que ele só falou aquilo porque queria que eu parasse de dizer que estava nervosa e talvez não quisesse que eu vomitasse em cima dele, ou que eu saísse correndo e o deixasse sozinho. Mas claro que eu nunca faria isso, principalmente porque, bom, seria muito cruel, considerando que o James me encorajou a expor a minha voz e tudo.


Sem exprimir qualquer emoção, ignorei-o e novamente me sentei. E estou sentada até agora. Acho que falta bem pouco para tudo isso acabar. Sinceramente, essas coisas de “manhã de apresentação” acabam com qualquer pessoa. Agora sei por que a Taylor Swift mal tem tempo de dizer um “Oi, estou em casa” no Twitter. Ela está demasiada ocupada em turnê, escolhendo que roupa vestir, nervosa para entrar em palco, fazendo o cabelo, ensaiando, se preparando para entrevistas e tomando qualquer energético para conseguir ficar acordada vinte horas por dia.


Não estou nem aí se o James acha que estou fazendo pouco caso dele. Ele fica toda hora lançando olhares para mim e para o meu livro, só para ver se irei perguntar se está com algum problema. Bem, ele vai esperar muito. Eu é que não irei me desgrudar das palavras impressas e lhe indagar qualquer coisa. E se ele precisa mesmo conversar, que vá ficar jogando olhares para a Molly ou para o Floob.


Quero dizer, como é que posso estar querendo conversar com ele se irá me abandonar daqui a seis dias?


Não sou louca nem nada. A louca da parada é a minha avó.


19/FEVEREIRO – 10:42h – TERÇA-FEIRA – AUDITÓRIO DA ESCOLA
Estou aqui na platéia. O Sr. Martin ficou todo:


- Acho que deveríamos ir ouvir o discurso da mulher lá de fora.


A mulher em questão é a Reitora Flor, só que acho que ele não sabe o nome dela. Ou se sabe não deve dar a mínima, assim como eu e praticamente toda a leva de alunos que acha um saco ter de estar confinada aqui dentro quando poderia, sei lá, estar jogando futebol – no caso do Sirius – ou videogame – no caso do Peter – ou lendo algum livro – no meu caso, no do James e no do Peter. Ou escrevendo algum livro. Que acho que seja somente o meu caso. Mas tanto faz. Até parece que ganho nota extra por isso. A Sra. Prince nem reconhece os meus atributos descritivos e narrativos. Ela nem faz observação alguma nas minhas redações. Sempre ganho A ou A mais. Pode ser que escreva tão bem que não precise de recomendações, mas às vezes sugestões fazem falta. De verdade.


Daí, em menos de cinco minutos, a Sra. Rings entrou correndo aqui no backstage fazendo um barulhão com seus moccacins de saltinho, dizendo:


- Quero todos lá na frente! – ela bateu palma, provavelmente para acordar o Roger, que estava quase babando de sono ali em sua cadeira de madeira – A Reitora irá falar algumas palavras! Quero que estejam lá!


Então, ela batia em nossos ombros na medida em que saíamos dali. Falava “Ótima apresentação” ou então “Muito bem, muito bem”. Normalmente dizia um “Muito bem, muito bem”. Exceto para mim e para o James. Isso porque ela não trocou somente duas palavrinhas conosco. Ela nos parou e ficou nos elogiando um monte. Como se tivéssemos sido altamente excepcionais, tal como, sei lá, o Bono Vox em parceria com a Amy Lee. Nós, eu e o James, só ficamos sorrindo sem jeito, e logo – graças a Deus, não conseguia mais ficar lá sorrindo como se fosse a porcaria de uma estrela de Rock – a Sra. Rings nos liberou, concordando com o James que nos atrasaríamos. E, realmente, quando eu e ele nos confortamos em nossas cadeiras – eu entre a Alex e a Nichole; ele entre o Sirius e o Remus, que, por respeito estava com seu livro do dia abaixado – a Reitora Flor já tinha dado início ao seu falatório de agradecimento e de admiração.


Bom, ela falou um monte. De verdade. Disse que somos alunos privilegiados por termos tantos talentos e que deveríamos nos dedicar a coisas diferentes, mesmo que não tenham nada a ver com a escola ou com o que nossos pais querem. Emendou falando que ficava realmente muito agradecida em ser recebida desse modo tão caloroso e que ficaria muito feliz se conhecesse cada um de nós no tempo em que ficará por aqui, que acho que é bastante tempo, tendo em vista que acrescentou que “ainda veria o último ano se formar e ir receber seus diplomas de suas mãos”. Então, creio que ficará até o encerramento deste ano letivo. Bom, não importa. Até parece que ela é um ser altamente importante assim em minha vida. Eu acabei de conhecê-la. É baixinha, tem cara de japonesa, cabelos grisalhos, fala mansa e gosta de sandálias com muitas tiras. Parece muito com qualquer avó por aí – menos com a minha, obviamente, já que a minha prefere vestidos de alta-costura e esmaltes neutros e não vermelho – “é coisa de menina da vida”, ela sempre repete.


Caramba, ela ainda está lá em cima com o microfone nas mãos. Alguém a derruba de lá, por favor?


Ela acabou de afirmar:


- Vocês são tão jovens, provavelmente têm medo de fazer coisas e se arrepender, mas é com a vida que aprendemos a agir e a reagir. É muito animador ver crianças da idade de vocês almejando sonhos maiores do que acham que são. O que têm de ter na cabeça é que ninguém pode desanimá-los sem a devida autorização de vocês. Nem muito menos depreciá-los. Vocês são mais poderosos do que sequer imaginam. O que têm de fazer é dar o primeiro passo, e se tropeçarem, levantar-se e seguir em frente, independentemente de quantas pedras existem no caminho.


Hum, acho que ninguém aqui pareceu muito inspirado, não. Vi o Tiller babando agora mesmo ali no fundo, com a aba de seu boné enterrada em seu rosto.


E se eu não fosse tão respeitosa assim – principalmente tratando-se de pessoas mais velhas; a minha avó não conta, porque fala sério -, já teria, há muito tempo, aberto novamente o livro da Meg Cabot para continuar a história. Porque sinceramente. Quem é que agüenta? Isso aqui está parecendo uma missa ou sei lá. Talvez aquelas assembléias de mulheres solteiras que ficam reivindicando seus direitos, como, por exemplo, uma vaga a mais no estacionamento do prédio em que vivem.


Eu estou quase dormindo aqui. Caramba.


19/FEVEREIRO – 11:57h – TERÇA-FEIRA – AUDITÓRIO DA ESCOLA
O James acabou de cochichar para mim que isso é uma enorme falta de educação. Ah é, como se ele soubesse o que é isso. Falta de educação, quero dizer. Ele totalmente me detesta, mas está fingindo que não, sabe-se lá por que, e além de tudo irá embora para sempre – pode ser que sim, oras! – daqui a seis dias, sem nem mesmo pedir um desculpas por estar arrebentando o meu puro coração. E isso nem é uma tremenda falta de educação. Imagina. Bem, ao menos é bem maior do que eu e o Remus estamos fazendo, que é lendo. O Remus está lendo Fogo e Aurora - que parece ser suspense -, enquanto eu, obviamente, continuo a ler Avalon High. Não me importo nadinha se o livro que o Remus está nas mãos parece mais apropriado para a minha faixa etária. Podemos ler os livros que quisermos, oras! O James me disse isso lá no backstage. Disse que eu não me deveria sentir envergonhada por isso. Por ler Meg Cabot, tipo assim. Porque ele me disse que não se desfez de O Gato de Botas – de Perrault – nem de O Leão Apaixonado – de Eposo -, cujos contos, o James me contou, marcou sua infância de um jeito que não conseguiu doar esses volumes.


Mas, bom, pode ser que ele seja fofo demais e que somente tenha me dito isso para me fazer sentir melhor, já que a Molly e a Ellen não paravam de rir de mim e coisas assim. Só que ele não precisa ser legal comigo. Porque ele nem quer ser legal comigo. Sei lá por que está sendo, no entanto, NÓS DOIS sabemos que ele não precisa fazer isso. POR QUE ELE ESTÁ SENDO FOFO COMIGO?


Enfim, não importa. Assim, admito, é bem mais suportável. Sabe como é, sem ele me ignorar ou me xingar, como por exemplo de manipuladora mentirosa. E, bem, o que pode ser pior do que isso, principalmente vindo de um dos caras mais fofos e amigos que você já encontrou na vida? Tá, tudo bem, muitas coisas podem ser pior do que isso. Eu podia ter nascido no Japão e ser obrigada a comer carne de cachorrinhos filhotes. Ou, então, ter sido deixada pelo meu pai em um internato só de meninas.


Eu só respondi para ele parar de cair em cima da irmã, já que ele trocou de lugar com o Remus, que estava ao lado da Alex. Não sei como é que ela deixou o irmão separá-lo do amor da vida dela, mas ela realmente não fez questão. Só falou:


- Tudo bem. Remus será que...


E o Remus, que nem estava olhando para ninguém, já que estava absorto no livro e tudo, só murmurou:


- É. Tudo bem – e daí ele e o James inverteram suas posições.


Sei que uma hora, a Alex e o irmão estavam conversando - aos sussurros, claro, porque a Reitora ainda não tinha fechado a boca – sobre alguma festa, mas não me aderi muito nisso, porque estava lendo e sempre que leio é muito difícil de me arrancarem de minha leitura. A menos que digam “Johnny Depp” ou “Paramore”. Só que a Alex e o James não disseram nem “Johnny Depp” nem “Paramore”. Então, nem me importei.


E daí que o James me disse:


- Quer mesmo que a Sra. Rings chame a sua atenção no meio de todo mundo?


E eu só fiquei, tipo:


- Saia daqui – abanei uma das mãos e completei: - E eu não me importo.


O James riu. E eu tive que tirar meus olhos do livro.


- Shiiiu – pedi.


A Alex deu uma cotovelada no irmão, que ficou esfregando as costelas por um tempo. Mas não parou de rir.


Esse cara é estranho. Apesar de fofo, claro.


Ah, olha, acho que terminou.


Terminou?


Ah, sim.


O James acabou de me cutucar e dizer:


- Então, vai ficar aí? – e eu olhei ao redor e constatei que todo mundo está indo embora. Está se levantando das cadeiras com caras de sono e se dirigindo ao refeitório, porque, de tanto que aquela mulher falou, já está na hora do almoço.


- Ah – pisquei confusa. Coloquei tudo em foco e murmurei: - Uau, já?


Ele fez que sim e ergueu as sobrancelhas.


A Nichole ficou sorrindo para mim, toda sabichona. Ela está ao meu lado, ainda. Do meu outro lado.


- Ok, vamos. Ainda bem que essa tortura acabou – sacudi a cabeça, fechando o livro com um suspiro. Só mais treze folhas! Só mais treze folhas, será que não podiam prolongar só mais um pouquinho? Que triste isso.


O James me perguntou como é que terminou o livro. Eu disse:


- Não sei – PORQUE NÃO ME DEIXARAM TERMINAR!


Então, agora iremos almoçar, fazer qualquer coisa na aula de Redação e partir para a prova de Biologia. E não estou nem aí se não dei uma revisada no meu quadro de filos que construí para facilitar meus estudos.


19/FEVEREIRO – 12:32h – TERÇA-FEIRA – BIBLIOTECA
Já almocei e vim para a biblioteca. O James e o Remus estão aqui também. Estão estudando para a prova de física, no próximo período. Bem, o Remus realmente está. O James... hum, ele finge estar lendo, só que não está, porque sempre fica:


- Então, quer ajuda?


Não sei por que ele fica me perguntando isso, uma vez que já lhe disse que praticamente nem estudo para Biologia. Sem contar as horas que queria saber o que acontece com a Ellie no final de Avalon High, sabe-se lá por que. Quero dizer, cara algum fica querendo saber o final de um livro romântico para meninas de quinze anos.


E eu só retribuo algo do tipo:


- Vá estudar!


Ao o que o James só sorri e abaixa a cabeça e a fica balançando, como se estivesse muito decepcionado comigo. Só que, por acaso, sei que não está, porque ele está sorrindo, o que tudo indica - sempre, e isso eu já percebi – que James está se divertindo. Ao menos, um pouco, já que não vejo graça alguma em incomodar uma colega na biblioteca, só para interromper seus “estudos” para lhe indagar qualquer bobagem.


De todo modo, qual é o problema do James?


Sinceramente, ele precisa de um psicólogo. Ou então se um/uma confidente. Claro que não posso me oferecer para ser a favorita dele, quando sei que ele não quer que eu fique ouvindo seus problemas. Ainda mais se um dos seus problemas engloba a menina que se ofereceu para ser sua psicóloga particular.


19/FEVEREIRO –13:43h– TERÇA-FEIRA – AULA DE REDAÇÃO
“Descreva alguém que você goste/aprecie/ame”.


Sério?


Por que ela não despeja de uma vez em cima de nós aquelas coisas sobre a baía do Mar Morto? Acho que seria bem mais produtivo.


Porque, tipo assim, quem é que posso descrever?


Eu gosto do Sirius. Ele sempre me faz rir em todas as situações. Claro que tem vezes que me irrito muito com ele, só que amigos se irritam uns com os outros. É bem normal.


Eu aprecio o Johnny Depp, a Gwen Stefani, a Nichole - por causa de todo o bullying que fazem com ela por causa do fato de ela ser gótica -, a Selena Gomez - porque ela já foi para o Congo, por causa de uma expedição para a Unicef -, a Hayley Williams – por... bom, por ela ser quem é, ainda que eu não a conheça nem nada do tipo, mas tanto faz, não precisa justificar o porque do sentimento, é só descrever a pessoa –, a Anne Hathaway e o Jared Letto – porque ele realmente parece se importa com o mundo em que vive.


Eu amo todas as pessoas citadas acima, incluindo a minha mãe, meu avô e o resto de meus novos amigos. Só que é muito difícil escolher um só. Então... bom, o menos maluco de lá – tirando o Remus, mas só porque ele é todo preocupado e certinho demais – é o James. E, bem, eu o amo mesmo mais do que todos os meninos que já conheci – talvez até mais que o Jason. Só que, sabe como é, amo-o como amigo e tudo. Nada de sentimento romântico e tal.


Ainda bem que isso é só o dever de casa. Não acredito que ela nos passou dever de casa após nos obrigar a escrever uma dissertação sobre a Floresta Amazônica! Sei que a Floresta Amazônica é muito importante para o mundo e tudo, mas todo mundo vai lá e a desmata e planta milho e cria gado. Então, tecnicamente, ela está morrendo, e em pouco tempo – e o que tudo indica – não servirá nem mesmo para abrigar um casal de quatis ou uma onça negra. O que quer dizer que ela não é um assunto bom para ser abordado em uma dissertação! Principalmente porque tem gente aqui que nem sabe onde a Floresta Amazônica se localiza – que é no Brasil.


19/FEVEREIRO – 14:21h – TERÇA-FEIRA – PROVA DE BIOLOGIA
Certo: biologia. Até parece que estou me preocupando com isso.


Qual era a resposta da cinco? – S


Não me lembro qual era a pergunta n° cinco. Acha que foi bem?


Tanto faz, até parece que isso faz diferença. Em todo caso, acho que não.


Ah. Sabe por que o James está sendo tão legal comigo?


Desculpa, sei que irei decepcionar o meu orgulho, só que isso é uma coisa que, se o SIRIUS – que é o melhor amigo do James – não sabe sobre isso, ninguém sabe.  Então, digamos que ele seja o meu último recurso. Porque eu perguntei para a Alex, e ela meramente ficou, tipo:


- E eu é que sei? – ela estava tentando achar o seu horário após o almoço, porque não sabia exatamente se teria prova de História ou de Francês depois dali. Aí olhou para mim: - E desde quando você liga para isso?


Achei que ela estivesse toda perdida e então dei um desconto.


- Bom, desde que ele está mesmo sendo um amor comigo – contei. Suspirei: - Sério. Eu só quero entender.


Alex deixou as mãos caírem dentro da bolsa, cansada.


- Olha, sei lá. Pergunta para ele. Ultimamente, não estou a fim de me meter nos problemas dos outros – daí ela olhou toda fofa para mim: - Você sabe que eu faria tudo para ajudá-la, mas... sabe como é. É o James.


Expirei com muita força. Porcaria.


Então, por não saber o que fazer ou a quem recorrer, estou aqui agindo como uma idiota, tendo de me rebaixar.


Bem, achei que você já soubesse.


Soubesse do quê?


Ele vai viajar.


É, eu sei. E o que isso tem a ver?


E ele quer ir para o Canadá.


É, EU SEI.


Pergunte para ele.


Ah, certo. E por que faria isso? Quero dizer, sério?


Olha, ele não a odeia tanto assim. Parece que sim, só que na verdade não.


Sirius, do que está falando? Isso tem a ver com o modo como ele tem agido todo legal comigo, desde ontem?


Lily. Um conselho: pare de ficar se enfiando em romances escritos e olhe para o que está a sua volta.


Hum. E o que irei descobrir?


Bem, não sei. Mas acho que é bem mais seguro assim.


Vou descobrir porque o James está sendo fofo comigo?


Caramba, o James nunca foi fofo com ninguém. Garotos não são fofos com ninguém. Eca. Vamos parar de falar sobre isso.


Bom, para a sua informação, ele é bastante fofo, sim. Só você que não percebe, talvez porque seja um menino.


Certo. Tanto faz. Vamos parar de falar sobre a suposta fofice do James. Por favor.


Ah, olha! Parece que a Dolly está tendo um ataque de choro por causa da prova!


É, eu soube que ela precisa de mais nota do que eu para se formar. Acho que é bastante compreensível.


Ai, coitadinha!


19/FEVEREIRO – 15:09h – TERÇA-FEIRA – PROVA DE PSICOLOGIA
Fala sério. Como se eu tivesse algo a comentar sobre essa prova. Quem é que precisa saber sobre essas coisas?


E eu não estou nem aí se o Sirius sabe por que o James está sendo legal comigo e não quer me contar. Vou me virar sozinha, como sempre. Quem sabe... bem, quem sabe o James só esteja se sentindo mal porque não me avisou com antecedência que não terminaria o seu ano letivo e logo começaria estudar incisivamente francês. Por um ano, ou quanto tempo dura um intercâmbio.


É, é isso aí. Ele não está sendo fofo comigo porque está arrependido de ter sido tão malvado comigo por aquele negócio do livro da Taylor e por nossas conversas sobre o James.


Tem que existir qualquer outro motivo.


Só que, sabe como é, não posso chegar nele e simplesmente mandar: “E, então, James, por que está sendo legal comigo, de repente?”. É suicídio. Aposto como ele só irá rir e agir como se eu fosse uma louca completa – mas, tudo bem, isso até pode ser verdade. E mesmo que me respondesse qualquer coisa coerente, será mesmo que devo acreditar nele? Sei que ele é o James, e eu confio muito nele. Mesmo ele está me odiando e tudo.


Aaaah, que maravilha. Faremos um intervalo de quinze minutos para a continuação das provas. Preciso mesmo respirar. E acho que preciso comer um pouco mais. Mastiguei tão rápido o meu almoço, porque queria acabar de ler Avalon High, que agora desejo não ter agido feito um javali do inferno. Bem, além do mais, até parece que iria ficar lá no refeitório para ficar ouvindo a conversa randômica do Sirius. Ele é completamente doente, de verdade.


Em seqüência, terei inglês e literatura. Ah é, estou morrendo de medo. Oi, eu escrevo livros. Sei tudo de inglês e literatura. Até já li coisas completamente chatas, como Sartre. E, sério, ele é muito chato. Tão chato que se negou a receber o Nobel de Literatura de 1964, só para você ter uma idéia.


19/FEVEREIRO – 16:47h – TERÇA-FEIRA – PROVA DE INGLÊS
Ainda estou pensando em uma pessoa que eu possa descrever para o dever insano que a Sra. Prince nos passou. Não consigo chegar a um senso comum.


Não posso optar pelo James. Não posso.


A Sra. Prince vai pensar que eu gosto totalmente dele, como a Nichole e a minha avó já pensam. E eu não preciso de mais uma pessoa a acreditar nessa baboseira. Além do mais, ela é PROFESSORA, caramba!


Certo, próxima.


Uh, Literatura.


Fala sério. Por que tenho de fazer essa prova? Todo mundo sabe que vou tirar A mesmo. Que grande perda de tempo!


19/FEVEREIRO – 17:25 – TERÇA-FEIRA – ESTACIONAMENTO DA ESCOLA
Só quero a minha cama. De verdade. Essa coisa de “manhã de boas-vindas” atrasou tudo e deixou todo mundo trôpego de cansado. Eu não agüento mais ficar sentada perante folhas e mais folhas impressas ainda com cheiro de tinta de impressora fresca. Eu detesto esse cheiro. O de tinta de impressora fresca, sabe como é.


Acabei de me encontrar com o James e o Sirius no corredor.


- Como foi? – o James me perguntou, chegando bem perto de mim, todo atento – Nas provas, quero dizer.


Só continuei a marchar para frente da escola. Agora junto a eles.


- Psicologia não tenho muita certeza – dei de ombros, mas eu não estava nem aí – Mas o resto, é, acho que tudo bem.


O James agiu como se já soubesse. Mas ele já sabe mesmo.


- Hummm – ele entoou, parecendo feliz – Que maravilha.


Sorri. O Sirius soltou um muxoxo.


- Ah, droga. Vou voltar e procurar o gabarito da prova de Química – ele nos disse.


Eu e James levantamos as sobrancelhas.


- O quê? – o Sirius reagiu, fingindo-se de inocente – Eu preciso passar de ano, ok?


Eu balancei a cabeça, lamentando; o James riu como se fosse engraçado.


Só que não é engraçado: é horroroso.


Mas tudo bem. Esse é o Sirius.


Então, o Sirius voltou para a sala da qual ele e o James tinha saído.


- Então... – o James começou bem inofensivo – O que acha de um chocolate quente, depois desse dia estressante?


Parei de ajeitar a alça da minha bolsa. Como é que é?


- Hum, o quê? – perguntei. Caramba, será que tenho mesmo que agir feito uma imbecil toda hora?


- Chocolate quente – ele repetiu, rindo, provavelmente se dando conta que eu tinha escutado e entendido perfeitamente bem - Está a fim? – quis saber.


- Ah – olhei para os lados, achando que se alguém estivesse no meu campo de visão, talvez eu pudesse ser rápida o bastante para criar alguma desculpa. Tipo... que iria dormir na casa da Nichole.


É.


Não.


Eu quero sair com o James. Nem que seja para ir tomar um chocolate quente fumegante.


- Tudo bem – concordei como se aquilo não fosse nada – Mas tem que ser rapidinho, porque estou mesmo exausta e preciso de um banho bem quente e das minhas cobertas.


O James sorriu. E era bem diferente. O sorriso, sabe. Não tinha nada de decepcionado nele. Muito pelo contrário.


- Perfeito – o James falou, e fez uma pausa após eu retribuir o sorriso, mas bem menos feliz – Quer ajuda com os instrumentos? – ele apontou para a minha guitarra e para o meu violão.


- Certo – acenei sem jeito. O quê? Como é que você reagiria se o menino que você mais gosta no mundo, como amigo, claro, uma hora age como se fosse odiá-la para todo o sempre, e de uma hora para outra, resolve ser todo fofo e ainda se oferece para ajudá-la a carregar seu violão e sua guitarra?


Ele pegou o meu violão de minhas mãos e viemos para cá. Estamos no estacionamento. Dentro do carro do James, porque ele assinalou que congelaríamos os nossos narizes lá no frio cortante. O Alex, pelo o que o James me falou, foi estudar na casa da Zora, para a prova de Geografia no segundo tempo, amanhã.


Então, o James finge que está olhando para fora para encobrir o fato de que, de vez em quando, espia o que fico escrevendo. Mas não me importo. Ultimamente, não tenho me importando com um monte de coisas.


Cadê esse Sirius que não chega?


19/FEVEREIRO – 18:32h– TERÇA-FEIRA – GARAGEM
Certo.


É mentira minha: acho que sei por que o James está sendo fofo comigo. Ele tentou me explicar, lá na cafeteria.


Bom, o Sirius foi conosco até perto da Alameda, mas disse que não tinha tempo para ir tomar um chocolate quente, então somente pediu para que o James o largasse na frente da Galeria Arco-Íris, onde, acho eu, foi se encontrar com a Jamie. Sei disso, porque a Galeria Arco-Íris abriga algumas das lojas favoritas das populares. E também, acho que devo ter visto alguma menina de cachinhos agarrar a jaqueta do Sirius assim que ele se enfiou nas ruelinhas. E eu reconheceria aquele cabelo de cachinhos perfeitos até mesmo no escuro.


E daí que, depois de largarmos o Sirius com a sua ficante não aprovada por mim – nem por todas as meninas do nosso grupinho -, seguimos lentamente até a Alameda. Dessa vez, ela não estava com barraquinhas espalhadas pelas ruas nem nada do tipo. A Feira da Criança já se encerrou, acho que na sexta. De modo que agora o lugar está praticamente deserto, ainda mais a essa hora, porque está mesmo frio hoje e acho que nenhuma pessoa que preze por sua alma quentinha sairia de casa para ir tomar chocolate quente, quando pode completamente preparar o seu chocolate quente em casa, e depois ficar assistindo a alguma reprise boba da Warner.


O James quis saber um pouco de como está as coisas lá dentro da minha casa. Eu só falei a verdade:


- Uma porcaria.


Principalmente agora que a minha avó insiste que em me obrigar a fazer qualquer plano para reatar a minha amizade com o cara mais fofo de todos os tempos – sim, o James. Mas, claro, não disse nada disso para ele.


O James, claro, riu. Mas não como se me achasse uma exagerada ou como se estivesse zombando de mim. Só como se, bem, como se ainda fôssemos amigos.


Eu sei, ele é um amor. Total.


- Quando é que a sua avó irá embora? – ele quis saber.


Foi aminha vez de rir.


- Acho que nunca – respondi – Eu fico pensando: como é que os caras do Extreme Makeover conseguem construir uma casa linda e decorada em tipo uma semana, e a casa de Londres ainda está pela metade? – eu e ele rimos – É ridículo!


- Vai ver ela está com saudades de vocês e quer prolongar a estadia – o James me falou, depois de um tempo.


Tive de rir ainda mais.


De verdade, só o James mesmo para pensar numa coisa tão pura como essa!


- Conta outra! – cacarejei.


Daí, ele me contou como são as visitas na casa da avó deles. Ele disse que sempre levam presentes, como canecas e novelos de lã coloridos para a avó deles. E a avó deles simplesmente ama. Só que se, algum dia, eu tentar dar uma caneca decorada com o dizer “Eu amo você”, minha avó só a arremessaria na parede; e se fosse algum novelo de lã, fala sério. Ela me faria comê-lo exatamente como macarrão spaguetti.


Rimos também um monte, principalmente depois que ele contou sobre o Hobbes, o cachorro Bernese da avó e do avô. O Hobbes, aparentemente, tem uma grande apreciação por tudo o que está perto demais do chão – copos esquecidos, cuias, almofadas, livros, bichinhos de pelúcia -, porque lá em sua casinha tem o estoque de tudo o que consegue roubar de dentro da casa dos donos. E ai de quem ameace a mexer em suas coisas afanadas.


E então, o assunto meio que se encaminhou para a manhã de hoje. Para a apresentação. Se tivéssemos conversado sobre isso ontem, eu teria um ataque de nervosismo, mas como a coisa toda já passou, não senti nada de ruim. Os fluidos de meu corpo não se retesaram nem nada. Além do mais, o James estava se empenhando tanto em dizer que eu não estraguei nem um segundo de My Hero, que foi difícil lembrar que preferiria não tocar nesse ponto.


- E você viu a euforia da Sra. Rings? – ele ria – Muito engraçado.


- É. Ainda bem que não errei tudo – senti-me aliviada.


- Você não erraria nunca – ele me disse com a voz gentil.


Ah é.


Suspirei.


- É, parece que eu só erro com você, de todo modo – assinalei.


O James pareceu pensar um pouco, antes de me responder essa.


- Bem, é mais fácil errar com as pessoas mesmo. Todo mundo pensa, todo mundo fala, todo mundo age – sua voz, notei, não estava furiosa ou fria. Estava como se ele não estivesse nem aí para o assunto. Como se estivesse tudo bem.


Só que, hã, nós sabemos que nada está bem. Ele pode não querer expressar isso em sua voz, mas seus olhos... eles dizem muito. Ficam berrando: “Odeio você! Odeio você!”. Tento fingir não perceber – porque isso só me magoa ainda mais -, só que eu amo ficar olhando para os olhos dele. Mais do que amo vê-lo sorrindo, praticamente. Porque seus olhos me entendem. É como de amigo, sabe. É uma conexão que você só faz com uma pessoa, e isso não quer dizer, necessariamente, que você esteja a fim desta prezada pessoa. O que rola entre mim e o James é... bem, é uma coisa que não sei explicar, mas definitivamente é uma coisa bem boa. Boa mesmo. Que me faz querer interromper qualquer afazer que eu estiver trabalhando e somente me concentrar nele. Como se, hum, como se eu precisasse de sua companhia para respirar ou algo assim.


Eu sei que isso é altamente ridículo, porque, provavelmente, a maioria das pessoas não aprecia jogar conversa fora em uma mesa de uma lanchonete, sorvendo vagarosamente um chocolate quente com canela, ao lado de um cara que irá viajar daqui a seis dias e que é praticamente o cara mais nerd que encontrou na vida. A maioria das pessoas iria dormir a tarde toda – especialmente depois de um dia como o de hoje com apresentações e provas e mais provas – ou assistir TV ou procurar chats para passar o tempo. Mas eu não sou a maioria. Eu sou esquisita, e pessoas esquisitas é minoria.


- Não, nem adianta ser sensato com isso – girei meus olhos – Você totalmente sabe que me odeia para sempre – completei: - E eu sinto muito.


James sorriu por cima da sua xícara de chocolate quente sem canela. Não estava feliz, isso eu pude ver. Seu sorriso era frágil e melancólico.


- Bem, terá de parar de sentir, então. Porque irei para o Canadá e logo você encontrará um novo melhor amigo para enganar – sua voz não estava acusatória. Não tinha sinuosidade alguma, na verdade. Não transmitia nada.


Não contive a minha mágoa. Aquilo me atingiu como um tijolo na cabeça. E estava doendo muito, também. Não a cabeça, logicamente. O coração.


Desviei meus olhos dos dele.


- Eu sinto muito – repeti inocuamente.


Ele não me respondeu. Não de imediato, ao menos. Ficou lá bebericando o líquido ainda quente demais e olhando para mim, ainda que eu não estivesse mais prestando atenção nele. Preferi dar atenção excessiva ao cardápio que a garçonete não tinha levado de nossa mesa.


- Você ficará bem. Sei disso – o James me falou com segurança total. Não acreditei nem por um milésimo nele.


Falsifiquei um sorriso agradecido. Claro que por dentro eu estava, tipo: “Ai, James. Por favor, me desculpa! Só isso! Sei que eu era a maior idiota antes de conhecer você, mas me perdoa! Só assim conseguirei seguir em frente quando você estiver lá no Canadá correndo atrás das meninas de saiazinhas azuis! Tudo bem? Então, pode me desculpa agora?”.


- Hum – deixei escapar, mesmo antes de me dar conta que minha boca estava colocando sons para fora dela -, talvez você não saiba.


Ficamos surpresos concomitantemente. Só que as sobrancelhas do James foram lá para cima e, um segundo depois, estavam unidas, como se estivesse pensando.


Eu fiquei repetindo para meu cérebro: “AimeuDeus, cala essa boca, Lily!”.


Só eu mesma! Caramba.


- Bem – tudo indicava que o James estava desconfortável. Não era para menos. Eu sou a maior idiota do mundo -, você também não sabe sobre isso com muita certeza. Eu ainda nem fui viajar – ele acabou dando de ombros.


Não sou, assim, a maior gênia da escola nem nada, mas eu simplesmente sei que não ficarei bem sem o James ao meu lado. Sabe quando somos crianças e temos um ursinho de pelúcia todo fofo cuja nossa maior alegria é dormir agarrada a ele? E quando completamos tipo uns oito anos, a nossa mãe resolve que é hora de dormirmos sem companhia e o aprisiona em uma caixa no porão ou então o doa para alguma criança de creche que você tem certeza de que só irá babar nele ou qualquer coisa do tipo? Daí, pensamos que iremos ficar sem o nosso peludinho, mas a cada dia só confirmamos o que sabíamos desde o começo: nunca iremos nos acostumar a dormir longe do nosso ursinho?


É mais ou menos assim que me sinto em relação a essa viagem do James. Sei que parece muito infantil, mas é tipo isso. Um saco, eu sei.


Eu sou um saco. Mas até parece que ligo.


- Você não entende – balancei a cabeça.


- Pode parecer que não, mas todas as pessoas do planeta são substituíveis – ele me disse – Tudo bem, talvez não a Lady Gaga ou o Michael Jackson, mas você me entendeu – ouvi seu riso, mas não tive vontade de rir com ele.


- Você continua sem entender – aleguei fazendo uma careta mínima.


Ele pareceu se importar. Ficou olhando para mim, toda na expectativa. Só que eu não sabia o que explicar a ele. Eu mal sei explicar a mim mesma!


- Olha, deixa pra lá – abanei minhas mãos, mas emendei: - Só quero saber de uma coisa, está bem?


O James, que ainda não tinha se decepcionado, por eu não querer/poder fazê-lo compreender o que ele não entendia, se aprumou ainda mais na cadeira. O que ele esperava que eu dissesse, eu não sei. Mas não liguei muito. Ele é tão esquisito!


- Certo, mande – ele voltou a sorrir com calor. Awn. Esse sorriso... deveria ser proibido, sinceramente.


Cocei minha cabeça e despejei:


- Por que está sendo tão legal comigo? Quer dizer, olhe onde estamos! Se eu o magoei tanto quanto acho que sim, qual é o objetivo disso tudo?


Eu acho que estava um pouco alterada, porque no final estava meio que ofegando. Fiquei olhando para ele, para ver se sua expressão de desfigurava, se ele colocava desdém nos olhos, ou algo assim. No entanto, nada mudou. Ele continuava a sorrir daquele jeito que fez totalmente minhas sinapses se colidir e voltar aquela sensação estranha. Sabe qual. A que me deixa com taquicardia, mãos suadas e boca seca. Um terror só.


- Sei que não conseguiremos mais ser amigos, mas ainda somos colegas. Bons colegas, aliás – o James falou. Não faço idéia porque meus ombros murcharam. Acho que me decepcionei. Esperava qualquer resposta mais... não sei. Alguma resposta diferente. Que ainda gosta de mim, apesar de tudo.


O negócio é que sei que existe uma falésia imensa entre ser amigo de alguém e apenas ser colega. Colega não tem intimidade conosco. Não sai perguntando se ainda estamos apaixonadas pelo nosso (ex)namorado. Nem nos leva para assistir filmes do Charles Chaplin. Nem não faz nada quando o beijamos na boca, com toda a animosidade possível. Isso é coisa de amigo.


E está bem óbvio que não tenho mais nenhum tipo de nível de amizade com o James. Ele acabou de deixar isso bem claro. Sou apenas uma colega de escola. Obrigada, Deus. Era tudo o que eu queria. Bem legal.


- Ah – não sei se ele ouviu a minha desilusão, mas ela estava total na minha voz. Senti-me uma criança de cinco anos – Tudo bem.


Ele sustentou aquele sorriso e meus sintomas só pioravam. No entanto, queria conseguir desconectar-me dele. Ao menos daquele sorriso e daqueles olhos.


- A menos que... – a voz dele veio como um raio em minha mente. A menos que o quê?


Minha esperança voltou num átimo. Meus olhos agora o comiam vivo. O que ele queria me dizer?


- Hum... – instiguei-o.


- A menos que você não queria ser nem mesmo minha colega – ele me disse.


O desapontamento se intensificou.


Ah. Só isso.


Que triste.


- Quero ser, sim – reivindiquei, mas minha voz não estava não contundente. Só parecia que eu estava com dificuldades para respirar (o que era um pouco verdade, por causa daquela sensação estranha).


- Verdade, Lily? Verdade mesmo? – achei que tivesse escutado mal quando suas palavras chegaram em meus ouvidos.


“Verdade, Sunny, verdade mesmo?”


Sério?


Ah tá. Desde quando a minha vida se tornou uma série quase sem graça sobre adolescentes de um programa de comédia?


Tinha alguma coisa bizarra. Em nós dois. Ele, com as sobrancelhas escuras agora bem firmes lá em cima, me fitava como se estivesse desdenhando de mim, ou então, como se estivesse me enfrentando. Eu permaneci com a minha cara de bebê magoado, totalmente sentindo o tum-tum do meu coração quase atingir minha blusa do Mickey.


- S-sim – não sei por que gaguejei, mas o negócio saiu bem assim.


Ele não desfez sua expressão.


- Ótimo – ele falou.


- Ótimo – retruquei.


Em seguida, eu estava puxando a mão dele para junto da minha, completamente desesperada.


- Por favor. Não vá embora – pedi, entrelaçando nossos dedos. Percebi que ele não fez objeção alguma quanto a isso. Apenas deixou que eu o tocasse.


- O mundo está me esperando, Lily. Não posso não responder a uma chamada dele – o James meio que estava rindo e olhando para nossas mãos unidas.


Apertei seus dedos.


Porcaria. Estou acabada. Para sempre. Adeus, felicidade.


- Mas e... – ainda apreciando nossas peles grudadas, não pude deixar de perguntar. Apesar de que não tinha intenção nenhuma em indagar isso alto demais. Principalmente para ele. Só que simplesmente saiu. Foi inevitável: - eu?


Fiquei piscando para ele, assim que consegui manejar meu queijo em direção ao seu rosto tão bonito sob as luzes amarelas da lancheria.


- O que tem você? – ele quis saber. Mas algo acontecera. Não sei bem o quê. Acho que sua respiração mudara. Tinha se acelerado. Ou então eu sou a mais imbecil de todas. Eu é que estava com a respiração alterada, não o James.


- N-não sei. Bem, sei que você não me quer por perto, mas... hum, colegas podem sentir falta uns dos outros, certo? – minha voz estava cautelosa. Cautelosa demais. E de um jeito que eu não estava apreciando.


- Temos a tecnologia. Você sabe, e-mail, telefone, web can, mensagens de celular... – o James me lembrou.


Ele não estava entendendo nada. Nadinha.


Larguei sua mão. Não queria mais contato nenhum.


- Esquece – falei, balançando vagarosamente a cabeça.


Agora já tínhamos bebido nossos chocolates quentes. A minha xícara ainda estava morna, apesar de seu conteúdo já não mais existir ali.


- Eu pago a conta e você me deixa em casa, certo? – propus, altamente querendo escapar dali. Ou melhor, dele.


- Ok – ele concordou. Seu sorriso voltou, mas não parecia muito seguro em seus lábios.


E como se já não bastasse toda a sensação esquisita, a decepção e a minha frustração, James tornou a falar sobre acreditar lá no carro. Estávamos quase chegando à minha casa, quando ele disse:


- Engraçado o quanto nós não acreditamos em nada, não?


Claro que eu quis saber do que ele falava, ainda que contra a vontade.


- Como assim?


Vi um sorriso deleitoso delinear seus lábios.


- Sabe como é, eu achei que não fosse ser aceito pela escola de Montreal, mas irei para lá na segunda – ele disse.


Isso me fez querer mandá-lo calar a boca.


Será que ele tinha mesmo que ficar me lembrando que desaparecerá da minha vida a partir da semana que vem?


Fala sério.


- Ah. Pois é. Sorte a sua – falei com aminha voz contida.


- Você também deveria começar a acreditar um pouco nas coisas – seu conselho sem sentido me fez franzir a testa.


Será que ele não podia parar com aquilo? Quem ele acha que sou? Uma criancinha de sete anos que tem medo de andar de bicicleta sem rodinhas?


- Eu acredito, só para você saber – constatei num tom um pouco ríspido. Ele pareceu não ligar.


- É. Sei que sim – era impressão minha ou ele falara isso com muita ironia? Hum.


- Qual é o seu problema, hein? – explodi – Já sei que você irá embora, pare de ficar repetindo isso toda hora! E pare também com essa coisa de me fazer acreditar em sei lá o quê! – eu estava bem aborrecida. Por mais que James tivesse notado isso, não deixou de sorrir, o que me fez sentir meu estômago gelar.


- Ah – fez ele, pouco se alterando – Então, como vai o seu livro?


Pisquei.


- Que livro? – indaguei, perdidinha da silva.


- O que você irá publicar.


- Não irei publicar livro algum. Meus assuntos são tão idiotas que ninguém se interessará por eles – rebati.


James riu. Ou melhor, gargalhou. De verdade. Na minha frente.


Só que eu não sabia onde ele tinha visto tanta graça.


- O que é? – perguntei de mal jeito.


- Está vendo? – ele gargalhou mais um pouco – Você não acredita em nada.


Suspirei.


- Olha, você sabe o quanto é difícil um livro ser publicado? – falei - Pode ser muito fácil fazer parte de uma banda e ser lançado no mundo musical, mas escritores são descartados a toneladas! – parecia que tinha fogo em minha garganta e eu queria me livrar dele com palavras - As editoras nunca publicariam um livro sobre um menino peregrino cujo seu fiel escudeiro é leão que tem sentimentos e que pode se comunicar com seu dono através de pensamentos!


- Ah, você já tentou mandar para alguma? – o James me zombou.


- Não, porque sei que...


- Lily, às vezes acho que você é muito mesquinha, sabe – ele me cortou em um tom muito condescendente – Por que você tem tanto medo assim de errar? Todo mundo erra. E se você cair, pode ter certeza de que vai conseguir se levantar e continuar a sua caminhada.


- Por que se preocupa com isso? Nem mais meu amigo você é! – disse.


- Não estou preocupado. Estou abismado, isso sim. Porque, sério, qualquer outra pessoa com um pouquinho só de fé já teria tentado alcançar a maçã que está lá no alto.


- Que maçã? – franzi a testa, agora totalmente confusa. De novo.


- É uma metáfora. A maçã é o sonho que almeja tornar realidade – ele me explicou com muita educação – E imagino que queira ter o prazer de ver alguém segurando algo escrito por você, certo?


- Sinceramente, nunca pensei nisso para falar a verdade – confessei.


- Ah. Mas e ser escritora? Já cogitou, sim?


- Bem... – agora eu estava tentando responder por que aquilo era tão importante para ele – Depois que você começou a me apoiar nisso, acho que é um caminho bem legal de se seguir – falei.


Ele pareceu orgulhoso. Por eu ter me encorajado a refletir sobre essa idéia por conta dele.


- Então, simplesmente não pare.


- Só que... – não queria mesmo começar a fazer novas confissões a ele, considerando o fato de que sou somente um colega para ele agora. E colegas não fazem confissões uns aos outros. Isso é fato.


- Hum? – ele me instigou.


- Não devo ser boa o bastante. Não tão boa quanto o Dan Brown ou o Nicholas Sparks.


- Você não deve se comparar aos outros. A J.K. também achava que ninguém iria gostar de ler uma saga sobre um bruxo que tem que derrotar o mal, mas, olha só, o mundo praticamente devora os livros e os filmes – ele me lembrou – E, sério, olhe um volta. Você consegue citar algum colega nosso que tenha algum tipo de perspectiva, além do Remus, claro? Aquela gente é mais apática do que sei lá o quê. Ninguém é bom o bastante perto de você. Não com as palavras, ao menos. Então, o que a está impedindo de dar o primeiro passo?


Uau. Nunca tinha abordado o assunto desse ângulo. Quero dizer, eu passo bastante tempo enfiada em livros. Metade da minha escola mal consegue tocar em livros. Porque isso é coisa de gente nerd. Só que, dã, imagine se não existissem os nerds? Não teríamos computador, ou luz elétrica. Ou até mesmo comida quentinha. Então, para que desdenhar de um nerd se muito provavelmente ele se tornará futuramente um grande milionário empreendedor de uma tecnologia ultra avançada e cara? Assim como o Michael, lá nos livros da Mia. E pode ser que esse nerd queira se vingar de todo mundo que foi mau com ele na época da escola. Então, para que cutucar um nerd e caçoar de seu livro? Afinal, deve ser mesmo verdade aquela história de “quem ri por último ri melhor”. Totalmente.


- Hum, coragem? – arrisquei esperançosa.


- Isso também, claramente – ele acenou - Mas fé também. Você tem de acreditar no sonho, entende?


- Ah. Mas tem também o outro lado. Tipo, as iranianas. Elas têm esperança de que algum dia possam ter mais liberdade dentro de seu país, só que elas nascem e morrem acreditando em algo que nunca se concretiza – falei.


- É, mas não importa as pedras no caminho, elas sempre estão lá acreditando.


- Isso não faz sentido. Como é que alguém pode ficar acreditando em um milagre se, bem lá no fundo, sabe que isso nunca acontecerá? – quis saber, me interessando.


- Lily, as iranianas até já conquistaram poder político. E o Egito até mesmo já adotou o voto feminino na década de cinqüenta. Claro que elas são bastante rebaixadas perante a constituição, mas as conquistas, mesmo que míninas, só servem para dar mais força a seus movimentos – o James me contou. Provavelmente leu em alguma revista ou viu em algum documentário.


- Certo. Entendi – disse eu, realmente compreendendo. Tipo, não adianta lutar fogo com fogo – O negócio é nunca perder o foco.


- Hum, mais ou menos.


- Só que, fala sério. As pessoas hoje em dia não querem saber de ler um livro sobre a África partilhada ou sobre os xadores¹. Elas preferem...


- Vampiros – o James prontamente respondeu – Eu sei, mas as pessoas também se interessam por o que é diferente.


- Não se interessam nada! – falei veemente.


- Claro que sim. Veja você, por exemplo – ele me indicou.


Minha boca secou. Tum-tum rápido demais.


- Eu? – minha voz, eu tive certeza, saiu como um guincho de ratinho.


- É – ele confirmou – Você é diferente.


- Só porque sou ruiva. E devo dizer que muita gente não aprecia meninas ruivas. Todo mundo me acha a maior Satanás – constatei. Porque é mesmo verdade. Todo mundo fica achando que faço parte de alguma seita de wicca ou que decepo cabeças de galinhas. É tudo a maior bobagem. A maioria das vezes é um saco ser ruiva.


- Eu gosto de você assim – o James me disse.


Acho que eu podia ter parido um alien ali.


Mesmo sem querer ele acaba sendo um fofo.


- Hum, certo. Obrigada – agradeci desconcertada – Mas isso não quer dizer que o resto do mundo...


- Pare de pensar nos outros – o James me interpelou, porém não estava impaciente – E comece a pensar no que você quer.


- Certo – falei de novo.


- Se você quer ser escritora, apenas seja. Muita gente irá contra você, claro que sim, mas desistir não é digno de meninas ruivas que escrevem sobre xadores.


Ai, caramba. Como ele sempre consegue me fazer melhor? E por que ele sempre consegue me deixar mais admirada ainda com ele?


Estou doente, isso sim.


Não pude deixar de expandir o meu sorriso.


- Hum. É verdade – eu disse.


O carro estacionou. Se minha avó estava na janela do quarto improvisado para ela e o vovô, eu não queria saber. Tudo o que me importava era mirar naqueles olhos tão doces.


De verdade. Eu sou doente. Pelo James. Aimeuboipreferidometiradessa.


- Está entregue – o James fez graça, rindo todo fofo.


- Valeu – agradeci, também rindo.


- Você pensará nas iranianas e na fé delas, não vai? – ele quis saber – Porque se você não acreditar, ninguém mais vai.


- Posso tentar – prometi.


- E não se esqueça de, quando terminar seu livro, me avisar. Sabe como eu sou em relação a livros diferentes – a risada ainda não tinha deixado sua voz.


- É. Acho que sim – disse, mas não tinha confiança em mim.


Ele sorriu ainda mais.


- Até amanhã.


- Até amanhã – repeti, saindo do carro.


E sabe de uma coisa? Assim que saí de lá de dentro, alguma coisa se quebrou. Acho que foi o fiozinho de esperança que comecei a adquirir na presença de James. Eu quis me virar e retornar lá para o lado dele, mas quase tropecei nos meus próprios pés quando tentei olhá-lo. Isso não era o melhor dos sinais. Por isso, somente segui meu trajeto até a aqui, a garagem.


19/FEVEREIRO – 18:42h– TERÇA-FEIRA – QUARTO
Minha mãe estava ao telefone assim que atravessei o hall. Estava conversando com Charlie. Sua voz estava reconfortante, exatamente quando fala com o Charlie. Sério, esse cara deve ser o homem mais traumatizado da Inglaterra. Nem mesmo eu tenho tantas coisas assim a contar a alguém. Nem mesmo à minha mãe. Quando ela conseguiu se desvencilhar da voz do paciente, me disse:


- Sua avó quer que você tome um banho, porque ela e você irão sair juntas.


Eu só fiquei parada na frente da bancada da cozinha, com a minha boca aberta – fazendo água escorrer para a minha blusa. Como é que é? D. Julia quer sair comigo?


É a mesma coisa que a madrasta propôr à Cinderela um passeiozinho pela cidade. E acho que a Cinderela não deveria aceitar esse convite. Madrastas sempre carregam maçãs nas bolsas Gucci.


- Mas eu preciso estudar. Sei lá para quê, mas é verdade! – entrei em pânico, antes mesmo de pensar em algum palavrão.


Mamãe continuou a picar os morangos – acho que fará alguma vitamina -, no entanto fez uma expressão atada. Sei que não era culpa dela. Simplesmente não temos culpa pela mãe que temos.


- Sim, eu entendo, Charlie – ela tornou a focar no bocal do telefone – E, sim, estou escutando você.


- Mas... – eu quis surtar de alguma maneira, porém só recebi um olhar feio de minha mãe. Ela gosta de privacidade quando está tentando resolver algum problema de seus pacientes.


Então, deixei-a na cozinha e rapidamente me atirei no sofá. Faz mesmo um tempo que não o vejo sozinho. Ou melhor, a sala vazia. Minha avó está sempre ali, obviamente, grudada à TV. Agora, se ela acha um péssimo vício eu me enfiar em meu quarto para degustar um bom livro, ela também não se salva muito, não. Televisões viciam igualmente.


Subi lentamente para o meu quarto, tendo em mente tomar um banho bem quente para me relaxar de todo o estresse do dia, mas antes de tirar a roupa e me enfiar no chuveiro liguei para vovô – já que D. Julia tem aversão a tecnologia e não quis aceitar aquele celular maravilhoso que mamãe lhe deu de aniversário. Eu estava um pouco furiosa, se quer saber.


Sei lá o que terei de enfrentar amanhã nas provas, mas não quero sair de casa para nada. Estou mesmo muito acabada. E a minha avó deveria entender isso.


- Olá, minha querida – ouvi meu avô dizer ao celular. Sua voz está sempre profunda e calma.


- Ah, oi, vô. Cadê a D. Julia? Preciso fazer picadinho dela. Pode passar o telefone a ela? – quase deixei meu celular escorregar quando tentei me desvencilhar de meu casaquinho vintage.


Logo meu avô entregou o aparelho para a esposa. Pelo seu tom de voz, estavam fazendo compras.


- Lily, precisa de alguma ajuda? – não gostei de sua voz dura.


- Você precisará de algum ajuda se me fizer sair de casa hoje! – exclamei sem modos.


Ouvi-a bufar.


- Ah. Por favor – ela parecia muito desinteressada e entediada – Você não pode querer se excluir do mundo por conta de um menino. Mesmo que esse menino seja muito educado e amoroso – antes que eu pudesse fazer o meu biquinho de reprovação, ela continuou: - Quem sabe, daqui a uma semana, arranjará um novo amigo e se esquecerá de James.


Fiquei horrorizada. Eu nunca conseguirei me desfazer de James! Ele faz parte de mim. Da minha vida. Sei que segunda não mais estará ao meu alcance, porém ele ainda está em meu coração, sabe. Quero dizer, nós não nos esquecemos de uma pessoa tão fofa e amiga, assim, da noite para o dia. E o James é do tipo inesquecível, portanto isso significa que poderei viver mais trilhões de anos – até o ano em que o Sol desaparecerá – que serei incapaz de amar outro cara como amei o James. Sei que esse amor não é o tipo de amor romântico que quase todo mundo à minha volta acha que é, mas é o tipo de amor insubstituível. Bem, o James é insubstituível.


- Certo, tanto faz – murmurei insatisfeita – Mas eu não posso sair com você – eu estava tentando ser bastante categórica.


No entanto, só quem convive com D. Julia sabe que nenhum tom de voz a persuade a algo. Principalmente a desistir do que tem em mente. Sabia que tinha de me munir de mais armas se quisesse me safar desta.


- Só não pode como vai sair comigo – sua resposta me fez soltar um palavrão, baixinho – Vista-se que logo estaremos em casa – dava para sentir a animação de minha avó atravessando todas as ruas e chegando até a mim – Eu diria que você irá amar essa noite – ela se vangloriou.


- Duvido – resmunguei irritadiça, averiguando a temperatura da água que caí do chuveiro – Juro que se você for me arrastar para alguma loja de roupas, vou fazer mamãe jogá-la em um hotel sem sacada e sem água quente!


Nem isso a fez parar de fazer aquele barulhinho com a língua, que só o faz quando está muito convencida de que conseguirá o que quer. 


- Não, não. Nada de lojas – ainda que o que mais a alegre é entrar em milhões de lojas e sair de todas elas com ao menos uma sacola, minha avó não parecia abatida por admitir que nosso programa será bem mais excitante do que ficar entrando e saindo de provadores pequenos demais.


Não que essa sua resposta tenha me feito querer tomar meu banho o mais rápido possível para o nosso programinha.


Nada disso. Mas, é preciso desabafar, me deixou ao menos aliviada. Porque, pelamor, você não sabe o que é ser arrastada pelas ruas por uma senhora que tem mais energia do que todo o time de basquete da escola!


- Olha, não adianta. Eu preciso estudar. Ao menos matemática, porque você nem sabe o quão mal estou nessa matéria.


- Você estuda depois – foi a sua resposta desinteressada.


- Eu não quero sair com você! – rosnei exasperada.


- Ah, Lily – seu suspiro estava mais para uma ventania do que para um pesar - Eu tento fingir para minhas amigas que tenho uma neta compreensiva que adora os concertos de piano, porque não posso enfrentá-las de outro modo. Marylene é uma graça: faz ballet e sabe falar espanhol. Tiffany, mesmo com três anos, já aparenta ser uma aspirante a Frida Kahlo...


- Tá bem, tá bem. Chega! – me rendi.


Não suporto quando ela começa a choramingar assim. Nem quando resolve enfiar as suas amigas gagás e metidas na coisa toda.


- Então?


- Se não estivermos em casa antes das nove, vou aparecer pelada na sua próxima festa de Natal em Londres!


Não é necessário descrever o acesso de suspiros contínuos satisfeitos que ela me fez ouvir.


- Muito bem – ela falou dramaticamente – Vá logo tomar o seu banho, não quero me atrasar – irritada, acrescentou: - Ainda que a mesa esteja reservada, duvido muito que John vá esperar por nós.


- Quem é John? – quis saber, curiosa.


- Alguém que não vai conhecer se não se apressar – ela resmungou impaciente.


E, então, desligou.


Ah, ótimo.


É mesmo uma maravilha.


Agora vou ter de tomar banho e colocar alguma roupa apresentável para este John.


Juro que ela vai me pagar por isso.


19/FEVEREIRO – 21:27h – TERÇA-FEIRA – QUARTO
Não, não, não. Às vezes eu sou mesmo uma péssima pessoa. Uma péssima amiga, uma péssima filha e uma péssima neta.


Minha avó – dói escrever – não vai precisar pagar por nada que envolva esta noite. Isso porque esta noite rendeu tanto quanto renderia se eu estivesse curtindo-a ao lado de James. Não que eu prefira gastar duas horas do meu dia com a D. Julia – isso é impensável – a com o James, porque com a minha avó tenho que ouvir coisas como “Ah, pelo amor de Deus! Quer parar de pular deste jeito? Meninas não pulam!”, e o James nunca ligaria se eu estivesse parecendo um canguru no meu vestido azul claro de mangas e cheio de fios cintilantes. Vale ressaltar que ele apreciaria esse meu gesto. Mas, sendo quem ela é, minha avó não acha apropriado uma menina se divertir. Para ela estava ótimo ficar valorizando o John, sentada toda comportada em sua cadeira. Só que comigo, meu bem, as coisas não funcionam assim. E foi por isso que me levantei e ficar lá batendo palmas e pulando em pé, e não ligando nem um pouco para os gritos de D. Julia, que estavam horrorizados, diga-se de passagem.


Realmente não precisava se preocupar com essa coisa de “a sua avó quer sair com você”. Nós só fomos a um pub muito fofo que toca música ao vivo e que ela descobriu que às terças-feiras ocorre o que o dono do estabelecimento intitula de “noite clássica”, que consiste basicamente em ter uma banda que faça covers de outra no palco. Geralmente, o cara prefere covers de bandas bem antigas, tipo Beatles, The Who, The Eagles, ou Beach Boys. O artista “copiado” dessa noite foi o Elvis. Eu não ouço Elvis Presley mais do que ouço Buddy Holly, mas Elvis sempre será Elvis. Sabe como é. Tipo Michael Jackson. Podemos não idolatrar suas músicas tanto quanto veneramos um copo de água (?), mas sabemos que ele foi uns dos Reis do mundo. Acho que mesmo o meu pai, que não era fã de nenhum dos dois, – nem do Elvis nem do Michael – sabe o quão importante eles eram para a humanidade. Sei que, de certa forma, meu pai não deve ter mudado de pensamento – já que ele nunca curtiu muito música -, por isso, mesmo há oito anos sem vê-lo, posso totalmente afirmar que ele não daria o devido valor a essa noite com minha avó.


E o tal do John era um antigo amigo de minha avó que largou – eu ainda estou achando que isso é mentira, apesar do próprio John ter me confirmado isso – a carreira de consultor da bolsa de valores dos Estados Unidos para seguir seu sonho de cantor sósia de Elvis Presley pelo mundo! E, DE VERDADE, se eu não soubesse que o Elvis morreu em setenta e sete, acharia mesmo que estava em sua frente lá no pub Drew. Até a voz do John é parecida com a do Rei! Um terror só (de um modo muito impressionante).


Bem, agora vou ter de estudar alguns capítulos de geometria e de cálculos. Até parece que vou me dar mal em alguma dessas provas. Imagina. Sou tão boa em matemática que é uma falcatrua eu ainda não ter ganhado nenhum Nobel. Ahãm.


20/FEVEREIRO – 09:13h – QUARTA-FEIRA – AULA DE FÍSICA
Juro que nunca entenderei essa coisa aí no quadro.


O Sr. Coop acha que é moleza, mas não é. E ele é professor! Ele está sendo pago para saber tudo isso!


Ainda bem que as provas de física serão na semana que vem. Assim, não preciso me preocupar com mais uma coisa.


Já está bem ruim saber que o James desaparecerá da minha vida daqui a cinco dias.


E por falar nele, o que foi aquilo entre ele e a Michelle no corredor? Desde quando a Michelle acha assim tão legal a teoria de Darwin? Ela nem deve saber quem foi o cara!


20/FEVEREIRO – 10:27h – QUARTA-FEIRA – PROVA DE CÁLCULOS
Fala sério.


Sem comentários. Todo mundo está com umas caras de Halloween aqui. Acho que todo mundo também gostaria de se atirar debaixo de um trem.


20/FEVEREIRO – 11:00h – QUARTA-FEIRA – ESTUDANDO NA BIBLIOTECA
Eu sei que deveria estar sentada na cadeira ouvindo o Sr. Coop – de novo, porque ele é um karma ou algo assim – com mais física, só que é, eu não sou a melhor aluna do mundo. Por isso estou matando aula. Mas é por uma causa MUITO nobre: geometria. A Sunny disse que não se importa em me ver tentar estudar o que ela chama de “figuras de criança” – sabe o que: aquelas formas geométricas. Prismas, pirâmides, cones, octógonos. E mais blábláblá que para sempre serei incapaz de resolver – e que fica mesmo muito lisonjeada por ter alguém para conversar. Não que eu esteja conversando com ela. Não muito. Só falei com ela sobre Jane Austen. Mas só porque está lendo Lady Susan, o que é surpreendente, já que a maioria das pessoas nem sabe que esse livro existe, pois só conhece Razão e Sensibilidade e Orgulho e Preconceito – especialmente depois que ambos se tornaram filmes.


Mas o negócio é que se Deus pretende me castigar por estar matando aula de física terá de enforcar o Sirius, porque ele mata mais aulas do que um cachorro desobediente. Sem contar todas as detenções semanais que apenas ele consegue adquirir.


20/FEVEREIRO – 11:20h – QUARTA-FEIRA – AULA DE REDAÇÃO
Eu odeio dissertações. E ainda bem que aquela descrição sobre uma pessoa que gostamos/apreciamos/amamos é para semana que vem, porque me esqueci completamente desse empecilho. De todo modo, odeio as aulas de redação. Ninguém me dá o devido valor mesmo. Além do James e da minha mãe. Mas nenhum dos dois sequer leu alguma coisa que já escrevi, o que deveria desclassificá-los ao cargo de “conselheiros de futuro”. O lado bom é que eles acham verdadeiramente que tenho o potencial pra essa coisa de escritora.


Aaah, não posso esquecer de perguntar ao James o que a Michelle achou de tão empolgante naquele livro dele. Não que eu vá de fato arrancar alguma confissão dele, mas pode ser que me fale, já que está sendo fofo comigo desde segunda e tudo.


20/FEVEREIRO – 12:39h – QUARTA-FEIRA – ALMOÇO
É um saco ser eu. Quando penso que estou certa, dou de cara num muro que me diz exatamente o contrário.


Achava que a minha quarta estava mesmo muito entediante, mas no almoço sempre acontecem coisas bizarras.


Eu mal saí da aula de redação e me juntei com o pessoal na nossa costumeira mesa – que é onde estou escrevendo, tendo de desviar das batatas fritas com molho que o Sirius atira em mim, mas sei que seu alvo é o meu caderno. Até aí, tudo bem. A Nichole estava elétrica falando sobre uma festa que acontecerá depois de amanhã, porém a deixei falando com a Zora e segui a Alex para as bacias de comida.


Alex ficou me perguntando como eu estou me saindo nas provas até agora e eu meramente falei:


- Estou tão bem que me serei a próxima candidata a conquistar o prêmio nas Olimpíadas de Matemática mês que vem.


Ela, que assim como eu não sabe muito bem para que a matemática nos será útil daqui a trinta anos – porque a Alex quer ser bióloga -, me devolveu, bastante chateada:


- Eu sei. Isso é um porcaria. Esses professores nos enchem de matéria e mal se prestam a estarem nos corredores após o horário de aulas para nos ajudarem a resolver um ou dois exercícios.


Sabe, isso é um fato. A Zora e eu deveríamos mudar essa coisa, sendo que fazemos parte do Conselho. Pode até ser que eu não saiba calcular o volume de uma circunferência pela apaticidade desses professores que temos.


Bom, daí a Nichole se juntou a nós, trazendo consigo a Anne, uma garota morena que é minha colega em alguma aula e que o Sirius ama ficar sabe-se lá por que, que realmente parecia extasiada por estar perante a mim.


- Oi, Anne – fiquei feliz por saber que minha voz estar demonstrando felicidade suficiente.


- Oi, Evans! – seu sorriso basicamente me cegou de tão brilhante que é – Só queria lhe convidar para a minha festa.


A Alex ficou imediatamente animadinha, tipo aqueles cachorros malucos que sabem o significado da palavra “passear” e saem correndo para a gaveta onde seus donos guardam sua coleira (N/A: uma das minhas cachorrinhas é completamente assim. Ela é uma demônia!).


A Anne olhou para Al toda simpática.


- Não estou convidando todo mundo, entende, porque sei que muita gente não vai com a minha cara – ela não pareceu irritada ou chateada por isso – Mas – agora seus olhos estavam brilhando de excitação: - adoraria se você fosse! – daí ela chegou bem perto de mim e sussurrou, rindo: - Eu soube que você tem toda a coleção de livros da Meg Cabot e você nem sabe o quão difícil é se relacionar com pessoas que acham que esse tipo de livro é para criancinhas!


Só que eu sei sim. É o que todo mundo me diz todos os dias: que sou uma criança por ler aqueles livros românticos água-com-açúcar. Só que não ligo. Porque se algum dia eu deixar de lê-los só porque metade da sociedade me julga, é porque está na hora de eu me tornar uma Taylor McGrow. Porque ela mudaria por causa da sociedade. Eu não sou desse tipo.


- É – falei desconcertada. Não gosto muito de intimidade com meninas de gloss brilhante, sabe. Você pode até achar que isso é um preconceito, mas essa sou eu.


Sorri.


A Anne é do tipo energética e afobada, sabe. Não é tão meiguinha assim. Ela é linda, obviamente, mas como não sabe fazer jus ao objetivo das populares – que é fingir ser superior e esfregar na cara de todo mundo que quem controla a escola são elas -, as meninas de babados e pompons na cabeça a menosprezam, como se a coitadinha fosse uma impopular completa. Assim como eu ou Alex, ou Nichole, ou Zora. Digo, somos impopulares para as populares, porque totalmente ganhamos a eleição na sexta, não ganhamos? O que significa que não é todo mundo que nos quer ver pelas costas. Ao menos a Anne não é uma dessas pessoas, visto que nos convidou para a sua festinha particular. E duvido muito que nessa festa a Taylor poderá entrar, por motivos óbvios.


- Nós totalmente iremos! – a Alex falou.


A Nichole olhava para mim na expectativa.


Onde elas achavam que estavam? Prestes a receber um Oscar? Hã?


- Bem, eu... – com aquelas três papagaias era muito difícil tentar responder qualquer coisa com coerência.


- É na sexta. Não se preocupe, a Taylor não está convidada – pude ver que a preocupação de Anne foi embora assim que mencionou Taylor a mim, achando que era esse o motivo da minha apreensão.


- Ah, certo – assenti. Fingi que a Taylor era o meu maior problema e deixei a menina ser feliz.


- Beleza! – ela deu uns pulinhos, toda animadinha – Não se esqueça, é a partir das 21h – me disse, enquanto a Nichole a arrastava para perto das meninas do Clube de Xadrez.


- Caramba – olhei para Alex.


- Awn, você viu? – ela me perguntou.


- Hã, não sei – fiz uma careta – O que vi?


- As pessoas estão começando a enxergar você! – explicou-me Alex.


- Eu disse que as pessoas estão começando a acreditar que existe um mundo além da Taylor – a Zora chegou a nós tão sorrateira que quase me fez derrubar a minha bandeja.


Revirei os olhos.


- Odeio as teorias de vocês – atirei.


Então, a minha bandeja quase foi ao chão mais uma vez quando chegamos perto da nossa mesa. E foi bem aí que achei que fosse virar o Hulk ou sei lá quem.


Meus olhos se arregalaram ao notar uma pessoa loura, cheia de sorrisos lânguidos e batom rosa pink nos lábios ocupando o meu lugar na mesa. O lugar que é estrategicamente ao lado do James.


- O que ela está fazendo na nossa mesa? – eu quis saber, furiosa, mas não expus esse sentimento.


A Zora, que bebericava o seu suco como uma criança de cinco anos, olhou ao redor.


E em seguida soltou um palavrão.


- Eeei – pelo seu tom já vi que rolaria uma briguinha básica – Que porcaria é essa?


Todo mundo se assustou. Os meninos – inclusive o Remus, mas não porque estivesse prestando atenção na novata: seu livro acerca de plantas venenosas era muito mais fascinante – maquinalmente viraram seus pescoços para Zora e logo constataram que seu ânimo acabara de ser engolido por uma jibóia.


- Oi, Lily! – a loura exclamou toda sorrisos pra cima de mim. E o pior que ela é sincera. Caramba, essa é outra Anne da vida. Tirando o fato de que a Anne não está dando em cima do meu melhor amigo nem roubando o meu lugar na mesa de almoço.


Não pude deixar de fingir um sorriso tosco. É, eu sei ser falsa, e daí? Quando se convive por dez anos com a popular mais falsa do pedaço, acabamos adquirindo seus defeitos.


- Oi – eu não estava querendo ser amigável. E ela tinha que perceber isso.


- Dê licença, que esse lugar não é seu – a Zora foi logo mandando.


Os olhos azuis escuros como bolas de gude de Michelle se arregalaram. Acho que nunca tinha sido recebida com tanta selvageria. Mas não estou nem aí. Preciso reivindicar meus direitos, ainda que a Zora estivesse agindo como a porta-voz.


- Oh, desculpe – ela pediu rapidamente – Eu não... – no outro segundo já tinha tirado o seu traseiro magrelo da minha cadeira.


- Beleza, então, vá ciscar em outro canto, porque, sabe, todo mundo aqui já tem dona – a Zora lhe falou com má educação.


Sirius, óbvio, teve que se opor:


- Eu não tenho dona, nem sei do que você está fal... – um olhar altamente corrosivo de Zora o fez calar a boca. Ele sabia que teria conseqüências se continuasse.


Bem, não estou ligando se aquilo era mentira. Porque realmente é. O único – mais ou menos – compromissado é o Remus, isso se algum dia deixar de ser tímido e se declarar para a Alex, que está totalmente esperando isso dele. Sei que a Inglaterra inteira – oi, hipérbole, eu a amo muito – está dizendo que eu e o James estamos apaixonados um pelo outro, mas isso não é o tipo de coisa que levamos a sério. E ainda mais quando confirmamos para uma popular.


- Zora, ela só está me pedindo ajuda em matemática – o James falou com um ar todo incrédulo.


Sabe, eu quase acreditei nele.


Só que eu me lembro perfeitamente da festa da Alicinha, onde Michelle ficou toda pra cima dele e tudo. Então, comigo não, negão!


- Pra que você acha que existe uma biblioteca, seu lesado? – vixi, a Zora colocou as mãos na cintura. Alguém vai sair ferido dessa.


- Ah, cala a boca, Zora – o Sirius mandou, mesmo sabendo das conseqüências.


Mas tanto faz. Ele sempre sabe das conseqüências e isso nunca o impediu de fazer ou falar coisas impróprias.


- Tudo bem – Michelle, toda inocente, colocou as palmas das mãos para fora, sinalizando um pedido de paz para todos - Por que não nos encontramos na biblioteca daqui a uns quinze minutos? – perguntou ao James.


E isso foi pior do que ter inquirido se ele queria dividir um expresso com ela.


Não sei por que, mas agora minhas veias borbulhavam.


- Ah, boa idéia – ele sorriu. Michelle repetiu seu gesto. E, levando consigo seu livro de geometria, deu um rodopio gracioso, saiu de perto de nós e foi de encontro às suas amigas em uma mesa um tanto quanto afastada da nossa.


Desconfiada, sentei-me no lugar de sempre. O James não pareceu satisfeito por ter sido interrompido.


- Vocês são bem estranhas, hein? – ele comentou comigo em tom um pouco ácido, depois que Zora estava brigando com o Sirius e não estava mais perto de nós dois.


- Bem, e você queria que eu almoçasse como? Em pé? – meus olhos estavam frios e minha voz saiu extremamente sarcástica.


E percebi que ele notou tudo isso, por que perguntou:


- Caramba, o que você tem hoje?


- Não interessa! – devolvi irritada.


Mas é verdade: o que me deu? Quero dizer, eu estava super ótima antes de ver a Michelle por aqui, junto ao James. Vai ver é por causa da prova de geometria. Matemática sempre me deixa furiosa por nada.


- O que foi? Dormiu com lobos? – James riu genuinamente.


Lancei a ele o meu olhar de sagüi da selva.


- O que você está tendo com ela? – perguntei com nojo, incrédula.


James ficou interessado. Suas sobrancelhas escuras subiram e seu riso natural foi perdendo lugar a um riso confuso.


- Iremos nos casar – ele falou - Semana que vem – ele riu dos meus olhos apertados - Uma beleza, não?


- É, não se esqueça de me convidar para ser madrinha – zombei.


- Ah, certamente – ele me respondeu.


- Sério. Você – franzi o cenho, não querendo esperar o imprevisível – não está com ela, está?


- Desde quando a minha vida ficou tão interessante assim?


- Ela é uma popular, seu idiota! – exclamei.


James de repente ficou sério.


- E só por conta disso tenho de presumir que também seja uma devastadora de corações?


- Bem, é o que elas fazem – dei de ombros.


- Sabe, Lily – ele sacudiu a cabeça, soltando o garfo. Percebi que seu prato já estava quase limpo –, as pessoas não são uma coisa só porque agem de uma maneira ou andam com certas pessoas – como eu não respondi nada, porque achei mesmo que todo aquele pesar na voz dele estava beirando ao ridículo, James concluiu: - Achei que você, mais do que qualquer outra pessoa daqui, saberia disso.


E daí, quando eu estava prestes a retrucar, ele se levantou da cadeira, empurrando-a para trás.


- Vou lá ajudar a Michelle, se você não se importa – sua voz não expressava mais nada agora.


- Mas... – senti-me verdadeiramente insultada com tanta disparidade.


Só que não deu tempo para eu dizer mais nada, porque James já tinha jogado a mochila nas costas e já tinha se virado para a porta.


Instintivamente busquei os olhos de Alex, desejando que ela pudesse me explicar a atitude do irmão.


Ela meramente deu de ombros e fez uma careta pedindo desculpas.


Ainda bem que a Anne acabou de preencher o lugar de James, porque é uma porcaria almoçar solitária.


20/FEVEREIRO – 13:11h – QUARTA-FEIRA – AULA DE BIOLOGIA
Se o James quer saber o meu problema, tenho todo o direito de querer saber o problema dele, porque ninguém em sã consciência quer sair com uma popular – claro que o Sirius é um caso extremamente especial, mas como ele nem consciência têm, tanto faz.


Então, POR QUE o James quer sair com a Michelle? Porque é bem óbvio que ele está gostando dela. 


AhmeuDeus, será que ela vai fugir com ele para o Canadá e logo logo receberei um convite de casamento dos dois, pedindo para que eu seja realmente a madrinha e que use um vestido cor de berinjela, que nem aquele que a minha avó me obrigou a vestir para o casamento da Nancy Baltazar?


Ah, não!! Tudo menos casamento e vestidos cor de berinjela!!!!


Ou pode ser mesmo verdade que ela só queira ajuda em matemática.


NÃO! CLARO QUE NÃO!


Depois de matemática, estudarão biologia e depois a arte da reprodução humana em todos os lugares da casa do campo!!!


Se essa menina se aproximar de novo dos meus amigos vou virar um boi pra sempre. E virar boi pra sempre não é muito bom, porque pode ser que eu pegue a Doença da Vaca Louca e morra no próximo mês – apesar de que acho que essa doença está bastante controlada mundialmente.


20/FEVEREIRO – 14:25h – QUARTA-FEIRA – PROVA DE GEOMETRIA
Mais matemática. Fala sério. Se eu pensar em geometria meu cérebro vai explodir e seus padacinhos serão espalhados por todos os cantos do colégio. Daí, estaremos em um filme de terror e eu não sou muito a fim de filmes de terror.


Semana que vem tenho que roubar a prova da Michelle para conferir que nota ela tirou, porque se ela não tirar ao menos um B menos, ela e o James irão virar salsichas e as venderei clandestinamente na Colômbia.


Ah, espera. Semana que vem o James não mais estará na Inglaterra, de modo que não poderei transformá-lo em salsicha.


Tudo bem, eu penso em outra coisa para ele.


20/FEVEREIRO – 14:58h – QUARTA-FEIRA – AULA DE CÁLCULOS
Odeio essa coisa. Por que matemática existe? Além de me fazer só apanhar nessa matéria na escola, provavelmente ela – a matemática – está me afastando do meu melhor amigo mais do que já estamos afastados, porque agora ele prefere ficar rindo com uma popular fofa, que pensa que aqueles aviões que deixam rastros de gelo seco pelo céu, na verdade soltam fumacinha de cachimbo.


20/FEVEREIRO – 15:24h – QUARTA-FEIRA – DEPOIS DAS AULAS, NA PARADA
Certo. Estou respirando. Isso é muito bom.


Se ele estava super fofo comigo, acho que se arrependeu de brincar comigo. Isso porque James acha que eu sou a maior infantil por estar estressada por conta da Michelle. Deve achar. Porque eu não fui a mais verdadeira com ela e tal. Às vezes, eu também posso ser falsa. Na verdade, é um artifício bem útil. Estou aprendendo a manifestá-la. A falsidade, sabe como é.


Eu saí da aula de cálculos e fui mesmo procurar a Michelle. E adivinha onde ela estava? Junto com o James! Ali na muretinha onde ele sempre está depois das aulas – só que suas mãos seguram revistas científicas, não o livro de geometria, como foi o caso de agora a pouco.


Acho que eles estavam conferindo algumas fórmulas ou sei lá o quê. Michelle não parecia muito feliz, porque mordiscava os lábios, ansiosa e nervosa. Mas o James, acho que, estava tentando consolá-la, visto que uma de suas mãos estava no ombro dele, de forma muito gentil. Gentil até de mais, coisa que eu não gostei nenhum pouquinho.


Ei, ele não pode se apaixonar por uma Barbie de Malibu!


Eles nem fazem parte do mesmo mundo!


O James aprecia a regeneração das células, enquanto a Michelle só pensa em glitter rosa para as unhas.


Será que eu sou a única que vê problema nessa junção de mentes contrárias? Hã?


Bom, daí eu fui de encontro a eles, só para fingir ser simpática – e para saber como a Michelle tinha se saído na prova -, mas nenhum dos dois se importou muito com a minha presença. De modo que eu tive de tossir sugestivamente. E finalmente a Michelle se desgrudou do livro e falou?


- Oi, Lily – pude perceber que sua voz estava meio sufocada, e nem era por causa do frio.


- E aí – fiz um pequeno aceno -, como foi na prova? – não quis derramar a minha expectativa, mas acho que o James notou, porque olhou para mim com uma cara não muito boa.


- Não sei, mas já vimos que acertei duas questões das dez – a Michelle se escorou no braço do James, sorrindo para ele com fofice – Talvez eu ainda possa me recuperar.


- Humm, que ótimo – menti. Morra, morra, morra! Porque essa menina teve que se encantar pelo James? Com tantos outros meninos por aqui, ela teve de escolher justo ele! Inacreditável!


Ela me sorriu, ainda com o glitter da boca cegando meus olhos. Caramba, ela é tão fofa!


- E você? – os dois me perguntaram ao mesmo tempo.


Ai, que porcaria foi essa? Que nhaca!


Olhei para ambos, confusa.


Odeio quando as pessoas ficam falando juntas como se fossem irmãs gêmeas ou líderes de torcida.


- Odeio geometria – declarei.


É óbvio que eles entenderam a minha mensagem: não pergunte mais nada relacionado à matemática.


- Se você quisesse ter pedido a minha ajuda... – o James comentou com uma voz do tipo “tá vendo o que eu disse?”.


- Aham – resmunguei fechando a cara.


Daí ele continuou a explicar uma coisa lá pra Michelle. E eu só conseguia pensar que tudo isso está mais do que errado.


Depois de que ela ficou toda choramingando, dizendo que está mais do que ferrada, finalmente foi embora.


E o James achou que eu estava esquisita demais e começou a me perguntar qual é o meu problema – de novo.


Eu só fiquei olhando para ele com uma cara toda franzida e com os olhos bem pequenininhos.


- Matemática – respondi.


Porque a matemática, todo mundo sabe, é mesmo um dos meus maiores problemas. Claro que agora tenho mais alguns a serem adicionados à lista, como a viagem do James e o fato de que só faltam cinco dias para isso acontecer.


- Ah – mas ele não parecia realmente acreditar em mim.


E foi bem aí que disse que tinha que ir, porque vou passar a tarde estudando história. Só que, ainda bem, ele não lembrou que sou ótima nessa matéria – e se lembrou não se manifestou – e me deixou andar para cá, para a parada.


E vou lhe dizer uma coisa: eu estava bem mais feliz quando o James só estava bravo comigo e não tinha Michelle nenhuma se intrometendo com a sua geometria fracassada.


A fofice dessa menina quase me mata.


20/FEVEREIRO – 16:33h – QUARTA-FEIRA – NO QUARTO
Ainda bem que estou mesmo estudando história, porque tenho uma desculpa bem boa para não ficar sendo chamada lá na sala para coçar os pés da minha avó.


Não faço a mínima idéia do por que estou mesmo estudando, quando eu poderia estar lendo ou vendo as minhas séries favoritas. Mas tanto faz.


21/FEVEREIRO – 08:55h – QUINTA-FEIRA – ANTES DO SINAL BATER
Ah. Ok. Por que eu estaria passando mal? Quero dizer, é só uma festa. Eu gosto de festas. Amanhã tem uma festa. Não que eu ache que irei mesmo pra lá, mas essa festa é completamente diferente.


Bom, é o seguinte: nem que eu conheça o Johnny Depp ou a Hayley Williams irei a essa festa. De jeito nenhum. Não sou nenhuma idiota, sabe.


Eu e as meninas estávamos em frente è estátua de milho, quando a Zora começou a rosnar de uma forma bem negativa a respeito da presença da Michelle ontem lá na nossa mesa de almoço. Queria saber se a “poodlezinha cor de rosa” estará de novo lá.


E daí que eu tive de me juntar à Zora nessa coisa toda. O que ocasionou toda a desconfiada da Alex, que ficou toda:


- Qual é o seu problema?


- Nenhum – olhei para ela como se não tivesse entendido a gravidade de sua voz.


- Eu acho que alguma coisa está acontecendo – a Nichole me disse.


- Ah é? – zombei – E o que seria essa coisa?


- Bem, se você não sabe, não serei eu quem estragará toda a surpresa – ela deu de ombros, toda sabichona.


- Acho que você está ligando demais para a aproximação da Michelle e do meu irmão – o riso invadia a Alex.


Revirei os olhos.


- Eu não estou ligando para ele! – exclamei alto demais.


O que, obviamente, só as fizeram achar que sim, que eu muito ligando para o James.


- Certo – a Alex olhou para as outras meninas -, então você irá aparecer lá em casa no domingo? – quis saber.


- Pra quê? – arregalei um pouco os olhos e a minha voz não estava muito calma.


- É a despedida do James – a Nichole falou.


Meu coração se apertou.


- É, vai ser à noite – completou Zora.


- Por que vocês sabem sobre isso antes de mim?


- Hum – Zora segurou o queixo – Não sei – disse.


- Você vai, não vai? – Alex me perguntou, parecendo preocupada.


- Ah é. Totalmente – repliquei, sendo muito sarcástica.


- Você deveria ir – a voz de Alex estava incisiva e veemente.


Cruzei os braços, irritada.


- Até parece que ele me quer lá – resmunguei.


- Ele disse para convidar todo mundo, e quando perguntei sobre você, apenas disse “tudo bem” – ela me respondeu.


- Tanto faz – me virei para as portas da escola, desejando já ir para a sala, onde eu pudesse me livrar dessas loucas – Ele supera a minha ausência – atirei, antes de me mandar para o gramado, rumo ao meu armário.


- Pode ser – ouvi a Nichole suspirar pesadamente.


Só que quem estava triste era eu. Porque, como é que irei desejar um bom ano ao James, se sei que não sobreviverei sem ele?


21/FEVEREIRO – 09:21h – QUINTA-FEIRA – TERRAÇO
Tá bom. Ultimamente não estou nem aí pra muitas coisas. Terça eu até aceitei ir a um pub com a minha avó. Com a minha avó! Isso que é não ligar pra mim mesma, viu.


E acho que essa coisa de não dar a mínima está também passado para a escola. Não que eu fizesse muito da escola antes de hoje – ou antes de saber sobre a viagem do James, coisa que me arrasou terminantemente -, mas acho que ligava pra essa coisa de chamada e de comparecimento às aulas, visto que as faltas entram na sua caderneta de fim de ano – e as faculdades levam a sério o seu comprometimento com as aulas assistidas no Ensino Médio.


Mas eu tive de matar aula. Acho que, se não estivesse aqui, estaria tendo Literatura Inglesa; e eu não suporto mais Alexander Pope nem Jonathan Swift (que nem deve ter parentesco muito próximo com a Taylor Swift).


Só que os professores de literatura (tanto do Sr. Avezed quanto o Sr. Ali) sabem que não preciso nem mesmo mais respirar perto de suas explicações, porque já passei de ano completamente na matéria deles. Não que algum deles saiba, neste momento, que estou matando aula. Acho que para o Sr. Avezed – que é o responsável pela Literatura Inglesa, aula que estaria ouvindo nesse período, se não estivesse aqui em cima e tudo -, eu somente ainda não acordei. Sorte a minha que ele não me viu antes das nove da manhã.


Bem, estou aqui no terraço, porque acho que estou entrando num lance de ser emo. Não que agora eu me vista daquele jeito que faz a minha avó quase dar à luz a gatinhos, porque o lance é mais sentimental, entende. Estou ficando profundamente dramática e em pânico. Porque, caso você não esteja contando nem nada – mas eu estou -, faltam quatro dias para o melhor amigo do Universo pisar em outro continente e se apaixonar por uma canadense. Isso se aquela minha teoria de que a Michelle irá com ele para Montreal estiver equivocada.


Depois de ter sabido sobre a festa de despedido do James, ao invés de ir direto para meu armário, pegar os livros e seguir com a manhã como todas as outras, simplesmente olhei para os lados já em frente à porta de serviço que dá acesso a aqui em cima e mandei ver. Digo, entrei, subi a escadinha e de repente estava encarando o concreto daqui.


Só que me deparei com alguém já aqui. Fiquei surpresa. Mas não tanto assim, depois que vi quem era.


- Ei, você por aqui? – perguntei, subindo de vez para o chão irregular.


- Esse lugar pertence a mim primeiro – ele me disse, carrancudo.


- Porcaria – falei.


- Não seja por isso – ele se levantou e começou a andar em direção ao alçapão.


- Espere, James, por favor – pedi. Com muita educação. Ele suspirou e parou – Até quando continuaremos a agir assim? Ou até quando ficarem assim, fingindo que não nos conhecemos? – adicionei rapidamente: - Sei que você estava sendo legal comigo, mas não sei se está mais.


Não sei se ele considerou a pergunta.


- Sinceramente, Lily, não sei. Mas você deveria ter pensado antes – James me disse, sem me encarar – E se não estou mais sendo tão legal assim, você já deve saber a resposta.


- Como é que eu iria adivinhar que ficaríamos amigos? – estourei, ainda que com certa calma. E daí quis saber, confusa: - E como é que você sabe que sei a resposta? Aliás, o quê? – explodi.


- Você está certa. Acho que amanhã voltaremos a ser grande amigos. Como sempre foi – ele me respondeu. Porém eu percebi que não era pra valer. Ele usava a sua grande amiga ironia.


- Sério, James. Só não quero que tudo isso acabe desse modo – meu coração ficou pesado. Minha sinceridade nunca esteve tão exposta.


- Não se preocupe. Eu irei embora, daí você pode arranjar outro idiota para fazer amizade – James estava sendo chato.


E essas palavras comprimiram ainda mais meu coração. Ele não pode me deixar! Não pode ir embora!


- Não faça isso, por favor. Não vá para o Canadá – ah, que coisa mais linda. Eu iria começar a chorar.


- Até parece que estou me importando com as suas súplicas. Guarde-as para si mesma, por favor – ele rebateu.


Olhei lá para baixo. Pisquei diversas vezes afugentando minhas lágrimas de meus olhos, que ardiam.


- Pode me ignorar, mas não saia da cidade, por favor. Não vou conseguir viver sem você.


James se virou agora. Não sei se estava surpreso ou se somente estava zombeteiro.


- Teve uma época que também pensei que, se ficasse longe de você, não conseguiria ser eu mesmo, mas, agora, vejo o quanto estava errado. Eu sei muito bem viver sem você. Quem sabe você também possa fazer o mesmo – ele me respondeu.


Apertei os lábios.


- Vá embora, então. Se você não precisa de mim, não serei eu que precisarei de você – falei, morrendo de ódio, agora.


- Ótimo – ele me disse.


Então abriu a porta do alçapão e desapareceu.


Nunca me senti tão solitária em toda a minha vida.


E POR QUE agora ele está agindo tão não fofozamente? O que aconteceu com a desculpa de que ainda me considera uma boa colega?


Ah, já sei. Quem sabe isso tem a ver com uma popular chamada Michelle Davis. Vai ver ele se apaixonou realmente por ela e já não está nem aí pra mim mesmo.


Tudo bem, Sr. James Potter. Eu vou lhe mostrar como sei viver sem um melhor amigo.


Que mentirosa que eu sou. Eu vou MORRER sem ele. Simplesmente vou.


21/FEVEREIRO – 11:47h – QUINTA-FEIRA – AULA DE QUÍMICA
Ah, fala sério. Se química fosse tão importante assim, eu já nasceria sabendo essa porcaria!


Quem é que quer saber sobre reações químicas quando tem de implorar pro seu melhor amigo não deixar o país em que nasceu?


Desculpa, não eu não sou do tipo Cientista.


O meu dom é o da escrita, nada relacionado a misturas fumegantes e explosivas!


21/FEVEREIRO – 12:12h – QUINTA-FEIRA – ALMOÇO
Você não vai acreditar! A Michelle está de novo lá na nossa mesa! Uma hipocrisia só! Nem sei como a Alex e a Nichole a estão suportando, com as suas risadinhas agudas e brilho para tudo que é lado! Certo que a Alex continuou lá porque percebeu que o Remus não está nem aí pra nada – muito menos pra Michelle -, pois só está de olho no livro de exercícios resolvidos sobre estática. E a Nichole está lá, bom, porque ela é do tipo sociável. Então, isso quer dizer que, mesmo que a Michelle seja um pouquinho esquisita e superficial, a Nichole fica lá sorrindo e falando sobre o Shinedown como se tudo mundo estivesse interessado em sua conversa.


Mas eu não consegui ficar lá. Não mesmo. Nem a Zora. E é por isso que estamos aqui na mesa do canto almoçando sozinhas. Ela fica querendo saber se irei à festa da Anne e à festa de despedida do James, quando não fica me interrogando acerca das coisas que deveríamos melhorar aqui dentro. Na escola, sabe como é. Só que eu só resmungo algo do tipo:


- Ahãm. Parece legal.


E ela só me olha irritadiça e continua a tagarelar.


Aparentemente ela não está sabendo que para escrever as pessoas precisam de muita concentração e nem imagina o quanto está me atrapalhando. Mas eu sou boa nessas coisas de concentração. Ainda mais quando estou com a Taylor Swift nos meus ouvidos.


21/FEVEREIRO – 14:15h – QUINTA-FEIRA – PROVA DE HISTÓRIA
Fiquei pensando em uma coisa muito importante e comprometedora.


E se o James resolver prolongar a sua estadia no Canadá? Ele pode querer salvar o mundo de todo o plástico que a humanidade descarta sem nenhum tipo de consciência. Ele já me disse que só morre depois de construir algum protótipo de uma máquina que tritura garrafas plásticas – daquelas de água e de refrigerantes no geral -, porque aí o mundo não teria que se preocupar tanto com a reciclagem e com o lixo. Então, pode ser que durante o tempo do intercâmbio consiga realmente projetar alguma maneira de alcançar seu sonho, e daí, tenha de ficar por lá para sempre, ou até a finalização da máquina e tal.


E agora?


Ou então, ele pode querer se aderir ao Plástico Verde lá do Brasil e fundar alguma empresa que importe esse material para cá, porque, pelo o que fiquei sabendo, esse Plástico Verde – que não é mesmo verde, só leva esse nome porque não é proveniente do petróleo, já que o Brasil tem cana-de-açúcar de sobra por lá – constitui em um processo bem mais saudável ao meio ambiente por ele ter um ciclo menor. Ainda que o produto final seja igual à de um carregado de petróleo e não seja biodegradável, parece que o negócio é bem mais em conta, já que não tem toda aquela coisa de retirar petróleo, craqueá-lo (que é a “quebra” de moléculas orgânicas complexas) nem nada do tipo.


Ai. Meu. Deus.


E se ele for embora e nunca mais voltar MESMO?


Ok. Inspirando. Expirando. Inspirando. Expirando...


21/FEVEREIRO – 14:41h – QUINTA-FEIRA – AULA DE MATEMÁTICA


Oi. Você vai mesmo sentir a minha falta se eu não for à sua festinha de despedida estúpida? -L


Não. Grosseiro demais.


Oi. Seus pais estão sabendo que você está planejando fugir com a Michelle? - L


Não. Esquisito demais.


Oi. Se por acaso você estivesse amando a Michelle, por acaso contaria para mim? -L


Não. Desesperado demais.


Oi. Que tipo de chantagem funcionaria com você e o impediria de ir para o Canadá? - L


Não. Ameaçador demais.


Oi. Se você me odeia tanto assim, porque simplesmente não atira em mim ou enfia uma estaca no meu peito? - L


Não. Furioso demais.


Tá bom. Esqueça o bilhetinho.


21/FEVEREIRO – 15:36h – QUINTA-FEIRA – DEBAIXO DA NOSSA ÁRVORE
Ah, sim. Ele totalmente me convidou. Não considerei que ele fosse fazer isso, porque achei que a Alex fosse comentar com ele que já tinha me convidado, mas não. Ela ainda não contou a ele. Ou contou, e ele acha bem legal me torturar emocionalmente. E, sinceramente, estou mais inclinada a aceitar a opção número dois. A que consiste o lance da tortura, porque, por mais que o James era fofo, agora com a Michelle, não está mais. E caras que deixaram de ser fofos são masoquistas.


Então, eu estava esperando alguma das meninas aparecerem – minha mente totalmente preferiria a Alex, porque sabia que se fosse a Zora ou a Nichole, elas ficariam tentando me convencer de que rola uma química entre mim e o James, coisa que não é verdade -, só que quem apareceu foi o James. E fiquei feliz em constatar que não tinha Michelle alguma a reboque.


- E aí – ele acenou com a cabeça – Teve prova de que hoje?


Se eu dissesse que fiquei surpresa é pouco. Porque, humm, quer que eu lhe lembre, James, o quão estúpido você foi comigo lá no primeiro período, quando nos encontramos no terraço? É, achei que não precisasse.


- História – respondi incomodada.


Por que ele não ia logo para o carro?


O que ele queria, afinal?


- Ah – ele riu e eu não soube por que – Até parece que não receberá um A – eu ergui as sobrancelhas e uni os lábios, meramente concordando.


Não estava a fim de rir. Não rio com garotos que estão prestes a me deixar e que me odeiam por conta de uma coisa bem boba.


- Então, sem geometria hoje? – apelei com a minha voz ferina demais.


- Não. Minha prova foi ontem – ele estalou os dedos. Deixou passar a minha insinuação.


- Hum. Maravilha – mugi sem nenhum ânimo.


- Então... – enquanto um de seus pés arranhavam a grama, seus olhos o acompanhavam – Domingo eu pensei em fazer uma festa de despedida – seus olhos encontraram os meus. Esperei-o terminar – Você está convidada.


“Você está convidada”.


Sei.


Ah sim. Eu irei mesmo. Estou louquinha para chegar à festa e dar de cara com a Michelle no colo dele ou sei lá – que é melhor eu não pensar.


Ah meu Deus. Qual é o meu problema?


Se ele gosta dela por que fico tentando achar desculpas para que não goste?


Afinal, todo mundo é livre para amar quem quiser. Mesmo que seja uma popular de sutiã G e de cabelos louros megahidratados!


- Então, falei a única coisa que achei que poderia responder:


- Aaah, obrigada – simulei um sorriso e um ar alegre demais – Se eu arranjar um tempo, apareço por lá, sim!


Correção: se eu não me matar antes, eu apareço por lá.


Mas é claro que não podia dizer isso alto.


E ele fez uma das coisas que mais gosto nele. Abriu um sorriso mega cegante que até me deixou envergonhada por ter agido tão falsamente.


- Espero que não esteja com raiva muita de mim, porque seria péssimo não me despedir de você, Lily – James me assegurou.


Awn.


Será que ele voltou a ser fofo?


- Ah – exclamei desconcertada e um tanto quanto perplexa – Certo. Tudo bem.


- E, olha, sinto muito por o que eu lhe disse lá no terraço – ele me falou – Geralmente eu fico muito estressado com finais de anos letivos.


Eu agi como se nem soubesse do que ele falava e como se ele nem tivesse me magoado.


- Não esquenta – abanei minha mão – Sei o quanto é difícil. Eu mesma estou surtando geral – afirmei. O que, se a gente pensar, nem é mentira.


Eu estou mesmo surtando. Por muitos motivos.


- É, eu, hum, notei – ele riu baixo – E, sabe como é, se eu não terminar o Ensino Médio bem, provavelmente trancarão a minha matrícula lá em Montreal.


Ai, coitadinho.


É verdade. Sem notas boas, sem escola boa em Montreal.


Esqueci-me disso.


- Uau, que barra – falei de coração.


- É.


Daí, um tempinho depois – nossos olhos ficaram tão um no outro que eu já estava querendo correr para longe dele -. James disse que tinha que ir embora, porque sabia que a Alex já estava a sua espera. O que podia mesmo ser verdade. Quero dizer, era eu que queria correr, não ele. Ao menos, parecia que não.


- Ah, tudo bem. Nos vemos amanhã – sorri, agora bem mais aliviada. Achei que tivesse que colocar fogo nos meus cabelos para ele sair de perto de mim.


Ele respondeu com um sorriso, e então, se afastou de mim, indo em direção ao estacionamento.


Nem acredito que ele não me ofereceu nem uma carona!


21/FEVEREIRO – 17:03h – QUINTA-FEIRA – QUARTO
Ah. Maravilha. Acabei de descobrir que amanhã terei prova de química e de geografia.


Nunca entendi química.


Nunca entendi geografia.


Então... é, irei me dar mal.


Ok. Irei tomar um pote de sorvete de avelã crocante e verei as minhas séries favoritas.


Quem se importa com notas?


Ah, eu deveria me importar.


Mas deixei de me importar no momento em que notei que nada disso me ajuda a bolar algum plano que faça o James me desculpar e cancelar a porcaria do francês.


21/FEVEREIRO – 20:16h – QUINTA-FEIRA – QUARTO
Sério, eu sou a menina mais ridícula do meu bairro. Não, de Bedford. Ou da Inglaterra. Tanta faz. O negócio é que sou muito estúpida.


Não sei o que me fez fazer aquilo. Eu estava me distraindo com o Tony e seus amigos – porque a primeira e a segunda temporadas de Skins são muito mais autênticas e divertidas -, quando me ocorreu uma idéia. E nem era uma idéia esperta ou genuinamente brilhante. Era infantil. Até mesmo para uma romântica adoradora da Disney como eu.


Procurei meu celular entre os montinhos que a coberta deixou na minha cama. Achei-o e disquei o número. Já o sei de cor, não preciso nem mesmo fazer algum esforço para lembrá-lo.


O telefone tocou uma vez. Duas. Três. E na quarta, quando pensei em desistir, aquela voz que sempre faz meu coração dar saltinhos alegres chegou até o meu ouvido. Pensei mesmo que fosse morrer. Morrer de vergonha. Porque aquilo era idiota.


- Alô? – ele disse. Eu não respondi. Meu ar estava todo armazenado em meus pulmões, que doíam por conta disso. Meu coração, já disparado, aumentou assiduamente a velocidade. Achei que meu peito fosse explodir.


- Oi – eu falei minimamente, soltando o ar represado aos poucos pela minha boca aberta.


Automaticamente ele retribuiu:


- Oi.


Mas não disse mais nada! Somente esperou que eu dissesse algo. Como se fosse minha obrigação, já que tinha ligado.


Ficamos em silêncio por alguns segundos. Era tão desconfortável! Eu me senti uma criancinha de cinco anos!


- E então – o James comentou, tentando me instigar.


Só que eu estava mortificada ao cubo.


- Pois é – disse bobamente.


Outro silêncio pressuroso.


1, 2, 3, 4, 5, 6...


Paciência, Lily.


Então eu disse:


- Hum, o meu jantar está queimando, preciso ir.


Foi a coisa mais imbecil que já falei a alguém. Foi a desculpa mais esfarrapada do mundo.


Porque, sabe, era a maior mentira aquilo. Eu nem estava cozinhando nada. E mesmo se tivesse, eu não comeria nada, já que, aparentemente, o meu estômago tem feito grave de fome. E acho mesmo que ele não esteja com fome. O meu estômago, sabe. Ele só fica “Vomite, Lily” sempre que vejo alguma comida pela frente. E tenho a maior absoluta certeza de que isso não é sintoma algum de gravidez, porque todo mundo sabe que é mais fácil a Virgem Maria engravidar pelo Divino Milagre mais uma vez do que eu vir a gerar algum bebê dentro de mim. Acho que deve ser a depressão. Por mim, não ingiro mais as porcaria que a minha avó quer que eu fique toda hora comendo nunca mais. Não comer parece me distanciar de meus problemas. Mas acho que só porque devo estar fraca demais para sequer pensar. Além do mais, mastigar cansa.


O James respondeu:


- Certo. Tudo bem.


E desligou. Assim, na cara dura! Sem nem ouvir mais nada. Desligou na minha cara!


De verdade, porque tenho a mentalidade de uma menina de dez anos? Será que nunca irei me tornar uma mulher digna e responsável e madura?


Qual é o meu problema?



********************************************
N/A: Oi, meus amores! *-*
Eu amei esse cap! Especialmente a parte que a Lily e o James cantam My Hero (não só porque essa canção é uma das minhas preferidas, mas também porque a cena ficou um amor, com os dois tão fofinhos se olhando e tudo *-*). 
Tenho que agradecer aos novos leitores (vanessa ., b.coelho e Cecília Potter.) e novamente à Cecília Potter. por ter feito uma capinha para mim *-* Obrigada mesmo *-*
P.S1: Ah, eu queria lhes pedir que, se puderem, passassem na minha mais nova fic No One LikeYou, para me apoiarem (ou não). Sugiro que leiam o "aviso", por que lá explico como será feito o andamento da mesma. 
P.S2: obrigada pelos comentários, eles sempre me fazem felizes! <3 
P.S3: xadores são aquelas vestimentas que cobrem todo o corpo das mulheres iranianas e muçulmanas, exceto os olhos. 
Have a Nice Day!
;) 



Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.