Capítulo 16



15/FEVEREIRO – 08:38h – SEXTA-FEIRA – NA MESINHA DA CAMPANHA DA ZORA, NO MEIO DO CORREDOR
Caramba. Estou com MEDO desse lugar. Se você VISSE como está a escola agora, você também estaria de boca aberta.


A cara da Jamie está por TODOS OS LADOS. Ela com seu cabelo mechado de cor de mel no louro claro, sorrindo e acenando. Ela com seu cabelo mechado de cor de mel no louro claro fazendo um sinal de positivo com os dedos. E frases do tipo “A ESCOLA MERECE A PRESIDENTE CERTA PARA NÓS” ou então “A NOSSA JAMIE SABE COMO SER UMA DE NÓS”. Tudo a maior babaquice. Quero dizer, a JAMIE sabe como ser uma de nós? COM CERTEZA NÃO. Ela não sabe como é ser eu. Ela não sabe como é ser a Alex. Não sabe como é ser o Sirius. Mas é claro que essa campanha é relacionada aos populares, então seguindo essa linha de pensamento, ela sabe mesmo como ser um deles. Afinal, ela sempre foi popular, apesar de a Taylor nunca ter gostado muito dela. Só que claro que isso mudou quando acabei com o segredo delas. Aí elas tiveram que se unir e agora são, tipo, as melhores amiguinhas do mundo. Tudo falsidade, claro. Mas acho que é assim mesmo que o mundo das celebridades e dos populares funciona.


E percebi que MUITOS dos cartazes que construímos ontem à tarde lá no auditório sumiram.


Que gente mais DOENTE.


NÃO acredito que a Taylor e suas aliadas do mal fizeram isso. Até parece que elas viram Eleição e tiraram a idéia de lá. Da parte do filme em que a personagem da Reese Witherspoon acaba com os cartazes de todo mundo, inclusive com os seus próprios. Só que CLARO que a Jamie NUNCA sumiria com os seus próprios cartazes logo no dia do debate.


Só que, sabe, isso é golpe baixo. Sem falar na falta de caráter ético. Mas, bom, quem disse que essa gente tem caráter ético? Todo mundo sabe que até o Eminem é mais correto que a Taylor e toda a turma dos populares. Tudo bem, talvez não. Provavelmente o Eminem e os populares estejam empatados nessa categoria.


A Zora está INCONFORMADA com essa gente. Não pára de falar um monte de palavrões. E além de tudo, sua voz está péssima. Como se estivesse rouca. Ela não pára de dizer que não vai conseguir falar lá no debate. Só que eu já lhe disse um milhão de vezes que as presidentas das chapas terão direito a microfone e tudo, até púlpito. Então, ela não tem que se preocupar.


Mas é meio que mentira minha, já que a Zora não preparou NENHUM discurso. Nada de promessas ou de qualquer coisa, como, por exemplo, xingar a Taylor ou algo assim. COMO É que ela vai subir lá no palquinho e falar para mais de mil pessoas sem nada na cabeça? Sem nenhuma base, sem nenhuma frase de efeito?


Ai, que jeito mais cruel de perder uma eleição. Acho que estou com pena dela, de verdade.


O debate é depois do almoço e o resultado será divulgado após as aulas.


Coitadinha da Zora. Quando ela subir lá no palco e perceber que ninguém irá querer votar nela sem um bom discurso, vai ser como assistir a àqueles programas do Animal Planet, em que o ratinho é engolido inteiro por uma jibóia do pântano.


É por isso que não assisto a esse canal. Não gosto de ver os bichinhos sofrerem. Apesar da maioria das pessoas terem medo de ratinhos, sou uma menina totalmente contraditória. Eu gosto deles. Eles são bonitinhos, com seus narizinhos e bigodinhos se mexendo. Ainda que eles tragam doenças, como a leptospirose, não posso deixar de pensar que eles são bem fofinhos.


O James acabou de passar por aqui para perguntar a Alex se o pai deles já tinha lido a folha que estava em cima da mesa da sala deles. Ele passou por mim como se eu nem estivesse aqui. Muito menos riu, assim como fez ontem na aula de violão. Eu é que não liguei. Ele pode ignorar quem ele quiser, não é? Estamos em um país livre. Eu acho.


15/FEVEREIRO – 09:43h – SEXTA-FEIRA – AULA DE INGLÊS
Eu sei. Eu sou uma besta. Não daquelas bonitinhas.


Eu estava bem quietinha aqui na minha mesa, copiando sobre mesóclise, próclise e ênclise, quando me cansei da explicação do Sr. Hugh e quis fazer algo mais “produtivo”. E o que arranjei de “produtivo” para fazer foi mandar bilhetinhos. Se ainda fossem para a Alex, tudo bem. Só que tudo o que ela quer discutir é acerca da eleição, e eu não agüento mais as pessoas comentando sobre isso. Quero dizer, oi, alguém já ouviu falar nos terremotos que estão devastando áreas do globo? Ou então no constante desmatamento, principalmente lá na Floresta Amazônica?


ISSO é importante. O debate? CLARO QUE NÃO. O que vai acontecer aqui? A Jamie irá ganhar e tudo continuará como sempre foi. Ela não fará nada de bom para a escola, só vai continuar a gastar todo o dinheiro, exatamente como a Taylor fazia.


Só fico me perguntando DE ONDE tirarão dinheiro suficiente para pagar um lugar legal para o nosso baile de formatura. É péssimo fazer festa de despedida AQUI NA ESCOLA! Tem que ser, tipo, em um salão de algum clube ou de algum hotel, como a Angie conseguiu ano passado.


Mas, bom, voltando ao que estava escrevendo antes.


O bilhetinho que mandei não foi para a Alex, porque ela não parava de se comunicar com a Zora por mensagens, portanto a atenção que ganharia dela seria nula. O bilhetinho que fiz voar por cima da cabeça de Gregory D’Nell foi para o James. O papelzinho bateu em sua mão e caiu quicando no chão. Acho que ele já sabia que fui eu que o acertara, porque instantaneamente se virou para mim com uma cara séria, mas desinteressada. Ele se abaixou e pescou o papel do chão. Daí, não vi mais nada, porque me virei para frente, para não dar bandeira para o professor, já que agora os professores estão com muita vontade de nos jogar para fora das aulas por bobagem. Tipo, bilhetinhos voando por cima da cabeça de um colega.


Eu tinha escrito:


 Você ainda me odeia?


 Não sei por que queria tanto saber a verdade. Eu JÁ SEI da verdade. O James ainda me odeia completamente. Sei que ontem ele foi fofo e riu lá na aula do Sr. Martin, mas, ao mesmo tempo, conseguiu ser muito idiota.


O papelzinho demorou a voltar. Até pensei que ele o tinha esmagado e o jogado na mochila para nunca ler mais nada sobre mim. Ou escrito por mim. Sua letra estava ali, com uma sinceridade quase que infantil:


 Depende. Mas acho que o grande resumo de tudo isso é que não consigo mais confiar em você.


 Não posso escrever que não fiquei triste com isso. Quero dizer, ele NÃO PODE rejeitar a única pessoa que foi legal com ele na vida. A única pessoa fora do grupo dele, claro.


 Que saco.


 Ele não me respondeu. Nem mais olhou para mim.


Estou me sentindo uma barata esmagada por um salto alto. Não que eu saiba como é ser uma barata, porque não gosto delas, mas acho que não deve ser nada agradável morrer esmagada.


15/FEVEREIRO – 10:13h – SEXTA-FEIRA – AULA DE QUÍMICA
Alguém me tira daqui.


Alguém me tira daqui.


Alguém me tira daqui.


Alguém me tira daqui.


Alguém me tira daqui.


 *A adição de um catalisador não desloca o equilíbrio químico, somente acelera a velocidade da reação.

 
15/FEVEREIRO – 11:05h – SEXTA-FEIRA – AULA DE QUÍMICA (SIM, DE NOVO!)
Eu não agüento mais. É sério. Vou enlouquecer.


Eu PRECISO consertar as coisas. É questão de vida ou morte!


Esse James está me matando!


ACORDA, se eu fosse tão manipuladora e tão sem coração ASSIM, do jeito que o James agora me vê, POR QUE eu estaria aqui quase me arrastando para ele me perdoar? HEIN? Isso nem lógica tem!


E tem a outra coisa. A coisa de que escrevi ontem.


Estou me sentindo TOTALMENTE rejeitada. Não rejeitada pela amizade, mas pelo amor, sabe. Por tudo o que construímos juntos, toda a confiança e toda a intimidade. Porque tenho bastante certeza de que NUNCA MAIS serei tão apegada a uma pessoa quanto sou ao James. Acho que é aquela coisa de frisson. Ou... não, isso não. Eu NÃO o amo daquele jeito. Quero dizer, não é só porque agora estou sem namorado que esteja querendo ter outro. Sei que o Jason não foi, nem de longe, o mais legal dos namorados, mas isso não quer dizer que o James seja qualificado para o posto. Tudo bem, ele é muito fofo e muito gentil e muito compreensível. E sempre fala o que pensa. E praticamente dividimos os mesmos gostos pessoais. Mas e daí? Tem um monte de gente que se dá super bem assim e nunquinha nem mesmo se sentiram atraídas. E eu posso garantir que não estou atraída pelo James. O negócio do frisson não tem a ver com atração – não que eu saiba. Além do mais, quem disse que não existe amizade entre um cara e uma menina? Quem disse isso, provavelmente, nunca teve uma amiga por perto. E eu sou uma boa amiga, tirando aquela coisa toda da aposta e das conversas online. E talvez aquele livro estúpido. Mas fora isso, sou bastante leal, oras.


Mas, bem, AINDA QUE eu estivesse apaixonada pelo James, do que adiantaria? Ele nem gosta de mim desse jeito, principalmente considerando que nenhum garoto se apaixona por uma menina que não pode confiar. Aliás, ninguém se apaixona por outro alguém que não se pode confiar, porque um relacionamento se baseia em confiança.


Meus Deus, acabou de me ocorrer um pensamento...


E se... bem, e se eu estou errada? E se tudo isso nem é verdade? E se estou tão perdida que nem sei o estou de fato sentindo, e daí um dia descobrirei que gostava mesmo do James, só daí já seria tarde demais e já estaríamos tão magoados um com o outro que não haveria como voltarmos nem mesmo a sermos amigos.


Ai meu Deus. Meu Boi. Meu Bule de Chá Colorido.


Não, eu NÃO estou pensando nele deste jeito.


Não é como se agora eu o visse como um CARA. Eu sempre o vi como um cara. Mas não como os caras daqui da escola, porque todos eles só se importam com as marcas das roupas que usar e com os músculos que conseguem. E, sério, tanto faz para mim. Odeio meninos tipo negão do rap. Acho que é por isso que gosto do Eminem. Ele não é assim.


É que o James é diferente. Não é todo encrenqueiro, como os outros. Ele nem gosta de esportes! O negócio dele é a música. E pra mim, isso já é o suficiente. Nunca tinha conhecido um cara que gostasse mais de um violão do que de uma bola de futebol. Isso é totalmente inusitado. Quero dizer, é por isso que ele tem muito mais chances de ser feliz na vida. Provavelmente se o negócio da engenharia não der certo, ele ainda pode tentar entrar em uma banda e ser um guitarrista famoso e fofo, e daí todas as meninas do mundo seriam apaixonadas por ele. A perspectiva dos meninos aqui da escola é entrar em uma faculdade que os impulsione ao estrelato esportista. Eles só querem jogar. Acho que nem devem saber fazer mais nada. Até parece que a minha escola está nos Estados Unidos, sabe. Porque eu fico realmente impressionada na quantidade de filmes americanos em que os meninos só pensam nos esportes e se esquecem de todo o resto, tipo, de história ou de literatura. E o James totalmente sabe qual é a importância de matérias de verdade para a vida dele. Exatamente como eu. Tudo bem que não presto muita atenção em química, em matemática e em física, mas nunca tirei alguma nota abaixo de C.


E o James nem se importa com o que está vestindo. Ele só veste e acabou. Não fica se olhando no espelho um bilhão de vezes para ver se o topete ainda está bem levantado. Ou se o cabelo ainda parece “legal”. Aliás, a maioria dos meninos por aqui tem o cabelo curto, de modo que o James se sobressai bastante com o seu cabelo um pouco mais longo do que os outros, muito cachorrinho. Tudo bem que às vezes eu tenha vontade de tirar a franja dos olhos dele, mas não é algo que me incomode muito. Na verdade, eu adoro.


Nossa. Não acredito que estou comparando o James a todos os outros. Como se...


Bem, como se gostasse dele. De verdade. Tipo, amor. Mesmo.


Só que… não.


Não tenho nenhum tipo de amor mais intenso por ele.


Acho que estou confundindo as coisas. O que sinto mesmo é falta dele. Falta das conversas, de escutar a risada dele, de ir passear com ele...


Essas coisas que me acostumei a fazer com ele.


Nossa, como a gente sente falta das coisas que nos fazem bem tão rápido. Mas isso deve ser bom. É bom a gente sentir falta das coisas, de vez em quando.


Ah, droga. O Sr. Lio acabou de me perguntar se o que estou escrevendo é relacionado à aula e eu disse que não, então ele me mandou guardar o caderno. É melhor eu fazer isso antes que ganhe uma advertência por escrito. E advertências por escrito não são nada legais. Não que eu já tenha ganhado alguma. Mas a Taylor já. Um monte, na verdade.


15/FEVEREIRO – 11:17h – SEXTA-FEIRA – INTERVALO ENTRE A AULA DE QUÍMICA E A DE PSICOLOGIA
Essa Taylor Swift é uma droga. Não no sentido de ser péssima, mas no sentido de ser viciante. O intervalo entre as aulas me possibilita ouvir alguma canção antes que algum professor entre na sala. É como uma terapia.


 15/FEVEREIRO – 11:50h – SEXTA-FEIRA – NÃO SEI ONDE ESTOU, MAS É DENTRO DA ESCOLA


Breathe (Taylor Swift ft. Colbie Caillat)


I see your face in my mind as I drive away


'Cause none of us thought it was gonna end that way


People are people


And sometimes we change our minds


But it's killing me to see you go after all this time


Até parece que estou me importando se não estou prestando atenção nessa porcaria de aula. Na verdade temos de fazer uma redação acerca do estudo do Efeito de Pigmaleão, comentando justificativas individuais (?). Sei lá o que devo fazer, para ser sincera. Por isso, não estou rabiscando na minha folha de rascunho como os outros, que estão super centrados, como se isso os fosse ajudar a ganhar notas por bom comportamento; estou rabiscando o meu caderno de letras de músicas e de frases do dia.  Sempre fiquei escrevendo letras de músicas quando fico entediada ou acho que preciso me expressar através das palavras de alguém. É meio chato eu estar pegando emprestado, nesses últimos tempos, versos sofridos da Taylor Swift, ao invés das letras do Paramore, mas acho que somente a Taylor consegue me entender do modo que venho me sentindo desde... Bom, desde que eu tenho sido uma pessoa ordinária.


Music starts playin' like the end of a sad movie


It's the kinda ending you don't really wanna see


'Cause it's tragedy and it'll only bring you down


Now I don't know what to be without you around


O que vou fazer agora? Quero dizer, eu perdi a minha ex-melhor amiga para sempre, meu namorado (tudo bem, fui eu quem acabou com tudo, mas mesmo assim) e meu melhor amigo. Como é que uma pessoa sobrevive os últimos quatro meses de Ensino Médio sem, pelo menos, o melhor amigo? Sei que tenho a Al e o Sirius e todos os meus novos amigos, mas... não é a mesma coisa. Não é, porque nenhum deles consegue me fazer rir por qualquer coisa ou viajou comigo até Beadlow para um show. Sem contar a história da cama, que graças a Deus, Jason não sabe, ainda bem. E eu vou mostrar a ele que não preciso de um namorado. Por que precisaria se o meu primeiro e único nem se parecia com um? Na verdade, Jason nem ao menos agia como amigo. Éramos completos estranhos acomodados que tentavam fingir um relacionamento.


And we know it's never simple


Never easy


Never a clean break, no one here to save me


You're the only thing I know like the back of my hand


And I can't


Breathe


Without you


But I have to


Breathe


Without you


But I have to


Por que o professor me está olhando com uma cara estranha lá da frente da sala? Será que eu me esqueci de tirar as pantufas antes de vir à aula? Ou estou com um pedação de papel higiênico pregado nas minhas calças? Ah, beleza, agora alguns alunos estão me encarando também. Por que o Chad Barker, o carinha que passa o intervalo inteiro arrumando as prateleiras da biblioteca porque tem TOC, ou porque seu sonho é ser bibliotecário, vai saber, está me olhando com os olhos arregalados, como se eu fosse uma terrorista ou a Lady Gaga? Ele parece deveras assustado. Ah, meu Deus, será que estou virando uma mutante no meio da aula de psicologia?


Never wanted this, never wanna see you hurt


Every little bump in the road I tried to swerve


But people are people


And sometimes it doesn't work out


Nothing we say is gonna save us from the fall out


 


And we know it's never simple


Never easy


Never a clean break, no one here to save me


You're the only thing I know like the back of my hand


And I can't


Breathe


Without you


But I have to


Breathe


Without you


But I have to


 
It's two a.m.


Feelin' like I just lost a friend


Hope you know it's not easy


Easy for me


It's two a.m


Feelin' like I just lost a friend


Hope you know this ain't easy


Easy for me
 


And we know it's never simple


Never easy


Never a clean break, no one here to save me


Que coisa esquisita. Meu nariz está pinicando e eu nem estou com rinite. E a minha visão está ficando escurecida e embaçada. Peloamor, será que estou tendo um AVC? Ou será que vou desmaiar pelo fato de ter saído de casa sem ter comido nada?


I can't


Breathe


Without you


But I have to


Breathe


Without you


But I have to


 


Sorry (oh) Sorry (mmm)


Sorry (eh eh) Sorry (mmm)


Sorry (eh eh) Sorry (mmm)


Sorry.


- Srta. Evans? Tudo bem? – devo dizer que dei um pulo quilométrico quando ouvi a voz sussurrada do Sr. Regan? Não. E ele parecia bastante preocupado, o que é muito engraçado, uma vez que os professores não estão nem aí para os alunos. Afinal, é para isso que a diretora mantém uma psicóloga perto de sua sala.


Eu levantei os olhos do meu caderno escrito de lápis B.


Por que tudo estava borrado?


- Sim. Por quê? – perguntei e então notei uma coisa. Minha voz estava falhada e muito rouca.


Ah, peloamor, eu estava... AH! Eu estava chorando? No meio da aula de psicologia? Na frente dos meus colegas que nunca deram a mínima para mim?


Agora todos os alunos tinham largado suas redações e pensamentos para me observarem com suas caras assustadas.


Senti que estava corando feito uma daquelas menininhas tímidas da creche. E tudo bem, já estou acostumada com isso, afinal, é muito raro eu não ficar vermelha por tudo, já que sou ruiva e aparentemente isso ajuda completamente esse efeito em meio rosto.


- Humm. Certo. A Srta quer ir lá fora tomar um ar? Prometo que poderá entregar o trabalho na próxima aula – foi o que ele me disse, naquela voz toda cuidadosa que nunca tinha ouvido antes de nenhum professor.


Limpei meus olhos. Ah, que maravilha. Depois de bater na Taylor, eu choro no meio de uma aula? Já vi que o dia não será o dos melhores. Aliás, como poderia ser, sendo que perdi tudo o que consegui conquistar? Ou sei lá?


- Hum, certo. Obrigada – fechei meu caderno, completamente confusa e envergonhada e sorri fraco a ele. Eu não podia continuar a agir feito uma menina de dez anos, certo? Ah, espere. Eu sou a maior criança, é verdade. Pelo menos, de acordo com James. E, admito, ele tem razão. 70% de razão.


Levantei e, surpreendentemente, o Sr. Regan me amparou até a saída da sala, enquanto, claro, todos os olhos me acompanhavam.


- Tá tudo bem, Sr. Regan, verdade – menti, quando ele deixou suas mãos de meus ombros.


- Deveria ir para casa – ele me aconselhou.


- Certo, vou mesmo – menti mais uma vez. Sorri com os lábios e dei as costas a ele, iniciando a minha caminhada pelo corredor.


Subi as escadas do terceiro andar e parei na biblioteca. Não entrei, pois se eu quisesse chorar, ali não era o lugar. É sempre “Shh, quer fazer silêncio?!”. Então, huumm, não.


Sentei-me no corredor, que àquela hora estava deserto e silencioso.


Não sei por quanto tempo fiquei cantarolando “White Horse”, porém uma hora comecei a escutar passos. Não era um monte, por isso não deveria ainda ser o horário do almoço, sendo que nem ouvi soar o sinal. Os passos vinham do final do corredor e provavelmente de duas uma: ou a pessoa iria usar o bebedouro ali perto ou iria até a biblioteca.


Quis sair imediatamente correndo assim que o vi. James levantou as sobrancelhas, mas não de um jeito debochado. Era mais de um modo interrogativo. Ele carregava a mochila de sempre e caminhou até mim com uma expressão solene.


- A sua aula acabou mais cedo? – foi o que o ouvi perguntar, depois da vários segundos.


- Não – falei, virando o rosto para longe dele. O que eu deveria lhe falar? Que estava chorando no meio da aula e que por isso fui convidada a me retirar (de um modo bem legal, devo acrescentar)? E pior, que um dos motivos para minhas lágrimas era ele? Claro que não, não podia lhe dar tão facilmente o gosto da vitória.


E, espere aí, por que James está me perguntando qualquer coisa? O que ele tem a ver com o fato de eu estar no corredor quando deveria estar em aula? Ou melhor, por que ele se importa ao menos em me indagar sobre esse fato? Será que isso significa que não está tão magoado comigo? Cale a boca, Lily, é claro que está. Pare de pensar bobagens, agora, ou quer começar a pensar alto demais e compartilhar seus pensamentos com o seu ex-novo melhor amigo?


- Ah, foi o que pensei – pude ouvir sua risadinha escondida, mas talvez fosse só minha imaginação.


Eu suportei mais três segundos e olhei para a porta da biblioteca, onde James estava “conversando” comigo. Pisquei decepcionada. Não havia mais ninguém ali no corredor. Ele já entrara para o silêncio pressuroso e mortal da biblioteca.


Bem, e daí? Eu que não iria correr atrás dele para fazê-lo dizer que estava arrependido de ter se afastado de mim. O problema é dele se não quer mais a minha amizade.


Ei, pare aí mesmo, Lily Evans. O que está fazendo? Não me diga que você está... Ah, eu estou. Estou entrando na biblioteca. Agora me diga se não sou a menina mais estúpida que você já viu? Claro que sou. E todo mundo concorda.


Sorri para a Sunny, a bibliotecária solteirona de xale verde musgo, que lia uma daqueles livros românticos tipo “Chocolate”, que no final tornou-se um filme, estralado por Johnny Depp como uma aspiração de pirata, e fui para as estantes procurar James como um cão de caça farejando seu pato abatido.


- James? – sussurrei furiosa, xingando-me mentalmente. Ele não respondeu. Ah, que ótimo, iríamos brincar de pique-esconde? E depois ele me chama de criança! Francamente!


Depois de tropeçar e derrubar uma pilha gigantesca de livros para serem organizados, achei-o sentando em uma das mesas de estudo no final do amplo espaço empoeirado e fedendo a algum tipo de líquido que deixam os livros mais apresentáveis. Ele lia “O Continente”, de Érico Veríssimo, sendo que nem é uma leitura obrigatória para nossas futuras provas e sendo que a Sra. Ali (de literatura Mundial) nem deu muito foco aos autores brasileiros.


- Você vai ficar nesse joguinho por mais quanto tempo? – perguntei-lhe, achando que não fosse capaz de me controlar e fechar seu livro para fazê-lo me encarar.


- O jogo é seu, não meu – James me retrucou com uma voz séria.


Dei um ataque mental. Fala sério, o que coisa estúpida é essa? Ele estava agindo pior do que o Jason!


É nessa hora que posso enfiar a mão na cara dele? Tomara que sim, porque ela está ardendo para fazer isso.


- Dá para você não me ignorar e conversar comigo direito ao menos? – cheguei mais perto dele, fazendo uma sombra se alastrar na mesa.


- Não, não dá. Eu quero ler e parece que você não está se dando conta disso. Pode me dar licença, só por educação? – James me disse, na maior cara de pau, em um tom nada legal.


Passei a mão pelo cabelo, sentindo corar. Ótimo, mais uma vez. Obrigada por isso.


- Você nunca mais vai conversar direito comigo, né? – indaguei, agora me sentindo a maior das fracassadas.


Nossos olhos, pela primeira vez desde a pós-briga com a Taylor no corredor, se encontraram. Ele não se acovardou e sustentou o meu olhar. No fim, eu acabei cedendo e encarando o chão, esperando ainda a resposta.


- Vá embora, Lily – ouvi-o dizer em tom seco, agora tendo de suspirar, provavelmente, para não me falar coisa pior.


De repente, a música da Taylor Swift, Breathe, me voltou na mente, com força total, agora. Eu quis recomeçar a chorar ali, em sua frente, o que seria uma atitude, no mínimo, ridícula. Mas o que eu lhe devia, afinal? Nada. Por que ele se comoveria com as minhas lágrimas ou canções tristes? Aquelas palavras gravaram-se a fogo em minha mente. Certo. Ele não mais me queria. O que eu continuava a fazer ali, então?


- Pode apostar que sim, James – respondi com a minha raiva acumulada, e então dei um giro e saí rapidinho de lá, antes que ele e a Sunny me vissem falando milhões de palavrões ao vento. E isso seria digno de internação. Bastante.


Agora que a minha raiva passou – e realmente passou – não consigo parar de chorar. Sei lá onde é que estou, acho que é uma sala abandonada, porque tem projetores disfuncionais empilhados e cadeiras velhas por aqui.


Tudo o que quero é um Milk-shake de Ovomaltine. Isso sempre me ajudou a passar por cima dos meus problemas, ou ao menos, a esquecer deles por um curto período de tempo.


Ah, não. Tudo o que quero é voltar lá na biblioteca e bater no James. Deixar cair uma pilha gigante de livros na cabeça dele.


Acho que isso deve resolver alguma coisa. Depois que ele sair do hospital e tudo, claro.


15/FEVEREIRO – 12:18h – SEXTA-FEIRA - ALMOÇO
Eu estava tentando consertar a minha face lá no banheiro, quando todas as cachorras da escola entraram lá ao mesmo tempo, rindo e falando sobre um tal de Jimmy. De como esse Jimmy é bom em alguma coisa. Sinceramente, não quero saber. E é claro que a Taylor estava ali no meio, com o seu cabelo louro impecável e sua tiara preta muito fofa.


Não entendi por que eu não quis sair logo correndo. Eu só continuei a passar o brilho labial como se estivesse sozinha. Todas elas me olharam com cara de nojo completo. Eu vi pelo reflexo do espelho.


- Então, Evans, vai ser bonito ver a sua amiguinha perder daqui a pouco – a Jamie comentou comigo.


Sorri irônica.


- O sentido da palavra bonito tem muitas definições. Por falar nisso, não acho que seja nada bonito transar com um cara que nem sabe o nome em um quarto que nem é seu – revidei com muita calma.


A feição delicada – quase tão delicada quanto à de Taylor – de Jamie desapareceu. Agora seu rosto estava bruto e perigoso.


- E o que você sabe sobre isso? Você nem nunca fez isso, sua idiota – dessa vez foi a Taylor que falou. Ela estava toda lânguida e rija.


Não vou mentir que não corei nem nada assim, porque, é, ela me pegou. Mas não o bastante. E DAÍ que tenho 18 anos e nunca fiz isso? Não estou vendo nenhuma guilhotina por aqui.


- Melhor ser assim a ficar se deitando com metade dos meninos da cidade, pelas costas de seu namorado. Será mesmo que a escola gosta de meninas tão degradantes assim? Eu achava que esse lugar ainda tinha um pouco de salvação, mas agora vejo que todo mundo aqui é ordinário, igualzinha a todas vocês – respondi contando até dez.


Agora todas elas pareciam ter se transformado em uma matilha de super cadelas. Foi até mesmo assustador.


Eu guardei meu brilho labial no bolso do casaco de patinhas e dei uns passos em direção à entrada do banheiro.


- Escuta aqui sua... – era a Sam. Ela sempre defende a matilha.


E que matilha, hein.


Passei por todas elas e quando já na porta, me virei e disse:


- Boa sorte, falsas Barbies!


Tudo bem, depois eu saí correndo até aqui, porque se pelo menos uma delas querer me pegar aqui, não tem como com todos os monitores e tudo mais.


Depois de me servir, percebi que o James voltara a se sentar com a gente. E estava sentado em seu lugar de sempre, que é sempre ao meu lado. O frisson voltou a mil e aspirei calmamente. O que ele estava fazendo? Será que queria se desculpar por ter sido tão grosso comigo lá na biblioteca? Tomara que sim, tomara que sim, eu falava comigo mesma.


- Senta logo – ele me disse, quando fiquei tempo demais parada ao seu lado, pensando se deveria me sentar no lugar do Sirius, por exemplo. Não que seu tom estivesse gentil ou fofo. Estava impaciente de um jeito estúpido.


- Quanto amor – respondi de cara fechada, pousando a minha bandeja ao lado da dele e logo em seguida me sentando.


- Até parece que isso ainda existe entre nós – o James me disse, muito bravo.


Fechei os olhos por poucos segundos, juntei as mãos e soltei o ar represado lentamente.


- Então por que está falando comigo agora? – desafiei-o, com as minhas sobrancelhas erguidas.


- Princípio de convivência – ele me respondeu de mau jeito.


- Até parece. Se fosse assim você nem teria se sentado aqui.


- Por que você sempre quer saber mais do que precisa?


- Não acho que essa seja a questão.


- Ah é. A questão é que você sempre acha que sabe de tudo, quando na verdade não sabe nem o que é.


- James. Se você vai continuar com essa conversa besta, vou sair daqui.


- Saia. Até parece que estou me importando – ele deu de ombros, todo autossuficiente.


E então vi que a mesa dos populares já estava cheia. Todas e todos estavam ali. Principalmente a Taylor.


É isso aí.


Daí, me levantei segurando a minha bandeja com a comida que ainda nem tinha provado, e atravessei o refeitório.


Antes de sair perto demais da mesa em que estava, percebi o olhar surpreso de James. Ele abriu a boca para dizer algo, mas saí dali antes que ele pudesse formular alguma frase.


Fui andando muito calmamente até a mesa-alvo.


Perfeito, a Dalla tinha se levantado para se servir de mais tomatinhos. Uma das cadeiras ao lado da Taylor estava vaga. Sentei-me ali, toda natural.


Algumas pessoas pararam de levar seus garfos à boca para me observar. Acho que estavam apavoradas. Inclusive James e Alex. O Sirius não, porque o Sirius nunca se apavora com algo, nem mesmo se ameaçarem o expulsar.


- Oi, Taylor, preciso levar um conversinha com você, fofa – eu comecei quase educada o bastante.


Ela me olhou confusa e animadinha, provavelmente com um plano bem legal para me destruir publicamente mais uma vez. Entretanto, antes que ela pudesse continuar a raciocinar, já fui perguntando:


- Como é que você soube que fui para Beadlow com o James?


Deu para ver que ela ficou dividida entre me mandar ao inferno e voltar a comer e me responder. Daí, achou melhor responder de uma vez:


- A Sam foi ao mesmo show que vocês e os viu entrando no hotel em que se hospedaram.


Sua voz estava a mais nojenta possível, propositalmente.


- É, e você, fofoqueira, foi lá contar ao meu ex. Que fofa que você é – falei toda irônica.


- Eu vou acabar com você, sua fracassada. Você terá tanta vergonha de sair de casa que nunca mais irá se esquecer de mim – a Taylor revidou com raiva.


- Não irei mesmo me esquecer de você. Porque você é a menina mais podre da escola. Ninguém se esquece de uma pessoa assim, não é?


- Cala essa sua b... – ela levantou o dedo para mim.


- Não, escuta aqui, Taylor – eu agarrei seu pulso com força e me aproximei ainda mais de seu rosto angelical – Eu já agüento muita coisa dentro dessa porcaria de lugar. Todo mundo fica me julgando, me dizendo como devo me vestir e me lembrando como sou a maior fracassada. Mas não vá me mandar calar a boca, sua ordinária. Porque antes que você possa completar essa sua frase autoritária, você pode receber um tapa bem no meio da sua cara. E não duvide: eu sou capaz.


- Ai, me solta, sua louca – Taylor tentou se soltar dramaticamente - Que teatrinho é esse? Acha que é mais poderosa do que eu? Que é melhor do que eu? – ela zombou.


- Sou melhor do que você, Taylor. Porque eu não preciso ficar falando com superioridade para ser aceita ou para me convencer que tenho um lugar na sociedade. Você acha que é melhor do que todos só porque tem um corpo bonito, mas isso é a coisa mais feia do mundo. Ninguém gosta de arrogância – falei com selvageria.


- Você é totalmente perdida nesse mundo. Uma pirada rejeitada – ela me atirou.


- Cala a boca, não pedi a sua opinião. Ainda não acabei – mandei e ela fez uma cara muito esquisita – Eu posso ser rejeitada e impopular, mas ao menos não preciso pisar nos outros para conseguir o que quero. Você acha que todo mundo ama você, mas a realidade é que todos têm é pena de você. Todos vêem o quanto você é frágil e insegura. E, sabe, uma hora o seu reinado irá acabar e você verá que ninguém ficará ao seu lado, porque, do mesmo modo que você compra as pessoas, elas irão a abandonar... – me levantei e fiquei olhando de cima para ela, com muito, muito nojo dela – Então, vá latir longe de mim, porque tenho alergia a pulgas, sua cadela.


Não tinha percebido, mas o refeitório estava muito silencioso. As conversas tinham parado e os movimentos com os talheres também. E acho que todos os olhos estavam em mim.


Quer saber? Pela primeira vez, não me importei. E daí que todos estavam me olhando com cara de choque e de surpresa eterna? A verdade tem que ser revelada o quanto antes, não é. E era isso o que estava fazendo: contando à Taylor que ela é só mais uma menina no mundo, nada mais.


- Como é que é? – os olhos claros de Taylor estavam saltados e sua voz estava muito chocada e perigosa.


- Chamei você de cadela, amor. Porque meninas como você são classificadas assim – eu ainda tive a audácia de responder. Meu sangue fervia e me dava uma sensação ótima.


Então, foi aí que dei um passo para trás, porque Taylor se levantou com muita rapidez, com a rapidez de um puma, e gritou:


- EU VOU ACABAR COM VOCÊ!


Porém, não conseguiu se atirar contra mim. O Jason e o Zac seguraram a Taylor.


- Me soltem, seus idiotas. Eu quero acabar com essa vadia! – ela berrou, quando sentiu que seus braços estavam imóveis.


Às minhas costas ouvi:


- Caramba, você sabe mesmo como causar, hein.


Como tive certeza de que não teria como a Taylor me atacar – ela estava sendo agarrada por DOIS esportistas! Não tem como sair de uma coisa dessas! -, me virei para ver quem tinha falado comigo. Como agora o refeitório tinha praticamente explodido em aplausos e gritos – “Hurra! Morra, Taylor!”. Não estou brincando -, reconhecer qualquer voz me parecia um pouco difícil.


Só que quando quase bati a cabeça no queixo de James, quis jogar meus braços em volta de seu pescoço.


- É, eu sou boa nisso – eu falei como se não estivesse muito feliz.


E o melhor de tudo é que ele sorria. Sorria muito. Parecia feliz e orgulhoso.


- Você é um caos, garota – ele sacudiu a cabeça, tentando esconder o sorriso.


- É, mas eu preciso almoçar. Vamos sentar? – propus, recolhendo a minha badeja da mesa da Taylor, que já tinha sido praticamente arrastada para fora daqui, e me dirigindo à minha mesa. À mesa dos impopulares.


- Meu Deus. A Zora tinha de estar aqui! Ela iria amar! – foi a primeira coisa que a Alex me disse.


- É. À propósito, cadê ela? – olhei ao redor, mas imaginei que estivesse lá em sua mesinha decorada.


- Deu um pulinho em casa para pegar umas coisas.


- O quê? Mas... o debate é daqui a pouco! – exclamei.


- É, não sei também. Mas daqui a pouco ela chega. Sabe como ela é.


Olhei para James. Ele me observava atento.


- O que foi? – eu quis saber.


- Eu deveria parar de ficar com raiva de você – ele falou.


- Deveria mesmo. Mas se quer continuar, não posso fazer nada. A vida é sua – respondi.


Ele sorriu discreto e tornou a enfiar mais carne na boca.


Caramba. Parece que estou envenenada. Envenenada de orgulho de mim mesma.


Nunca fiz uma coisa tão divertida na vida!


15/FEVEREIRO – 12:42h – SEXTA-FEIRA - ALMOÇO
Minha cabeça está girando e girando. Acho que não estou me sentindo muito bem. Não deveria ter comido a sobremesa da Nichole depois da minha.


Bom, eu almocei numa boa com todo mundo passando por mim e dizendo algo como:


- Evans, você é muito legal.


Ou ainda pior:


- Você deveria ser a nova presidenta do Conselho!


Só que, dá licença, eu não quero ser líder de nada. Sem contar que não sou muito boa em liderar nada. Nem mesmo boa para liderar crianças numa pracinha. Eu destruiria tudo, seria uma maravilha. Daí, todo mundo ficaria com raiva de mim e nunca mais eu poderia ser associada a nenhum tipo de organização, já que ferrei com todas e tal.


Eu comecei a ficar seriamente chocada com toda essa manifestação, porque nunca ninguém me deu os parabéns por nada. E eu achava que se alguém desafiasse alguma das populares, todo mundo iria se revoltar contra a pessoa e infernizaria a diretora até a pessoa ser expulsa. Mas não. Até os atletas estão felizes. Exceto o Zac, mas só porque ele é namorado da Taylor.


Até o James parou de ser idiota comigo, mas acho que é só por hora. Ele não fala comigo – não como antes -, mas não pára de dizer:


- É isso aí, Evans!


E eu fico:


- Cala a boca! – só que sempre digo isso sorrindo, o que estraga tudo, se quer saber.


Tudo estava muito divertido – e eu estava até mesmo apreciando toda a atenção, embora estivesse proporcionalmente surpresa -, até que a Alex me passou uma ligação de seu celular. Ela estava no celular já fazia tempo, falando muito secreta e sorrateiramente, como se estivesse falando com um dos líderes do mundo, tipo o Nicolas Sarkozy, presidente da França, que é casado com aquela modelo, a Carla Bruni, que agora é a atual primeira-dama do país. Aliás, adoro as canções da Carla, são tão fofas!


Fiquei com cara de como assim? pra cima da Alex, mas ela meramente colocou o telefone em minhas mãos com um ar todo impaciente.


- Alô? – falei bobamente.


- Ah, Lily, que bom que você pegou logo o telefone! – reconheci a voz a toda velocidade de Zora, que parecia muito afobada – Preciso que você faça uma coisa. É importante!


Logo vi que ia sobrar pra mim. Quando alguém diz “É importante” quer dizer: “Você vai se ferrar!”. Principalmente se a pessoa que lhe diz isso é a Zora.


- Ah. Tipo o quê? Eu não tenho que roubar ninguém, tenho? Ou fazer um clipe com algum rapper onde eu tenha que tirar a roupa, hum? – perguntei, achando difícil filtrar todas as perguntas que vieram em minha mente.


A Zora riu e falou:


- Não, sua babaca. É que não vou chegar a tempo para o debate.


Nessa hora eu quase morri.


- O QUÊ? COMO ASSIM, ZORA? – eu praticamente berrei.


O James me olhou questionador, mas eu o ignorei.


- Passei aqui na gráfica, sabe. Por causa do pôster que mandei fazer, mas ele não ficou pronto.


- Tudo bem, mas você pode vir para cá sem o pôster! – aconselhei.


- Não posso – ela meramente me respondeu.


- Por quê? – exclamei, exasperada.


- Ainda que o pôster não faça muita diferença, um bom discurso faz. E você sabe que não escrevi nada. Então vai ser uma droga.


- Mas eu lhe perguntei antes das aulas se você queria que eu pensasse em algo bom. Você disse que não!


- Não quero LER o meu discurso! Quero somente falar... – ela me disse.


- Tá bom, e vai fazer o quê?


- Não, eu não farei nada – ela negou – Mas eu soube que você disse algumas coisas para a Taylor que deixaram a escola totalmente fortificada de uma maneira inesperada.


- Tá, e daí? – parei de olhar para o James, porque meu estômago estava se embrulhando.


- E daí que, já que você é a Vice-Presidente, quem irá dizer algumas frases inspiradoras será você – a Zora falou.


De repente, tudo o que eu tinha comido no almoço estava querendo voltar.


- COMO É QUE É? EU SOU O QUÊ?– desculpe, mas eu berrei.


- Bem, eu sabia que nem sob ameaça você concordaria em aceitar o cargo, então a nomeei sem a sua total autorização e seu total conhecimento.


- Mas Zora! Você não tinha esse direito! Eu NÃO quero ser nada dentro desse Conselho estúpido!


- Lily! POR FAVOR. Você tem que começar a mostrar o seu potencial! – ela me disse.


- QUE potencial? – arregalei os olhos, trôpega – Eu NÃO tenho potencial! – neguei.


- Tudo bem, não interessa. Você vai discursar e acabou – a Zora afirmou – Por mim, Lily. Pela ESCOLA.


- Mas eu não sei falar em público. Acho que vou morrer – informei, o que é um fato. Eu não sei falar no meio do povo.


Eu sempre fico envergonhada quando sei que mais de duas pessoas estão prestando atenção em mim. Imagine quando sei que MIL estão com seus olhos em mim! Todas querendo que eu quebre a perna ou morra! Muito embora, depois do que acabei de fazer com a Taylor – e depois de todo o apoio até mesmo de alguns populares -, reconheça que talvez falar na frente de todos seja um pouco mais fácil e menos traumatizante. Ainda que eu esteja totalmente confusa, porque não imaginava que alguém, além dos meus atuais amigos – inclusive o James, claro, apesar de ele não querer mais aceitar esse cargo -, iria gostar das palavras pesadas que falei a Taylor, considerando eternamente que ela é a Lady Gaga da escola, ou talvez a Taylor Swift - se ela fosse uma vadia completa - devo admitir que estou bastante satisfeita com todo o feedback. Para uma impopular total, até que não sou tão fracassada assim. Garanto que muitas meninas que não são populares nunca teriam coragem de dizer nem a metade do que disse a minha ex-melhor amiga para alguém, muito menos para a garota mais linda e requisitada da escola.


- Não vai. Lily, você não vê o que acabou de fazer? – a Zora me disse.


- Do que está falando? Eu só falei umas coisas pra Taylor, e daí?


- Lily, as pessoas estão começando a acreditar que existe um mundo além da Taylor! E esse mundo é você!


Eu tive de rir, apesar de ter me chocado ao cubo. Se eu estivesse tomando o meu suco de uva, teria me babado toda com o susto.


- O quê? CLARO QUE NÃO! Eu não sou o mundo de ninguém! – minha voz saiu ainda risonha, mas com muito mais choque agora.


- É, sim. É o mundo do James – ela me provocou, pude perceber pelo tom de sua voz.


Instintivamente olhei para James, que, obviamente, ainda não tinha tirado os olhos verdes de mim. Não sei por que ele estava tão interessado assim na minha conversa. Corei.


- Shiiiiu. Não sou, não! – neguei quase sussurrando, para que James não notasse muita coisa errada – Mas não é sobre isso que estamos falando! – lembrei a ela.


- Você está certa. E já está decidido: você vai falar.


- Não vou!


- POR FAVOR! Você vai se dar bem. Qualquer coisa é só imaginar todo mundo de roupa debaixo – ela me aconselhou.


- Mentira, isso nunca funciona! Eu sempre começo a rir quando imagino todo mundo só de cueca, ou de calcinha e sutiã – falei a ela, rindo.


O James riu ao meu lado e lancei um de meus dedos aos lábios, fazendo cara feia a ele.


- Tá, imagine um cachorro tenho uma convulsão, então. Qualquer coisa. Mas fique calma e diga coisas inspiradoras a todos.


- Zora, eu não vou fazer isso! Você nem tinha me dito que eu sou a vice-presidente! – comecei a me desesperar, porque imaginava que a nossa conversa estava chegando ao fim.


- Você é a vice, a Alex é a secretária e a Nichole é a tesoureira – A Zora me informou, rapidinho.


- Mas não é justo! Vocês estão querendo acabar comigo! Até parece que tenho tempo para ser vice-presidenta de qualquer coisa! – reivindiquei.


- Talvez você precise descobrir suas verdadeiras vocações. Eu sei que é péssimo descobri-las no meio de tanta gente chatinha, mas é a vida, amor. Câmbio, desligando – e ela desligou.


Fiquei sentada com o celular na mão com cara de lhama.


- O que aconteceu? – o James já foi me perguntando.


- Nada – abanei as mãos, após pousar o celular na mesa.


Apoiei minha cabeça nas mãos, surtando.


- Eu não vou conseguir! – sussurrei para mim mesma e olhei para a Alex: - O que vocês estão pensando que estão fazendo?


- Do que está falando, Lily? – a Alex quis saber, quase com uma inocência necessária.


- Você sabia que a Zora me nomeou vice-presidente?


A Alex olhou para a Nichole.


- Fui eu quem deu a idéia. Achei que você não se importaria – a Nichole levantou o dedo, com cara constrangida.


- Você... você... ai, meu Deus – levei minha mão direita à testa.


Não estava me sentindo muito bem. Parecia que meu estômago estava rejeitando tudo o que estava nele.


- É só falar qualquer coisa. Se a escola gosta de qualquer porcaria que a Taylor diz, irá também se importar com as suas palavras – a Alex me falou.


- Eu quero morrer – crocitei, sentindo tudo girar.


- Respira fundo, que daqui a pouco você vai estar lá em cima do palco e vai precisar estar calma – a Nichole me aconselhou, muito fofa.


Comecei a ofegar seriamente.


E acho que não parei até agora.


O James, a Nichole, a Alex e o Remus não param de dizer que nada vai dar errado, que todo mundo vai gostar.


Só que eu nem sei o que vou falar.


Como é que posso estar calma se estou a ponto de vomitar em cima dos meus tênis?!


15/FEVEREIRO – 14:23h – SEXTA-FEIRA – AULA DE GEOGRAFIA
Certo, Sr. Rolt, a qualquer minuto paro de escrever e começo a tentar entender o que o senhor está falando na aula de hoje. Juro. Só que esse minuto não é agora, e também não é o próximo. Tenho muito que escrever. E, já que o James acha que a minha vocação é ser escritora, é meu dever relatar aqui nesse caderno o terror dos últimos 45 minutos.


Eu queria estar dentro de uma cabine do banheiro feminino, mas achei que não seria muito sensato me ausentar de uma aula, quando acabei de fazer um discurso a favor de uma sociedade escolar mais digna. E essa dignidade tem a ver com o fato de freqüentar aulas, claro.


Devo deixar bem claro o quanto quase quis morrer lá na frente de todo mundo, em cima do palquinho, ao lado da Jamie. Isso porque, quando fomos destinadas aos nossos púlpitos de acrílico fosco, os mais de mil alunos estavam sentados nas cadeiras do auditório gritando em uma cacofonia absurda: “Ja-mie! Ja-mie!”. Acho que o que não me levou a pedir uma caneta emprestada para cravar em meu peito foi que assim que subi no palco pude ver o James conversando com a Alex, e logo em seguida os dois levantaram seus polegares para me desejar boa sorte. E o frisson voltou. Acho que porque o James sorria. Acho que me apoiando mesmo; não estava caçoando de mim.


A Sra. Rings se levantou de sua cadeirinha almofada que tinha requerido para tal ocasião, com o seu próprio microfone nas mãos e pedi silêncio. Claro que alguns ainda continuaram a cochichar, mas dava para sentir o silêncio acumulativo em minhas orelhas. Exatamente como tinha sentido lá no refeitório, mais cedo.


- Muito bem. Como todos foram comunicados na sexta-feira passada, a atual presidenta do Conselho teve de... abdicar seu cargo; logo, o melhor que poderíamos fazer era uma nova eleição. Hoje iremos conhecer as plataformas das duas concorrentes e escolher a que mais nos agrada – os murmúrios dos alunos rapidamente se encerraram e a diretora fez uma pausa corrida – De um lado temos a Srta. Jamie e de outro, a Srta. Lily Evans, que está substituindo a Zora, a verdadeira comandante de sua campanha. Essas duas meninas têm aspirações bem diferentes quanto à escola, portanto devemos escutá-las com bastante atenção.


Então, ridiculamente, a Jamie saiu falando. Deu umas batidinhas em seu microfone e saiu prometendo um monte de baboseiras. Prometeu que teríamos assembléias semanais para podermos matar aula com uma justificativa aceitável; prometeu implementar mais programas esportivos, como ginástica com bambolês e com fitas; jurou conseguir abolir o sistema de notas e de provas – segundo ela, notas e provas não conseguem estimular nossos cérebros a estudar mais, ainda assim, o que ELA sabe sobre estudar? Ela nunca fez isso! -; e ainda arrancou gritinhos das meninas fúteis por dizer que substituiria toda a comida “melecada” que nos preparam nos almoços por todos os grãos com a ausência de proteínas e carboidratos. Eu fiquei pensando que é melhor ela se tornar vegetariana. Acho que dá mais certo. E tudo isso não foi nem metade de suas promessas, já que Jamie ficou de posse de seu microfone por praticamente vinte minutos, e não me interessei nem um pouco em ficar ouvindo-a. Quero dizer, QUEM É que se interessa por toda essa IDIOTICE FALSA?


Sério, dá pra ver quase ninguém aqui tem uma mente sã. Para a maioria, que é mantida como um cachorrinho por Taylor, na verdade, nada irá mudar se a Jamie se eleger. Não vai, porque independentemente das regras atuais da diretora, a maioria age por conta própria, ignorando as regras e vivendo em seu mundo paralelo. Mundo onde os impopulares são massacrados publicamente por uma menina loura de saltos agulha. Mundo onde é normal espalhar pela escola que fulano fez isso com ciclana na salinha dos projetores.


ACORDEM! Esse mundo tem de ser DESTRUÍDO! Que tipo de sociedade é essa?


Sociedade deveria ser direitos iguais a todos, independentemente da cor do cabelo ou da marca das roupas.


Bom, daí finalmente a Jamie parou de falar e o auditório explodiu em urros, igualzinho aos fãs da Britney Spears sempre que ela acaba de cantar “Oops... I did it again”. Eu fiquei com a maior cara de sagüi da selva ferido e a diretora me disse:


- Pode começar o seu discurso, Lily.


E daí percebi que o saguizinho ferido estava morrendo. Literalmente.


Vagarosamente as palmas e os gritos de “Ja-mie! Ja-mie!” foram dizimados e todos os olhos estavam me esperando. Alguns pacientemente, outros muito impacientes.


- Hum. Oi. É... então. A Zora não pôde vir fazer o discurso dela, mas eu vim em seu lugar – fiquei olhando para todos os populares com o maior enjôo do mundo.


Vi Alex fazer um sinal de “continue!” com as mãos, e tomei um grande fôlego, tentando pensar na próxima frase tosca que diria àquela gente.


E, então, não me pergunte o porquê, eu me recordei do que o Jason me disse ontem, sobre eu começar a correr atrás das coisas que quero. E, sabe, eu QUERO estudar em uma escola que não me diga como devo me vestir ou que não me chame de esquisita. E ainda me lembrei da conversa que tive na sexta passada com o Sr. Green, o conselheiro da escola. Ele tinha em dito que estamos acostumados demais aos mesmos jogos, e por isso, deixamos pessoas desqualificadas e populares decidirem por todos.


Olhei para Taylor, que estava me olhando com o pior olhar de todos; aquele que ela jogava constantemente à Taylor Swift sempre que a pobrezinha aparecia na MTV. 


E então me dei conta o que tinha de fazer. Eu só tinha que ter argumentos certos.


Minha avó sempre me diz: “Se você argumentar corretamente nunca está errado”.


Acho que isso é mesmo verdade.


- Olha, eu não vou ficar aqui prometendo um monte de coisas que não podem ser conquistadas. Quero dizer, todo mundo sabe que notas são imprescindíveis para o nosso controle acadêmico, com as quais nos servem de bases. Não posso tirar o direito da diretora em ser quem ela é. Não posso querer ter o direito de achar que posso realmente melhorar ou piorar esta escola – de repente meu coração tinha se acelerado e eu estava no pico de todo o meu nervosismo. As muitas expressões de desinteresse, agora estavam remodeladas para algo que desferia concentração.


- Muitos aqui, na verdade, não se importam para que rumo a sociedade está sendo levada. Sei que a maioria não considera política algo que nos diferencia e que nos lança a conquistas. Porém, a política existe desde a História Antiga, a quatro mil anos antes de Cristo. E não é fácil ignorá-la, já que tudo à nossa volta nos remete a ela. A placa de PARE, o sistema das panelinhas, a própria moda, a música – falei e fiz uns segundos de silêncio. Não para poder pensar mais, mas para que todos ali se dessem conta da verdade que eu tinha dito.


Vi o James e a Alex comentarem algo, baixinho. Esqueci-me deles no momento em que meus olhos, agora já não desesperados, se focaram no restante de meus colegas.


- Acredito que todos vocês idealizam o mundo perfeito; o seu próprio mundo perfeito. Mas, nem de longe, essa escola está de ser perfeita – olhei de esguelha para a Sra. Rings e completei rapidinho: - Quero dizer, ACADEMICAMENTE sim. Temos ótimos alunos aqui, alunos que realmente se empenham a conquistar um lugar em uma universidade e que não ligam se seus colegas os acham os maiores CDF’s – ouvi risos fracos, e nem vinham do James ou do Remus – A verdadeira questão do porque estou aqui é que o Conselho não é como brincar de casinha. Todos que estudam aqui desde muito pequenos devem ter notado que existe uma elite que comanda o resto de nós. Nós temos sido oprimidos e humilhados por essa elite que acha que só porque freqüenta as melhores festas, ou tem roupas de grife tem o direito de decidir o que o resto da escola é ou deixa de ser.


Aplausos.


Os populares me olhavam tipo: “O quê? Isso não é comigo!”. A Taylor, ao menos, sabia que em parte eu estava me referindo a ela, e dava para ver que não estava curtindo nadinha.


- Uma coisa que aprendi é que todos têm voz. Até a pessoa mais tímida do mundo. Ela tem voz, igualmente. E talvez uma voz muito mais poderosa do que a maioria – pausa - Está na hora de expressarmos as nossas opiniões, pois sei que temos, e reivindicarmos algo que nos faça iguais, que não continue a maltratar as nossas auto-estimas.


Aplausos. E gritinhos baixos.


Medo.


- FORA TAYLOR! – alguém lá do fundão berrou e o riso foi geral. Exceto os populares, claro. Eles não moveram um músculo.


- Deixar a maioria decidir o que a maioria quer é ser, no mínimo, hipócrita. Sei que é muito tentador votar na menina mais bonita do colégio, só porque ela lhes disse que irá atender aos pedidos de todos, mas sabem de uma coisa? Ela não é melhor do que você aí, Travis! – apontei para o Travis Flober, o cara que é faxineiro aqui no colégio após as aulas, porque sua mãe morreu e agora tem de se sustentar sozinho – Nem melhor do que eu. Ela é IGUAL a todos nós, por um simples motivo. Ela e eu estamos aqui por um único objetivo: tornar-mos adultas competentes.


- Até parece que a Taylor sabe o que é competência! – o Travis berrou para mim.


O auditório começou a murmurar com urgência.


- Tudo bem, talvez ela ainda não esteja no caminho certo – eu ri -, mas irá encontrá-lo. Ainda assim, a Taylor não é melhor ou pior do que eu. Pode parecer que ela é melhor, talvez porque eu tenha inveja de seu cabelo – eu ri, novamente, e a maioria repetiu minha reação -, ou talvez porque todos gostem mais dela.


- Eu gosto mais de você, Lily! – o Sirius, claro, teve que gritar, fazendo com que seus seguidores concordassem.


- Agradeço, Sirius – falei, agora não rindo mais, porque, ei!, risos nunca estão em discursos – O negócio é que conheci tantas pessoas maravilhosas aqui que nunca teria conhecido se não tivesse saído do meu antigo mundo, inclusive você, Sirius. – Sirius e seus amiguinhos riram – Antes eu considerava perfeito estar lá, ao lado da Taylor, vivendo de uma maneira que nunca imaginei viver, mas descobri que não tem nada de errado querer pegar as rédeas da sua própria vida e que estar longe das fofocas e das baladas é muito mais divertido e real. Todos nós nos sentimos excluídos e inaceitáveis de alguma forma ou fazemos e gostamos de coisas estranhas, mas isso não quer dizer que devamos ser desprezados, pois são essas coisas que define quem somos. Que nos deixam mais parecidos com nós mesmos, não com a nossa melhor amiga.


- Eu leio Stephen King! – uma menina de cabelos encaracolados falou.


- Eu adoro a Princesa Leah! – outra berrou.


- Eu odeio a Taylor e a Jamie – o Jason disse.


Todo mundo, até mesmo a diretora, ficou olhando para ele, como se, de repente, o Jason tivesse criado uma orelha extra.


- Exato! Tudo isso define quem somos! E não podemos ter vergonha do que gostamos e amamos! – agora o auditório ficou pequeno demais para todas as palmas e os gritos de aprovação – Todos somos esquisitos! Meu nome é Lily Evans, sou a menina mais odiada pela popular mais estimada da escola, coleciono mangás, leio livros românticos e assisto à Disney! Eu sou uma extraterrestre gigante! – finalizei, por cima de todo o agito explosivo – Então, quando estiverem prestes depositar seus votos nas urnas, pensem se mais vale obedecer ou mudar o que está em sua volta. E então, não se arrependam, porque ao menos vocês tentaram.


Se eu não estivesse me sentindo tão bem, tão poderosa, não teria sorrido enquanto mais de mil alunos enfatizava seus pontos de vista com seus berros e pés no chão de madeira.


A Taylor, a Jamie e a Sam estavam com trombas de elefante. Acho que queriam partir pra cima de mim. Claro que não podiam, uma vez que a diretora estava ali ao meu lado e tudo.


- Humm, ótimo conselho, Lily – a Sra. Rings me disse, parecendo agradecida e muito surpresa.


Então, a Jamie pegou seu microfone mais uma vez e quis consertar suas palavras. Só que não sei se deu muito certo. Todo mundo estava VIBRANDO e gritando o MEU nome.


- É isso aí, Lily! – o Peter berrou, quase matando suas mãos de tanto que as batia.


Desci do palco e fui me sentar elétrica ao lado da Nichole e da Alex.


- Cara, você JÁ ganhou! – a Nick me abraçou super animada.


A Jamie falou mais um pouco, acho que tentando corrigir tudo o que tinha prometido, mas já era.


NINGUÉM, acho que nem mesmo a Taylor, que chorava de raiva nos braços do Zac, estava prestando atenção nela.


Gente, acho que eu deveria fazer isso outras vezes. Meu coração acelerou tanto que achei que ia passar desta para melhor. E quando todo mundo começou a me apoiar, a adrenalina jorrava de minhas veias e eu só pensava em como era bom falar em público.


Caramba. Essa eleição despertou o boi em mim!


Quero maaais!


Ah, olha... parece que o Sr. Holt está falando de mim.


Está dizendo que eu mostrei um exemplo de cidadania quando “levantei a minha voz e a deixei ecoar”.


Que amadinho! Pode até ser que agora eu tente aprender geografia.


A contagem das cédulas e dos votos está sendo agora. No fim das aulas irão anunciar a nova representante da escola! Acho que estou contando os minutos!


Tomara que não aconteça o que aconteceu em Eleição. Mas acho que não vai, não. A diretora não me odeia nem nada assim. E nenhum dos professores. Então, PODE SER que eu vença. Quero dizer, a Zora. Eu apenas sou a vice.


Em menos de uma hora ficaremos sabendo. Estou morrendo aqui!


15/FEVEREIRO – 14:56h – SEXTA-FEIRA – AULA DE FRANCÊS
Eu deveria ter ligado para a Zora assim que o debate terminou. Aposto que ela está quicando em algum lugar ansiosamente, aguardando alguma informação. Não deu tempo para telefonar a ela, porque eu e todo mundo estávamos tão eufóricos que simplesmente nos esquecemos que, na verdade, a presidenta da chapa PDDPE (Programa de Desintoxicação Para Espertos) é a Zora.  Enquanto tentávamos nos deslocar para nossas salas de aula, após a Taylor começar a gritar um monte de frases sem sentido, no meio do corredor, para mim – e a maioria ficou “Cala a boca, Taylor! Você não manda mais em ninguém!”, pude perceber que até mesmo o James parecia feliz por mim. O que agora me ocorreu a idéia que pode ser que sua felicidade estava estampada em seu rosto por causa da ESCOLA, não por MIM. Afinal, por mais que ele não se simpatize com a política, é claro que quer parar de ouvir alguns de nossos colegas caçoando dele. Tipo a Taylor, por exemplo. Ainda que esteja muito satisfeita com toda a discórdia que causou entre mim e o James, ela ainda continua agindo como uma idiota. Talvez eu devesse rasgar mais saias dela.


Apesar de que...


Bom, apesar de que, exatamente como lá no refeitório – quando chamei a Taylor de cadela -, o James parecia muito surpreso com a minha, digamos, coragem. E até mesmo ORGULHOSO. Pelo menos, todas as vezes que olhei para ele, seu sorriso era de orgulho, não de zombaria ou de desprezo.


Será que isso quer dizer que ele me perdoou?


Não.


Não, porque perguntei isso a ele quando estávamos tentando sair do auditório. É, eu também não acreditei na minha cara de pau, mas foi uma coisa feita subconscientemente. De repente percebi o que tinha lhe indagado e não pude voltar atrás. Não tinha como.


Na verdade não perguntei nada sobre perdão. Ele não é papa, oras.


Eu mandei bem assim:


- Você voltou a ser meu amigo?


O James agiu como se eu fosse um cachorrinho muito irritante, tentando me repelir, mas me respondeu de prontidão:


- Você voltou a ser amiga da Taylor?


Sua voz estava contundente e irônica. Sugestiva até.


Não admirei sua resposta, porque ela já tinha sanado a minha dúvida.


- Não – suspirei simplesmente - Mas eu não sou a Taylor – completei, teimando.


- Certo, então me avise quando você decidir tingir seu cabelo de louro – ele me disse.


- O quê? Então só falta eu fazer isso? Pintar o meu cabelo? – dei uma cotovelada em um menino que tentava abrir caminho pelo meu lado, mas se eu o deixasse passar, romperia a conversa que eu estava tendo com o James. Se é que isso pudesse ser chamado de conversa.


Além do mais, a minha cotovelada serviu para extravasar um pouco da minha indignação momentânea.


EU NÃO SOU COMO A TAYLOR!


Se fosse, não teria colocado em pauta tudo aquilo que mencionei lá de cima do palquinho! Não teria me esforçado tanto para obter um bom desempenho! Ainda porque, se tivesse sido a Taylor que estivesse concorrendo, não precisaria nem abrir a boca, porque ninguém liga para o que ela fala, desde que continue a manter a ordem social. Quero dizer, o que era uma ordem social de acordo com os populares. E é bom lembrar que ATÉ MESMO populares me apoiaram! O meu ex me apoiou! Até a Felicia!


Então, eu não sou uma aspirante a Taylor Mcgrow! E nunca pretendi ser!


- Sabe como é, quem dorme com cachorros acorda com pulgas – James me falou, enquanto eu tentava alcançá-lo.


- Me desculpe, James, mas você OUVIU o que eu disse a Taylor lá no refeitório – lembrei-lhe.


- E daí? Pode ser mais um joguinho seu – ele me respondeu, então abaixou sua voz e se encostou em meu ombro: - Como na noite de terça-feira.


Isso, James, comece a falar sobre o nosso beijo bem quando estamos no meio de UMA MATILHA DE FOFOQUEIROS!


Ainda assim, isso me magoou. Como é que ele tem coragem de pensar que eu o beijei somente para brincar com seu coração?


- Aquilo não foi manipulação! Além do mais, você podia muito bem ter se afastado de mim! E você não fez nada! – minha voz estava acusatória.


- Não fui eu quem tomou a iniciativa – ele se defendeu.


- Que iniciativa? – pude escutar a voz animada de Alex atrás de nós, curiosa.


Girei meu pescoço em sua direção, horrorizada.


- Ah, sobre a eleição, sabe como é. A Lily reclama demais – o James inventou uma explicação tosca, na qual, bobamente, Alex caiu. E ele nem corou, do mesmo modo como eu tinha. Parecia que era mesmo verdade. Que nem estávamos falando sobre beijo algum.


- Ah, Lily, não vá me dizer que não irá aceitar o cargo de vice! Depois de hoje, está proibido você dizer que é uma fracassada! – a Alex me disse, meio severa, meio brincando – Não é? – ela perguntou ao irmão.


Só que, oi, eu NASCI fracassada. Não posso estar proibida de afirmar o que sou!


- Ah, é, total – o James disse, mas com muita ironia. Acho que apenas eu detectei seu desdém. Alex estava animadinha demais para reparar em alguma coisa errada na entonação da voz de alguém – Bem, vou para a aula do Sr. Hunt. A gente se vê mais tarde – agora que já estávamos nos corredores, ele se despediu de mim e de Alex e seguiu para o próximo andar.


- Não se preocupe, você já ganhou. Você é praticamente uma vencedora – ela me assegurou.


Então, nos separamos por conta das aulas.


E ainda estou contando os minutos para saber se o pessoal é tão idiota quanto sempre imaginei.


Espera, eu JÁ ganhei.


A Alex que me disse.


15/FEVEREIRO – 15:30h – SEXTA-FEIRA – BANHEIRO FEMININO DO PRIMEIRO ANDAR
Certo, foi mesmo muito legal. Tipo, todo mundo ficou lá batendo nas minhas costas e dizendo que eu sou demais e que sou muito melhor do que a Taylor ou a Jamie. A parte que mais gostei foi que, além do meu atual grupo de amigos, todos os outros grupinhos deram uma passadinha lá debaixo da nossa árvore chorada. Até mesmo o cara da caspa. Até mesmo a April, a mini-Paris Hilton inglesa. E até mesmo o Zac. Sim, o Zac, namorado da Taylor.


Não que eu esperasse que sua namorada tivesse o conhecimento de que ele pretendesse me cumprimentar. A Taylor, se soubesse disso, iria encoleirá-lo a um dinossauro.


Ele chegou assim, no meio de todo mundo que estava tentando falar comigo:


- Ei.


- Oi, Zac – sorri, porque, apesar de ser namorado de quem é, o Zac é um cara muito legal e prestativo.


- Então... a Zora não apareceu, hein – ele disse parecendo muito deslocado.


- É, achei que tudo seria um caos, porque, sabe, eu não queria ser vice-presidenta de nada, mas acho que agora acho que posso me acostumar com a idéia! – eu lhe disse, com muito bom humor.


- Que bom... – ele sorriu amarelo, meio sem graça – Então... você sabe que se você ganhar, a Taylor vai ficar muito mal, né – sua voz estava dispersa e seus olhos disparavam para os lados.


- Tecnicamente, quem irá vencer será a Zora, já que ela é a presidenta da chapa dela... mas, é, eu entrarei para o Conselho se levarmos essa. Acho que a Taylor terá de aceitar que não pode ganhar todas – aconselhei, fazendo uma careta de “fazer o quê, né?”.


- É... a T tem que parar de ser como é – acho que seus olhos e sua voz estavam muito tristes agora e, conseqüentemente, mais por afeto do que por pena, coloquei uma de minhas mãos em seu ombro atleta.


- Ela só precisa melhorar quem é. Não precisa mudar. Diga a ela que sente falta da Taylor legal que já foi um dia – falei, tentando não me comover tanto assim, porque estávamos falando da menina que arruinou a minha vida. Logo, não preciso me comover com pessoas assim.


- Acho que, na realidade, ela nunca foi tão legal assim. Você sabe que não – ele me disse numa voz carregada de obviedade.


- Tá, ela fazia umas coisa ruins com todos... e ainda faz... mas pensei que ela mudaria.


- Não mudou, e piorou muito depois que você... sabe como é. Fez aquilo. Ela não pára de falar sobre você.


- Ah, sério? – fiquei surpresa.


- É, mas acho que hoje você ensinou alguma coisa a ela.


- Que impopulares podem ganhar uma eleição? – arrisquei.


- Não, que as pessoas gostam de humildade e de meninas legais como você – Zac pareceu muito surpreso por eu não saber a resposta.


Eu ri, porque era a única coisa que podia fazer depois de ter escutado aquilo.


- Eu não sou legal. Eu acabei com o mundo encantado da sua namorada e ainda consegui destruir a melhor amizade que já tive! – exclamei, ainda rindo, mas sem convicção e com amargura.


- Uau, você ainda gosta da Taylor, mesmo depois de tudo o qu... – sua voz saiu um tanto risonha e inacreditável.


- Não, não estou me referindo a Taylor. Estou falando do James Potter – balancei a cabeça, negando.


Daí o Zac olhou para o James, que estava mais afastado de mim, conversando com o Sirius sobre meteoros ou super-novas, não sei... e riu. Digo, o Zac riu, não o James.


- Ah. Ele – Zac falou.


Lancei um olhar furtivo ao James e suspirei.


- É, ele – confirmei pesarosa – Acho que você soube o que a Taylor fez, não é?


- É, ela jogou baixo, mas esse seu amigo também não foi nada sensato, hein – ele me disse em uma voz uma tanto mais energizada – Quero dizer, eu nunca me importo com as coisas que alguém pensa sobre mim. E sempre penso que, se agora tenho algum amigo que já me odiou algum dia, sou muito sortudo.


- É. Mas eu nunca o odiei. Ele que está mega exagerando nisso tudo.


- Bom, não sei se serei útil a algo relacionado a isso, já que normalmente não consigo nem mesmo resolver meus problemas com a T... mas... de todo modo, só vim aqui para lhe desejar sorte, porque se tem alguém que merece vencer algo, esse alguém é, com certeza, você – ele apertou minha mão em um gesto cordial e muito polido.  


- Obrigada, de verdade – sorri sem jeito, porque é muito esquisito fazer um discurso sobre pessoas esquisitas e depois receber elogios por isso. Tente fazer isso na sua escola que você sentirá esse meu desconforto.


- Vou indo ali. A Taylor quer que eu a leve ao shopping. Você sabe. Essas coisas – ele se despediu de mim com um aceno breve e rapidamente voltou para dentro da escola.


As aulas já tinham se encerrado, apesar do sinal ainda não ter soado, mas só porque os alunos – principalmente eu – estavam muito agitados e os professores desistiram de falar e falar. E daí que a diretora nos pediu que aguardássemos a recontagem dos votos e o pronunciamento acerca do novo corpo do Conselho.


Quando escutamos o ruído típico dos megafones externos e internos reverberarem um som muito incômodo, soube que era a hora da sentença. Não de morte, claro, mas a sentença da verdade.


A Sra. Rings disse algo como:


- Bem, alunos, as cédulas foram contadas e recontadas. Acho que foi uma vitória justa e determinada. Então, sem mais delongas... é de meu dever anunciar que a nova presidente do Conselho Estudantil da Bedford High School é Zora Kendak.


Levei minhas mãos à boca e permaneci com os pés fincados na grama macia sob meus All Stars de cano longo, sem coragem de me mover.


Então, tudo o que escutei depois foi uma chuva de comemoração e de palmas. Um monte de gente voou pra cima de mim, pulando e pulando e dizendo:


- Você conseguiu, Lily! Você conseguiu!


E não me lembro se consegui dizer alguma coisa, mas tudo o que fiz foi tentar procurar a Alex, a Nichole, o Sirius, o Remus, o Peter e o James. De repente a boca de meu estômago estava muito apertada e gelada.


Quando distingui minhas novas amigas daquele bolo imenso de pessoas malucas e ensandecidas, não resisti e pulei com elas em círculos, como costumava fazer com a Taylor, sempre que recebia uma boa notícia.


Ficou assim:


Jamie: 235 votos


Eu: 764 votos (já que a Zora não compareceu à coisa toda)


!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


O Sirius, bem malandro, disse:


- Pois é, vou ter que fazer as pazes com a galinha de macumba da minha mãe. Não acredito. Não posso mais prometer nada, vou pagar a minha língua.


- E eu nem fiz de propósito! – exclamei, abraçando-o. Ainda que ele tentasse se afastar de mim, eu não me importei, porque quando estamos felizes, nada importa.


- Aposto como fez, mas deixa pra lá – ele me disse, todo malvado.


O James foi o último a me cumprimentar. Ele estava todo esquivo e não parecia satisfeito por ter de falar comigo mais uma vez.


- Pois é. Você ganhou mais uma vez. Só não estrague a escola também, hein – o James me falou com uma voz profunda. Não acho que era de desprezo; parecia mais de conformação.


- Eu sou muito politicamente correta – afirmei.


- Talvez não nas suas amizades.


- Não dá pra fingir um pouquinho de felicidade só por enquanto? Precisa mesmo me atacar? – perguntei irritada.


- Não estou tentando ofendê-la. É apenas uma constatação – ele se desculpou, ainda que não parecesse arrependido.


- Certo, então chega de constatações – pedi muito séria.


Eu queria que ele estivesse pulando comigo e me dizendo que sou extraordinária e que meu discurso foi o melhor do mundo, mas o James simplesmente se afastou de nós e rumou, com passos descompassados e lentos, para o estacionamento, depois de avisar à irmã que a estava esperando longe daqui.


POR QUE ELE NÃO PODE ACABAR COM TODA ESSA INFANTILIDADE?


15/FEVEREIRO – 16:12h – SEXTA-FEIRA – QUARTO
Eu cheguei bem feliz em casa, apesar de todo o drama ridículo do James, e já fui espalhando a nova notícia.


D. Julia está MUITO impressionada comigo. Diz que eu fiz um progresso GIGANTESCO.


E, sabe, é verdade. Não é todo dia que alguém impopular enfrenta a menina mais adorada do pedaço, chamando-a de cadela, e ainda por cima, vence a eleição do Conselho Estudantil. Tudo no MESMO DIA.


E se qualquer um estivesse me contando essa história, eu acharia que é a maior mentira, porque meninas ruivas e tímidas nunca têm coragem para fazer algo. Eu mal tinha coragem de ir lá à frente do quadro resolver um teorema! E agora aqui estou: sou a vice-presidente da escola! Mais do DOBRO da escola votou EM MIM! Digo, na Zora. Mas foi o MEU discurso que motivou à todos! YEEY!


Ah, meu Deus, falando na Zora... Será que ALGUÉM já ligou para ela para contar o que aconteceu?


É melhor eu ligar... só para berrarmos ao telefone! Hahahahaha. Brincadeira, não suporto berrinhos ao telefone.


E gostaria mesmo mesmo mesmo que a minha avó parasse de invadir o meu quarto para me dizer que tenho de arranjar um modo de me redimir em relação a tudo o que fiz para o James.


Tá bom, vovó. Quem sabe se eu me enforcar, ele comece a me dar mais créditos!


15/FEVEREIRO – 16:33h – SEXTA-FEIRA – QUARTO
Ai, que coisa mais péssima! A Zora PERDEU a voz! Simplesmente parece que o Darth Vader está falando por ela!


Nossa conversa foi mais ou menos assim:


Zora (com a voz rouca ao cubo, praticamente irreconhecível): Alô


Eu (estranhando a voz e já cogitando desligar): Zora? É você?


Zora (tentando rir): Não, é a Madonna se passando pelo Korn!


Eu (preocupada e rindo ao mesmo tempo): Ai, meu Deus! Na verdade, pensei que fosse o Darth Vader!


Zora: É assim que estou me sentindo! Só que não sou pai de ninguém! E nem uso aquela capa pobrinha.


Eu: Caramba! Você matou a sua voz!


Zora: Foi a minha ansiedade. Eu tenho um problema com isso. Sempre que estou sob pressão e essas coisas, perco a voz. Tem gente que desenvolve insônia temporária, mas eu perco a voz!


Eu: Ah bom. Ainda assim, que péssimo! Quando eu fico ansiosa fico muito enjoada.


Zora (voz urgente e animada ao cubo): É, mas eu soube do que você fez! Lily, você não tem noção do quão feliz estou! Quando a Alex me ligou, eu quis me teletransportar lá pra escola só pra pular com vocês! A pena é que não podemos gritar nem nada...


Eu: Eu seeei! Foi MUITO surreal! Quando a Jamie acabou de falar, eu não tinha idéia do que dizer, mas daí uma hora tudo começou a sair e fazer o maior sentido do mundo!


Zora: Que máximo! (pausa) Você arrasa, Lily Evans!


Eu (rindo): É, até parece. Mas, hein, você já foi ao médico?


Zora (desanimada): Minha faringe está queimada por causa do ácido do meu estômago.


Eu: Ácido Clorídrico.


Zora: É, deve ser. E então tenho de descansar a minha voz. Nem era para eu estar falando agora, mas é uma questão de necessidade!


Eu: Opa, então é melhor desligarmos!


Zora: Nos falamos no MSN, ok?


Eu: Combinado! Melhoras, presidente! (risos)


Zora (rindo): Bobona.


Daí, logo em seguida, o meu telefone tocou. Achei que fosse a Zora, talvez tivesse se esquecido de me dizer algo, ou qualquer coisa... Mas não. Era a Alex. Não me pergunte por que, mas meu coração fez um tum-tum idiota quando ouvi sua voz. Acho que eu esperava que fosse o James. Ou melhor, eu QUERIA que fosse o James. Queria que ele dissesse que é o maior idiota de todos e que se arrepende por me julgar tanto, só por umas coisas que já pensei sobre ele.


Mas, é. Não aconteceu isso.


Não era o James.


Alex: O que está fazendo?


Eu: Acabei de falar com a Zora. Ela está mal, hein?


Alex: Ah sim, coitadinha. Mas ainda bem que foi você que falou lá no debate!


Eu: É.


Alex: Só para você saber, o James não está aqui. Ele está lá no Sirius.


Eu (mega surpresa): Como é que você sabe que eu queria falar com ele?


Alex (igualmente surpresa): Ah, você queria?


Eu: Um pouco. Mas deixa pra lá. ELE não quer falar comigo mesmo.


Alex: Mas eu achei que depois de hoje, vocês tinham voltado a serem amigos! Quero dizer, ele estava até rindo e tudo. E estava totalmente a seu favor lá no debate!


Eu: É, mas foi só por causa do debate. Ele ainda está, sabe como é, me odiando.


Alex: Não está. Ele até parou de falar de você.


Eu (incomodada subitamente): Parou?


Alex: Sim. Antes ele falava que não acreditava que pudesse ter sido seu amigo, mas agora nem fala nada sobre você. Exceto hoje, porque depois das aulas não parou de comentar sobre o seu discurso e sobre você ter ganhado a eleição.


Eu: Jura? Então... não é muito ruim.


Alex: É. Mas sei lá. Ele continua não querendo dar o braço a torcer. Juro que já tentei convencê-lo de tudo que é modo, mas você conviveu tempo suficiente para ter sabido que o meu irmão é muito teimoso.


Eu (desanimada): É mesmo.


Alex: Tá, esquecendo um pouco o meu irmão... você não quer passar o fim de semana aqui em casa?


Eu (irritada): Como é que vou esquecer o seu irmão se vou passar o fim de semana aí, Alex?


Alex: Aaah, mas deixa-o pra lá! Podíamos assistir a alguns filmes do Johnny Depp.


Eu (um pouco contrariada): Tudo bem, mas só porque é o Johnny Depp. O James não irá ficar os DOIS dias em casa, não é?


Alex: Venha logo para cá. Ele ainda não chegou. Convidei a Nick e a Zo também.


Eu (rolando os olhos): Tudo bem. Mas tem certeza de qu...


Alex: Caramba, Lily! Esqueça meu irmão! Para alguém que diz não amá-lo, você fala MUITO nele, hein?


Eu (irritada ao cubo): ALEX! NÃO É NADA DISSO! EU SÓ QUERO FAZER COM QUE ELE VOLTE A SER MEU AMIGO!


Alex (rindo): Você está bem ESQUENTADINHA, hein. Tá bom, FINGIREI que não sei de nada, tudo bem?


 Eu ia retrucar uma coisa bem feia, mas não deu tempo, pois ela já tinha colocado o telefone no gancho.


E espera aí.


O que a Alex sabe sobre mim e o James?


Sabe, antes de fazer amizade com essa gente, eu achava que minha imaginação era a mais forte de todas, mas creio que julguei a minha pobre cabecinha equivocadamente. A Nichole, a Zora e a Alex juntas podem ser capazes de criar uma bomba atômica só com seus pensamentos errados e poluídos.


Certo. Vou juntar algumas roupas e me mandar para a casa dos Potter.


Nem será difícil. Imagina.


Queria ter uma arma, às vezes, sabe!


15/FEVEREIRO – 19:07h – SEXTA-FEIRA – QUARTO DA ALEX
Antes de sair de casa estava achando que não era uma boa idéia vir pra cá, porque o James também mora aqui e DORME no quarto ao lado. Mas daí, pensei que podia não ser tão ruim, já que é realmente bom estar longe de D. Julia e de seus filmes antigos. E de toda aquela falação sobre como devo me desculpar com o James e sobre como gosto dele, mas ainda não percebi. Aham, Cláudia, senta lá.


Apesar de a Zora precisar descansar e tudo – principalmente a voz, por ordens médicas -, ela não pára de falar sobre a eleição. Quis que eu contasse nos mínimos detalhes tudo o que falei pra Taylor no almoço e depois o que discursei no debate. Por mais que eu tivesse lhe dito que minha mente armazena muito pouco as informações de um passado não tão distante assim, claro que ela me OBRIGOU a contar cada segundo dos momentos mais legais dessa manhã. E sério, essa manhã ficará para a HISTÓRIA. Tipo Avatar. A minha escola nunca sofreu tão drasticamente a mudança do Conselho quanto hoje. As populares sempre querem o poder, sempre conseguem o poder e sempre ficam com ele para sempre. Mas acho que esse para sempre acabou de terminar! Agora começou uma nova era, meus amores. Dá licença que as meninas impopulares estão liderando desta vez. Até o final deste semestre, ao menos.


Nem acredito que ainda estou me sentido TÃO BEM com tudo isso. É de se imaginar que, depois de tantas horas, eu estivesse mais calma e que a adrenalina já tivesse perdido o efeito, mas NÃO. Ainda continuo MEGA animada! Ai, que loucura. O poder é realmente MUITO satisfatório!


Então, estar aqui não está sendo muito ruim. O James ainda não chegou da casa do Sirius, o que me dá tempo para me divertir, até ele massacrar meu ânimo e tal. Porque é óbvio que é isso o que fará. Parece que, por mais que ele tivesse sido um amor lá no almoço – fingindo afastar nossas atuais diferenças, só para me apoiar na coisa toda com a Taylor -, está bem claro para mim que sua fofice foi deixada lá mesmo, no refeitório. Ou talvez, lá no auditório, depois que finalizei meu trabalho lá no debate, porque James estava lá ao lado da irmã totalmente sendo positivo e me encorajando a não fracassar com as palavras.


Mas eu decidi uma coisa muito séria quando estava vindo para cá, durante o tempo em que escutava a voz de bebê da Gwen Stefani em 4 In The Morning. Estipulei que não vou ser fraca e sentir a falta dele. A falta do James. E muito menos ficar toda mal se o James prefere me ignorar e nunca mais voltar a me tratar do mesmo modo fofo que me tratava. E daí se ele foi o primeiro cara que AMEI conhecer, talvez pelo fato de ele ser muito fofo e muito sincero e muito qualquer coisa e muito tudo? Tenho que tentar esquecê-lo, exatamente como ele está fazendo comigo. Quero dizer, já fez. Porque é OBVIO que o James já SUPEROU ETERNAMENTE o lance legal que tivemos. Tipo, na amizade, já que não sustentamos lance algum. Não, sabe como é, romanticamente, já que nunca fiquei atraída por ele nem nada. E amor também é uma coisa de atração, certo? Sim, com certeza. Sei disso, porque me sentia atraída pelo Jason um MONTÃO no começo do nosso namoro. Só que agora ele não passa de um amigo. Ou algo assim.


Enfim, a minha promessa é que NÃO irei sentir a falta dele. POR QUE sentiria, se ELE não está nem aí pra mim? Não sou masoquista nem nada assim, oras! Não vou mentir: estou MORRENDO sem ele, mas do que adianta me deprimir por uma causa perdida? Se superei a perda da Taylor – que, tudo bem, nem provocou muita depressão em mim – consigo igualmente deixar pra lá o James. TOTALMENTE.


Estamos fazendo um intervalinho, enquanto vemos o Owl City em um show muito chatinho na MTV. Nada contra o Owl City, as musiquinhas são muito fofas; adoro Fireflies, ainda assim acho que até mesmo Avril Lavigne é mais legalzinha ao vivo. Não, mentira. Não suporto os shows da Avril. Todo mundo sabe que amo a Hayley e acabou (:


Já que a Zora não para de comer pipoca e de cantar – com a sua atual voz de gato com dor de garganta - junto com o vocalista, e a Alex foi fazer brigadeiro para nós e a Nick está quase dormindo ali no sofá, aproveitei para, claro, escrever. Sério, não consigo ficar sem escrever. É tipo uma droga. Um vício. Mas não estou nem aí. Não é proibido escrever, não é? Apesar de que algumas pessoas realmente deveriam ser banidas do mundo por seus livros estranhos. E nem estou falando da Stephanie Meyer. Muito menos dizendo que sou uma melhor escritora do que alguém. Quero dizer, se alguém me pedisse para escrever um romance, eu não conseguiria ser nem a metade tão fantástica quanto a Meg Cabot, por exemplo.


Aaaah, o próximo filme vai começar.


Escolhi Benny & Joon, já que nenhuma das meninas viu esse. Também porque trouxe esse especialmente de casa, da minha coleção de filmes do Johnny Depp, que mantenho desde que fiz 13 anos.


Aliás, Benny & Joon é um dos meus preferidos, principalmente pelo fato de que a personagem do Johnny imita o Charles Chaplin. E a cena do beijo é a mais linda de TODAS!


15/FEVEREIRO – 20:52 – SEXTA-FEIRA – QUARTO DA ALEX
Ok, aquilo foi MUITO bizarro.


A Nichole e a Alex não paravam de dizer “ai, que fofo!” para QUALQUER coisa que o Johnny fazia no filme, então a Zora ficava toda hora “cala a boca, suas bobonas” para as duas. Eu só ria e brilhava meus olhos, porque, CONVENHAMOS, você que já assistiu a Benny & Joon, é praticamente não ficar toda retardada com as cenas da Joon com o Sam.


E daí que a gente levou o maior susto quando chegou a cena do beijo. Isso, porque o Sirius abriu a porta com uma EDUCAÇÃO e CALMA dignas de espancamento. Todas nós estávamos quase BABANDO e ele disse:


- Ei, vocês estão aí!


Claro que imediatamente nos livramos das caras de apaixonadas e falamos, todas juntas:


- Oi.


E algo pior aconteceu. O James apareceu. Ele abriu mais a porta e quando nos viu, levantou as sobrancelhas. Muito.


- Nossa. É uma convenção? – ele fez graça, e daí olhou para a TV.


- Não, estamos assistindo a um filme. Que vocês não estão autorizados a ver – a Alex lhe disse.


- Ah, seeei – o Sirius disse, e se virou para o James: - Vem, vamos.


E depois do James me olhar ainda mais estranho, eles se foram. Fecharam a porta da Alex e ouvi a ao lado, do quarto do James, bater. Eles, então, tinham se enfiado lá, acho que para jogar videogame. Ou sei lá, folhear revista de mulher sem roupa.


Sei que parece que não foi nada, que não tem nada de errado ou suspeito nisso, mas teve sim.


Eu VI o olhar que o James me lançou quando se virou para o filme e observou o Sam e a Joon, tão atrapalhados, se separarem, por conta do beijo mais fofo da história, enquanto ouvíamos Have a Little Faith in Me. Ele não estava caçoando. Era mais uma coisa tipo “Uau, você está apaixonada!”. O que, se quer saber, não ajudou em nada, porque minha expressão já denunciava o meu derretimento – e eu sempre me derreto nessa cena -, então, sem nem mesmo me dar conta, comecei a me sentir muito esquisita. Sei lá. De repente, eu não conseguia mais olhar para ele. Tipo, eu sempre amei olhar para ele, sei lá por quê, mas era uma coisa boa, sabe. Eu me sentia bem e compreendida. Mas dessa vez eu simplesmente não conseguia. Era como se eu quisesse me obrigar a olhar para, sei lá, um cara enfiando uma chave de fenda na cabeça de um cachorro, que nem o Mort fez com o Chico, em A Janela Secreta. E daí que, além de todo o desconforto, tinha que corar, só pra variar um pouco. E é óbvio que ele viu meu rosto vermelho, porque quando respirei fundo e olhei-o, o James estava tipo rindo. Não, sorrindo, pra ser mais exata. Mas não estava mostrando os dentes nem nada. Ele só sorriu de canto de boca. Acho que apenas eu percebi seu sorrisinho torto.


Daí ele saiu, porque o Sirius o chamou.


E eu fiquei sem entender nada. E acho que até agora estou esquisita.


15/FEVEREIRO – 21:14 – SEXTA-FEIRA – QUARTO DA ALEX
Eu perguntei ao Sirius se ele já fez as pazes com a mãe dele, e ele disse que não estava falando sério e que não vai conversar com a mãe dele. E daí que o James, meio que sem querer, disse:


- O Sirius é meu irmão, a única mãe que ele tem é a minha.


Ele estava comendo um pedaço de queijo branco, e o Sirius estava raspando o resto do brigadeiro que a Alex tinha deixado na panela. As meninas estavam no quarto, escolhendo nosso próximo filme, que veremos depois de jantar, já que a Sra. Potter chegou da loja e está preparando alguma coisa para comermos. Acho que é frango ao molho branco, pelo o que estou sentindo o cheiro.


Eu ainda estava meio esquisita, sabe. Não estava a fim de olhar muito para o James, porque sabia que iria voltar a corar. Na verdade, não estava nem mesmo suportando estar junto a ele. Não sei. Estava acontecendo alguma coisa. Só que ele já não estava mais com o sorrisinho torto nos lábios. Estava bastante sério e provavelmente ansioso para escapulir da cozinha, para não ter de me ver ou algo assim.


- É. E também nem sou o filho que a minha mãe pediu a Deus. Então, o nosso descontentamento e desamor são recíprocos – o Sirius afirmou, levando a colher de madeira à boca.


- Humm. Que coisa chata – falei, mirando apenas o Sirius, porque não queria correr o risco de cruzar meus olhos com os de James.


O Sirius deu de ombros, pouco se importando.


Podia sentir os olhos de James em cima de mim e tentei controlar o meu nervosismo e a minha desconcentração.


- Então, vocês estão tentando ter uma overdose de Johnny Depp ou algo assim? – quando ouvi a voz do James, quase desencanada e normal, instintivamente girei minha cabeça para a geladeira, onde ele ainda se encontrava.


Eu realmente achei muito fofo da parte dele fingir que queria manter qualquer tipo de conversa comigo.


Rapidamente agarrei uma mecha do meu cabelo e, desviando meus olhos dele para o chão limpo, falei:


- Mais ou menos.


- Benny & Joon é legal – James comentou e fechou a porta da geladeira.


Levantei meus olhos, chocada. Não, talvez admirada. Quero dizer, O QUÊ? Quer algo MAIS fofo? O Jason nem sabe da EXISTÊNCIA desse filme, e o JAMES diz que é legal. É ou não é para morrer de choque?


Eu fiquei ali, olhando pra ele, com aquela minha cara de Fala sério por um minuto, até o Sirius ver a cena toda e perguntar:


- O que foi?


E o James, depois de passar por mim como se nem tivesse dito nada, disse:


- Sei lá.


E confirmei:


- É, sei lá.


O Sirius fez uma cara de quem acreditava muito na gente (NÃO) e retornou:


- Ah, sei. Vocês nem estavam esquisitos se olhando como se tivessem visto o fantasma do Michael Jackson.


- A Lily é quem estava – o James me acusou, me indicando com a cabeça, meio que querendo rir, eu acho.


Eu, claro, corei e quis realmente bater no James.


- Não estava nada! – neguei, toda alterada, tentando ignorar o meu vermelho.


O Sirius riu e falou:


- Wow, calma aí, tigresa!


Apertei os olhos para ambos, irritada.


- Vai dar uma volta, Sirius – falei. Só daí, lembrei que se o Sirius fosse dar uma volta, eu ficaria sozinha com o James e não gostei nadinha.


- Eu já disse que você é muito estranha, Lily? – o Sirius me perguntou, rindo.


Fiz uma cara de boi.


- Tanto faz – eu disse, toda revoltada.


- Nossa, acho que alguém aqui precisa de um namorado, hein – o Sirius me aconselhou, mas olhando para o James, acho que para ver se o amigo riria junto.


E essa foi a gota d’agua. Sinceramente, não sei o que ativou meu cérebro, mas eu fui lá e bati no Sirius. E foi aí que o James riu.


- Caramba – ele disse, depois que o Sirius já tinha berrado e estava esfregando o braço.


E daí a Sra. Potter apareceu. Ela entrou carregando umas sacolas de pano, que as deixou em cima da mesa da sala, e veio para a cozinha. E ficou feliz em me ver. Meio surpresa, talvez porque o James já tenha contado a ela que sou a maior mentirosa e falsa, é verdade, mas deu para perceber que também estava feliz.


- Eeei, bonitinha – foi a primeira coisa que a Sra. Potter me disse, se lançando contra mim, para me abraçar.


O Sirius riu.


- Oi, Sra. Potter – eu falei depois que ela me largou e estava me olhando com expectativa.


- Fim de semana das meninas, é? – ela me perguntou, rindo fraco. Pelo jeito ela já sabia da invasão em sua casa. Acho que o Sirius não conta, já que ele vive praticamente aqui.


- É, estamos assistindo a uns filmes – concordei, sorrindo.


- Aposto como só comeram pipoca até agora – ela me disse e eu ri – Vou preparar uma janta legal. O Gregory está em Orion, portanto seremos apenas nós.


Uau, como o pai do James viaja muito! É como se ele quase não tivesse pai.


- Tudo bem – eu disse, olhando de canto de olho para o James.


- James, não quer sair daqui com a Lily e o Sirius? – a mãe perguntou.


Que amor, a mãe do James sabe o meu nome. Quero dizer, sei que ela nos levou até a estação para irmos até Beadlow, naquele fim de semana, mas mesmo assim. Normalmente os pais nunca sabem os nomes dos amigos dos filhos. Especialmente dos que somente viram uma única vez.


Mas deixa pra lá. Quem sabe a Alex fala de mim, às vezes.


Ou o James. Não, ele não. Ele me odeia.


Então, voltamos para o andar de cima.


- Por que a mãe do James chama você de “bonitinha”? – o Sirius quis saber.


Olhei atravessado para ele.


- Por quê? Não sou bonitinha? – perguntei, mais brincando do que ofendida.


- Sei lá, pergunta para o James – o Sirius me disse. Eu corei.


Olhei para o James, mesmo não querendo. Ele fez uma cara de Olha esse cara! e balançou a cabeça, rindo raso.


- Bom, isso já diz tudo: você não é bonitinha – o Sirius comentou, rindo.


E daí eu tive de rir. Foi meio estranho, considerando que eu estava ali no corredor, olhando para o James, esperando alguma resposta. Tudo bem, talvez não estivesse esperando resposta. Mas eu estava ali olhando para ele, esperando alguma coisa. Alguma reação.


Só que quando acabamos de rir, percebi que não estava me importando. Eu não esperava nada de James. Qualquer que fosse sua reação ou sua resposta não influenciaria em nada. Eu continuaria sentida com ele e continuaria me sentindo culpada por ter detonado a nossa relação.


Depois que eles se enclausuraram novamente no quarto de James, fiquei um tempinho ali no corredor, sozinha.


E percebi outra coisa.


Percebi que se não tentar resgatar o que perdi, não vou mais conseguir olhar para o James. Ou tentar fingir que nada aconteceu entre nós. Eu tenho que tentar. Tenho que lutar por ele, lutar por nossa amizade. Porque se eu tentar e não conseguir nada, ao menos tentei. Se não lutar, como saberei se não conseguirei voltar a ser amiga dele?


Talvez se eu fizer alguma coisa, se sentarmos para conversar como adultos, ou quase adultos, pode ser que eu conserte tudo isso. E aí serei feliz novamente. Recuperarei a minha auto-estima e tudo.


É isso aí.


16/FEVEREIRO – 11:23 – SÁBADO – QUARTO DA ALEX
Ai, minha cabeça ainda não parou de latejar. A mãe do James me deu uma aspirina, bem querida, mas ainda me sinto muito mal. Eu estava totalmente sem condições de escrever qualquer palavra ontem à noite.


Depois que as meninas finalmente optaram por Cry-Baby, ficamos meio que, já sonolentas, conversando sobre o Orlando Bloom – eu discordando totalmente que ele é um cara mega lindo e tal, porque o único filme que realmente gostei dele foi em Tudo Acontece em Elizabethtown, e acho que nem conta, já que só o assisti porque a Kristen Dusten é uma aeromoça.


Daí a Sra. Potter nos chamou para jantar e foi muito tenso. Tipo, o jantar.


Isso porque o Sirius não parava de dizer coisas como “A Lily e o James...” ou “O James a acha, sim, bonitinha, Lily, só que ele é muito envergonhado, né, James?”. E eu tinha que toda hora chutá-lo, o que não foi uma idéia muito sábia, principalmente depois que acertei o James e ele berrou, e eu tive de pedir desculpa com a minha cara toda corada. E foi aí que a Sra. Potter começou a sacar alguma coisa. Ela perguntou, bem com aquela voz de animação que eu detestei:


- Vocês são um casalzinho?


E, sério, vocês deveriam ter visto a cara de ansiedade dela. Me matou. De verdade.


Todo mundo sabia que ela estava se referindo a mim e ao James. Podia estar se referindo a mim e ao Sirius, mas é claro que todo mundo percebeu seus olhos igualmente verdes, tais como os dos filhos, quicando de mim para o James, e depois dele para mim, toda na expectativa. Até mesmo parecia a Taylor quando fica sabendo de alguma festa mega badalada. Ou quando fica sabendo que algum garoto, que não é o Zac, seu namorado, quer beijá-la, mesmo sabendo que ela é comprometida. Mas ela não liga para compromisso, claro que não. Coitadinho do Zac.


Eu só falei:


- Até parece.


Mas a minha face estava toda envergonhada, sabe como é. Além do mais, eu totalmente estava querendo chutar o Sirius. E ninguém, a não ser o James, me ajudou nessa. Todo mundo, exceto o James e a mãe dele, começou a rir, como se estivesse denunciando tudo. Como se dissessem “Você não sabe O QUANTO eles são uns casalzinho, Sra. Potter”. Até mesmo a ALEX estava rindo. Rindo toda animadinha, como a Zora e a Nichole. E, claro, isso ajudou o meu rosto a ficar ainda mais vermelho. Eu achava que era impossível uma pessoa querer morrer de vergonha, mas acho que é sim possível. Naquela hora, eu quis me atirar na linha D para que um trem passasse em cima de mim.


- Não precisa se envergonhar, fofinha – a mãe do James me falou, toda encantada com a minha reação.


E acho que foi bem aí que meu estômago quis rejeitar todo o franjo com molho branco que estava lá dentro. Não sei se foi o fato de ela ter me dito que não deveria me envergonhar ou o fato de ela ter me chamado de “fofinha” que me deixou tão enjoada. Ou, talvez, fosse o fato de que eu estava morrendo de vergonha na frente do James e de todo mundo.


Ah! E o James, então? Ele nem negou! Ele nem foi lá me ajudar a fazer a cabeça da mãe dele. Só ficou com aqueles olhos em cima de mim, todo concentrado na minha vergonha. Ao menos, ele não estava achando graça da pergunta da mãe. Acho que não. Mas acho que estava com vontade de rir de mim. Sei disso, porque ele estava DE NOVO com aquele sorriso quase invisível no canto dos lábios. E acho que somente eu o enxergo. E acho que ele faz isso de propósito. Sabe como é, sorri para mim daquele jeito. Acho que ele sabe que eu fico toda ESQUISITA quando o vejo com esse sorrisinho. E, sabe, não QUERO ficar toda ESQUISITA quando reparo que o James está sorrindo assim. Porque... sei lá. Parece que gosto dele daquele jeito. Mas NÃO gosto.


Apesar de que... bom. Como é que eu reparo aquele sorrisinho e mais NINGUÉM o vê? E tem outra: POR QUE fico esquisita? Eu fico toda retardada, toda nervosa e envergonhada. Não sei se é muito normal. Será que é isso aquela história de frisson? É assim que as meninas sentem frisson por um menino? Só que é tão errado! Não gosto do James como, sabe como é, namorado. Eu ACABEI de sair de um relacionamento! Não quero entrar em outro, ainda por cima com o meu melhor amigo, que me odeia e que me acha a maior criança!


E daí a Zora disse:


- É, Lily, é NORMAL se apaixonar por alguém que você acha que não sente nada.


A voz dela estava muito acabada ainda, mas todo mundo a escutou. E todo mundo tornou a rir, menos eu e o James. Até mesmo a MÃE dele achou graça. Agora o James sorriu amarelo, como se dissesse, em tom todo irônico: “É, gente, a Lily está MUITO apaixonada por mim”. E, internamente, eu o agradeci. Tudo bem que ele não parecia envergonhado – nem corado seu rosto estava! -, ainda assim parecia ter começado a se sentir desconfortável.


E, bom, eu fiz a única coisa que achei que deveria fazer. Pedi licença para ir ao banheiro. E, ainda bem que fiz isso, porque estava muito enjoada e achei que fosse vomitar no prato ou algo assim. Mas daí, vomitei na privada mesmo.


Quando abri a porta, esperando que ninguém quisesse continuar o assunto sobre a minha suposta paixonite por James, levei a maior susto ao quase tropeçar em seus pés. Nos de James. Ele estava ali ao lado da porta, escorado na parede, com os braços cruzados.


- Ai – falei, toda assustada.


- Opa. Não vá se matar antes da sobremesa. É mousse de framboesa – o James me disse, me amparando.


- Hum – gaguejei, já pretendendo sair de perto dele.


Mas ele me seguiu e meio que me impediu de voltar para a sala.


Franzi a testa, impaciente.


- Minha mãe fala demais. É um pequeno problema genético. Você já deve ter percebido – ele me falou. Sua voz estava toda corrida, toda ansiosa.


- Ah. Aquilo – eu quis soar bem desencanada, ainda que pressentisse que toda a vergonha voltaria em meio segundo – Eu não me importo. De verdade. Já me acostumei, sabe como é. Com todo mundo do colégio falando sobre nós – eu ri fraco, tentando fingir demonstrar que tudo estava mesmo bem, que eu não estava pirando nem nada – Além do mais, por que está tentando explicar qualquer coisa? Você me odeia e tudo – esquadrinhei meus olhos, agora não dando mesmo a mínima para o assunto em questão.


- Você é dramática, hein? – ele soltou uma risadinha.


- Vai negar que é mentira? – desafiei-o.


- Não, não irei. Só que... não quero que as pessoas fiquem pensando que é verdade que uma manipuladora mentirosa está a fim de mim – ele me revelou com aquela sua voz macia.


E, de verdade, fiquei estupefata. Quero dizer, sei que o magoei e que estou muito arrependida, MAS, AINDA ASSIM, será MESMO que eu merecia uma resposta tão... tão... CRUEL? Já não bastava toda a minha vergonha e aquela coisa idiota de frisson?


Tipo assim, eu tinha acabado de vomitar e estava toda mal. E ele vem e me diz isso! Se eu não tivesse ficado tão sem reação por, tipo, um minuto, teria socado a cara dele. Mesmo. Não ligaria para as meninas nem para a Sra. Potter. O filho dela tinha que aprender a falar direito com uma garota. Mesmo que essa garota o tenha machucado.


Se algum dia ele já teve alguma consideração por mim, deu para ver que ela não existe mais. E, se quer saber, a minha consideração por ele morreu naquele momento. Naquela resposta.


Me senti muito decepcionada; como se, de repente, tivesse sabido que foi o meu pior erro ter sido amiga dele. Sério, não tem nada mais angustiante do que se decepcionar com alguém que amamos. Mesmo que esse amor seja proveniente de uma amizade.


- Ah, ÓTIMO! Então vê se fica BEM longe de mim para sempre! – eu falei, me sentindo muito atingida e muito magoada – ATÉ PARECE que ALGUM DIA irei me apaixonar por você! – atirei, antes de sair decidida para a sala, tentando controlar o meu choque.


E, quando cheguei à sala e vi a mesa vazia, achei que tivesse morrido e já estava em outro plano astral. Foi aí que escutei conversa animada na cozinha e deduzi que todos estavam comendo a sobremesa ou sei lá.


- Ei, bonitinha, tudo ok com você? – foi a primeira coisa que ouvi. A Sra. Potter parecia preocupada.


Levei meus dedos à testa, sentindo-me novamente enjoada. E, de repente, tive a necessidade de correr para o quarto de Alex e ficar sozinha. Talvez para pensar, ou talvez para querer chorar sem ninguém por perto. Porque, sério, depois da resposta do James, eu estava sentindo meu peito de encher de uma mágoa muito ruim e muito corrosiva. E acho que essa mágoa queria transbordar e se mostrar através de minhas lágrimas. Nossa, quem lê tudo isso pensa que sou a maior chorona da Inglaterra. Do universo. Que triste isso. Não sou chorona! Só quando me sinto REALMENTE atingida emocionalmente. Tipo, como naquele momento. Eu nem chorei quando o meu pai foi embora de casa! Muitas meninas teriam chorado, mas eu NÃO. Às vezes posso ser forte, viu?


- Acho que sim – afirmei meio tonta.


Claro que todo mundo me olhou desconfiado. E ainda MAIS, quando o James chegou ali e eu me afastei o máximo dele, indo me sentar na última cadeira da cozinha, bem perto do latão de lixo. Vi que as meninas, inclusive a Alex, me olharam sem entender nada, mas não me importei.


Então, a mãe do James, que estava contando para a Nichole sobre a última vez que foi ao leilão de peixes, me serviu mousse de framboesa. Eu fui a única que comi silenciosamente, somente observando a sobremesa ir se esvaindo a cada colherada que eu dava. Até o James estava contando alguma coisa, como se não tivesse sido um idiota comigo há uns minutos. Estava contando para a mãe sobre a pontuação que fez no último exame preparatório do estado. Ele tirou 932. Eu consegui somente 658. Eu sei, um fracasso. Mas não tanto quanto a Taylor: 218.


Enfim, comemos, ouvi algumas piadinhas do Sirius e continuamos a nossa maratona Johnny Depp.


Tipo, o Johnny consegue me deixar absorta nele sempre, em qualquer filme e tal, mas ontem não funcionou muito bem. Ele não me deixou absorta. Isso, porque tudo o que pensava envolvia o James. O que ele tinha me dito. E sempre que me lembrava daquela frase tão destruidora de felicidade, eu queria chorar. Tive de fazer um INCRÍVEL esforço para permanecer fingindo alegria. Um esforço SOBREHUMANO! (?) Foi, tipo, o pior fim de noite de TODOS. Foi a pior noite de sexta-feira da HISTÓRIA.


Eu só queria chorar.


E, se quer saber, ainda quero. Acho que farei isso depois que essa minha dor de cabeça sumir.


Não, acho que irei para casa, chorar em paz no meu quarto. Pelo menos lá, posso ficar ouvindo Taylor Swift. A Zora também parece detestar a pobre menina. Pobre Taylor Swift :/


16/FEVEREIRO – 17:55 – SÁBADO – MEU QUARTO
Sei que não deveria estar aqui, mas estou. Claro que eu disse que tinha de terminar os deveres e cuidar da casa, caso minha avó quisesse comprar uma nova TV para a sala, provavelmente de plasma (o que, se formos considerar, nem é mentira), porque, sinceramente, não dava mais. Eu TINHA DE sair de lá.


Ainda que o Sirius não estivesse à mesa no café da manhã, não posso dizer que foi muito agradável tudo aquilo. Sei que estou muito agradecida à mãe dos meninos por não ter tocado no assunto “Lily e James”, porém pareceu que nem mesmo isso me animou um tantinho. Não consegui rir nem mesmo quando a Nichole começou a fazer uma imitação perfeita da Kristen Stewart deixando o prêmio do MTV Movie Awards cair, ano passado. E me lembro de ter caído da cadeira quando vi isso ao vivo.


Acho que o sono ainda estava batendo em todo mundo – especialmente em Sirius, que nem se levantou para participar do banquete matinal -, mas não importa. Eu não conseguia fazer nada a respeito sobre coisa toda de ontem. Sabe como é, sobre aquilo que o James me disse depois de eu ter vomitado todo o frango com molho branco. Nojento, eu reconheço, mas necessário. Bem, não muito, já que mesmo após ter evacuado meu estômago o enjôo persistiu. Bem, não vamos entrar em detalhes.


O negócio foi que além da coisa idiota do frisson – se é que aquilo que sinto sempre que vejo o James sorrir torto e discretamente é frisson mesmo -, minha mente não parava de berrar “O JAMES POTTER É UM IDIOTA, AFASTE-SE DELE, NÃO OLHE MAIS PARA ELE!”. E, sabe, é muito triste ter de confessar isso, mas é altamente difícil não olharmos para uma pessoa que nutrimos uma amizade; principalmente se essa pessoa em questão a faz sentir a menina mais feliz de todas, levou-a a uma feirinha de rua, assistiu aos melhores filmes do Charles Chaplin com você em um cinema tematicamente antigo, a fez matar aula, convidou-a para ir à outra cidade para comparecer a um show de uma das suas bandas preferidas E já assistiu Benny & Joon – e acha que esse filme é legal. É ou não difícil? Desculpa, mas foi praticamente uma tortura para mim. No entanto, eu consegui. Consegui fingir que tudo estava bem e que não estava vendo ninguém na cadeira à minha frente, que, no caso, era o James. Acho que o que me deu forças foi que tudo despencou. Foi destruído. Foi pisoteado, sem pensar duas vezes. E nem fui EU que acabei com tudo isso. Foi o James. ELE me decepcionou, fazendo assim com que aquele meu sentimento genuíno e quase incondicional se esfacelasse.


E, por mais que eu tente – e estou realmente me esforçando -, não estou sendo capaz de empurrar para longe toda essa minha atual mágoa para com ele por nem mesmo cinco minutos. Parece que aquela frase dele fica martelando e martelando na minha testa, impedindo-me de progredir, de aliviar essa pressão sentimental.


Parece que... realmente acabou aquilo que eu tinha por ele. Sinto meu peito oco e magoado. Não é agradável.


E é por isso que voltei para casa.


De repente, eu não suportava mais mesmo. Tinha de vir para a privacidade de meu quarto.


Eu disse:


- Ei, Al, preciso ir – estávamos assistindo àqueles vídeos engraçados do Animal Planet que os donos de seus animais mandam ao canal, para que os telespectadores riam das desgraçadas de um cachorrinho que ficou preso no poço e não sabe como pedir ajuda, e então fica uivando, só que seu uivo mais parece a Christina Aguilera cantando do que um chamamento canino.


Não é preciso dizer que as meninas ficaram surpresas.


- Mas já? Pensei que passaríamos o fim de semana todo juntas! – foi o que a Alex, lá do outro lado da sala, esparramada no pufe azul me disse.


- Se é pelos filmes, pode ficar com você. Segunda você me devolve. De verdade - assegurei. Não estava pensando muito em meus DVDs. Tudo o que queria era sair daquela casa. Sei que sou muito rigorosa em relação a emprestar coisas, tipo livros, CDS e DVDS, mas naquela hora nadinha disso me importava. Além do mais, a Al adora o Johnny Depp quase tanto quanto eu, então não tinha por que me preocupar. Ela cuidaria bem dos meus bebês (os DVDS)


- Não somente isso. Era para ser um fim de semana nosso – Alex me olhou como se procurasse alguma plaquinha em meu pescoço que dissesse “Tem algo errado aqui!” – Sem você, o grupo estará desfalcado.


Awn, que amor, era o que eu queria dizer, mas não tinha mais tempo.


- Eu sei, desculpa. Preciso mesmo ir. Às vezes minha mãe atende seus pacientes nos fins de semana e sempre é bom eu estar por perto da minha avó. Ela pode ser um desastre quando está sozinha – afirmei. E isso nem é mentira. E não me senti muito mal por não estar mentindo, pra variar.


Elas riram. Todas elas já escutaram o bastante sobre minha avó para deduzirem que D. Julia é até mesmo um perigo para si mesma, de vez em quando. Tipo, quando está com o cartão ilimitado preto dela.


- Bem, se você precisa mesmo – a voz de Alex estava pra baixo, mas não me importei. A mágoa dela passaria muito antes da minha – Eu posso levá-la para casa – ela se levantou do pufe, rapidamente, ajeitando seu cabelo – Só preciso pedir a chave do carro ao James. Acho que ainda está com ele.


E quando a Alex proferiu o nome do irmão, automaticamente eu estava implorando.


- Não, não é necessário. Eu vou de ônibus – falei desesperada, antes que Alex começasse a subir os lances da escada - Você sabe que tudo bem por mim – menti, mas tanto faz. Eu me desloco tanto de ônibus que uma hora irei mesmo me acostumar com todo o sacolejo e as paradas abruptas - Além do mais, não quero tirá-la de casa por bobagem. Vocês ainda têm de ver Gilbert Grape. O Johnny está muito fofo nesse filme – atirei a ela, o que, sério, nem é mentira. O Johnny está sempre fofo em seus filmes. Principalmente os da década de 90.


Claro que apelar para o Johnny sempre dá certo. É como dizer às meninas ignorantes do meu ano sobre o Taylor Lautner ou sobre o Ian Somerhalder. Sempre dá certo; elas ficam absortas e dão aqueles gritinhos histéricos irritantes. Parece que vivem para qualquer um deles, é doentio. Sempre digo à minha mãe que se algum dia eu começar a agir como àquelas garotas é porque está na hora de me deixar no deserto do Atacama, só para eu aprender que existe algo mais importante do que meninos manipulados pela mídia, como, por exemplo, roupas certas para se usar em um lugar desses. A lã é um ótimo material isolante térmico, só pra constar aqui.


- Mentira. O Johnny é sempre fofo. E ainda nem vimos Edward Mãos de Tesoura – constatou Zora, levantando parcialmente a cabeça da almofada do sofá.


- É, a Winona nem estava tão ruim desse filme. Vocês têm de assisti-lo – insisti.


- Iremos – a Nichole, que estava comendo mais sobremesa de ontem, prometeu.


- Legal. Vou pegar a minha mochila – levantei os polegares e fui para a escada.


As meninas permaneceram lá na sala enquanto eu catava a minha escova de dente sobre a mesinha de cabeceira da Alex. Como não tinha juntado muita roupa, achei que tudo estava certinho. E quando estava saindo do quarto, olha quem encontrei saindo de seu próprio quarto. Sim, o James. Ele estava arrastando o aspirador de pó para fora e falava sobre a guitarra nova que quer pedir aos pais com o Sirius, que, pelo pouco que pude enxergar, estava deitado no chão do quarto, olhando bobamente para a TV, porque passava uma reprise de Pimp My Ride.


- Ei, cuidado – o James me pediu, depois que me notou. Então, parou de puxar o aparelho e franziu a testa para mim. Quando percebeu minha mochila nas costas, endireitou sua coluna e disse:


- Uau, sua estadia foi mínima, hein.


Acho que estava até mesmo com aquela voz de riso que às vezes fala. Só que ela não iria me comover, muito menos me fazer rir, se é isso que o James pretendia. Mas acho que não.


- Pouco importa – falei com a cara de desprezo que aprendi com a Taylor. E passei por ele.


- Além de mentirosa é grossa? Essa é novidade para mim – ele me disse, agora rindo. Mas acho que com amargura e desprezo.


Pensei mesmo em mandá-lo ao inferno, mas me contive. Não é necessário responder a alguém que não mais gostamos, não é mesmo? Principalmente se a resposta não for muito polida, porque daí a outra pessoa tem todo o direito de tachá-la de louca ou idiota. O que, no meu caso, é bem capaz de eu ser as duas possibilidades. Louca e idiota.


Daí, desci os degraus com pressa, pronta para, DE UMA VEZ POR TODAS, deixar o mesmo teto que James.


Despedi-me das meninas e disse que ligaria para elas à noite, para conversarmos sobre os filmes que viram durante o resto da tarde.


Tudo bem que ainda não liguei lá para a Alex, mas só porque estou com medo de que o James atenda ao telefone.


Ah, mas que idiota que sou. Para que o celular foi inventado, não é? Talvez ligue para o celular da Zora mais tarde. Isso se eu não acabar dormindo aqui, porque o Sol está se pondo e a pouca luz que entra pela janela está me deixando sonolenta. E a voz da Taylor Swift é TOTALMENTE sonífera. Assim, irei dormir antes que a minha mãe peça a pizza que sempre pedimos aos sábados.


16/FEVEREIRO – 19:14 – SÁBADO – MEU QUARTO
Ah, não. Não pode ser. Segunda, terei de enforcar a Zora! POR QUE ela não tem a capacidade humana de manter a boca fechada como um túmulo e não sair contando os segredos dos outros nem sob tortura chinesa? Tipo, eu nunca contei a ninguém sobre a vez que a Taylor, então com oito anos, queria saber como é um você-sabe-o-que e propôs um acordo com o Danny Adams, que, se ela ensinasse a ele como se beija, ele mostraria o você-sabe-o-que dele para ela. Ah, e nem nunca contei à Kitty, sua irmãzinha fofa, que a Taylor arrancou a cabeça de sua Barbie nova só porque o cabelo da boneca era rosa e podia ser aplicado glitter.


Isso se chama pacto de amigas, sabe. Amigas não saem contando para outras pessoas segredos de um pacto.


Mas, aparentemente, a Zora não sabe respeitar esse tipo de pacto. Fico imaginando, na verdade, que ela não saiba respeitar nenhum tipo de pacto. Ou lei. Ou regra. Ela é o que a minha mãe chama de anarquista sem causa. E, sabe, o anarquismo não pode ser assim tão bom, porque isso significa que posso roubar todos os livros de Berenice da Zora e espalhar para o mundo que ela lê esse tipo de livro. E garanto que ela não iria nadinha apreciar esse meu gesto anarquista.


Além do mais, estudamos o Karl Marx por um motivo. E nem é apenas porque este criou, juntamente com o Friedrich Engels, o socialismo científico. Longe disso. É também porque ele revolucionou o mundo com suas idéias, mesmo que posteriormente tivesse surgido o capitalismo e isso tivesse comprimido um tanto todas as teorias inquestionáveis socialistas. Nós nem estudamos no programa de História o Anarquismo; tudo o que sei sobre isso é que um tal de George Woodcock escreveu um livro chamado Anarchism: A History of Libertarian Ideas and Movements. Ele não é muito importante para nós, ingleses, mas provavelmente para os canadenses, sim, já que ele foi o cara que fundou o primeiro jornal dedicado à escrita canadense. Mas deixa para lá.


O meu negócio é com a Zora.


Tipo, ela contou para a Nichole que eu e o James dividimos a cama lá em Beadlow. Lembra desse detalhezinho? Da cama do hotel? Eu nem me lembrava mais disso, mas agora que a Nichole me mandou uma mensagem super eufórica, tudo voltou como uma onda muito forte.


Ela me escreveu:


AH MEU DEUS, NÃO ACREDITO QUE VOCÊ DORMIU COM O JAMES LÁ EM BEADLOW E NÃO ME CONTOU!!!!


Eu só fiquei, tipo: !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


Então eu respondi:


Como é que você SABE sobre isso????


Na hora, não me recordava se tinha compartilhado esse segredinho com mais alguém, além de minha mente.


Não demorou muito para meu celular apitar novamente, com o aviso claro de “mensagem nova”:


A Zora me contou! E COMO É QUE VOCÊ NÃO ME CONTOU ISSO??? QUE COISA MAIS FOFA!!!


Eu retribuí, louca da vida com a Zora:


VOU MATAR A ZORA!!! Vocês continuam aí na Alex? AH MEU DEUS, A ZORA NÃO CONTOU PARA A ALEX SOBRE ISSO, CONTOU????


Ela escreveu:


Sim, continuamos aqui, mas a Alex não ouviu a nossa conversa porque estava tomando banho. MAS E AÍ, COMO FOI??? QUE COISA MAIS ROMÂNTICA!!!


Ainda que eu estivesse mais segura por saber que a Alex não quer a minha cabeça em uma bandeja, não pude deixar de me irritar com toda a suposta fofura que a Nick viu nessa coisa de eu e o James termos dormindo na mesma cama.


Escrevi:


NÃO TEM NADA DE ROMÂNTICO NISSO!!! PARA DE SER UMA SONHADORA DE OLHOS ABERTOS!!! 


Claro que ela não iria desistir:


Mas o que você SENTIU? Você SENTIU ALGUMA COISA??


Chocada, não me contive e teclei:


CLARO que não senti nada! Só tivemos de dormir na mesma cama, porque a mãe dele fez reserva apenas de um quarto! E a cama era GIGANTE, então, NÃO PENSE COISAS ERRADAS!


Nichole respondeu:


Não estou pensando NADA de errado! Só estou pensando em como isso é uma FOFURA!!!


De verdade, eu quis vomitar. Quero dizer... fala sério! Não é nada fofo dividir a cama com um cara que não é o seu namorado – e que agora a odeia terminantemente, e não quer mais lembrar que dormiu ao lado da menina que nunca mais quer ver.


Essa Nichole deve viver na Fofosfera eterna, sabe! E isso nem é um elogio.


Ah – as pizzas chegaram! YEEY. Estou com tanta fome! Só comi um pão com Nutrella desde a hora que voltei do meu (curto) “fim de semana das meninas”.


16/FEVEREIRO – 21:33 – SÁBADO – MEU QUARTO
Oi, Deus.


Não estou tão segura quanto à sua existência, já que acho que não possuo nenhum tipo de ligação à religião. Meus pais, quando ainda casados, nunca se preocuparam em me levar à missa de domingo nem me ensinaram a rezar. Geralmente visitava igrejas lá em Londres, nas férias de verão, sempre que íamos checar o estado de saúde da minha avó materna, a D. Julia. Quero dizer, o Senhor deve saber disso, já que, segundo o cristianismo, é o Senhor que coloca as pessoas no mundo e escreve a nossa trajetória aqui na Terra. Mas não sei se estou de acordo com essa crença também.


Bom, sei que provavelmente estou gastando tinta de caneta e papel de madeira reflorestada, porque obviamente não posso mandar esta carta ao Senhor, de modo que nem por magia o Senhor a lerá, todavia é uma necessidade. O Senhor deve saber, já que aparentemente me deu este dom. O da escrita, quero dizer. Acho que sim, uma vez que o James me assegurou que é verdade, que tenho mesmo esse talento. Só que não sei para que usá-lo. Ainda não. E parte do motivo desta carta que nunca chegará a suas mãos é sobre isso.


Como é que o Senhor me dá um dom desses se eu nem sei para que deva usá-lo, ou PIOR, se eu nem sei se o quero?


Sei que passo muito mais tempo escrevendo nos meus cadernos do que assistindo à TV, por exemplo, mas será mesmo que isso é o suficiente para delinear todo o meu futuro? Será que agora já sei que quero ser escritora, como se descobrisse que quero ser, sei lá, presidente do Exército da Salvação depois de presenciar uma criancinha esfomeada comendo biscoitos de terra, porque ela não tem uma omelete? Mas será que é assim? Tipo, uma coisa acontece e no minuto seguinte essa situação muda o nosso modo de julgar a vida e nos ajuda a tomar uma decisão que mude o mundo? Aliás, será que um livro muda o mundo? Bem, certamente Harry Potter e Crepúsculo mudaram, já que fizeram uma massa gigantesca de crianças e adolescentes se unirem por um gosto em comum. A magia ou os vampiros. Bem, isso mudou a percepção da mente dos fãs e tudo. Só que... e se o que EU escrevo não mudar o mundo? Não for nem um pouquinho interessante e importante para a história literária? Não quero ser uma escritora fracassada e frustrada, exatamente como sou em relação ao amor. Ok, sei que pude testar o amor com o Jason, só que não posso dizer que fui inteiramente feliz ou que desfrutei do melhor amor do mundo.


O que me leva ao segundo assunto a ser tratado nesta carta que, provavelmente, colarei em meu caderno só para não me esquecer dela. Será que NUNCA irei saber como é essa coisa de amor? QUANDO É que vai chegar a minha vez? Por que nenhum cara fofo o bastante – desculpe, mas atletas não são fofos o bastante para mim, porque eles só conseguem falar de suas habilidades esportivas, o que me deixa muito cansada – diz que está apaixonado por mim? Mesmo eu sendo ruiva e baixinha e quase sem peito e obcecada por música e por séries da Universal Channel? Mas, bom, ONDE É que vou achar algum cara que goste dessas, humm, qualidades? Todos os caras decentes já estão comprometidos, ou simplesmente me ignoram! Exceto o... Você-Sabe-Quem. Mas me RECUSO a escrever o nome dele!


Certo. O James. De verdade, por que ele? Ele é um fofo – era um fofo, quando gostava de mim, porque agora completamente me detesta -, ama música – desprezo o lance de ele não apreciar o Paramore tanto quanto eu, porque entendo perfeitamente que todos têm o direito de gostar ou de detestar algo; e ele nunca falou mal da Hayley, então não preciso me irritar quanto a isso -, ama o Charles Chaplin, ama festinha de rua, ama animais, divide o mesmo ponto de vista que eu quanto à sociedade errada de hoje, já viu Benny & Joon – desculpa, mas esse é um fato que NUNCA conseguirei esquecer, porque é tão LEGAL! –, sempre me faz rir ou sorrir quando ri ou sorri e... bem. Tem aquilo. Aquela sensação estranha. E, ah, o beijo. Ele beija muito bem. Melhor do que o Jason, por exemplo, que foi o único cara que beijei em toda a minha vida – antes de beijar o James, claro.


Então... POR QUE o Senhor coloca um cara perfeito no meu caminho se ele só quer ser meu amigo? E se eu não o vejo com outros olhos, além de ele ser um amigo muito especial?


E QUANDO É que todo mundo vai parar de falar que estou mentindo sobre isso? Sobre o fato de que apenas amo o James como um amigo, apesar de ele não mais querer nenhum tipo de relação comigo. E, tipo, por que me amaria daquele jeito, sabe como é, diferente, se nem ao menos consegue suportar ficar no mesmo recinto que eu? Mas acho que a grande questão, a grande pergunta, o motivo mais forte que me levou a escrever uma carta para alguém que nunca lerá é simplesmente: O QUE EU FAÇO PARA ACABAR COM A MÁGOA QUE O JAMES SENTE POR MIM?


Bem, claro que é muito sensato ficar perguntando soluções para revolver problemas adolescentes a um pedaço de papel. Mas todo mundo sabe que sou a maior idiota mesmo, então esse meu gesto não é nem um pouco surpreendente; é totalmente o esperado.


Olha, se o Senhor estiver me observando nesse minuto, poderia, por favor, me mandar uma ajudinha? Qualquer uma. De verdade. Já que não posso mandar essa carta ao Senhor, porque onde é que o Senhor mora? Eu não sei. Não posso escrever no destinatário: ”Céu – Paraíso”, porque daí minhas palavras somente seriam perdidas ou armazenadas no correio. E ninguém entenderia nada.


 


Tudo bem, vou pensar em alguma coisa, não se preocupe.


16/FEVEREIRO – 22:08 – SÁBADO – MEU QUARTO
Ela disse que só entrou aqui porque estava procurando as polainas dela. Como se eu gostasse de polainas!


E então parou de procurar suas polainas e me perguntou:


- O que está fazendo?


Não sei por quê, já que não parecia que eu estava tentando fabricar uma arma nuclear nem nada assim. Eu só estava jogada em minha cama, com um dos livros da Meg Cabot nas mãos, ao mesmo tempo em que escutava Paramore, meio distraída, porque a minha atenção ao ler fica totalmente concentrada.


Levantei meus olhos das letras impressas e fiz uma careta.


Falei:


- Dã, estou lendo.


Claro que minha avó não é cega nem estúpida. Ela só banca a desentendida. Só para me torturar, para ser sincera.


E eu sabia que iria recomeçar toda aquela lenga-lenga de “fazer alguma coisa para voltar a ser amiga do James”. Só que eu não estava a fim de fazer alguma coisa. Na verdade, eu estava bem feliz lendo e ouvindo música. Acho que é porque livros e músicas sempre me deixam um pouco entusiasmada. Ou isso ou não estava mais dando a mínima para a minha separação com o James. Mas óbvio que isso é mentira. Eu ligo muito para isso. É o que mais penso, quando não estou mergulhada em histórias água-com-açúcar – do tipo Meg Cabot; principalmente as dela, porque são tão bobinhas que chegam a ser fofas – ou qualquer coisa que ame fazer. Tipo escrever e ficar ouvindo a voz da Hayley no meu i-pod.


Mas, bom. Daí que ela me questionou, com uma cara entediada:


- Você não se cansa de fazer sempre as mesmas coisas?


Só que, se liga, eu não estou nem aí para o que ela pensa sobre mim. E eu sou esquisita. De modo que, sendo eu uma esquisita, não me canso nunca dos meus hobbies favoritos. Além do mais, ela ainda não se cansou de ficar sentada na poltrona da nossa sala assistindo aos seus filmes de guerra preferidos. E nunca trocou o Robin Williams pelo Nicholas Cage, por exemplo.


Opa, será que minha avó também é uma esquisita? Não, não só esquisita como também maluca.


E bota maluca nisso.


Daí eu respondi:


- Por que você se importa? – meus olhos se estreitaram - Aliás, por que todo mundo se importa? – perguntei, aborrecida; como se ela tivesse se transformado em uma abelha espiã gigante - Não estou planejando seqüestrar o Barack Obama, então qual é a de vocês de ficarem preocupados com o fato de eu passar a minha vida lendo e escrevendo e escutando música? É crime por acaso? – indaguei irritada ao cubo.


Por que todo mundo não consegue me deixar em paz? Por que todo mundo tem que me encarar como se eu fosse a pessoa mais estúpida do mundo por eu estar querendo conhecer mundos novos através de livros ou por eu ser maníaca por uma banda tão fofa e maravilhosa quanto o Paramore?


Por que toda essa gente não vai fazer alguma coisa de útil, deixando-me assim sozinha para ler o quanto quiser e admirar a banda da minha vida? E daí se não sei as noções mais básicas de matemática? Eu sei muito sobre história, literatura e música! Por que ninguém me admira por ISSO? Aliás, a maioria das pessoas não está nem aí para nada, não se interessa nem por Bernard Cornwell e suas histórias. Então, será que já não é hora do mundo reconhecer os esforços de uma menina de dezoito anos que está tentando salvar o resto de dignidade das pessoas ignorantes?


Tipo, a maioria das pessoas com quem convivo acha o maior saco passar uma hora lendo qualquer livro, e normalmente elas são as pessoas que mais precisam de ajuda em inglês porque escrevem tudo errado e com dialeto de internet. Será que alguém não pode ficar agradecido por eu existir para passar essa sede por informação adiante?


Ah, não. Todo mundo só fica:


- Lily, porque você não vai ao clube? Hoje o dia está tão bonito!


Só que NÃO, eu NÃO quero ir ao clube. Só quero ficar no meu quarto lendo e escrevendo e sendo engolida pela voz da minha vocalista preferida. TUDO BEM PARA VOCÊ?


Aparentemente, não. Acho que minha mãe e minha avó prefeririam que eu saísse para ir ao clube. Ou fazer qualquer outra coisa que não envolvesse se trancar no quarto.


Minha avó me disse:


- Se esse seu mau-humor tem a ver com o James, por favor, saia deste quarto e converse com ele.


PELAMOR!


Ela sempre consegue envolver o James em qualquer coisa.


- Não tem a ver com ele! – exclamei, sentida e aborrecida.


- E tem a ver com o quê? – ela quis saber, acho que mesmo interessada.


- Com você, que acabou de me interromper! Caso não esteja vendo, estou muito ocupada tentando acabar de ler esse livro! – disparei ríspida, louca da vida.


Então ela me olhou toda malvada e suspirou.


- Não sei mais o que faço com você, Lily, sinceramente – ela me falou com uma voz dura.


Rolei meus olhos, insatisfeita.


- Tanto faz. Então, agora dá para sair daqui? – pedi, nem um pouco educada. Mas minha avó nunca mereceu nada, muito menos uma coisa chamada educação, já que nunca tratou ninguém assim.


- Precisamos falar sobre o James, ainda – ela balançou os cabelos louros falsos. Sua entonação estava incisiva.


- Não, não precisamos – neguei categórica e energética.


Qual é o problema dessa mulher? Por que ela não vai procurar outra vítima?


- Acho que já sei o que pode fazer. Você deveria usar o seu poder de vice-presidente para conseguir ficar sozinha com ele em algum recinto. Só invente qualquer história; do tipo: que precisa dele para fazer as contas dos gastos mensais ou sei lá. Então, se você conseguir beijá-lo, se é que você consegue fazer isso, tudo ficará mais fácil, porque garoto algum resiste a essas coisas e sempre aceitam nossas desculpas. Falo isso de verdade. Daí... – eu a escutava sem dar um pio, enquanto a sua voz a cada segundo se alterava com a cobiça de tudo dar mesmo certo.


Só que era é o plano mais idiota de todos. E, de todo modo, eu já o beijei. E duvido muito que ele queira me beijar de novo. E duvido ainda mais que um mero beijo roubado coloque um ponto final na mágoa dele.


- D. Julia, saia daqui – não me importei se estava interrompendo seus pensamentos inescrupulosos.


- Espere, ainda não cheguei à melhor parte... – ela ficou impaciente, mesmo através da vozinha de esquilo louco.


- D. JULIA, SAIA DO MEU QUARTO AGORA! – berrei com toda a força que meus pulmões permitiam.


Deu para ver que ela se assustou muito. Ela não está acostumada com pessoas que gritam com ela; só com seus próprios gritos. Então, acho que foi bastante surpreendente ouvir a única neta berrando com ela. Mas até parece que ligo se estou traumatizando D. Julia. Ela já me traumatizou milhões de vezes e nunca se importou. Então tá.


- Ai, meu Deus, não posso nem mesmo querer ajudá-la? Que mal-agradecida que você é, Lily! – ela falou. Então, como se não quisesse que eu estourasse de novo, começou a se afastar de mim, indo em direção ao corredor.


Acho que uma pessoa que totalmente merece berros e mal-agradecimento é a D. Julia. Porque fala sério. Ela é a pior avó do mundo. 



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N/A: Oooii, meus leitores amados! *-* Nem consigo escrever o quanto estou estressada, porque quase não tive tempo de vir aqui postar esse cap... Já nem consegui digitar o terceiro cap da minha outra fic (o que me deixa realmente chateada :/) Mas enfim, tomara que essa porcaria de ENEM passe e leve junto o meu desespero! É um boi tudo isso, mas né. Maaaas quero agradecer a todos pela compreensão e apoio, pois isso significa muito e me deixa realmente realizada, já que ao contrário do que meus pais querem, serei uma "pessoa que não faz nada". Mas tá. Nem tô. O importante é que vocês me apoiam e me deixam superfeliz todas as semanas! Realmente, obrigada ao cubo vezes dois! Amo cada um de vocês, mesmo nem sabendo quem são direito. E aguardem a próxima semana!
P.S: alguém sabe como eu coloco um video do youtube junto com a fic? Ajudaria muito!  
P.S.S: posso sugerir que vocês ouçam a música que eu coloquei nesse cap (Breathe - Taylor Swift ft. Colbie Caillat) e que assistam ao filme Benny & Joon? A música é muuito fofa. Eu a amo tanto que quase a detesto. E o filme... bom, é com o Johnny Depp. Não preciso falar mais nada :D

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