Capítulo 17



17/FEVEREIRO – 11:14 – DOMINGO – MEU QUARTO
Será que ninguém consegue me deixar em paz? Se eu quiser ficar o dia todo na cama acho que é um direito meu. Não estou ligando se isso incomoda minha mãe ou minha avó. Além do mais, não tenho nada mais legal para fazer. Quem sabe daqui a pouco eu me animo em trocar de roupa e ligo para uma das meninas para combinar algum programa que nos distraia. Tipo, jogar farelos de pão amanhecido aos patos lá no lago perto da ponte, no fim da cidade.

17/FEVEREIRO – 13:39 – DOMINGO – MEU QUARTO
A Nichole acabou de me ligar. Quer saber se estou bem e se não quero dar uma volta.


E também queria outra coisa, que eu já deveria ter imaginado.


Ela disse:


- Precisamos mesmo conversar, Lily. Porque acho que sei qual é o seu problema.


Não preciso dizer que fiquei curiosa.


- Ah, é mesmo? E qual é o meu problema? – eu perguntei.


- Vamos ao Club Sandwich? Lá nós conversamos, pode ser? – ela falou.


Bem, como eu já queria deixar de escutar a minha avó me perguntando se eu não queria fazer compras com ela, achei melhor aceitar o convite de Nick. E ela parecia mesmo ansiosa, como se fosse me revelar o segredo da China ou sei lá. Além do mais, não pode ser muito ruim assim, pode? Ao menos ela não é a Zora, porque se fosse a Zora que estivesse me convidando para ir ao Club Sandwich, eu teria de ficar escutando seu monólogo sobre a presidência por horas e horas. Acho que essa coisa da eleição – principalmente a coisa de ter vencido a Taylor -, destrambelhou eternamente o cérebro já todo doidão dela.


- Tudo bem. Mas você não vai tentar fazer uma intervenção comigo, vai? Porque a minha avó totalmente fica dizendo que vai fazer uma se eu não parar de ler os livros da Meg Cabot – aceitei, mas minha voz estava toda pequena, como se eu estivesse choramingando.


Ela riu e continuou:


- Não, não. Só precisamos conversar. Sobre ele, entende? Sobre o James.


SOBRE ELE? SOBRE O JAMES?


Por que a Nichole quer falar sobre o James? AH MEU DEUS, estou em pânico agora! O que foi que ela descobriu? Será que ele disse alguma coisa sobre mim? Será que ele confessou a ela que nunca irá me perdoar?


- Como assim, Nichole? Nós não precisamos conversar sobre o James! Eu não quero nem mesmo falar o nome dele! – exclamei, teimando.


- É importante, Lily. Você irá querer se bater se não ficar sabendo o que ouvi! – ela insistiu, urgente.


- Mas... – juro que tentei acabar com aquilo, fazendo-a me contar seu segredinho sobre o James ao telefone.


Mas é claro que será muito engraçado me fazer ter uma embolia de ansiedade. Odeio suspense, odeio!


- Falo lá, Lily. É melhor. Sabe que não gosto dessas coisas de telefone – Nichole rapidinho me falou.


Ela tem problemas com telefone, depois que o professor de História Inglesa nos disse que somente devemos falar o essencial em celulares e telefones, porque os meios de comunicação são grampeados pelo governo, sigilosamente. E tudo o que falarmos nessas coisas pode ser usado contra nós se estivermos envolvidos em algum crime. E isso totalmente economiza dinheiro no final do mês, se pensarmos bem.


- Tudo bem, é verdade. Nos vemos daqui a pouco, então – falei e desliguei meu celular.


O QUE A NICHOLE TEM PARA ME CONTAR A RESPEITO DO JAMES?


Vou me trocar rapidinho e me mandar daqui.


17/FEVEREIRO – 16:03– DOMINGO – MEU QUARTO
Basicamente, eu estou surtando. SURTANDO.


Vou tentar escrever tudo direitinho, na ordem certa, para depois surtar mais.


Então, a Nichole já estava lá no bistrô tomando um suco de laranja. Daí, me sentei ao seu lado, pedi um Ice Tea de pêssego e mandei:


- E então? O que você tem a me dizer?


Ela falou:


- Que bom que você veio. Você precisa ouvir o que descobri.


E eu fiquei, tipo:


- Se quer que eu dê detalhes sobre a vez que tive que dormir na mesma cama que o James, pode esquecer.


Porque eu já temia que parte desse encontro fosse para isso realmente. Para ela poder me torturar sobre a cama. Já que Nick achou uma fofura completa essa minha historinha, devia ter me preparado para ficar falando sobre esse incidente.


Mas não. Não era sobre a cama.


- Ai, meu Deus, Lily, não. Tipo, eu achei uma injustiça você não ter me contado sobre isso, porque é uma coisa tão fofa e tudo – ela riu.


- Hum – deixei escapar – Deixa a fofice de lado.


- Certo. Tem razão. Mas ainda acho vocês dois muito fofos. Sabe disso, não sabe? – ela me perguntou.


Sério, qual é o problema das minhas amigas? Elas não têm nada mais para falar além de mim e do James?


- É – falei, evasiva e impaciente.


- Olha, pode ser que você ache muito idiota o que tenho para contar, mas achei que deveria saber. Porque pode ser que um dia você perceba que está mentindo para si mesma.


- Ah, meu Deus, fale logo! Estou morrendo de curiosidade! – tentei apressá-la.


- Sabe a Jamie? – ela me perguntou.


Assenti.


A Jamie? Não íamos falar sobre o JAMES?


- Então... ontem ela foi lá na casa da Alex – ela me informou como se estivesse sentindo dor.


Fiz uma careta descrente.


O QUÊ?


- Como assim? – não entendi – Mas por quê? – eu quis saber naquela voz de idiota.


- Na verdade, ela disse que tinha ido falar com o Sirius – Nick se apressou a dizer, quando viu que meus olhos estavam saltados.


- Com o Sirius? – repeti, incrédula ao cubo.


- Aparentemente, ele está saindo com ela – ela me falou com a sua voz tingida de raiva - Vê se pode! – exclamou ultrajada e continuou: - Ele está nos traindo, isso sim!


- Totalmente! – concordei fervendo por dentro.


MAS ESSE SIRIUS, HEIN!


Já sei que ele não é tão confiável, mas não desse jeito! Que cara mais sacana! Ele saindo com uma megera popular!


PARA MUNDO QUE EU VOU DESCER!


- Só que daí eu a escutei dando em cima do James. E ainda falou da Taylor. Disse que a Taylor nunca irá perdoar você e que, se ela fosse o James, também nunca a perdoaria!


Meu estômago, de repente, quis rejeitar todo o Ice Tea que eu estava ingerindo.


- Como é que é? – ofeguei.


- Ju-ro! – ela sacudiu freneticamente a cabeça, afirmativamente – E ainda virou para mim e para as meninas e disse que somos muito idiotas por ainda andar com você.


Tentei me recompor, respirando lenta e profundamente. Mas tudo o que pensava era: “EU VOU MATAR A JAMIE!”.


Principalmente por ela ser tão vadia e ter envolvido o Sirius! E depois o James. O JAMES! Como ela pôde ser tão cachorra? O James NUNQUINHA olharia para ela! Ele mesmo me disse que não gosta de vadias! A menos que agora, como estamos brigados, ele esteja começando a se interessar por elas. Pelas vadias, digo. Só que duvido muito. Ele me apoiou lá no debate, não apoiou? E ainda pareceu muito satisfeito comigo depois que eu disse um montão para a Taylor lá no refeitório, antes do debate! Se isso não significa que ele não está nem aí para essas populares de peitão, não sei o que significa!


Além do mais, pode até ser que ele aprecie os peitos das populares – como todo cara normal, pelamor -, mas as amar?


Negativo.


Não, não mesmo.


O James nunca se renderia a uma menina que nunca escutou uma canção do Nirvana. Ele me disse que, assim como os Beatles, Nirvana também é cultura. E o que posso dizer? É mesmo verdade.


- Ainda bem que amanhã é segunda, porque não agüentaria esperar mais nenhum dia para estrangular essa Jamie! – exclamei com ferocidade.


- Cara, eu disse que você precisava saber sobre isso. Ela não é uma cachorra? E ainda deu em cima do James! – Nichole parecia chocada pelo fato da Jamie ter tentado seduzir o James.


E, sinceramente, eu também fiquei muito chocada. E irritada. E com uma vontade de arrancar aqueles peitos falsos da Jamie. Porque acho que são mesmo falsos.


- É, nem acredito! Que vadia ao cubo vezes dois! – acho que eu já estava quase berrando de ódio. Estava mesmo muito descontrolada – Mas e o James? O que ele fez? Ou falou para ela? Não me diga que ele aceitou numa boa a sacanagem da Jamie! – olhei furiosa para Nick, como se eu já soubesse de tudo. Só que claro que eu nem imaginava.


- Ah, então. Essa é a notícia boa – ela sorriu toda confiante e orgulhosa – O James foi ma-ra-vi-lho-so - ela silabou, toda deleitosa.


- Por quê? O que foi que ele fez? – cochichei ansiosa.


Nichole não pôde deixar de rir. Então narrou:


- Ele disse: ‘Acho que sei bem em quem confiar, Jamie’, ao que ela ficou toda surpresa e perguntou: ‘Você ainda acredita na Lily?’, e o James respondeu: ‘Acho que isso somente tenha a ver comigo e com a Lily’.


Não sei se comecei a passar mal de felicidade bem ali. Só sei que meu sangue ferveu. E eu nem estava com raiva. Acho que eu estava, sabe como é, agradecida ao James. Ou então achei que ainda deveria sustentar um pouco de esperança. Pode até ser que o James, intimamente, já tenha me perdoado, porém não quer dar o braço a torcer. Ele é tão teimoso! Acho que é por isso que nos damos tão bem. Somos mesmo iguais, exatamente a minha avó já me disse. Além de amarmos música, temos o mesmo gênio – ainda que eu deva ser mais sensível que ele, porque razões óbvias: sou menina, apesar de não parecer muito - e isso é mesmo muito fofo.


De verdade.


Não que isso queira dizer que eu esteja, sabe como é, apaixonada por ele ou algo assim. Pode ser aquela história de frisson. Não sei. Nem sei se o que sinto pelo James tem um nome oficial. Amizade, talvez? Não, talvez não seja apenas amizade. Mas também não deve ser amor. Humm, amizade colorida? Será que isso existe?


- E aí? O que mais ele falou? – acho que eu estava quicando na cadeira de vime. Que ridícula que eu sou. Mereço ser queimada a ferro.


- Ah, mais nada – ela acrescentou, parecendo decepcionada -, porque daí o Sirius os levou para o quarto do James e eu não pude escutar mais nada – a decepção aumentou, mas logo ela sorriu, bem satisfeita: - Mas acho que a Jamie saiu de lá bem aborrecida. E o James estava todo descontente com o Sirius. Acho que ele também não gostou muito de saber que o Sirius está passando para o outro lado, sabe como é – pausa, então ela exclamou furiosa: - Quero dizer, a Jamie! É o fim do mundo!


- Tudo bem, além da Jamie, preciso acabar com o Sirius – eu disse, toda furiosa também, apesar da felicidade.


- Ele total merece! – a Nichole aprovou com um aceno e um tapa na mesa.


- Caramba – sussurrei, acho que mais para mim mesma.


Mas o meu plano de morte à Jamie e ao Sirius terá de ficar para depois. Eu não consigo parar de pensar no quão fofo e defensor foi o James! Ele total me defendeu! E até pode ser que ainda confie em mim, só que deve estar com o orgulho ferido. Ou qualquer coisa assim.


AH MEU DEUS, o James é tão FOFO!


- Mas e aí? Não vai me contar o lance da cama? – a Nichole me perguntou, parecendo acanhada.


- Nick, não tenho nada a falar, de verdade – me desculpei, sincera - Tipo, foi normal, sabe. Tudo bem que ele disse que eu bati nele um montão de vezes, mas é porque eu me mexo demais no sono, entende? – eu ri.


- Ah... mas você não sentiu nada diferente? – ela quis saber.


- Tipo o quê? – franzi a testa, tentando imaginar onde é que ela queria chegar.


- Não sei.


- Hum. O cheiro dele é bom – deixei escapar, sem querer.


A Nichole parou de olhar para mim, aflita, e pareceu comemorar ao abrir aquele sorriso sinistramente largo.


- Como é? – ela me perguntou.


- O quê? O cheiro dele? – eu ri, não acreditando no que ela me perguntava.


- É. Como é?


- Humm. Não sei. Mas é bom. Acho que tem cheiro de shampoo de bebê, sabe? – contei, sentindo-me um tanto envergonhada.


- Camomila?


- Não sei – repeti – É de bebê – dei de ombros.


- Meu Deus – ela disse, olhando-me chocada, acho.


Não entendi aquele Meu Deus.


- O que foi?


- Você está apaixonada por ele, Lily. Está tão claro! – ela colocou uma das mãos em meu ombro.


Afastei seus dedos de mim, aborrecida.


- Não estou não! Isso não quer dizer nada! Não é só porque eu gosto do cheiro dele, que eu o amo – analisei ainda irritada.


- Você é tão cega, Lily! – a Nichole riu, adorando a minha ceguice.


E, devo acrescentar, eu enxergo muito bem, viu?  


Daí, depois de pedirmos dois pedaços de torta de chocolate – e olha que eu tinha comido três pedaços da pizza de ontem antes de sair de casa, mas só porque a minha avó praticamente me obrigou -, fomos dar uma volta ao ar livre, porque o dia está mesmo todo ensolarado, apesar de um pouco frio.


Fomos a uma praça ali perto do bistrô, que continha brinquedos para crianças e barras de alongamento para os corredores. E até tinha um laguinho, com peixes e tartaruguinhas. Ficamos debruçadas nos corrimãos de madeira da ponte que passava pelo pequeno lago, observando a água se balançar e fazer ondinhas, por conta das carpas que davam rabadas na superfície, e por conta das tartarugas que colocavam suas cabecinhas manhosas para fora.


E se eu já estava me sentindo muito surtada – por causa da Jamie – foi possível agora de eu querer enfartar.


Isso porque o James e o Sirius também estavam ali. Não estavam perto do lago, mas estavam lá na pista de corrida. Parecia que tinham acabado de chegar.


E, por algum motivo, achei a Nichole feliz demais. Demais mesmo.


- Ei, olha ali o Sirius e o James – ela apontou. E depois acenou para eles, toda efusiva.


Apertei os olhos para ela. Algo me dizia que aquilo estava muito errado.


Mesmo sob os meus protestos, a Nichole não se desanimou em me arrastar para junto dos meninos. Quando eles nos viram, acenaram. Só que o James não parecia tão jubiloso assim. Parecia que não queria estar ali, para falar a verdade. Como se estivesse ali obrigado.


Franzi a testa, discretamente. Acho que o James percebeu, porque ele fez o mesmo gesto que eu, mas daí sorriu torto e pequeno, como se não quisesse que ninguém, além de mim, percebesse seu sorriso. Olhei para as minúsculas pedrinhas que se atritavam sob o meu All Star xadrez. Acho que me senti desconfortável.


E eu ainda estava magoada com ele. Lembra? Lembra do que ele me disse antes de ontem?


“Só que... não quero que as pessoas fiquem pensando que é verdade que uma manipuladora mentirosa está a fim de mim”


E isso me deixou decepcionada e magoada. Eu nem queria vê-lo. Não conseguia olhar para ele.


E, aparentemente, não posso dizer que ele estava, assim, tão feliz por me ver. Ele também parecia estar como eu: querendo fugir.


- Qual é o seu problema, Nichole? Por que me tirou do meu jogo? – o Sirius saiu falando. Não estava contente.


Então... a Nichole tinha chamado os dois? É isso?


- Nichole, você chamou o Sirius? – indaguei com uma cara de dor, como se alguém tivesse atingido a minha barriga.


- É, vai saber por que – o Sirius me disse, aborrecido.


A Nichole não se abalou ou ficou com cara de coitadinha. Somente nos encarou e disse:


- Ué, é bom sair de casa, oras.


Sirius comprimiu os lábios e crocitou em uma voz amarga:


- Decididamente, eu odeio você.


- Eu também – sussurrei bem perto dela, olhando-a feio.


Ela pousou, divertida, os olhos em James.


- E você? Também me odeia? – ela riu para James.


Ele levantou uma sobrancelha – ele tinha que fazer isso; odeio o James – e me observou enviesado.


- Um pouco. Eu estava ganhando do Sirius no Rock Band – James explicou tranquilamente.


- É, e agora não sei que pontuação tiraria, já que você me obrigou a vir até aqui com o James – o Sirius falou para a Nick com o maxilar muito inflexível.


Uia.


- Hum – comecei, insegura e me recusando a encarar o James mais do que dois segundos -, por que você não nos diz a verdade? – perguntei para Nichole, porque estava muito claro para mim que aquilo era uma baita de uma armação.


E, provavelmente, o objetivo da armação era fazer eu e o James conversarmos ou ficarmos sozinhos.


E, sério, aquilo não estava me deixando à vontade. Eu NÃO queria conversar com ele, muito menos ficar a sós com ele.


Preferiria ser marcada a fogo. Ou ser jogada de um precipício.


- Que verdade, Lily? – ela me devolveu, toda santinha.


- Olha, tanto faz – o Sirius disse ríspido – Vamos para algum lugar que sirva comida. O James não me deixou comer a torta fria que a tia comprou, então estou morrendo de fome aqui – ele passou as mãos pelo estômago, num sinal claro que precisava mesmo comer.


Fiquei impaciente. Eu necessitava urgentemente ir embora. Não iria suportar passar a tarde ao lado de James, independentemente se a Nichole e o Sirius estavam conosco. Não conseguia afastar aquela frase que me fez correr da casa dele, ontem.


Eu não estou nem aí se ele não quer se apaixonar por mim. Eu é que não penso nele desse jeito, então cala a boca aí.


- Tem um bistrô aqui perto. Dá para ir a pé – eu falei, apontando para o Oeste.


- Maravilha. Você salvou o meu dia, Lils – ele me disse, dando-me tapinhas nas costas, gentilmente. Se é que algum dia tapinhas vindo de Sirius possam ser denominados como gentis.


Sorri sem vontade para ele. Aí, voltamos ao Club Sandwich.


Durante todo o percurso, eu só conseguia pensar se talvez eu e James possamos reatar a amizade. Já que ele tinha me defendido da Jamie e já que eu pareci ficar ridiculamente entusiasmada com isso. E até podia ser que o James estivesse todo esquisito ali, porque passou por cima de seu orgulho e não deixou ser atingido por Jamie. Ou pode ser que tenha se arrependido de ter feito tal coisa. Não, não. Não havia arrependimento em seus olhos. Era uma coisa que não consegui explicar.


O James, às vezes, ficava andando ao meu lado, quando o Sirius resolvia dizer que ainda continuava odiando a Nichole por tê-lo feito sair da casa do amigo e estar ali, e sempre ficava, tipo: “E aí?”, ao que eu respondia com a mesma expressão: “E aí?”. Só que nem falamos nada, só ficamos nos olhando e nos comunicando desse jeito ridículo. Mas não foi como antes. Sabe como é, como na época em que ainda éramos super grudados e amigos. Sempre que olhava naqueles olhos verdes e me sentia esquisita, não tinha vontade de rir, como faria se ele ainda me suportasse. Eu só ficava: “E aí?” e desviava o olhar, sentindo-me desconfortável e pressionada – já que não proferíamos nenhuma palavra sequer um do outro.


Finalmente, quando chegamos ao bistrô, sentamo-nos na mesma mesa, pois o local, apesar de estar um belo dia com passarinhos cantando e o Sol brilhando lá no alto, junto com as nuvens cor de algodão, não estava abarrotado. Só havia dois lugares ainda ocupados. Aparentemente, os clientes habituais estavam correndo na praça com seus cachorros ou já tinham almoçado e comido uma bela de uma sobremesa.


O Sirius, assemelhando-se ao Peter – coitadinho, mas é verdade. Do Peter, sabe -, pediu um pãozinho recheado com frutas, um Petit Gateau e uma lata de coca-cola. Por muitos minutos, eu, o James e a Nick ficamos apenas apreciando com cara de nojo o Sirius dando mordidas nas comidas. Era como ver um cachorro comendo ração, sabe. É, nojento, mas também viciante – de um modo muito, muito eca.


- O que foi? – o Sirius quis saber, ainda com pedacinhos de pão mastigados na boca, ao ter a completa noção que estava sendo observado. Pulou um monte de pedacinhos de pão mastigado da boca dele, o que fez eu e a Nick fazer um sonoro “Ewwww”.


- Não dá pra comer mais devagar e com a boca fechada? O que você pensa que é? Uma hiena esfomeada? – a Nichole perguntou a ele, ainda com cara de quem estava se segurando para não sair correndo da frente dele.


O Sirius engoliu o que tinha na boca, rapidamente, para poder retrucar:


- Irei largar você a uma hiena só para vê-la berrar por mim, se não me deixar comer sossegado.


A Nick, claro, não iria deixar barato. Hienas não são legais. Ah, sim, elas são essenciais para o ciclo de caça – tipo, uma zebra em tripas - e do comensalismo (animal que se beneficia dos restos da caça de algum outro animal, sem, no entanto, prejudicar o caçador – enfim, as hienas, quando não estão querendo atacar os leões, porque elas bem fazem isso, de vez em quando) na savana e dão aquelas risadinhas muito engraçadas, mas, sinceramente, alguém as ama de verdade? Por um lado, elas são muito parecidas com um cachorro doméstico, afinal eles são do mesmo reino, do mesmo filo, da mesma classe e da mesma ordem – se não contarmos toda a raquiticidade e as caras de taradas que elas têm.


- Hienas comem carne em putrefação, seu idiota. Vai estudar um pouco mais de biologia – era tudo o que ela tinha a lhe dizer, com a pior das caras.


- Tanto faz. Você é gótica – ele falou.


Instintivamente, mesmo sem pensar, olhei alerta para o James. Acho que ele também pressentia a conseqüência.


Ofender um gótico de gótico não é uma coisa muito inteligente a se fazer. Não que eles não assumam que de fato sejam góticos – porque é só olhar para a Nichole que todo mundo enxerga de qual tribo ela é, apesar de não pertencer a nenhuma homogênea -, mas o negócio é que a maioria das pessoas os julga erroneamente. Porque depois de você conversar uma única vez com a Nichole, você tem certeza que ela não pertence a nenhuma seita religiosa que sacrifica pessoas virgens ou animais plumosos. E você também tem certeza que ela não é adoradora do Satã nem de sangue. Ela, apesar do visual sombrio – geralmente suas roupas são negras ou roxas ou bordô -, é bastante alegre e divertida. Tudo bem que ultimamente ela esteja com a mesma doença que a minha avó – “LilyeJamesnite” -, mas isso não descarta a minha adoração por sua pessoa. E, ei, ela ama o Johnny Depp.


E, se você já percebeu, o Sirius é do tipo de pessoa que pega no pé de qualquer pessoa por qualquer motivo besta. Às vezes até acho que ele odeia mesmo a Nichole, principalmente por ela ser gótica. Só que, sabe, é muito infantil tudo isso. Afinal, como já diz a minha mãe: o que seria do azul se todos gostassem do vermelho? E a maioria dos meninos sempre gosta de loiras e o Jason de apaixonou por mim, que sou ruiva. Então, isso somente prova que toda regra tem uma exceção. E acho mesmo que o Sirius deva de aderir à exceção, de vez em quando. Só para, ao menos, não correr o risco de apanhar da Nichole – que não aparenta ser uma pessoa violenta, mas é claro que tolerância tem limite.


Eu bem vi a cara de boi possuído da Nichole. O Sirius nem viu, porque seus olhos não estavam em Nichole; estavam na lata de coca-cola. Ele parecia não temer muito por sua vida, naquele momento.


Eu pigarreei, só para quebrar o clima. Só que não quebrou.


- E isso quer dizer o quê? Que sou uma carne em putrefação? – a Nichole devolveu, cheia de ódio, possivelmente.


Pigarreei mais uma vez.


O Sirius nem se importou em largar a coca. Bebeu o líquido que restava na lata, limpou a boca e disse, enquanto abocanhava de novo o Petit Gateau:


- Tipo isso. Você é gótica – ele repetiu.


- Ei, Sirius, acabei de lembrar daquela vez em que você acendeu uma folha de papel no banheiro da escola e quase colocou fogo no terceiro andar – o James disse, chutando a canela do Sirius propositalmente.


O Sirius, que nunca deixar de comentar sobre todas as suas aventuras como o maior encrenqueiro do colégio, soltou um ronco histérico. Era uma risada, claro. Ele sempre ri das confusões que arma. Especialmente daquelas em que foi preciso suspendê-lo. Tipo aquela vez que ele brigou, de soco e pontapés, com o Mathew Stuback. Foi no nono ano, acho.


O assunto, claro, despertou o interesse do Sirius e serviu para que ele não falasse mais nada em relação à Nichole. Não que tenha exatamente auxiliado a ira dela, já que continuou a mirá-lo com uma cara de boi raivoso ao cubo. Mas, ainda bem, não quis revanche.


Eu, que não sou assim uma rebelde ou algo assim, fiquei quieta, porque não apreciava o modo como o Sirius ria do incidente. Do quase incêndio à escola, cuja punição foi bem severa, porque a Sra. Rings ficou realmente muito desesperada.


Muito depois – o Sirius até mesmo tinha terminado seu lanche-almoço e se cansado da história do fogo no banheiro masculino do terceiro andar -, o Sirius disse que iria ao banheiro e a Nichole foi apreciar as rosas atrás do pequeno moinho construído ao lado do sobradinho que funciona como instalação aos donos e como bistrô. Ficamos eu e o James ali na mesa. Pensei mesmo em abandoná-lo dizendo que amo flores, mas achei que isso soaria como um corte gigante. Então, apenas permaneci ali ao lado dele, tamborilando na mesa de ripas de madeira alinhadas e chacoalhando em um ritmo disperso o meu pé direito. Meu estômago, que não estava vazio nem nada, parecia borbulhar de nervoso, sabe-se lá por que. Meu coração palpitava rápido, fazendo com que eu tivesse uma pequena sensação de enjôo. Eu me sentia tão esquisita. Aquela era uma sensação esquisita. Como se eu tivesse que quebrar o silêncio. E, até certo ponto, eu certamente queria quebrá-lo, mas não sabia se era capaz de falar ou de pensar em algo remotamente interessante, que fizesse o James parar de pensar em mim como uma manipuladora mentirosa, como ele mesmo se referiu a mim. Eu evitei ao máximo deixar meus olhos perto dele, para que não caísse em tentação espiar que expressão ele carregava no rosto.


Fala alguma coisa, por favor. Fala. Só fala. Qualquer coisa. Pode ser sobre o peixe que acabou de morrer do seu aquário. Por favor, James.


E então, antes mesmo que eu me desse conta dos minutos que se arrastavam, a Nichole voltou. Não pude deixar de sorrir aflita, agradecendo. Não que ela tenha entendido algo, já que não demonstrou compreensão alguma.


- Eles estão deixando as rosas morrerem lá fora. Elas são tão delicadas; não deveriam deixá-las queimar no frio – era o que ela tinha a dizer sobre o que tinha visto.


Eu nem James dissemos qualquer frase. Acho que igualmente não temos adoração por rosas. Tipo assim, claro que gosto delas, como toda garota romântica, mas não sei nada sobre elas. Só é legal ganhá-las e deixá-las num vaso. Agora, se me perguntarem que época do ano é a ideal para plantá-las, com certeza as matarei em um só dia. 


Então, o silêncio mais uma vez se instalou na mesa. A Nichole ficou brincando com a bolinha de papel que fizera de guardanapo e se esqueceu completamente de nós. Eu, no entanto, não tinha me esquecido do James, também porque estava sentado bem ao meu lado, com o seu joelho esquerdo quase se encostando ao meu direito. James pareceu sustentar o mesmo ar de “E aí?” de antes. Acho não se incomodava nem um pouco. 


Daí, afinal, o Sirius apareceu. Pagou a conta e nos chamou.


- Certo, eu vou para casa. Chega desse passeiozinho babaca – foi a primeira coisa que nos disse, assim que saiu do balcão e se despediu da senhora do caixa.


O Sirius estava mesmo cheio daquilo. Acho que alguém não curtiu o sono muito bem.


- Nós nem passeamos direito! – exclamou a Nichole.


- Ah, tanto faz. Eu preciso fazer umas coisas, ir atrás de umas meninas... – ele se revoltou.


E isso me lembrou uma coisa. A parte de ir atrás de umas meninas, quer dizer. Lembrou-me especialmente de uma menina.


- Ah. Da Jamie? – inquiri meio displicente, meio séria demais.


O Sirius olhou para mim. Já estávamos voltando para a praça. Provavelmente o carro de James estava estacionado lá perto. E James ainda continuava ao meu lado, como se estivesse tudo bem. Talvez estivesse mesmo, então. Podia ser que ele só não quisesse falar. Às vezes também ajo assim. Entendo perfeitamente. Ainda que estivesse me irritando e me deixando com aquela sensação esquisita.


- Dela também – o Sirius riu.


A Nichole trocou um olhar rápido comigo. O James viu, mas fingiu que não.


- Não acredito que você está saindo com ela, Sirius! – a Nichole, de repente, antes mesmo de eu pensar em algo para retrucar, explodiu.


O Sirius achou a reação dela muito interessante.


- Hum, pelo o que sei, estamos em um país livre e isso quer dizer que posso sair com quem quiser – ele respondeu, falsificando um tom de voz muito indignado e sério.


- Mas tinha que ser com ela? – a Nichole parecia muito frustrada. Como se tivesse acabado de descobrir que o Tim Burton encerrou a sua carreira de diretor. E, se quer saber, eu também ficaria frustrada com isso.


- Por que isso interessa tanto a você? – ele quis saber.


- Nós não nos relacionamos com as populares – ela explicou, como se fosse a explanação mais simples e compreensível do mundo.


- Vocês não. Eu sim – ele falou, deixando a Nick com cara de indignada, daí remendou: - O quê? Todo mundo sabe que eu gosto das populares! Elas são bem úteis n...


- Sirius, sem maiores explicações – o James o cortou, parecendo chateado.


- Ah, credo. Qual é o problema de vocês? – o Sirius nos perguntou com cara de nojo mortal.


- Você não devia andar com a Jamie! Ela totalmente odeia a Lily! – a Nichole falou.


- E daí? Isso não impede que eu queira sair com ela – ele deu de ombros -  Além do mais, será preciso mais umas mil Jamies para fazer com que eu deixe de gostar da Lily – ele olhou todo maroto para mim.


Awnn. Às vezes o Sirius sabe mostrar que tem sentimentos!


Daí, a Nichole ficou com um bico e-nor-me e paramos de falar sobre as-meninas-que-o-Sirius-pega.


Como eu já tinha imaginado, o James tinha mesmo usado o carro que divide com a irmã para chegar até lá.


O Sirius pediu que ele o largasse no bar High Flyer, porque tinha marcado de se encontrar com uma menina, que não era a Jamie. Então, a Nichole, aproveitando a deixa, também perguntou se podia deixá-la em casa. Daí o James disse que podia levar todo mundo para seus prezados destinos. E eu comecei a me desesperar. Isso porque eu seria a última a sair do carro. O High Flyer é depois da estação, de modo que seria a primeira parada do James, e a casa da Nichole é atrás do sebo Daff’s, bem antes da minha. Então, logicamente, eu ficaria sozinha com o James, naquele carro, por uns vinte minutos! E era a última coisa que desejava! Já tinha sido bem ruim ficar naquela mesa por dois minutos em silêncio completos, não suportaria mais aquilo!


Só que não protestei. Só gemi baixinho, amaldiçoando a Nichole. Porque eu tinha perguntando, logo após de ela dizer onde se situa sua casa ao James:


- Não quer ir para a minha casa? Podíamos ficar assistindo a um filme.


Só que ela respondeu:


- Não posso. Prometi à minha mãe que sairia com a Tammy.


A Tammy é a irmã mais nova da Nick, que tem treze anos.


Eu só fiz:


- Ah.


Então, nos enfiamos no carro do James.


Até o momento em que a Nichole se despediu de nós, agradeceu ao James mais uma vez pela carona e nos deixou só, eu até estava me sentindo bem. Se não contarmos o constante enjôo e a respiração rasa.


Então, quando o silêncio definitivamente era sentido ali dentro, a sensação estranha voltou. Minhas mãos suavam e meu coração parecia disparado. E eu estava muito inquieta. Tentava, inutilmente, raciocinar sobre assuntos que podíamos conversar, só que nada saía. Parecia que meu cérebro estava nebuloso, ou até mesmo vazio.


Quando chegamos à avenida – e depois dela só dá uns dez minutos até a minha casa -, o silêncio se dissipou:


- A apresentação é depois de amanhã, hein – o James comentou, mas não como se estivesse me lembrando sobre a manhã super cultural de boas-vindas à Reitora Flor, só como se dissesse: “Está perto, não está?” - Estava pensando nisso ontem, depois que você foi embora lá de casa.


Parecia que tinha um paralelepípedo preso na minha garganta.


- Hum – falei, respirando muito rápido agora -, é mesmo.


- Está nervosa? – ele quis saber, olhando para mim rapidamente.


Continuei observando o pára-brisa.


- Talvez – admiti.


Rolou outra pausa, mas pequena desta vez.


- Olha – ele começou, em um tom diferente -, sei que essa coisa entre nós atrapalhou totalmente os nossos ensaios.


Eu não disse nada por alguns instantes.


“Coisa”. Ele tinha acabado de chamar o ódio que sente por mim de “coisa”!


- É – falei.


- Você está ensaiando sozinha? – ele me perguntou, acho que até mesmo numa voz bem gentil.


Eu? Ensaiando?


Corei, sentindo-me culpada.


- Hum, não – puxei a minha mão do banco, porque ela estava perto demais da de James, que estava no câmbio.


- Ah – ele fez, acho que insatisfeito.


Então, mergulhamos mais uma vez em silêncio.


Percebi que não adiantava eu me pressionar a falar algo. Parecia que o James não se incomodava comigo ali calada. Daí, desisti de pensar, e somente fiquei olhando para as pessoas nas calçadas.


Não demorou muito para ele estacionar na frente de casa.


Graças a Deus.


- A gente se vê amanhã – ele me disse.


Meu coração, que tinha razoavelmente se aquietado, deu um pulo, como se eu tivesse acabado de tropeçar no escuro.


- Ah – fiz um esforço e umedeci a minha garganta, que tinha ficado completamente seca – Certo. Tchau.


- Bom final de tarde – ele me disse todo cordial.


E foi aí que vi. Bem quando meu instinto falou mais alto e eu o olhei pela primeira vez ali dentro do carro. Ele sorria. Não um mega sorriso, que mostrasse os dentes. Era um sorriso de canto de boca, quase imperceptível. Nem sei como eu o detectei em seus lábios, de tão pequeno que sorria.


E tudo se intensificou. Achei que fosse vomitar de tão enjoada ou que fosse ter um ataque cardíaco de tanto que sentia meu coração martelando.


Sorri rápido, sem mostrar os dentes, assim como ele,  e saí num átimo dali. Quase tropecei em meus próprios pés enquanto tentava entrar em casa o mais ligeiro possível. Fechei a porta do hall e fiquei segurando o meu peito, escorada na parede ao lado do aquário.


Graças a Deus, ninguém estava ali embaixo. Num embalo, subi as escadas e me tranquei aqui.


Que sensação é essa que não me larga? Será que preciso do House? Alguém pode chamá-lo, por favor? Diga que é urgente e que eu sou muito fã dele. E da série dele. E que ele deveria parar de ser arrogante e começar a tratar as pessoas com maior gentileza.


17/FEVEREIRO – 16:35– DOMINGO – MEU QUARTO
É claro que ela tinha que me pegar. Ela sempre me pega. Parece ser aquela história do boomerang que sempre volta.


Minha avó estava fumando no sótão improvisado de quarto de hóspedes. Eu fui lá, porque tenho um problema sério com o cheiro que essas coisas exalam.


- Oi, será que dá para não fumar dentro de casa? A minha mãe já disse milhões de vezes para você parar de fazer isso! – exclamei séria, parando em frente à porta do sótão, que estava completamente aberta.


Ela estava escorada no parapeito da janela, que igualmente estava escancarada, tal como a porta. Uma brisa fresca serpenteava o local, dispersando ainda mais a fumaça azul do cigarro. Virou-se para mim, determinada:


- Tem certeza de que está brigada com o James?


Mesmo que eu sempre saiba que D. Julia citará o James alguma hora em nossas conversas, não posso dizer fiquei um tanto espantada. Ainda desconcertada, confirmei:


- Sim.


- Na minha época, ex-amigos não saíam juntos. E ele nem nunca traria você até em casa – iiih, ela ama esses papos de “na minha época...”; é um saco. Porque, caia na real, quando ela tinha a minha idade estava na década de cinqüenta e estava prestes a se formar em Sally Mont, o internato só de meninas que meu bisavô escolheu para ela passar toda a pré-adolescência e a adolescência. E digamos que lá em Sally Mont era proibido as estudantes namorarem ou saírem dos perímetros das dependências do colégio para fins não-acadêmicos. De modo que isso só prova o quanto a minha avó é traumatizada. Tipo, quem é que sobrevive sem arranjar um amigo menino? Meninas são ótimas amigas, não nego, mas uma hora elas podem querer passar a perna em você por inveja, principalmente. Já um amigo menino não tem por que ter inveja, certo? Sem contar que eles amam andar com um monte de meninas.


- Encontramo-nos sem querer. E ele ofereceu carona a todos. A mim, ao Sirius e à Nichole – expliquei.


- Aaah sei – pausa para ela tragar um pouco mais – Então, conversou com ele?


Rolando meus olhos, já totalmente cheia do assunto, falei:


- Não. E nem conversarei – então olhei para seu cigarro e repeti: - Dá para apagar essa coisa? – apontei para o que ela tinha na mão direita.


- Tanto faz. Morrerei logo, logo mesmo – ela deu de ombros e não fez nada com o cigarro.


Rosnei para ela, irritadíssima, e, num repelão, marchei de volta para cá.


Sinceramente, não sei o que faço com essa mulher. É crueldade demais comigo mantê-la sob o mesmo teto que eu. Acho que daqui a pouco precisaremos da carrocinha ou da tropa de choque.


18/FEVEREIRO – 13:16h – SEGUNDA-FEIRA – AULA DE FÍSICA
Se antes eu já achava que minha vida estava por um fio, eu estava muito enganada. Enganada ao cubo! Enganada ao cubo vezes dois! Porque agora a minha vida definitivamente chegou ao fim. Simplesmente lindo, não é? E dessa vez a culpa nem é minha! Porque é claro que todas as outras vezes que achei que minha vida estava sendo contada em segundos, que nem quando aparece aquele relógio em 24 Horas, no final de cada episódio da série, a culpa clara e inquestionavelmente foi minha. A ruptura da amizade de anos que mantinha com a Taylor? Culpada. A Zora ter ganhado a presidência? Aqui, estou aqui: culpada eternamente. O James ter raiva de mim por, no passado, eu já o ter julgado errado? Olha eu aqui!


Mas e isso? Não, isso não foi minha culpa. Eu mal sei falar francês, ok? Acho mesmo que eu viraria mendiga se a minha vida dependesse do francês. Eu não sei nem falar “Oi, quanto custa o pãozinho?” ou “Quer me dar um dinheiro, por favor? Juro que não sou ladra, mas preciso mesmo voltar para a minha cidade!”. Tá vendo? Eu totalmente morreria se tivesse que morar em algum país que fale essa língua. Tipo a França (dã), o Canadá ou a Costa do Marfim. E, tudo bom, até parece que algum dia eu vá me enfiar na Costa do Marfim. A menos que eu fosse uma jornalista super requisitada, e a minha equipe me mandasse para lá para relatar como a economia proveniente do cacau é muito importante para eles.


Ainda assim, no que o francês nos é útil? É bem útil para o Johnny Depp porque ele mora na França e é casado com aquela cantora francesa, a Vanessa Paradis – que, sinceramente, não é tão boa quanto a Carla Bruni. Mas e eu? Por acaso me casarei com algum francês? Eu nem sei que cara esses franceses tem! Além do mais, são frescos demais para mim! Eles comem Escargot lá! Fala sério! Eu morreria se visse um bicho desses no meu prato!


E outra coisa: POR QUÊ?


QUAL É O PROBLEMA DESSA CARA?


Tudo bem, vocês não estão entendendo nada. Confiem em mim: nem eu estou, meus amores. Mas explicarei. Escreverei, quero dizer. Apesar de ser um pouco difícil me lembrar das nossas palavras exatas, já que eu fiquei muito chocada.


Sei que eu e a Alex estávamos na biblioteca. Ela tinha ido lá renovar a data do livro do Paulo Coelho. Não sei por que alguém lê Paulo Coelho, sei que ele é um escritor brasileiro muito famoso – e parece ser muito respeitado fora de seu país natal -, mas eu juro que já tentei ler aquele livro dele, O Alquimista, e não deu muito certo. Não rolou um apego, sabe.


Ela estava conversando com o Max, o substituto da Sunny. Como o Max tem a nossa idade é muito fácil conversar com ele. E parece mesmo que ele tem um grande fascínio pelo Paulo Coelho. Ele e Alex estavam conversando sobre isso. Sobre o Paulo Coelho.


Eu só a tinha acompanhado porque ela me disse que seria rapidinho, só que não foi tão rapidinho assim. A Alex ficava parando das estantes para ver se já tinham recolocado aquela leva de livros do Saramago. E confesso que já li A Viagem do Elefante. Devo dizer que Saramago é bem mais suportável do que Paulo Coelho. Mas enfim. Daí ela quis saber por que o James não parava de dizer, ontem, que ela deveria ligar para mim para saber se eu estava ensaiando. Sabe, no violão e na guitarra.


Eu só fiquei:


- O quê?


Porque, como é que é? Se o James queria saber sobre a apresentação por que não me ligou? Eu não teria desligado na cara dele, sabe como é. Certo, provavelmente eu quereria desligar na cara dele, mas não faria isso de fato. Porque eu sei ser minimamente educada. Além do mais, se eu escutasse sua voz ao telefone, minhas sinapses enlouqueceriam. Elas estão enlouquecendo muito ultimamente quando estou perto do James o bastante. Quase me mataram ontem lá na mesa do bistrô. E certamente quase me mataram quando eu fiquei sozinha com ele em seu carro. Então, quem sabe o que aconteceria comigo se atendesse o telefone e ouvisse o “alô” dele? Não que eu estivesse, sabe como é, ansiando a ligação dele. Mas não seria nada mal se ele quisesse mesmo saber sobre o violão e a guitarra.


- É, aparentemente ele queria falar com você, mas não queria ligar para você – a Alex me disse, achando o irmão o maior idiota do mundo.


- Qual é o problema dele? Podia ter ligado, oras – dei de ombros.


Ela suspirou ao chegar ao final da prateleira e ao constar que os livros do Saramago não estavam ainda ali.


- Eu sei. Só que ele é doente – ela falou.


Achei graça.


- Doente? – repeti.


- É. Por você, quero dizer – graças a Deus, ela não olhava para mim, porque senão teria visto o meu rosto brilhar por conta do rubor – Ele quer desculpar você, mas simplesmente não consegue, porque... – ela pensou um pouco – Ah! Sei lá por que!


- Ele não é doente por mim! – neguei, balançando veemente a cabeça, com as minhas bochechas ainda em brasa. Mas daí fiz uma cara toda feliz: - Ele quer me desculpar? De verdade? – acho que só faltava em dar pulinhos. Que patética que eu sou.


- É. Mas acho que não importa mais.


Franzi a testa.


- Por que não? – eu quis saber, curiosa.


- Por que ele irá para o Canadá – ele me respondeu simplesmente.


Eu ainda não tinha comido nada, sabe. A não ser, claro, o meu cereal com leite costumeiro. Mas ainda não tinha ido ao refeitório almoçar nem nada. De modo que, apesar do cereal com leite, meu estômago estava bem vazio. E, mesmo assim, senti um furacão dentro dele. Como se tivesse ingerido comida demais e estivesse completamente enjoada por conta disso.


- Ha, por que ele iria para o Canadá? – eu perguntei, como se ele estivesse disposto mergulhar no Mar Morto sem roupas.


- Ele ganhou uma bolsa para estudar francês lá. Aparentemente, eu deveria ter vergonha em ter um irmão tão burro, já que ele nem cogitou ir para a França, que tem como língua-mãe o francês. Na verdade, eu realmente acho que ele quer ir para lá para ficar mais perto dos Estados Unidos, para ter uma chance maior de perseguir a Gwen Stefani – Alex me disse.


- Ele vai para o Canadá? – opa, aquilo não parecia uma das mentiras que a minha avó me conta sempre que quer se livrar de mim.


- Sim. Ele não contou a você? – ela me perguntou.


- Não – admiti – Você sabe que mal estamos nos falando.


Ela retornou, encarando-me com deboche.


- Mas vocês se encontraram ontem à tarde, pelo o que sei.


- Como sabe disso?


- Dã. A Nichole – ela me disse, com toda a obviedade. Dã. Claro. Essa Nichole está me saindo uma bela de uma pomba. Daquelas que levavam correspondências. Só que a Nichole leva informações de uma pessoa à outra, e não cartas – E o James comentou depois.


- Humm – fiz, sentindo-me mal. Meu estômago estava todo revirado e aquela sensação voltou. E o James nem estava ali! Bem, não que eu soubesse, porque não o estava enxergando.


- Ele irá ficar quanto tempo lá? Quero dizer... as férias inteiras, tipo assim? – eu quis saber.


Ela me olhou como se eu não tivesse escutado uma só palavra da nossa conversa.


- Não, Lily – ela negou, balançando os cabelos e falando naquela voz de consolo – Ele ganhou uma bolsa para estudar lá. Ele vai fazer intercâmbio – sua voz estava toda concentrada, como se fosse de máxima importância eu entender tudinho - Ele foi aceito em McGill University. Fica em Montreal. Parece um lugar bem legal e tudo.


Não sei quando foi. Só sei que meus olhos estavam úmidos. Sério.


- Mas... Assim, do nada? Ele não vai para a faculdade? – eu estava toda gaguejante. Porcaria.


- Não, mamãe e papai concordaram em deixá-lo ir numa boa.


Alex parecia assustada. Acho que viu meus olhos.


- Lily? Está tudo bem? – ela cochichou.


Sabe quando estamos super nervosos esperando o professor chamar nosso nome para irmos pegar a prova decisiva do ano de matemática? Eu estava exatamente desse jeito na frente da Alex. Só que pior. Porque estava sentindo aquela sensação esquisita, meus olhos estavam molhados e minha respiração estava muito rasa.


Não, eu nem estava quase morrendo ali.


- Sim – resmunguei – Já terminou? – perguntei e ela fez que sim com a cabeça, ainda preocupada – Ah, ótimo, vamos sair daqui. Preciso comer alguma coisa – peguei seu pulso e a arrastei para fora da biblioteca.


Meu coração estava sendo dilacerado com muito cuidado e em muitos pedacinhos. Nem sei se ele, de fato, estava batendo. Estava?


Bem, daí fomos para o refeitório. Claro que todo mundo já estava lá. A Nichole acenou para mim quando me viu, mas eu não me lembro se retribuí, porque meus olhos procuraram automaticamente o James, que já estava comendo o macarrão com tomate. Ele não olhou para mim, porque estava ocupado demais enfiando macarrão na boca e tudo. Mas o meu coração se apertou ainda mais quando o viu. Tipo assim, nunca mais o verei comendo macarrão! Nunca mais o sentirei ao meu lado durante os almoços! Nunca mais passarei aula nenhuma conversando com ele por bilhetinhos!


Então, como irei sobreviver?


Eu queria chegar nele, bem ali na frente de todo mundo, e perguntar o que ele tinha na cabeça ao aceitar fazer um intercâmbio para o Canadá. Mas achei que seria ridículo e exagerado demais. Até para mim. Então, fui me servir – sei lá o que coloquei em meu prato, só ia pegando – junto com a Alex.


Quando sentei ao seu lado – é, acho que para alguém que me chama de mentirosa manipuladora, ele ainda aceita muito bem sentar-se ao meu lado durante as refeições -, só conseguia pensar: “Qual é o seu problema, James?”. Só que não proferi palavra alguma. Durante o almoço inteiro. Não que ele tenha tentado conversar alguma vez comigo. Não. Somente ficou lá comendo e rindo do Sirius. Como se eu nem estivesse ali. Como se eu fosse um micróbio invisível que não o incomodava.


A Nichole ficava olhando para mim, tipo “O que você tem?”, só que eu abaixava meus olhos e tentava não me lembrar do Canadá para que ela nem James nem ninguém dali conseguisse ver minhas lágrimas pequenas que inundariam meus olhos.


Claro que a Nichole correu atrás de mim depois que o sinal tocou. Ela parecia preocupada. Quis saber:


- Você não está chateada comigo porque chamei o Sirius e o James ontem lá na praça, está?


Eu arregalei meus olhos.


Estávamos no banheiro. Estava lotado demais, mas sabia que ninguém ali ligava para a nossa conversa.


- Não! – exclamei e daí eu quis chorar, porque ela tinha dito o nome do James.


Acho que ela viu a minha cara de choro, porque colocou uma mão em meu ombro, assustada.


- Ah, caramba. O que aconteceu? O que foi que fiz? – ela quis saber naquela cara de Bambi dela.


- O James! – respondi, tombando a minha testa em seu ombro.


Como todo mundo é bem mais alto que eu, ao menos posso me escorar nos ombros alheios. E também isso serviu para encobertar minhas súbitas lágrimas.


- O que tem ele?


Tinha algo em sua voz. Não sei o que era, mas na hora não me importei; estava ocupada demais escondendo o meu choro daquelas meninas fúteis que tinham entrado ali para retocar a maquiagem ou sei lá.


- Ele vai para o Canadá! – exclamei.


- O quê? Como é que você sabe?


- A Alex me disse! Ele foi aceito em uma escola lá que tem um programa de intercâmbio – foi tudo o que consegui dizer em meio às lágrimas.


- Mas... – ela tinha perdido a fala.


- Eu sei. Como é que ele pôde? – chorei mais ainda.


- Lily...


- Quero dizer, ele nem avisou a ninguém! Sei lá quanto tempo ele ficará lá! – continuei.


- Lily! – ela chamou.


- O quê? – levantei meus olhos.


E daí vi que o banheiro quase silenciara. Todas prestavam atenção em mim. Algumas cochichavam; outras me encaravam com cara de assombro.


É, meninas, eu sei. A Lily Evans chorando no banheiro? Só que eu precisava, tá legal? Não podia chorar na frente dele, podia? Quero dizer, seria péssimo!


- Humm – pensei rápido em respondi qualquer coisa -, o gato da minha avó morreu. Eu o adorava, sabe – inventei, toda lacrimejante.


Daí elas fizeram um “aaah” e depois algumas disseram:


- Sinto muito pelo gatinho. Eu adoro gatos. Sei como é.


E também:


- Quem sabe você compra outro gato. Foi assim que consegui parar de chorar quando o meu cachorro morreu.


Eu só ficava:


- Obrigada.


Foi muito ridículo, mas funcionou. Não achei que a metade delas fosse se amolecer por conta de um gato morto inventado.


Pobre Flame. Espero que ele esteja bem. De verdade. Sei que nunca gostei muito dele, mas não o quero morto.


Daí, quando todas viram que estavam atrasadas para as aulas, finalmente parei de agradecer pelos consolos e conselhos pelo falso gatinho morto e eu e Nichole ficamos a sós. E eu recomecei a chorar ainda mais.


A Nichole ficava dando tapinhas gentis na minha cabeça.


- Ele não pode ir embora! – era a décima vez, acho, que eu falava isso.


- Eu sei. É muita idiotice. Ele nem pensou em você!


- Por que pensaria? Ele me odeia!


- Não odeia!


- Odeia, sim. Apesar de ter sido bem educado ontem e tudo.


- Ele sempre é educado – ela observou.


- É – concordei.


- Por que você não vai falar com ele? Quem sabe ele possa se explicar melhor.


- Não! E se eu começar a chorar na frente dele? – perguntei e logo emendei: - Tipo, como uma amiga que não quer sentir falta dele, claro.


- Ahãm – ela riu – Mas que se dane! Ele tem que saber que está magoando você!


- Me magoando? – ecoei.


- Não está? Digo... você está chorando, Lily. Se não está magoada por que está chorando?


Só que eu não sabia a resposta.


- N-não sei! Só sei que ele não pode fazer isso comigo! – gaguejei.


- É, não pode mesmo – Nichole concordou.


E então a Sra. Eu-Tenho-Um-Apito-e-Não-Tenho-Medo-de-Usá-lo chegou ali no banheiro. Ficou passada ao nos ver ali, fora das salas de aula.


- Mas o que pensam que estão fazendo, mocinhas?


Eu ainda não tinha conseguido limpar todas as minhas lágrimas, mas já tinha cessado o choro, porque a escola estava silenciosa e não queria que os professores ouvissem ecoando um choro de uma menina de dezoito anos no banheiro.


- Nós só... – a Nichole respirou nervosamente.


- Ela só estava me ajudando. Eu não estou me sentindo muito bem – falei. Não que a Sra Klin se comova com historinhas de doença. Ela só fica nos encarando com aquela cara de inspetora do mal até que nós saiamos correndo.


- Então deveria ter ido até a enfermaria! – a Sra. Kiln me disse, fingindo não notar meus olhos encharcados e vermelhos.


- Sim, senhora... – concordei.


- O que estão esperando? Uma detenção? Vão já para suas respectivas aulas! – ela estava quase gritando conosco.


E aí tivemos que correr para nossas aulas. Sei que meus olhos ainda estão bem vermelhos, mas me livrei das lágrimas ao menos.


E agradeço por não ter esse período com o James. Quereria morrer de vergonha se eu entrasse aqui e ele me visse no estado deplorável que estou.


Agora, será que acontecerá mais alguma coisa que me faça querer chorar ainda mais? Espero que não, porque acho que a minha cota de lágrimas já foi esvaziada por hoje.


18/FEVEREIRO – 14:07h – SEGUNDA-FEIRA – AULA DE FÍSICA
Ah, que maravilha. Mais um período estressante de física. Como se eu precisasse saber calcular essas coisas. Oi, jornalistas só precisam saber escrever bem. Não é preciso saber contas. E o que eu diria de matemática? Até parece que me importo com essa matéria. Deve ser bem importante se você quer se engenheiro, como o James –aimeuDeuscalaabocaLily -, ou arquiteto, mas é importante para mim? Com certeza nem um pouquinho. Que perda de tempo isso, sinceramente. Por que não poderíamos ter, sei lá, aula de Introdução à Escrita Criativa, como tal como a Mia Thermopolis? Seria bem mais útil para mim. E eu ficaria, pela primeira vez na vida, agradecida por precisar passar meio período dentro desse inferno escolar. Só que nem posso tirar sorrateiramente da mochila Ponto de Impacto, do Dan Brown, para ver se o tempo passa mais rápido, porque o Sr. Ellis está fazendo revisão para a prova da semana que vem. Ainda bem que as provas de física só acontecerão semana que vem, já que nenhum dos professores responsáveis por esta meatéria conseguiu terminar seus conteúdos a tempo. Não suportaria se tivesse que ter estudado tudo isso esse fim de semana. Mas tanto faz. Já nem estudei biologia – e amanhã tem prova -, até parece que estudaria o resto das matérias do livro de exatas – matemática, física e química. E por sinal, devo ter zerado a prova de álgebra, no terceiro tempo. Tomara que Deus me dê muita luz depois de amanhã, na de geometria e na de cálculos.


Mas enfim. Vamos parar de falar em provas. Odeio isso.


O negócio é que o James não pode fazer isso comigo! Tipo assim, viajar para outro CONTINENTE!! Se fosse para outra cidade aqui da Inglaterra, tudo bem, até pode ser que eu pudesse fingir que estava passeado e do nada o encontrei pelas ruas. Mas que desculpa terei se resolver ir atrás dele lá em Montreal? Aliás, até parece que tenho dinheiro para pagar uma passagem de avião até o Canadá! Mal tenho dinheiro para comprar meus livros favoritos a cada semana! Imagine dinheiro suficiente bancar uma viagem de avião! A menos que minhas amigas me ajudem a pagar, que nem aconteceu com a Paige Morgan quando ela foi atrás do príncipe da Dinamarca, em Um Príncipe em Minha Vida. Mas duvido que todas juntas tenhamos o dinheiro necessário. Bom, apesar de que os Potter são bem mais afortunados do que eu ou a Zora. E acho que a Nichole não deve ser tão bem abastecida assim. De dinheiro, sabe como é.


Bom, não importa. Mesmo se eu conseguir pagar a passagem e chegar lá em Montreal, o que diria para ele?


“Vim passar as férias de verão aqui”?


Ele nunca acreditaria. Se bem que... se eu citasse a minha avó, seria bem capaz de ele cair na minha, já que D. Julia realmente tem dinheiro para viajar o mundo, se quiser – mas claro que ela prefere gastar sua preciosa fortuna em maquiagem definitiva e plásticas e tratamento de beleza para ela e seu gato fedorento. Mas mesmo assim! Seria muito infantil se eu fosse atrás dele, não seria? Além do mais, de que adiantaria eu implorar a ele que volte se já está lá e tudo? E, pelo o que conheço o James, se a escola for boa o bastante – tipo, tiver bons programas e ótimos computadores – não aceitaria sair de lá nem em um bilhão de anos. Muito menos para fazer parar uma garota ruiva estúpida de chorar de saudade.


Ai, caramba. Eu estou parecendo a Mia no oitavo livro de O Diário da Princesa. Sabe como é, quando o Michael vai viajar para o Japão. Só que o James não é meu namorado e eu nem preciso transar com ele para manipulá-lo a não sair da cidade. Apesar de que a Mia nem transou, mas tanto faz. Eu é que não farei isso só para ver se dá certo. O lance da manipulação, quero dizer. Aliás, até parece que eu transaria com alguém que não fosse meu namorado. E o James só é um amigo. E eu nem penso nele daquele jeito. E nem tenho nenhum tipo de atração sexual por ele. A menos que frisson e aquela sensação esquisita contem como algum tipo específico de atração sexual, o que duvido muito. Além do mais, não iria conseguir encarar nenhum você-sabe-o-quê. Principalmente o do James. Mas, bom, tanto faz. Não vou transar com ele mesmo.


Ai meu Deus. Será que vou conseguir sobreviver a isso? A separação, quero dizer. Eu nunca tive que me separar de ninguém antes. Ah, bom, tive. Da Taylor – mas ela não conta, porque eu já não a considerava há muito tempo, apesar de fingir que sim, só para não magoá-la. E do Jason – ok, não iremos entrar nesse assunto. Todo mundo sabe que eu sou a maior mentirosa do mundo em relação a ele. Coitadinho do Jason. Mas acho que ele deve já estar se recuperando, porque antes das aulas, vi-o totalmente conversando com a Sarah Stevens, aquela menina bonitinha do clube de informática, que todo mundo quer colar nas provas. E acho que o Jason parecia bem feliz para alguém que perdeu a namorada há quatro dias somente. Mas tanto faz, não ligo para isso, fico até mesmo feliz por ele, sabe como é. Não iria querer vê-lo sofrer pelos cantos.


Mas tirando o Taylor e o Jason, não tive que me separar de mais ninguém. Ah, sim. Esqueci-me dele. Mas ele nunca conta. Ele nem foi meu pai direito, então até parece que sempre preciso inseri-lo em alguma lista. E eu nem sinto falta dele. Então, nunca tive que me despedir com tanta saudade no coração. Porque o James foi o meu melhor amigo. Por umas três semanas, mas e daí? Eu ainda o adoro muito. Ele pode estar morrendo de raiva de mim – e acho que assim será para sempre, pelo jeito -, só que eu não estou nem um pouquinho arrependida por tê-lo conhecido. E ainda teve aquele beijo. Nunca me senti tão bem ao beijar alguém. E isso quer dizer alguma coisa. Nada relacionado, claro, a amor verdadeiro, ou algo assim. Mas, definitivamente, significa alguma coisa. Provavelmente que eu o admiro muito e que não deveria me separar dele. Tipo nunca. Todavia, acho que não será assim. Acho mesmo que o James não esteja nem aí para mim, por isso nem se deu ao trabalho de me avisar, em momento algum, que sairá para sempre da minha vida, tão rapidamente quanto entrou nela. E eu deveria estar conformada com isso, afinal não quero ficar cruzando com ele toda hora e ter de escutar qualquer coisa horrorosa que ele queira me dizer. Qualquer coisa pior do que mentirosa manipuladora. E mentirosa manipuladora, devo dizer, já é uma ofensa bem dolorosa.


Certo, serei bem sensata com isso tudo. Vou fingir que não sei de nada – preciso treinar um monte olhar para o James e não deixar meus olhos serem inundados pela dor da perda – e vou ficar esperando ele me comunicar qualquer notícia relacionada à sua repentina viagem.


Espera. E se ele não me disser nada sobre o Canadá?


Não, ele vai me dizer. Ele sempre fala sobre assuntos importantes comigo. Bem, falava quando não estávamos brigados.


Ai não. E agora? E se ele for embora sem nem ao menos se preocupar em me informar sobre o seu sumiço? E se a Alex não tivesse me dito, e eu quisesse visitá-lo num fim de semana qualquer? Ele me deixaria realmente bater na casa de seus pais e descobrir que ele partiu para o Canadá sem nem mesmo nenhuma mensagem?


Que tipo de cara faz uma coisa dessas?


Ah, já sei. O tipo de cara que não mais considera a ex-amiga alguém muito importante em sua vida.


Odeio a minha vida.


18/FEVEREIRO – 15:03h – SEGUNDA-FEIRA – AULA DE FRANCÊS (MORRA O FRANCÊS!!!!)
Eu deveria fugir daqui. FRANCÊS! O MALDITO FRANCÊS!


E essa porcaria de prova, hein? EU NÃO QUERO SABER FALAR FRANCÊS!


Mas o James quer. QUAL É O PROBLEMA DELE????


Odeio francês! Odeio o James por querer saber francês!


Falando sério agora. Por que o James não pode ser contentar em ser aceito em Ashton University ou em Oxford e ficar na Inglaterra falando o inglês, como todo bom inglês (?)? Todo cara que é bom em alguma coisa e já sabe o que quer da vida – como o James – quer tentar entrar em uma boa universidade que lhe dê novos horizontes e capacidades de se lançar no mercado. Nenhum cara que é bom em alguma coisa e já sabe o que quer da vida quer fazer intercâmbio para o Canadá para saber falar fluentemente a porcaria do FRANCÊS! Existem pessoas que mal sabem falar a sua língua-mãe, imagine uma SEGUNDA língua! Aliás, para que o babaca do James quer isso? Sabe como é, aprender uma segunda língua tão bem que tem que morar em outro país? Será que ele acha que seu dom não é matemática? Será que ele percebeu que seu dom é ser professor de francês???? AHMEUDEUS, NÃO PERMITA ISSO! Porque todo mundo sabe que professores não ganham tão bem assim. Deve dar para viver modestamente, mas não deve dar para sustentar a mulher, dois filhos, um cachorro e ainda comprar uma casa bonita e um carro bom. É meio que injustiça isso, porque os professores são a base do futuro de qualquer pessoa. De qualquer cirurgião, de qualquer economista, de qualquer veterinária. De modo que, se a base é que ampara todos os futuros homens e mulheres do mercado, a base deveria ganhar mais do que um cirurgião, um economista e uma veterinária. Acho.


E eu não quero me casar com um professor, de matéria nenhuma. Deve ser supercansativo e estressante.


Mas enfim.


O que o James tem na cabeça em querer ir para o Canadá?


Aliás, quanto tempo ele ficará por lá? Não me lembro se a Alex me disse. Quanto tempo será que dura um intercâmbio?


Acho que assim que o sinal, finalmente, tocar, irei atrás do James. Não estou nem aí se terei de perguntar tudo. E também não me importarei se chorarei feito uma criancinha perdida. Acho que até será bom. Pode ser que depois de muitas lágrimas e ranho o James ceda, se comova e cancele a viagem. Caras legais fazem isso. O James é um cara legal. Ele totalmente poderia fazer isso.


Ok, vai funcionar. Sei que sim.


18/FEVEREIRO – 15:36h – SEGUNDA-FEIRA – DEBAIXO DA ÁRVORE
É, como eu tinha imaginado antes de sair do maldito francês: não funcionou.


Eu não peguei o braço dele e o arrastei para a salinha de limpeza, como faria com alguma menina. Acho que até fui bem madura. Para uma menina se derrama em lágrimas no banheiro depois que fica sabendo que o melhor amigo vai embora para outro continente, que não achou que isso fosse arrasar a menina chorona. Mas é. Arrasou. Completamente.


Eu saí do francês – graças a Deus, porque não suportava mais olhar para os lados e só enxergar provas escritas em francês – e fui com a desculpa de encontrar a Alex na frente da aula de biologia, já que os dois sempre têm aula de biologia no último período de segunda-feira. Quando a vi saindo da sala me apressei.


- Oi, Al – cumprimentei.


- E aí? – ela me disse – Como foi na prova de francês?


Ao ouviu esta palavra – francês -, quis morrer.


- Não me fale sobre isso – pedi aborrecida, tanto pela prova, tanto pela palavra proferida – Cadê o seu irmão?


A Alex parou e me olhou sarcástica.


- Vou saber? – ela brincou – Ele saiu antes de mim, porque queria procurar o Derek, por causa do novo programa de computador da escola.


- Ah – grunhi – Sabe onde posso encontrá-los, então? – perguntei rapidamente.


Alex fez uma careta. Parecia que não acreditava que eu queria ir atrás do James. Sei por que, mas tanto faz. Não é só porque ele está brigado comigo, que eu tenho que fingir que não gosto mais dele.


- Hum – ela riu -, na sala de informática, talvez? – ouvi sua voz de zoação, mas ignorei.


- Beleza – fiz um positivo com o dedão e dei no pé.


A Alex só ficou ali no meio do corredor com cara de surpresa.


Então fui direto para a sala de informática, não ligando para os meus cotovelos que toda hora batiam em alguém.


O James e o Derek estavam conversando na frente do laboratório de informática. A sala já estava chaveada, e o Derek estava com uns CDS nos braços.


- Hum – comecei hesitante -, oi meninos.


Os dois se viraram para mim.


- Oi, Evans. Precisa de alguma ajuda? – o Derek me perguntou simpático. Acho que ele estava se referindo ao Conselho Estudantil.


Só que eu teria de decepcioná-lo. Porque tudo o que precisava era falar com o James.


- Ah, não. Nada sobre informática – sorri levemente para Derek e me virei para James, que me observava de forma muito séria e paciente – Posso falar com você?


O James levantou uma sobrancelha. Parecia estar se divertindo. Olhou para Derek e falou:


- Hum, falamo-nos mais tarde, tudo bem? – o Derek assentiu, não parecendo nada chateado – Ligo para você.


- Tchau, Evans – ele se despediu de mim e saiu andando pelo corredor.


Esperei o corredor estar deserto para começar todo o meu questionário.


- E aí – ele me disse.


- É, olha só – fiz uma careta – Preciso falar com você sobre uma coisa, certo?


Ele fez uma cara de compreensão e então disse:


- Sobre a apresentação?


Eu franzi a testa, confusa. Por que ele sempre acha que quero discutir a apresentação? A única coisa que não quero lembrar é sobre isso! Eu fico toda enjoada se fico pensando na manhã cultural de terça-feira. Que é amanhã. Que legal.


- Não, não é nada sobre isso! – exclamei.


O James pareceu relaxar um pouquinho, como se estive tenso. 


- Ah – ele disse.


- É que a Alex me contou que você vai viajar – eu contei. A minha voz nem estava chorosa ou algo assim. Eu estava segurando qualquer tipo de reação emocional muito fortemente.


Então ele voltou a estar tenso. Só um pouco. Seus ombros se aprumaram e sua expressão ficou um pouco rude, mas de modo não muito assustadora.


- Ah, ela já foi contar, é? – ele riu, desanuviando a expressão. Seus cabelos negros se balançavam.


- É, mas foi sem querer – emendei rapidamente.


- Certo. Disse a ela que não fizesse muito alarde, mas é a Alex. É impossível de ela não contar para alguém. Principalmente para você – acrescentou ele.


- Principalmente para mim? – quis saber, surpresa.


- Você é a melhor amiga dela, oras.


- Ah. É. Certo – gaguejei.


Ele sorriu.


- Então... você vai mesmo viajar? – indaguei, desejando soar displicente.


- Ah, é. Vou. Meus pais queriam que passássemos um tempo viajando, para só depois entrarmos em alguma faculdade, mas aceitaram bem a minha vontade – o James me disse.


Fiquei pensando que tipo de pais aceita numa boa que o filho – o filho que é super inteligente – vá embora para o Canadá em busca de um aprimoramento em uma língua que nem precisa falar. Se fosse meu filho, eu nem cogitaria essa possibilidade. Iria para faculdade, como todo adolescente normal e privilegiado.


- Hum, sei – resmunguei – Mas... por quê?


O James ficou surpreso. E com cara que não tinha entendido nada.


- Por que... o quê? – ele ergueu as sobrancelhas.


- Por que quer ir para o Canadá estudar francês? – perguntei vagarosamente, sentindo-me uma tonta.


- Hum, o francês é a décima terceira língua mais falada do mundo – ele observou.


- Ah, sério? – me espantei. Achei que era tipo a terceira ou a quarta. Mas deixa para lá. Odeio Francês mesmo.


- É, e o mundo realmente precisa de mais gente que saiba falar línguas além do inglês e do espanhol.


Achei mesmo que ele estava brincando com aminha cara.


- Tá, que seja – cortei-o, irritada – Mas por que o Canadá? A França está logo aqui!


- É verdade. Mas eu gosto do Canadá e sempre quis conhecer Montreal – o James me falou.


- Hum – cocei minha cabeça, querendo deixá-lo ali sozinho. Depois disso, soube que eu não iria conseguir nada – Você não pode esperar um tempo para ir estudar fora?


James só riu.


- Não quero esperar para ver se daqui a um ano ainda quero as mesmas coisas – ele me disse. Parecia estar falando com veemência. Sabe, odeio veemência. Vindo de qualquer pessoa. E vindo do James parecia... hum, presunção. Ou nerdice completa. E, tudo bem, ele é mesmo um nerd – daqueles fofos, sem espinhas na cara, óculos horrorosos e livros antigos debaixo dos braços -, mas ele tem que ser sempre tão inteligente e ficar falando essas frases de efeito? Essas frases que nos fazem pensar na nossa própria vida? Porque tenho a absoluta certeza de que ano que vem irei me arrepender de todas as coisas que fiz e que deixei de fazer, só porque sou uma covarde ou só porque sou a Lily Evans mesmo. A Lily Evans fracassada de sempre. Então, se eu desejasse ir para o Canadá estudar francês em uma escola super maneira – como a escola que o James irá passar algum tempo – somente pensaria: “Não. É melhor não. Vou ficar aqui em casa fazendo as minhas coisas de sempre”. Mas o James não é um preguiçoso fracassado. Ele tem pró-atividade. Ele quer estudar francês e nada – nem mesmo a ex-melhor amiga – o irá deter. Se eu não estivesse tão quebrada por dentro, poderia até mesmo exportar algum tipo de admiração por tudo isso.


Eu já queria chorar. De verdade. De novo. Não queria demonstrar fraqueza, mas não suportava mais. Parecia que já estava tudo perdido. Ou melhor, eu já sabia que estava tudo perdido. O James nunca irá me perdoar e – além de tudo – nunca irá ser convencido por mim a abandonar a porcaria das aulas de francês em um país que ele nem conhece.  


- James... – chamei, balançando a cabeça – Você não está entendendo – falei. A água salgada pinicava nos meus olhos e a minha voz estava começando a falhar. Tirei os olhos do chão e os foquei nele. Comecei: - Você não pode ir.


Ainda bem que eu tinha levantado o meu olhar daquele chão branco e brilhante e estava olhando em seus olhos de cachorrinho, porque senão nunca teria notado a sua expressão um tanto chocada, um tanto na expectativa. Suas sobrancelhas foram lá para cima, bem devagar, como em slow motion. E a parte – mínima, é verdade – da expectativa foi depois das sobrancelhas, quando ele abriu um pouco a boca, como se estivesse querendo me incitar a dizer tudo de uma vez. Só que... bom. O que eu podia lhe falar? Qual era a minha desculpa para impedi-lo a ir atrás de suas vontades acadêmicas? Que... ele ainda tem que me perdoar? Ou que eu não me perdoarei se ele for embora para sempre e me deixar sozinha como o último dos dálmatas? Aliás, quem sou eu para tentar interceptar sonhos de caras fofos e bem resolvidos na vida? Provavelmente não conseguirei nem mesmo um D menos nas provas de matemática!


- Ah é? E por quê não? – ele quis saber com alguma coisa muito diferente na voz. E na hora eu não soube explicar.


E foi aí que fiz aquilo


E, sinceramente, por que sou tão idiota? Ah, é, porque sou a Lily Fracassada Evans. Lembrei.


Ah, sim, o que fiz foi agarrá-lo. Não beijá-lo nem nada assim. Eu só agarrei a suéter dele e o prendi em mim. Num abraço, sabe como é. Sei que foi muito repentino, o que explica totalmente o fato de que, no começo, quase o joguei no chão e em seguida ele quis me afastar dele, mas só um pouquinho.


- Lily! – ele exclamou, acho que porque eu o estava enforcando um pouco, já que estava puxando a gola do suéter – Caramba, me solta – pediu, rindo minimamente.


Soltei-o, mas só porque eu estava sentindo aquela onda de sensação esquisita voltando. Aquela mesma sensação esquisita que tem me pegado toda hora. Até mesmo quando não estou ao lado dele. E isso é mesmo horroroso. Sabe como é, não quero ficar tendo sensações esquisitas por caras que são meus melhores amigos e que estão prestes a me deixar para sempre.


- Desculpa – falei, mortificada de vergonha. Mas nem tanto. Não pelo abraço, quer dizer. Estava mais desconfortável pelas lágrimas, que agora ele totalmente tinha o conhecimento.


- Qual é o seu problema, hein? – ele me perguntou, aborrecido, acho. Sua voz não aparentava estar nem um pouquinho preocupada.


- Qual é o seu problema? – retruquei igualmente carrancuda – Você nunca me disse que ama quanto assim a porcaria do francês! E muito menos que gostaria de ir para a porcaria do Canadá ser um PHD em francês! – falei com ferocidade.


- Bom, agora está sabendo. E, se posso perguntar, em que isso irá mudar? Eu sou apenas em nerd idiota anti-social. Por que se importa tanto comigo? – ele devolveu zombeteiro.


- Porque você é o meu melhor amigo! – confessei vociferando.


Então, nós dois ficamos de frente para o outro, olhando-nos, em silêncio. E, ali, parecia que o estava enxergando pela primeira vez. Tipo, como um cara, sabe. Como o cara fofo e amigo. Como o cara fofo e amigo que já fazia tempo que eu esperava. Esperava para ter, claro. E ele chegou à minha vida na pior hora, trazendo-me as melhores horas de risos e de programas divertidos. Nesse caso, como é que ele quer que eu finja que não estou ligando para a sua partida, se foi, sabe como é, a melhor coisa que já me aconteceu? Não sei se é possível nem eu sobreviver até amanhã, quem dirá pelo resto da vida sem o James! Se é que ele nunca mais irá voltar para cá.


E, se Deus realmente existe, Ele não permitirá que isso seja verdade. Que o James vá impreterivelmente para o Canadá e que suma da minha vida para sempre.


Não quero passar o resto de meus dias chorando amargurada por conta de uma separação sem sentido!


Esse James é... é um...


Babaca. Daqueles completos!


O James se recuperou mais rápido do que eu. Ele endireitou a face surpresa e a substituiu por uma cara de tédio.


- E por que eu deveria acreditar nisso? – ele me perguntou.


Como é que ele pode duvidar de uma coisa tão pura assim? Quero dizer, das minhas palavras?! Porque é extremamente compreensível que uma coisa chamada amizade faça as pessoas acreditarem umas nas outras! Ao menos, as coisas deveriam funcionar desse jeito. No meu mundo funcionam. Funcionariam, se o James não fosse tão rancoroso.


- Porque... – suspirei, tentando me recompor. E tentando também parar de fungar – Porque você era meu amigo. Você costumava ser legal comigo – falei magoada.


Isso, Lily, é bem assim que você conseguirá alguma coisa. Acho que eu deveria começar a aprender os truques de chantagem emocional da minha avó. Ela sempre consegue tudo o que quer. Se eu for uma aprendiza boa, posso conseguir convencê-lo manipulando-o de algum jeito. Não com o sexo, é claro. Pelamor.


- Dê licença, Lily, mas foi você quem acabou com a nossa amizade, se não está lembrada – senti minhas células capturarem o tom doloroso dele.


- Não! Foi a Taylor! – gritei.


Ainda bem que o corredor estava vazio.


- Tudo bem, fingiremos que sim – ele colocou as palmas das mãos para fora, calmamente – Ainda assim, quando é que você começaria a ser sincera comigo em relação aos seus pensamentos sobre mim?


- Sinceramente, faz diferença se eu o considerava um nerd chatinho ou um cara mega descolado? – inquiri impaciente, já não gritando mais. Todavia minhas lágrimas ainda estavam acumuladas nas minhas pálpebras e pestanas.


- Claro! Olha só no que isso deu! – ele elevou a voz, completamente aborrecido agora.


- Quer saber? Pra mim já chega! – coloquei minhas mãos na cabeça, furiosa e respirando muito fundo – Quem disse que me importo com essa sua viagem? Vá logo para a porcaria do Canadá e seja feliz falando francês! – meu tom ficou agudo demais. Isso nunca é bom. É sinal claro da minha fraqueza interior tentando ser expelida na forma de um choro compulsivo. Que, eu sabia, estava prestes a ser lançado para fora de meus olhos.


Eu. Sou. A. Maior. Idiota. Fracassada. Do. Mundo.


Euzinha.


A babaca da Lily Evans.


Se ele não quer nunca mais a minha amizade, até parece que irei me remoer até o pó de meus ossos! Ele que vá logo embora!


Não, não, não. Cala a boca, Lily. Você o ama, lembra? Hum, como amigo, claro. E amigas não querem se separar de seus melhores amigos. E é por isso que está sendo tão infantil, querendo chorar na frente do James e tudo. Você sente muito que tudo isso esteja acontecendo. Você se importa totalmente com a partida do James.


Está certo, palavras. Calem a boca. Parem. Pelamor.


Ele não falou nada. Só ficou ali me vendo passar as mãos nos olhos, fazendo um esforço enorme para que o meu grandioso choro não fosse presenciado por ele.


- Lily – ele me chamou. E aí tocou meu braço. Agora sua voz estava carregada de culpa. Ou talvez fosse preocupação.


- Saia – bati em seus dedos de forma violenta. James suspirou, aflito.


- Olha, eu sinto muito por toda essa situação pavorosa entre nós. Ninguém, mais do que eu, está sofrendo mais – ele disse com a voz toda mansa.


- Ah, cala a boca! – pedi com raiva - Olha só o que você acabou de me dizer! – fungada - Até parece que sente muito por tudo isso. Você está é feliz por ter que viajar e se livrar de mim. Porque, talvez, esse seja até mesmo o seu plano desde o começo! – acusei-o de forma muito cruel, devo acrescentar.


Ele não retrucou. Soltou o ar de seus pulmões e, depois de um tempo, disse:


- Quer uma carona para casa?


Montei uma expressão de total incredulidade em meu rosto.


- Ah, fala sério! – exclamei completamente cansada – Só vá embora. De verdade.


- Certo – ele parecia hesitante.


E aí, muito vagarosa e laconicamente, o James foi indo em direção às escadas. E uma hora desapareceu da minha vista. Não tive coragem de me sentar ali no terceiro andar e chorar, porque corredores dão eco, e a última coisa que eu queria era que o James ouvisse todo o meu lamento – mais do que já tinha escutado e visto. Por isso, muito depois, acho que cinco minutos, após eu achar que ele já estivesse muito longe dali, me dirigi para cá. Para debaixo da nossa árvore. A grama está úmida e gelada, mas não me importo. Não estou nem aí se, ao me levantar, a parte de trás do meu jeans stretch estará todo molhado. Quando você perde para o jogo da sua felicidade, você simplesmente não dá a mínima para a sua bunda molhada.


Então, tudo o que tenho que fazer é ir para casa, me enfiar o resto da tarde no meu quarto, enquanto como sorvete crocante de avelã e assisto a última temporada que baixei de House. Porque o Dr. House é muito bom com o seu humor irônico e negro. Ele é tão irritante que até me faz rir. Acho que somente ele pode me salvar.


18/FEVEREIRO – 16:11h – SEGUNDA-FEIRA – QUARTO
Não que eu achasse que ninguém se incomodaria em perguntar por que entrei em casa com cara de morte. Achei mesmo que minha mãe estivesse lá no consultório – o Charlie é completamente dependente da minha mãe, como se estivesse sempre em um buraco e mamãe fosse as raízes onde ele pudesse tentar sair de lá de dentro – e que não voltaria tão cedo para casa. A verdade é que assim que entrei no hall dei de cara com ela na mesa da copa na frente de seu lap top que conseguiu comprar no final do ano. Escrevia sem parar, o que me fez pensar que estivesse respondendo alguns milhares de e-mails de companheiros de profissão. Ela ergueu os olhos emoldurados por seu óculos de leitura horroroso que só usa em casa – graças a Deus – e falou:


- Tudo bem hoje?


Eu pensei muito. Todos os meus pensamentos voavam para uma única direção, muito, muito rápidos. Quase sufocantes. E achei, mais uma vez, que fosse repetir toda a cena da escola. De chorar, quero dizer. E, de verdade, eu não queria chorar na frente da minha mãe. Sei que sempre posso contar com ela – ela nem mesmo se incomodava em ouvir as minhas mesmas reclamações em relação ao Jason – e que, além do lance da psiquiatria, ela sempre me faz sentir melhor. Pelo menos um pouquinho, depois que me deixa deitar em seu colo e começa a fazer cafuné em mim. Só que dessa vez eu não estava disposta a receber carinho na cabeça como um cachorrinho dorminhoco. Acho que nem mesmo um cafuné me fará melhor. As circunstâncias pedem medidas mais drásticas. Tipo comprimidos de tarja preta, que sei que ela mantém no armarinho de seu banheiro – só que, por precaução, guarda-os trancafiados lá dentro.


- Não sei – contei dando-lhe apenas uma meia verdade. Já estava bom por enquanto. E eu definitivamente não sei se estou bem ou se o dia foi bom. Não, se levarmos em consideração que não me preparei para nenhuma prova e que soube da pior notícia do ano. Provavelmente da minha vida. Bom, a notícia de que seu melhor amigo está prestes a abandonar seu país – seu continente – não é algo que se festeje. Mesmo se ele esteja fazendo isso por motivos completamente necessários ou humanos. Só que duvido muito que o francês vá ajudá-lo a salvar alguma vida.


- Ah. As provas não estavam muito fáceis? – ela quis saber, agora não mais me encarando; tinha voltado a digitar freneticamente.


Não me recordo se comentei algo sobre as provas mensais. Não que estariam começando hoje. Mas tanto faz. Acho que ela deve ter olhando no meu calendário acadêmico pregado ao lado das florzinhas que pintei – quando tinha dez anos, com caneta permanente, e minha mãe não quis ter o trabalho de raspar a parede para arrancar os desenhos dali e depois pintá-la novamente de vermelho - ao lado do meu guarda-roupa. Ela sempre está entrando no meu quarto, porque ele é sempre muito bagunçado – pelos parâmetros dela, porque pelos meus, sempre encontro tudo o que quero, mesmo que minha mãe não acredite nisso – e ela sempre acha que ele precisa de uma limpeza semanal.


- Hum. Não – falei. E era a verdade. Ao menos, em relação a isso não precisava mentir. Principalmente se ela quisesse saber sobre matemática.


- Oh – ela fez, sacudindo a cabeça, mas acho que não estava mais, de fato, acompanhando a nossa conversa. Parecia um tanto alheia ao nosso assunto – E amanhã?


Franzi a testa.


- O que tem amanhã? – perguntei a ela, confusa. Será que amanhã tem prova matemática também? Não é só na quarta?


- A apresentação, Lily – agora ela riu, achando que minha cabeça estava muito longe de casa – Caramba, o que você tem? Não se lembra das apresentações?


Hum. O quê?


Ah. A manhã de boas-vindas à Reitora Flor. Como pude esquecer? Estou quase vomitando de ansiedade.


- Ah. O que tem as apresentações? – mais uma vez, como sempre, eu estava ficando enjoada, como sempre fico quando me lembro das apresentações. Não sei, acho que é nervoso. Sempre acho que estragarei tudo. Só que dessa vez pode ser que eu estrague mesmo. Porque, pensa bem, como é que conseguirei cantar a minha música ao lado do meu melhor amigo que me odeia e que sei lá que dia estará partindo para longe de mim, provavelmente por um bom tempo? Como posso estar tranqüila com isso? Sabendo que a minha concentração estará dispersa e que pode ser que se pensar na palavra “Canadá” eu vá começar a chorar na frente da escola inteira? Acho que precisarei de uns vinte calmantes. Daqueles que atiram em elefantes quando os veterinários encontram algum preso naquelas armadilhas desumanas que quase dilaceram as patas dos pobres animais.


- Não está nervosa? – minha mãe perguntou.


Eu? Nervosa? Se liga, mãe. Eu nasci imune a nervosismo. Sou como o Jack Bauer. Pode até ser que ele seja meu pai ou algo assim. Temos o mesmo sangue frio para executar as mais árduas tarefas sem nos abalarmos emocionalmente. Não que algum dia eu vá conseguir torturar um cara dentro de um carro, tendo as minhas mãos atadas ou algo assim.


- Eu sempre estou – respondi.


Minha mãe fez uma cara feliz e disse:


- Ao menos você estará em boas mãos. O James vai acalmá-la e você tocará lindamente, como sempre.


Ah é. Claro que o James irá me acalmar. Principalmente depois de eu ter pedido que ele não vá para o Canadá e de ter chorado na frente dele hoje. O James é fofo e tudo, mas acho que até mesmo a tolerância e a fofice dele têm limites.


- Hum – grunhi, fazendo um esforço tremendo em não pensar no nome dele -, claro. O James é um cara legal.


- Claro que é. Não é a toa que vocês são amigos – ela deixou escapar. Mas daí fez uma cara de quem se desculpa e completou: - Bom, que eram amigos – suspirou e olhou bem para mim: - Tem certeza de que essa briga não é algo fácil de relevar?


- Pelo jeito não. O James nem conversa muito comigo mais – falei em um tom duro. Embora a minha alma estivesse berrando de dor.


Minha mãe juntou os lábios e os apertou. Não estava furiosa nem nada. Deu para ver que estava penalizada.


- Ah, Lily. Eu sinto muito. O James é um menino muito atípico. Adoraria se ele continuasse a vir me perguntar se o Charlie parou de ligar para mim no meio da madrugada – mamãe disse com uma expressão de quem sente saudades.


Certo. Eu não podia ficar ofendida. A obsessão da minha avó é uma coisa. É uma doença incurável, acho. Mas minha mãe não falava como se dissesse: “Hey, Lily, porque você não conserta tudo com o James e fica com ele para sempre? Como namorados, sabe como é”. Ela só falava como se quisesse me ver feliz de novo, porque é mais do que claro que depois de quarta passada eu perdi “a minha áurea colorida e animada”, como o meu avô se referiu a isso, no sábado à noite enquanto comíamos as pizzas assistindo a Não Sabia que Estava Grávida, no Home & Healt.


- É. O James é um amor mesmo – admiti desejando chorar um pouco mais. Mas longe dela, claro. Não quero ser fraca e covarde o bastante tendo que mostrar a ela quanto o James fora da minha vida está me deixando debilitada.


- Aham – ela concordou, suspirando lamentosa.


- Hum, vou lá para o meu quarto, tentar entender um pouco psicologia – informei-a, dando-lhe um sorriso falso mínimo.


- Certo. Só não faça muito barulho ou sua avó irá acordar. Ela foi se encontrar com a tal da Molly Flower e voltou bastante feliz, mas estressada. Parece que ela e seu avô discutiram algumas vezes. Não sei por que ela não pode contratar aquela amiga dela, qual era o nome mesmo...? – mamãe apertou os olhos e franziu o cenho, tentando puxar o nome pela memória – Clara Alguma Coisa, não sei. Sairia tudo mais em conta e ela ainda poderia confiar na mulher de olhos fechados – completou.


É. É impossível compreender a minha avó. Pode ser que ela tenha nascido na época totalmente errada.


- Vai saber. Você conhece a mãe que tem. Ela é osso duro de roer – balancei a cabeça.


- O seu avô saiu para visitar um antiquário lá no centro. Disse que queria esperar você, mas acho que resolveu sair antes porque irá trazer algum presente a você – contou, após ficar lamentando a mãe que tem - Talvez um lustre de cristal – ela riu.


Meu avô é o cara típico encantado pelo mundo antigo. Ele acha o máximo passar a tarde enfiado nesses antiquários e perguntando o preço dos objetos mais bizarros de mundo. Como aquela vez que fomos lá a Londres em uma dessas lojas e ele queria levar para casa um relógio solar que era mais caro do que um daqueles carrinhos híbridos que somente cabe duas pessoas dentro. Aqueles que parecem tatuzinhos-bola coloridos.


Eu ri, achando a idéia não muito boa nem útil.


Mas não me incomodarei se ele quiser me comprar abajures antigos fofos ou aqueles brincos de prata que um deles é um gatinho e o outro é um ratinho. É bem esquisito, mas me apaixonei. E os olhinhos do gato são pedrinhas minúsculas azuis e do ratinho, vermelhos. Muito fofo. Ao menos é de prata, porque tenho alergia a bijuteria.


- Tudo bem. Sei que ele aparecerá com alguma coisa esquisita – falei, me contentando e confortando a minha mãe.


Meu avô nunca fica, tipo:


- Uau, Lily, está na hora que fazer uma incineração no seu guarda-roupa e adquirir blusas e calças decentes, você não acha? Você quer ser como quem? Como a menina mal vestida que vi na última edição da Cosmopolitan?


Ele me presenteia com coisas que realmente amo e que sabe que me deixará de fato agradecida. Como aquelas pantufas de coelhinho, que ele me deu na páscoa quando eu tinha seis anos. Ou o livro Come As You Are – A História do Nirvana.


Então, fui, pé ante pé para meu quarto, tomando a devida precaução para não fazer um único ruído que pudesse despertar a fera. Digo, a minha avó. Só que de nada adiantou. Porque ela já estava acordada. Peguei-a descendo as escadas do sótão, de modo vacilante e cansado. Estava com aqueles tapa olhos de dormir grudado na cabeça.


- Ah, oi, Lily. Acabei dormindo demais. O seu avô está onde? – ela me perguntou depois que sorriu levemente para mim, me cumprimentando.


- Foi a um antiquário – respondi, passando reto por ela, desejando poder correr.


- Ah. De novo não. Esse homem tem alguma doença, francamente – minha avó exclamou, parecendo exasperada.


- Bem. Acho muito mais legal do que se dispor a fazer esfoliação em um salão de beleza – falei, mas aí vi a cara dela e claro que não deveria ter dito nada.


- Você não conhece nada sobre o mundo, garota – foi o que ela me atirou, comprimindo os lábios sem cor, por conta da ausência de batom. E ela vive de batom. Aparentemente não o usa para dormir.


- Tudo bem, então – dei de ombros, fazendo pouco caso. Quando descansei a minha bolsa na cama, ela me seguiu com aquele ar de cachorro Pastor Alemão, pronto para farejar algo errado em mim. Indagou:


- Qual é o seu problema?


Fui até a parede decorada com florzinhas e dei uma conferida no calendário de provas. Como a manhã toda de amanhã será preenchida com música e dança e teatro para saudar a chegada da Reitora Flor à escola, as provas que aconteceriam por esse turno, se realizará pela tarde, depois do horário normal de aulas. Então, de acordo com o que está marcado na minha tabela terei primeiro exame de biologia – no penúltimo tempo -, psicologia – que é no último período -, inglês – que seria no primeiro período – e literatura – seguido de inglês. Graças a Deus que só precisarei revisar um pouco das síndromes e blábláblás de psicologia. Por sorte não tenho dificuldades em inglês, muito menos em literatura – como teria se passo um terço do meu tempo lendo? E em biologia sempre me salvo milagrosamente. Apesar de que é só ler aquela tabela que fiz dos filos, que tudo estará mais do que bem.


E é muito bom eu acrescentar que os crocodilos são os únicos répteis que possuem coração com quatro cavidades. Mas até parece que isso é tão útil assim. Nunca que irei cair em Madagascar e dar de cara com um crocodilo-do-nilo. E até parece que se isso acontecesse iria me lembrar de levar um facão para meter no pobre coração do bicho. Provavelmente eu sairia correndo feito uma zebra abestada.


- Nenhum – falei com voz de quem achava que ela tinha pirado de vez.


- Você está com algum problema, sim – afirmou ela, respirando muito fundo, como se quisesse aspirar um pouco de paciência do ar - Seu olho estão estranhos, como se estivesse chorando.


Não corei nem nada. É mais fácil esconder verdades da minha avó do que das minhas amigas.


- Só estou cansada. As provas da escola começaram hoje e acho que não fui muito bem – essa verdade é sempre indiscutivelmente a mesma. Como estava sendo de fato sincera, fiquei um pouquinho melhor achando que talvez isso fosse calar a boca dela.


Só que não calou. Ela não se contenta com pouco.


- Vou perguntar mais uma vez: qual é o seu problema? – sua paciência estava no limite.


- Só estou triste, tudo bem? Não posso estar triste? – me exaltei. E essa minha reação, automaticamente, foi interpretada como uma prova que anulava a minha resposta.


Ela apertou bem os olhos.


- Por que estaria triste se acabou de vencer uma eleição contra uma de suas inimigas? – ela quis saber.


- Não tem a ver com o Conselho, ok?


- E com quem teria a ver, Lily? – ouvi sua zombaria, mas deixei passar batido, porque simplesmente hoje não é o meu dia de ficar atacando ninguém. Nem mesmo a minha avó do mal.


- Ah. Não. Você não irá arrancar isso de mim. Também porque não é da sua conta – atirei furiosa, cruzando meus braços e tombando meu corpo para o lado.


- Deixa disso. Sou sua avó, lembra? – ela rolou os olhos.


- Hum. Isso não quer dizer nada. Não vou contar para a você. De verdade. Preciso estudar e sair do colégio. É isso.


- Tudo bem. A escola é um bom motivo, mas creio que matemática não interfere em seu problema – ela me disse.


Sinceramente. Por que tenho uma avó assim? Preferiria não ter avó alguma. Ela é tão irritante.


- Meu Deus. Qual é o seu problema? Não vê que tenho mais o que fazer a ficar aqui tagarelando com você? – explodi.


- Eu não tenho problema algum, porque nunca escondo as pedras do meu sapato – ela me contou.


- Ótimo! Então que bom para você! – exclamei – Olha, agora é sério. Preciso estudar – menti.


Claro que não iria pegar minhas anotações logo àquela hora. Pretendia tomar um banho para relaxar, chorar sentada no Box, colocar o meu pijama de coraçõezinhos e caçar algum livro da Meg Cabot que me ajudasse a levantar a minha animação. Só que eu tinha que dizer alguma coisa para D. Julia, porque se não dissesse, ela se grudaria em mim como um carrapato em um boi.


Então, antes que ela me interpelasse, fechei a porta do meu quarto – educadamente – em sua cara. Sei que ela não ficou muito feliz, porque ficou lá fora dizendo:


- Isso, Lily, aja bem assim. Quero ver se da próxima vez que quiser a minha ajuda receberá o meu apoio!


Só que eu nunca recorri a ela em momento algum. Só quando eu era criança e quando tinha que passar as férias com ela. Pode ser que estivesse se referindo àquela vez que vovô bateu a porta da camionete de fazenda nos meus dedos e eu entrei chorando na casa dizendo a ela que tinha quebrado os dedos e que deveria me levar ao hospital. Ainda assim, ela nem me ajudou muito, já que quem estava dirigindo até a cidade era o vovô e ela só ficava falando:


- Tá vendo? O que foi que eu disse sobre manter as mãos longe da porta, mocinha? É bem feito agora! Vamos ver se aprende a me escutar!


Ela nem ligou que eu tinha somente oito anos e estava morrendo de chorar, esperando que o médico não amputasse os meus dedos – sim, eu era muito retardada àquela época, porque achava que não existiam talas ou gesso para curar qualquer processo de fraturas em ossos. Mas não me culpe, eu só assistia à Disney, e o Mickey nunca tinha me dito que ossos das mãos poderiam se quebrar se uma porta os prensasse. Ele só ficava conversando com o Pluto e dando flores à Minnie.


Agora, no silêncio do meu quarto posso pensar em algum plano que impeça o James de me deixar.


Não. O que farei é tomar um banho e ler Meg Cabot. Só assim estarei operante para as apresentações, amanhã. Se eu não passar mal à noite e conseguir chegar viva à escola, claro.


Certo, vou tomar o meu banho. Está mesmo na hora de eu experimentar se me afogo no Box. Será?


18/FEVEREIRO – 17:23h – SEGUNDA-FEIRA – QUART
Certo, ainda não tomei o meu banho. Mas só porque é altamente impossível eu conseguir largar qualquer livro da Meg Cabot. Eu sempre fico: “Não posso parar agora! O que será que vai acontecer na próxima página? Ok, só mais uma, só mais uma!”. Nunca dá certo. Eu sempre adio tudo quando o assunto é livros. Especialmente quando são os livros da Meg. Não posso fazer nada. Sou assim. Bem, desde os meus quatorze anos, ao menos, que foi a idade que minha mãe me deu de aniversário “A Garota Americana”, daí já era tarde demais. Porque eu já estava obcecada e já estava comprando todos os volumes de O Diário da Princesa. E por mais que todo mundo que passe por mim na escola e me chame de criança por ser fã da Meg, nunca me importei. Porque mais da metade daquele lugar nunca lê mais do que três ou quatro livros por ano, então, se é assim, não deveriam me julgar, porque aposto como aquelas meninas só lêem as revistas de fofoca e de moda e nada mais. Eu, pelo menos, leio assiduamente, o que garante totalmente que meu cérebro esteja sempre em constante aprendizagem. Porque ler, apesar de muitos apontarem como uma mentira, é tão vantajoso quanto ficar resolvendo testes de química.


Fui agora a pouco ali na sala, porque meu avô acabou de chegar do antiquário. Minha avó estava toda:


- Robert! Eu já não lhe disse que você não pode sair por aí sozinho? Ainda mais para se enfiar nessas lojas decadentes!


Minha mãe estava sentada ainda na mesa, com o seu lap top em sua frente, mas tinha parado de digitar. Estava encantada, abrindo um objeto envolto em um papel brilhante.


- Ei. Oi, vovô. O que encontrou lá? – eu quis saber, tentando não demonstrar a minha expectativa.


Porque eu sabia que ele me trouxera algo. Ele nunca se esquece de mim. Bem, como poderia também? Sou a sua única neta. E geralmente os avós não se esquecem de suas únicas netas. Exceto D. Julia. Só de vez em quando é que recebo presentes dela. Só no Natal e no meu aniversário. O meu avô, contrariamente, sempre me concede presentes fora de época e toda hora. Ele sabe me agradar muito bem.


- Ah, por favor, para que quer uma bengala? Você nem é manco, Robert! – o pavor na voz da minha avó pareceu engraçado, assim que ele revelou uma bengala lustrosa a todas nós, fazendo dancinhas.


Só que bengalas me lembram o Dr. House, então eu sempre aprovarei essa coisa. Mas a do vovô não tem foguinho na base. Ainda assim, é uma boa compra, porque e se algum dia ele cair de uma escada e luxar o fêmur ou a bacia? Totalmente necessitará de um utensílio desses. Muletas simplesmente são medonhas demais. E, sabe, vovô cair da escada pode ser um risco iminente, principalmente depois que a casa de Londres estiver pronta. Porque agora ela terá escadas. Antes não tinha.


- Uau, muito bonita, vô – aprovei rindo e a amparando quando ele a atirou em mim.


- Mas espere, que é claro que não lhe comprei uma bengala! – ele me disse.


- Bengalas são ótimas – assinalei contente, fazendo a que estava em minhas mãos rodopiar.


- Olhe isso, então – vovô me entregou um embrulho relativamente pequeno, se compararmos com o de mamãe, que tinha relevado um cisne decorativo em prata. E parecia que pesava muito também.


- Ah, pai, obrigada. O senhor sabe o quanto amo cisnes! – a minha mãe comemorou, ficando realmente bastante comovida com o cisne. Ela sempre quis um para colocar em cima da nossa mesa de madeira no quintal dos fundos.


Abri o meu presente muito facilmente. Rolei-o em minhas mãos até dizer:


- É um anjinho?


- Não. É um bibelô! – vovô me corrigiu, rindo todo satisfeito.


Ah sim. Um bibelô. De uma bailarina muito linda mesmo. Com o seu vestido bufante rosa bebê e com o corpete em cor de bronze. Parece bem o tipo de coisa que coleciono. Não é a toa que a minha prateleira acima da cama é infestada de bibelô de todo o tipo. Especialmente os de anjinho. Mas uma bailarina tão fofa quanto essa nunca tive. D. Julia acha muito cafona ficar expondo peças assim na sala ou em qualquer cômodo. Prefere grandes estatuetas de marfim. Só que ela não sabe que boa parte do marfim comercializado é ilegal, já que esses caçadores abatem elefantes em territórios de reprodução ou simplesmente só porque dão de cara com um animal desses. Sinceramente, acho que podemos viver sem marfim conveniente das presas de um elefante-pai que está tentando atravessar um rio para encontrar o seu filhote perdido. 


- Awn, que amor. É uma bailarina – comentei alto – Valeu, vovô – sorri para ele, assim que tinha observado minuciosamente cada detalhe daquela peça tão frágil de porcelana.


- Por nada, querida – ele me retribuiu o sorriso, parecendo muito feliz - Tentei procurar uns livros realmente bons, mas achei que nenhum deles iria verdadeiramente lhe interessar. Você não sabe o que é maçonaria, sabe? – ri de sua risada. E por ele pensar que não sei nada sobre maçonaria. Porque eu sei. Ainda que não estudemos isso em História. Mas é para isso que existe a internet. E Antigos Textos Maçônicos e Rosacruzes. Sebos são bons para isso também. Sempre que entro em um deles saio com alguns livros raros ou antigos.


- Hum – continuei a rir -, na verdade, sei sim. Mas adorei o bibelô. Mesmo. Não precisava trazer livros – assegurei, porque fiquei mesmo muito contente com o que ganhei.


- Ah, ainda bem que não errei na escolha – vovô ficou gratificado e em seguida se virou para D. Julia, que não parava de resmungar baixo, sozinha: - E isso é para você, July – ele estendeu a caixa até minha avó, que estava sentada na poltrona de sempre (e que acha que é propriedade dela).


Não posso escrever que ela não tenha ficado surpresa. Ela nunca espera que alguém encontre bons presentes em um antiquário, porque segunda ela, “não gosta de coisas velhas”. Mas dessa vez ela amou. O presente, digo.


- Nossa – foi o que ela conseguiu dizer.


D. Julia segurava uma fruteira de dois andares em cristal puro. Ela ama cristal. E embaixo do primeiro prato havia uma menina camponesa com uma das mãos na cabecinha de um filhote de cervo. É o tipo de coisa que encanta qualquer mulher. Acho que por causa do cervinho fofo.


- Nossa – ela repetiu.


Então, meu avô colocou seus olhos na esposa e sorriu todo deleitoso.


- Achei que você gostaria de algo assim para mostrar em uma das nossas mesas novas – ele falou convicto.


- Naturalmente – D. Julia concordou devagar, parecendo ainda muito abalada com a maravilha que estava em suas mãos.


Sabe, fico feliz em saber que ao menos vovô sabe lidar com essa mulher. Não que ele consiga conviver na mais completa paz na maior parte do tempo. A verdade é que não existe nenhum dia que ela não encha o saco dele. Só que meu avô é do tipo romântico, acho. Igualzinho a mim. Então simplesmente releva as implicâncias. Porque ele sabe que, no fundo, minha avó é só uma alma incompreendida e revoltada demais. E essa coisa do vovô amá-la do modo que é chega a ser até mesmo fofo. Porque eu quero achar alguém tão paciente e apaixonado assim para mim. A minha avó nada mereceu para receber algum tipo de demonstração de afeto. Já eu, o que faço de tão errado assim que simplesmente todos os caras legais ou me ignoram ou me odeiam ou eu não gosto deles?


- Robert, às vezes, esqueço que você pode ser tão cavalheiro assim – D. Julia disse.


E eu fiz uma careta aborrecida. Porque ACORDA. O meu avô é sempre muito respeitoso e galanteador. Ele sempre conquista as pessoas. Sempre faz que com sintam sua falta. E sempre traz presentes a todos, sem datas comemorativas. É o que eu chamo de presente de desaniversário.


- Mãe – a voz de mamãe não estava satisfeita -, o papai sempre comprou tudo o que a senhora quer – falou.


- Ah, claro. Mas às vezes consegue me espantar desse jeito – minha avó falou, abanando as mãos, já que tinha deixado a fruteira no chão, porque era muito pesada.


- E isso é bom – observei. Não era uma pergunta.


- Claro que sim – afirmou ela – Sempre é gratificante recebermos mimos das pessoas que confiamos o nosso coração.


Awn.


A minha avó nunca faz declarações de amor. Em hipótese alguma. Mas acho que isso foi uma declaração de amor.


Vovô sorriu para ela, que discretamente fez o mesmo.


- O que acham de pedirmos alguma comida para o jantar? – minha avó logo se recuperou da abobalhação e nos perguntou.


- Certo. Pizza – falei. Porque é sempre isso que pedimos.


Só que meu avô disse querer comer sanduíches. Então, depois de depositar carinhosamente o seu cisne recém chegado em cima da mesa dos fundos, mamãe foi atrás dos folders de sanduíches que os garotos-propaganda dessas lanchonetes enfiam na nossa caixa de correspondências.


Minha avó voltou a apreciar De Volta Para o Futuro 3 e deixou que vovô carregasse a fruteira de cristal até o sótão, onde, obviamente, iria guardar em algum canto para que não se esquecessem.


- Então – mamãe falou, quando cheguei à cozinha, onde ela estava revolvendo os papéis de dentro da nossa gaveta de entregas de comida -, ainda estudando?


Claro que eu quis rir.


- Hum, é – falei não demonstrando certeza, o que fez minha mãe olhar para mim, irônica. Consertei: - Hum, não. Não por enquanto.


- Ah. Será que não deveria começar? Porque, sinceramente, Lily, você tem que fazer alguma coisa – ela me disse.


Ei, eu sempre faço coisas. Sempre estou lendo, escrevendo e ouvindo música. Não sou uma completa inútil.


Só que ela estava se referindo a faculdades.


- Certo. Estou me esforçando. Sério – assegurei com uma expressão inflexível.


- Estou vendo – mamãe retrucou. Só que não parecia exatamente insatisfeita.


Bem, ela nem pode reclamar. Sabe que não sou nenhuma gênia em matemática. E, por mais que deteste e não compreenda muito bem física, minhas notas nessa matéria estão quase exemplares. Não no nível do James ou do Remus, mas ao menos não estou abaixo da média.


Cala a boca, Lily. Não se lembre do James.


- Por que você não considera a idéia de seguir uma carreira de jornalista? Eu a vejo tanto tempo enterrada em cadernos, escrevendo sem parar, que isso só pode ser alguma espécie de dom esperando ser reconhecido – ela comentou, realmente tentando me aconselhar ou qualquer coisa do gênero.


Só que ela não é a primeira pessoa que me diz algo parecido. O James acha que eu deveria ser escritora.


- Hum. É. Parece bem legal – falei, mas meio sem paciência e concentração.


- Talvez o James possa convencê-la – o sorriso dela me cegou.


- O quê? – franzi a testa, abismada – Por que ele faria isso? – perguntei – E você sabe que nem somos mais amigos!


- Mas ontem ele lhe trouxe até aqui. Que tipo de menino traz uma ex-amiga em casa?


- O tipo do James, mas só porque ele é legal demais para ficar me tratando com descaso completo.


- E isso só significa uma coisa – ela brincou com as sobrancelhas por um segundo, fazendo-as subir e descer em um átimo.


- Que coisa? – inquiri hesitante.


A verdade é que começava a me sentir enjoada e com aquela sensação esquisita de novo.


- Que ele ainda gosta de você – mamãe respondeu como se eu tivesse problemas mentais sérios. Mas talvez eu tenha mesmo. Nunca se sabe. Vai ver tenho alguma daquelas síndromes psicológicas citadas nas aulas de psicologia.


Meu coração se acelerou mais ainda. Sentia que meu estômago estava nadando em gelo.


- Até parece – contradisse, rolando meus olhos. Mas eu não estava tão segura assim.


- Isso a incomoda, não? – seu tom de voz estava convencido demais.


- O que me incomoda? – suspirei, só continuando a manter a conversa randômica, porque ela é a minha mãe.


- Não ter mais a antiga amizade de conservava com o James, Lily! – explicou-me, parecendo aborrecida com a minha lentidão.


Não faço idéia, mas, sem dúvida, podia sentir meu rosto em brasa.


- Mãe – rolei novamente os olhos, agora tentando fugir dali – Tanto faz – falei.


Não queria conversar sobre o James. Principalmente porque se me recordava dele, vinha em minha mente o Canadá. E isso queria dizer que um menos de um minuto eu estaria chorando como todas as outras vezes.


- Tanto faz, Lily? – ela repetiu horrorizada – Você vai fingir que não gosta mais do James?


- Não estou fingindo nada! Só que ele vai encontrar o próprio caminho e eu também. Vai ser difícil continuar a vida sem ele por perto, porque estou tão acostumada com ele... mas acho que sobrevivo. Quero dizer, até parece que vou aparecer lá em Montreal atrás dele ou algo assim.


Mamãe ficou com cara de sol.


- Montreal? – ecoou – Por que você iria para lá atrás dele? – ela quis saber, como se estivesse caçoando de mim.


Olhei para o chão. Droga. Esqueci de medir minhas palavras.


Suspirei cansada e triste.


- O James vai estudar fora. Vai para Montreal – contei achando que meu coração nunca mais fosse parar de saltar daquele jeito.


Ela arregalou os olhos.


- Impossível – ela me disse, mas acho que estava mais dizendo para si mesma.


- Não. É totalmente possível. Ele vai estudar francês lá. Sei lá por quê. Mas é isso. O James vai embora – minha cabeça só balançava moderadamente.


Meus olhos começaram a ficar encharcados. Não queria levantar o olhar.


- Ai meu Deus. Ele nunca ouvir falar na França? Ou em cursos de línguas estrangeiras? Ali perto da catedral tem um desses cursos! – minha mãe não parou de falar. Parecia afobada. Ao menos ainda não tinha percebido minhas lágrimas acumuladas, que eu tentava, com muito esforço, não deixar transbordar.


- Ele quer ir para lá. Ele gosta de Montreal. Disse que sempre quis conhecer Montreal – falei com a minha voz engasgada.


Ela ficou quieta por um tempo.


- Bem. Talvez ele já tenha traçado o próprio caminho – ela parecia constrangida por ter de dizer isso – E você? Quando vai começar a traçar o seu? – perguntou-me.


Esquecendo-me das lágrimas, ergui minha cabeça. Acho que pelo desespero.


- Como assim? Eu já tenho um caminho. Vou terminar o colégio e fazer faculdade – engrolei.


- Eu sei. Tenho certeza de que ele também fará isso – ela confirmou - Mas por que você não planeja qualquer coisa diferente assim como o James? – minha mãe quis saber.


- Você não quer que eu vá estudar francês, quer? – arrisquei com cara de assustada - Porque eu nem gosto de Frances!


- Não, meu bem – ela riu – Não precisa ser nada relacionado ao francês. Mas pode ser alguma coisa a ver com as coisas que escreve. Sei que muitos escritores sonham em ter suas obras na vitrine de alguma livraria.


- Espera. Você quer que eu publique o que escrevo só para superar o James? – meus olhos ainda úmidos se esticaram.


- Não. Isso não tem a ver com o James. Tem a ver com você.


- Comigo? Por quê?


- Porque você deve querer fazer alguma coisa para si. Para deixar você mesma feliz.


- Você acha que eu ficaria feliz em ver um desconhecido lendo um livro meu?


- Não ficaria? – ela rebateu.


Sei que escrevo um monte. Nos meus cadernos e no computador. E tenho um monte de folhas avulsas por aí que uso como suporte para meus sentimentos, construindo poemas e contos pequenos. Mas publicar o que escrevo? Nunca pensei nisso. Digo, por que alguém teria interesse em ler sobre uma menina iraniana ilegal na Coréia? Ou sobre a África? Ou sobre o que os anos fizeram com o Oriente Médio? Pelo o que sei, a sociedade prefere vampiros apaixonados por uma mortal. Ou qualquer coisa fantasiosa que faça todo mundo criar um mundo próprio. Ninguém quer ler sobre o que está DE VERDADE acontecendo com o mundo. É para isso que esse tipo de literatura fictícia serve. Para abandonarmos um pouco de nossos problemas reais. E o mundo não se satisfaria ao ler qualquer coisa relacionada à política ou religião reais. É só ligarmos a TV e sintonizarmos em algum canal de noticiário para sabermos o que se passa com as mulheres lá em Marrocos. Ou o que se passa lá na Faixa de Gaza.


- Não sei. Não acho que o que escrevo vá mudar o mundo, ou que seja relativamente interessante – respondi.


- Bem, talvez seja hora de começar a considerar essa possibilidade – mamãe me disse.


- Ah – grunhi atônita.


- Existe por aí tantos livros inúteis. Aposto que o que escreve é altamente substancioso.


Como é que mamãe sabe que o que escrevo é igualmente legal quanto os livros do Dan Brown? Eu nem escrevo sobre Maria Madalena! Ou sobre Jesus.


- Hum. Pode ser. Mas acho que as meninas da minha idade preferem vampiros brilhantes a uma menina pobre que conta a vida que tem no Iraque – aleguei.


- Bem, se você não tentar nunca saberá.


- Hum. Certo. Vou pensar sobre isso – falei. Ainda bem que falar sobre o que escrevo aniquilou o meu choro.


- Isso. Você tem que começar a fazer algo para si – quase fiquei agradecida pelo sorriso de apoio de mamãe – E o James? – ela quis saber, depois que remexeu mais um pouco na gaveta.


Meu coração se apertou.


- O que tem? – dei de ombros.


- O que vai fazer sobre isso?


- Hum, nada? – arrisquei esperançosa.


- Ah – ela fez – Vai mesmo aceitar a viagem dele?


- O que posso fazer? Tentei conversar com ele, mas não deu certo.


- É, o James não parece ser facilmente manipulado ou persuadido – ela comentou.


- Aham – concordei, desejando acabou com o papo. Se iríamos recomeçar a falar dele não daria certo – Olha, vou começar a estudar. Me chame quando o jantar chegar, certo? – pedi.


- Claro. Se eu achar qualquer coisa aqui dentro – ela riu, apontando para a gaveta.


Ri também, mas sem humor.


Segui para a sala.


- Lily! – minha avó falou.


- Hã? – falei.


- Qual é o seu problema?


- Nenhum, caramba!


- Você ainda nem tentou me arrancar daqui para assistir àquele canal infantil! – ela observou.


- Ah. Não posso ver TV agora. Vou estudar – informei. E também, para que iria assistir à Disney se tenho todas as temporadas das séries que o canal transmite no meu lap top? Aliás, nem estava com vontade de ficar jogada na frente da TV. Eu ainda tinha de terminar de ler Avalon High.


- Duvido – ela deu uma risadinha - Você vai é se afundar naqueles livros idiotas seus!


Expirei.


- E daí?


- E daí que está deixando de consertar a sua história com o James! – respondeu-me, explodindo.


- Ah, fala sério! – exclamei simplesmente, deixando-a com seus berros, que emitiam “Lily! Volte aqui!”.


Então, estou aqui no quarto. Não estou com a mínima vontade de estudar psicologia. Muito menos de pensar na viagem do James. Só quero esquecer essas coisas ruins e tentar prosseguir com a minha vida. Isso se eu sobreviver a amanhã, claro. Porque pode ser que eu tenha um enfarte enquanto toco e canto My Hero. Não posso excluir essa opção. Porque, além de todo o nervosismo habitual, o James estará ao meu lado. E, tudo bem, ele é a pessoa que mais me acalma no mundo, mas isso era antes de ele achar que não mereço mais a sua consideração. Só que com certeza estarei desesperada por conta da nossa situação e da viagem estúpida dele. Então não me sentirei confortável ao lado dele e começarei a derramar as minhas lágrimas magoadas ali mesmo, em cima do palco, na frente da diretora, da Reitora Flor e da Taylor. E, de verdade, se isso vir mesmo a acontecer, vou morrer de vergonha. Nunca mais terei coragem de sair de casa. Nunca mais terei coragem de sair da minha cama. E, obviamente, o James não quererá mais me ver, quebrando completamente qualquer planinho meu para reconquistá-lo e fazê-lo ficar na Inglaterra.


Provavelmente eu até mereça que ele vá embora. Pode ser que esteja sendo castigada por não ter sido uma amiga sincera com ele.


Deus não seria tão cruel, seria?


Bem, aparentemente, ao que tudo indica, sim, ele está sendo muito cruel.


18/FEVEREIRO – 19:00h – SEGUNDA-FEIRA – QUARTO
A Zora acabou de me ligar. Parecia chocada. Queria saber se é verdade que o James vai mesmo viajar.


- Mas como assim? Ele não pode sair do país! – ela alegou furiosa.


- Hum, na verdade ele pode. Ele já completou dezoito e tudo. Se ele tiver um passaporte e não tiver ficha na polícia, nada pode impedi-lo de embarcar em algum avião rumo ao Canadá – falei. E aí fiquei quieta. Eu estava mesmo sendo sensata?


- Caramba, você está aceitando isso, Lily? – ela me perguntou, descrente.


- Bem. Não, claro que não. Mas o que posso fazer?


- E se você desse o seu tesourinho a ele? Tipo, os caras são facilmente manipulados quando o sexo entra em jogo!


Eu quase deixei cair o telefone das minhas mãos.


- Zora. Oi. Lembra com quem está falando? É com a Lily Evans. Não é com a Jamie ou com a Taylor – falei com a minha voz arrastada.


- Tá, mas e daí? Você poderia.


- Não poderia não! – exclamei chocada – Não quero dar o meu tesourinho a ele! E até parece que isso fosse mesmo funcionar!


- Bem, qualquer dia desses vocês vão começar a namorar e você vai dar sim o seu tesourinho a ele – a Zora parecia saber do que falava.


Eu não pude conter o meu horror.


- AimeuDeus. Nós não iremos namorar coisa nenhuma! Ele vai embora! E não está ligando para o que eu quero! – eu queria berrar, mas não dava, por causa da minha avó. E se ela me ouvisse gritando com certeza viria aqui para tentar arrancar de mim o porquê dessa minha reação.


- Bem. Você já pediu? – não soube se ela estava surpresa ou se somente estava averiguando.


- Já. E até mesmo chorei na frente dele – contei.


- Ai, caramba, que estranho. E isso não resolveu?


- O que você acha? – caçoei.


- Ah. Bom, os caras são uns insensíveis mesmo. Mas achei que o James fosse, sabe como é, fofo. Especialmente tratando-se de você.


- É, ele está sendo tão fofo que vai embora magoado comigo.


- Droga – pausa – Quer que eu pense em algo?


Arregalei os olhos. Não, se a Zora se metesse nisso, seria pior. Sabe-se lá o que faria.


- Não! Fica fora disso, ok? – exclamei, desesperada com a idéia - Vou ver se bolo algum discurso que o incentive a me perdoar e, conseqüentemente, a ficar aqui.


- Maravilha – ela falou – Você consegue! – ela me assegurou, tentando me passar ondas de coragem.


- É – disse, mas acho que minha voz saiu um tanto zombeteira.


Então desligamos. E eu continuo deitada na cama, de barriga para cima, olhando para o teto, tentando arrumar maneiras de convencer um cara a mudar de opinião quanto a uma viagem de intercâmbio. De verdade, podia existir algum livro do tipo “1000 Dicas Úteis Para Ser Perdoada Por um Menino e Fazê-lo Não Se Afastar de Você”. Quem sabe, se eu conseguir esse feito, posso até mesmo escrever uma coisa parecida com isso. Deve haver milhares de meninas na minha situação.


19/FEVEREIRO – 09:17h – TERÇA-FEIRA – AUDITÓRIO DA ESCOLA
Não sei se dormi direito. Estava elétrica demais para fechar os olhos por muito tempo. Então, basicamente, estou parecendo uma morta-viva por baixo do corretivo e da base que passei. Claro que me vesti com extremo cuidado. Não quero estar na frente da Reitora e dos meus colegas parecendo uma mendiga – como sempre. Por isso escolhi aquela minha saia de veludo negra para combinar com a camiseta do Mickey igualmente preta. Vesti meia-calça preta e a minha nova sapatilha de bico quadradinho – também preta. Minha avó, claro, disse que eu estava parecendo a morte com tanto preto, mas eu não me importei. Eu gosto de vestir preto, porque meu cabelo contrasta com essa cor e eu me sinto legal. Ia colocar a saia xadrez, mas tanto faz. Eu gosto de veludo.


Com o meu violão e a minha guitarra ao meu lado no carro – mamãe, como sempre, me deu carona para a escola -, sentia-me extremamente enjoada. Achei que a minha garganta fosse fechar de tanto nervosismo. E piorou muito depois que o James foi ali mim, ali nos armários, e falou:


- O Sr. Martin nos quer lá no auditório. É melhor você correr, porque ele parece bastante estressado.


- AimeuDeus – ofeguei, achando que minhas pernas não fossem conseguir me sustentar.


- Eu sei. Ele é sempre muito ansioso, não acha? – o James riu. Só porque talvez não tivesse percebido a minha ansiedade.


- AimeuDeus – falei de novo.


- Nós seremos a terceira dupla a se apresentar. E as canções com o violão serão as primeiras a entrar ao palco – ele me informou. Será que ele chegou meia hora antes só para ficar sabendo de tudo isso? Não perguntei.


- Ok – miei. Eu ia vomitar.


- Beleza. Então, tudo bem, certo? Você ensaiou e tudo, certo? – o James olhou bem para mim enquanto nos dirigíamos até aqui.


- Ah. Sim. Tudo certinho. Não esquenta – menti. E o enjôo se intensificou.


Rapidamente chegamos aos bastidores do evento. A maioria dos alunos já está sentando, aguardando, tagarelando sem parar. Sei disso porque olhei pela cortina. A Sra. Rings estava aconselhando o Steven a não mascar o chiclete de boca aberta, mas acho que ele não estava nem aí com isso. Depois que se cansou de ser ignorada por Steven veio aqui para trás.


- Muito bem. Ouçam bem. Vocês entram pelo lado direito e saem pelo esquerdo. Não se esqueçam – ela nos disse, parecendo muito animada.


Queria estar tão calma e alegre quanto ela.


Daí o Sr. Martin começou a ter um ataque quando a corda do violão do Rob arrebentou. O James só ri de tudo, nem parece se importar com o fato de que está pisoteando em meu coração partindo para o Canadá.


Certo, não pense no Canadá.


- Oi, Lily – o professor me disse, quando finalmente me viu no canto, sentadinha aqui na banqueta, muito quieta.


- Oi – retribuí sem fôlego.


- Não se esqueça de respirar entre as pequenas pausas da canção, certo? – Sr. Martin sorriu para mim, colocando uma de suas mãos em meu ombro, acho que tentando me confortar.


- É. Não me esquecerei – confirmei, tentando sorrir.


O James se juntou a mim agora, já que terminou de conversar com a Molly sobre o OK GO.


- E aí? – ele falou, sentando-se na banqueta ao meu lado.


- Hum – fiz completamente perdida.


É um saco isso tudo. Porque sei que James só está conversando comigo por causa da apresentação. Ele está se obrigando a ser legal comigo pelo esforço de ter que tocar daqui a pouco. Sei que não está fazendo isso por mim. Está fazendo pela apresentação. E o James ralou pra caramba comigo, hein. Exceto na última semana, claro.


A Sra. Rings está chamando a primeira dupla. Meu estômago encolheu.


Palmas.


Acho que estou começando a suar frio. Minhas mãos estão geladas e suadas.


O Sr. Martin está andando de um lado para outro, muito ocupado. O James continua a observar tudo calado ao meu lado. Não parece nadinha cansado - como se não tivesse pregado os olhos a noite inteira, assim como eu – ou nervoso. Está se portando como sempre: desencanado. Como se isso não fosse nada.


Só que é.


Eu vou morrer aqui.


Os minutos passam e a segunda dupla – Roger e Dillan – está sendo convocada a pisar no palco. Mais palmas.


Estou ouvindo a melodia de It’s My Life, do Bon Jovi.  O Roger e o Dillan parecem estar acertando cada nota.


- James – chamei. Estou mesmo me sentindo muito estranha.


- Hã – fez ele, me encarando sério.


- Eu acho que não irei conseguir. Estou a ponto de ter um ataque cardíaco de tão nervosa – contei desesperada, achando que ele só fosse sorrir e de repente eu fosse encontrar a minha coragem escondida e tudo fosse melhorar.


O James riu. Aquilo não ajudou em nada. Só serviu para que meu estômago quisesse devolver todo o leite com cereais que comi rapidamente antes de sair de casa.


- Não seja exagerada – ele me disse, ainda rindo.


Não é exagero! Por que ninguém me escuta?


- Não dá. De verdade. Eu sou um fracasso. Não vou conseguir cantar – contei mal respirando.


Qual é a letra da música mesmo? Me esqueci! AIMEUDEUS.


- Claro que não é. Só porque a Taylor a acha um fracasso, quer dizer que isso a torne uma fracassada? – ele me respondeu, agora deixando a graça para trás e encarando o meu problema.


- Tanto faz. Acho que estou passando mal – abanei a minha cabeça e passei meus dedos pelo meu cabelo.


- O seu problema é que não acredita em si mesma. Sabe aquela frase da Clarisse Lispector: “ela acreditava em anjo, e porque acreditava, eles existiam...”? – ele me perguntou.


- A Hora da Estrela – respondi automaticamente.


- Isso – ele balançou a cabeça positivamente – Então, se você acreditar, vai conseguir.


- Não consigo – neguei.


- Olha, muitas pessoas não acreditam no próprio poder, no próprio dom e acabam não fazendo nada quanto a isso e simplesmente deixam escapar qualquer tipo de chance. Você é talentosa demais para não querer abrir a porta da auto-realização – o James falava manso, provavelmente com o intuito de me consolar e de me acalmar. E, tudo bem, só de ouvi-lo falar daquele modo eu já me sentia um tantinho melhor. Talvez até mais confiante. Se possível.


- O que você entende sobre pessoas? Ou sobre a vida? Você é praticamente um leproso-social! – olhei para ele com raiva, acho que tentando descontar um pouco a minha mágoa por sua partida.


- Não, Lily. Tá vendo? Você não entendeu o que eu quis dizer. Eu pareço ser um leproso-social, mas você sabe que não sou.


- Certo – sussurrei – E daí?


- O negócio de acreditar, Lily. Não é só porque uma pessoa faz uma coisa com você, que automaticamente você a tacha de inimiga. Porque, no fundo, você acredita, você sabe que essa pessoa é maravilhosa.


- Certo. Mas eu não acho a Taylor maravilhosa! – falei indignada.


- Sei que não – ele riu de um modo estranho. Como se estivesse decepcionado. Ou sem graça.


- Tá, tanto faz. Preciso sair daqui. Acho que vou vomitar. De verdade – informei a ele, olhando-o sofregamente.


- É, perca a sua chance – ele me disse.


Fiquei em silêncio por uns três segundos. O James me olhava, enquanto eu torcia meus dedos.


Ele colocou uma de suas mãos em cimas das minhas, fazendo-me parar com aquilo.


- Sério, Lily. Não fique parada esperando que o milagre caia do céu – ele finalizou, sorrindo mínimo. Mas parecia chateado. Por algum motivo, que não dei muita atenção.


- James. Você não entende. Não vou mesmo conseguir!


- E o que vai fazer? – ele riu, balançando os cabelos – Sair correndo e dar um motivo verdadeiro para todos a enxergarem do modo que acha que é? – perguntou-me não mais rindo. Estava sério. E insatisfeito.


Uau. Ele está levando isso tudo muito profissionalmente.


- E se eu quiser? – esquadrinhei meus olhos mudando a entonação de minha voz. Eu o estava desafiando.


Ele não teve reação alguma. Não me largou aqui nem voltou atrás com suas palavras.


- Então, você será certamente uma fracassada covarde – o James me explicou ainda com aquela voz séria e insatisfeita.


Então ouço mais palmas.


O James se levantou. Por quê? Será que não suporta mais ficar ao meu lado?


- Lily! Levante-se! É a vez de vocês! – o Sr. Martin acabou de gritar.


O James está me olhando. Está me esperando.


- O quê? – eu perguntei para o James.


- Você vem? – ele me perguntou, apontando para as escadas que dão para o palco.


- Ah – olhei para o Sr. Martin. Caramba, como ele está estressado!


Estão nos chamando. E eu não consigo me levantar daqui. Isso não é bom. Será que estou tendo um AVC, o que explica a minha dificuldade de locomoção? Não, acho que não. Não estou sentindo nada além de uma enorme dor no coração. E acho que essa dor não tem a ver com violões nem com guitarras. Nem com a minha música preferida. Acho que o motivo de o meu coração desritmado e saltitante é o cara que está me esperando, bem na minha frente. Ele agora estendeu a mão. Será que pego a mão dele? Não. Ele vai me arrastar para cima do palco. Mas e se eu não o fizer? Será que estou perdendo alguma coisa? A minha chance? Mas... que chance é essa? Isso é só uma apresentação de boas-vindas! Não tem nenhum velho de terno de gravadora por aqui, que irá me escutar cantando My Hero e irá me chamar para fazer um álbum ou sei lá. O James alcançou meus dedos, agora. Não sei por que, mas realmente quero ir com ele. Sei que se algo der errado ele não vai me chamar de fracassada. A pele dele está tão quente de encontro com a minha. Isso definitivamente me faz melhor. 




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N/A: Ó céus, ó vida. Aqui estou, mais uma semana. Postando e deixando vocês felizes (ou não). Ultimamente meus dias têm sido sôfregos demais para eu fingir estar feliz. Tudo o que realmente me segura são vocês, porque sei que lerei algum comentário de vocês e isso me deixará assustadoramente alegre. Sei que parece idiota ou desnecessário, mas é verdade. Esse meu ano se resumiu (caramba, já estamos em novembro! E aquele meu maldito professor de matemática entra na sala e fica cantando musiquinhas de Natal! Mate o boooooi!!) a vocês, realmente. Passei desde abril só escrevendo e estudando. Pena que os estudos foram meio que em vão, por razões familiares. Se eu pudesse eu fugia, de verdade. Enfim, vocês estão percebendo que não estou nos meus dias. Me desculpem por estar sendo tão depressiva de repente. Se possível, comentem e melhorem o meu astral de boi no sacrifício! Beijinhos ao cubo! Have a nice day! 
P.S: ainda preciso de alguém que me ajude a me ensinar a postar vídeo do youtube na fic. É URGENTE. Porque o vídeo tem que aparecer semana que vem, no próximo cap. E eu sou uma rúcula para aprender coisas na internet sozinha. Então, me ajudem para eu poder ajudar vocês!  
P.S.S: obrigada pelos comentários. Vocês me fazem muito feliz! :D

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