Adeus?



Capitulo VI

Embora pretendesse levantar-se na hora do jantar, Gabby despertou apenas na manhã seguinte. Refeita das emoções intensas do dia anterior, sentia-se bem disposta apesar do ombro dolorido. Vestiu-se depressa e foi para a sala a tempo de presenciar o comovente reencontro de Marina com o marido.
Roberto chorava e abraçava a esposa, sem se envergonhar de demonstrar em público as próprias emoções. Observando-os, Gabby sentiu uma pontadinha de inveja. Remo nem sequer lhe dirigira a palavra até aquele momento. Contrariando todas as expectativas, o humor dele apenas piorara e, agora, ele evitava ate mesmo olhar para Gabby.
Disfarçando a tristeza, ela retribuiu o sorriso de Roberto quando ele a cumprimentou com cavalheirismo. Havia uma doçura infinita naquele homem moreno, esbelto, estatura media e um charme insuperável. Dava para compreender muito bem por que Marina continuava tão apaixonada por ele, apesar dos vários anos de casamento.
-- É um prazer conhecê-la, signorina -- afirmou apertando-lhe a mão. -- Meu cunhado fala muito em você.
-- Espero que não acredite em calunias, então! -- Gabby brincou, com um pouco de amargura.
-- Todos os comentários dele só confirmam o que estou vendo: a signorina faz jus a todos os elogios.
Marina sorriu para ela com benevolência.
-- Remo vai superar isso, Gabby, tenha paciência -- aconselhou-a. -- Faz muito tempo que ele esteve no exercito. É natural que esteja desacostumado com esse tipo de tensão, não acha? Afinal, ele está num ramo tão diferente hoje em dia...
-- Claro, eu entendo. Ainda bem que deu tudo certo e, muito em breve, sua vida voltará a rotina.
-- Ah, não vejo a hora de chegar em casa! Podemos voltar hoje mesmo, querido?
-- Só esperaremos o piloto reabastecer o avião... Nem acredito que estamos juntos de novo, amore! Como eu poderia viver sem você?!
Roberto abraçou-a mais uma vez e Gabby se perguntou se um dia seria amada daquele jeito. Remo era compreensivo e paciente no escritório. No entanto, apenas agora o conhecia na intimidade. Orgulhoso e irredutível, jamais amaria uma mulher com tanto desvelo.
-- Fique um pouco com seu irmão, cara -- Roberto aconselhou Marina.
-- Talvez leve mais de um ano para nós o vermos outra vez... E, espero, em circunstancias bem mais agradáveis!
-- Ah, serão, sim, com certeza! -- Gabby assegurou.
-- Por que você não vai a Palermo com Remo? -- Marina convidou-a -- Nossa Villa fica a beira-mar. É um lugar muito bonito, ideal para alguns dias de descanso.
-- Eu adoraria.
Seria mesmo um belo passeio... Se Remo a convidasse. Mas pelo jeito, os dois nunca mais viajariam juntos. Prometeu ao casal uma visita só para não estragar aquele momento de felicidade.
Marina aproximou-se do irmão, que conversava com Apollo num canto da sala. Quando ele se ergueu para abraçá-la, Gabby observou a expressão sombria e exausta. Apenas Marina abrandava-lhe o olhar duro, a boca crispada em permanente tensão.
Aproveitando um momento de distração de todos, Gabby foi para o quarto fazer as malas. Também queria voltar à rotina o mais rápido possível. Chegando a Chicago, de certo R.J. esqueceria aquele maldito incidente... e também os momentos abrasadores de intimidade. De qualquer forma, qualquer coisa seria melhor do que o teimoso mutismo de Remo.
Já fechava a mala quando Marina bateu na porta e abriu-a devagar.
-- Posso entrar, Gabby?
-- Claro, sente-se. Estou acabando de juntar minhas coisas.
Marina entrou e, sentando-se na cama, olhou Gabby cheia de simpatia.
-- Esta ansiosa para ir embora, não é Gabby?
-- Não temos mais nada para fazer nesse lugar. E uma mesa amontoada de papeis me espera lá em Chicago.
-- E Remo está se comportando como uma criança, magoando você desse jeito!
Gabby deu de ombros.
-- Qualquer hora ele se cansa e volta ao normal. Não se preocupe, Marina. Eu sei como lidar com ele.
-- Não entendo por que meu irmão é tão cabeça dura. Se tivesse visto a expressão dele quando você ficou no meio do tiroteio... Em toda a minha vida, só me lembro de tê-lo visto assim uma vez. Foi quando nossa mãe morreu.
-- Mas agora é diferente. Ele está só zangado comigo, se bem que eu ainda não sei bem por que. Não está sofrendo por minha causa.
-- Não tão certa disso. Remo não é um homem muito fácil de lidar. Nesses últimos anos, enfrentou todo tipo de problemas, alguns bastante difíceis. Por causa disso, se tornou amargo e desconfiado. Mas acho que você pode trazer um pouco de paz a vida dele... Ultimamente quando me telefona, Remo só fala de você!
Gabby sorriu com tristeza
-- Não daria certo, Marina. Não há lugar para mim na vida de Remo e ele também não cabe na minha. Talvez sejamos as pessoas certas na hora errada. Acho que eu o encontrei tarde demais... ou ele me conheceu cedo demais, eu não sei. De qualquer forma, não existe nenhum futuro para nos dois... infelizmente.
-- Que pena Gabby, em especial para Remo.
-- Ora, não precisa lamentar tanto. É bem provável que esse interesse seja apenas uma ilusão de nós dois, uma fantasia provocada pelas circunstancias. Estávamos sozinhos numa situação de perigo e nos apegamos demais um ao outro. Até acho bem estranho que, depois de dois anos trabalhando juntos, esse entusiasmo mutuo tenha aparecido justo nessa viagem...
-- Mais uma vez, você está me dando uma lição de coragem! Roberto e eu voltamos hoje para a Itália, mas prometa que vai nos visitar um dia, independente de Remo. – Marina aproximou-se, num impulso, abraçou Gabby, emocionada. – Cuide de Remo por mim, querida. Ele ainda não percebeu isso, mas precisa muito de você. Se gosta dele de verdade, não desista, por favor. Meu irmão é muito sozinho...
-- Eu sei, Marina, mas ele próprio optou por essa vida.
-- Nem sempre as escolhas são voluntárias... Pense um pouco nisso antes de julgá-lo com tanta dureza.
Marina sorriu-lhe e deixou-a a sós. Era fácil lhe pedir condescendência com Remo, Gabby pensou, fechando a mala. Como irmã dele, Marina desempenhara bem seu papel ao defendê-lo. Mas esquecia que, se ela se submetesse aos caprichos de Remo, jamais teria personalidade própria. Dominador e temperamental, ele a sufocaria, lhe anularia as vontades, os sonhos. E não estava disposta a ser um apêndice na vida dele, algo que, com o tempo, se tornava incomodo e precisava ser extirpado. Amava-o demais e preferia nunca tê-lo a sofrer a dor de perdê-lo um dia.
Angustiada, foi dar um passeio no jardim para relaxar um pouco. Encontrou Marchal, que se aproximou dela, sorridente.
-- Como vai nossa heroína? – E, observando-a com mais atenção, acrescentou: -- Pelo jeito não muito bem, não é?
-- A culpa é de todos vocês. Vou sentir falta dessa correria e mais ainda de tantos elogios. Agora, como vou agüentar a monotonia do escritório?
Ele soltou uma gargalhada, deliciado com a deliciosa repreensão.
-- Eu, em particular, prefiro morrer a passar o resto da minha vida atrás de uma escrivaninha – afirmou, sorrindo – Mas Archer se adaptou bem ao novo estilo de vida. E algo me diz que você contribuiu muito para isso...
-- Sou inocente, juro! Pare de me olhar como se eu fosse uma mulher-aranha!
-- Não a culpo por gostar dele, Gabby. Remo merece.
-- Tenho sérias duvidas a esse respeito...
-- Reconheço que ele é um pouco complicado. E orgulhoso demais, perfeccionista, detesta errar... E que interfiram nos problemas dele.
-- Já sei, cometi o “pecado” de matar Severo Snape. Mas eu nem sabia quem era aquele sujeito!Quando vi Remo em perigo, só pensei em salvá-lo. E, agora, ainda tenho de aturar cara feia por causa disso! Remo nem sequer fala comigo, Marchal. Se está tão zangado, deveria se abrir,nem que fosse para brigar!
-- Ele se assustou demais, Gabby. Quando a viu no meio do fogo cruzado, ficou branco feito cera. Além do mais faz muito tempo que ele não participa de um combate. Está se sentindo fora de forma e, com esse incidente, inútil e culpado também.
Gabby deu de ombros com indiferença.
-- Pois para mim isso se resume numa única palavra: machismo. Não consigo aceitar esse tipo de sentimento mesquinho!
-- Você precisa se lembrar de uma coisa, Gabby: Remo quase morreu uma vez, pela mão de Severo Snape também. Já pensou se acontece algum acidente com você? Afinal foi Remo quem a trouxe aqui.
-- Ele me contou sobre os ferimentos e tudo mais. Só que isso não justifica o comportamento dele agora.
Marchal encarou-a, surpreso.
-- Ele lhe contou...Tudo?
-- Tudo sobre o passado dele como mercenário. Mas eu já desconfiava, só precisava de uma confirmação.
-- Eu duvidava que Remo se estabelecesse um dia numa profissão. Ele nunca teve uma companheira, alguém para dividir os problemas e as alegrias. Acho que, em boa parte, foi por isso que se manteve tanto tempo nessa vida de loucuras. Tenho certeza de que já teria voltado... Se não a tivesse conhecido. Qualquer cego vê o quanto vocês dois se dão bem. Você é a mulher certa para Remo construir um futuro... coisa que jamais existirá para nenhum de nós.
Gabby soltou um suspiro, observando o horizonte azulado por trás das serras a distância.
-- Pois parece que Remo não está nada seguro de ter se adaptado a uma vida sedentária – afirmou. – Tanto que deseja liberdade para voltar à guerrilha no momento que bem entender.
-- Por isso mesmo fico feliz por ele tê-la conhecido. Talvez Remo não saiba disso, mas não há mais lugar para a guerrilha na vida dele.
-- E não estou certa de termos um lugar um na vida do outro, Marchal.
-- Meu verdadeiro nome é... Matthew. Mande noticias de vocês dois de vez em quando, esta bem? Uma parte desse casal tem de se corresponder com os amigos.
-- Pode deixar. Prometo mandar noticias minhas, de Remo não garanto.
Ele sorriu diante da teimosia de Gabby.
-- Pois eu garanto. Vou até comprar roupa nova para esse casamento.
Piscou um olho para ela com ar maroto e afastou-se, seguindo para os fundos da casa. Gabby entrou a tempo de se despedir de Marina e Roberto. Depois, foi para o quarto, percorrendo devagar os silenciosos corredores da residência deserta. Desde aquela manhã, os componentes do grupo de resgate começaram a desaparecer. Não foi preciso despedidas para Gabby perceber que todos já haviam partido, deixando o país tão secretamente quanto haviam chegado.
Na hora do jantar, restavam apenas Marchal, Zabini, Remo e Gabby na fazenda. O anfitrião usava de todo seu charme para amenizar a tensão do ambiente a mesa, mas sem grande sucesso. Remo ainda estava taciturno e Marchal só falava por monossílabos. Para não desapontar Zabini, Gabby se esforçava para demonstrar naturalidade respondendo as brincadeiras do dono da casa.
Para ela, foi um alivio quando todos deram a refeição por encerrada. Os quatro foram para a sala e Gabby voltou-se para Remo.
-- Quando voltamos para Chicago? – quis saber.
-- Ainda hoje à noite.
-- Então, vou verificar se esta tudo pronto. Señor Zabini agradeço-lhe imensamente pela acolhida. Apesar de tudo, foi ótimo conhecer todos vocês. Só sinto não termos visitado as ruínas maias.
-- Eu também, Gabby. Mas quem sabe um dia você volta? Então, será um prazer lhe servir de guia.
Zabini fez uma leve reverência de cabeça e Gabby sorriu-lhe antes de sair da sala. Foi para o quarto e juntou a bagagem depressa, ansiosa por se livrar do clima pesado entre ela e Remo.
Minutos depois, R.J. entrou no quarto. Embora tivesse dormido em outro aposento na noite anterior, suas coisas ainda estavam lá. Sem dizer uma palavra, começou a juntar seus objetos pessoais e enfiá-los na mala sem esconder a impaciência. De vez em quando, olhava para Gabby rapidamente enquanto ela ajeitava os cabelos e as roupas diante do espelho da penteadeira.
-- Você parece ter se divertido muito nessa... excursão – afirmou com ironia.
Ela deu de ombros, calma.
-- Foi uma experiência fascinante, não posso negar.
-- Fascinante?! – ele explodiu, indignado. – Só mesmo uma maluca enfrentaria Severo Snape bem no meio de um fogo cruzado! Que acha de fascinante em ter quase morrido?
-- Provavelmente a mesma coisa que você quando era mercenário. Alias, você estava com a minha idade quando começou nessa profissão, não é?
-- Mas eu precisava desse trabalho, já lhe expliquei. Não saia por ai praticando tiro ao alvo nos outros.
-- Está se esquecendo de um pequeno detalhe, Remo: se eu não atirasse, Sanpe teria matado você.
Ele voltou-se para Gabby, pálido de raiva.
-- Ah, sim! Decerto espera minha eterna gratidão por isso! Talvez, você é quem devesse ser grata a mim!
O tom irônico e cáustico esgotou de vez a paciência de Gabby. Já estava farta do mau humor dele para aturar quieta as insinuações obscuras.
-- Vamos parar de uma vez com essa brincadeira de gato e rato, Remo – propôs com severidade. – Já estou meio crescidinha e, além disso, nunca fui boa com jogos de palavras. Portanto, diga alto e em bom tom o que o incomoda.
-- Não se trata de eu me incomodar, meu anjo. Mas acho que você poderia arranjar um meio mais seguro de chamar a atenção de Zabini! Sua atitude colocou em risco a vida de todos nós, se é que não percebeu isso...
-- Chamar a atenção de Zabini? Mas do que você esta falando?
-- Ora, Gabby, não se faça de ingênua! Como você mesma disse, já estamos bem crescidinhos para jogos de palavras. Só um idiota não perceberia os olhares que você dois trocaram desde que se conhecem. Durante a viagem do aeroporto para cá, então, passaram o tempo todo brincando de professor e aluna, sem a mínima consideração pelo meu nervosismo, aliás. Só Deus sabe o tipo de brincadeiras que fizeram aqui ontem enquanto estavam sozinhos! Imagino que estivesse muito interessante, pois só perceberam o ataque dos homens de Snape na última hora...
Essa acusação deixou Gabby lívida de indignação. Atribuir-lhe negligência com os deveres de radioamadora para manter um romance com Zabini era demais! Justo ela, que quase morrera de aflição perto do rádio a espera de noticias, temendo pela vida dele mais do que pela própria segurança!
-- Culpe o sentinela de Zabini pelo descuido, meu caro – afirmou, a voz trêmula de raiva – Ele nos avisou do ataque na última hora. Caso contrario, Zabini teria salvado a casa dele de uma invasão, não acha?
-- Zabini a cobiça, minha cara, desejou você desde o primeiro minuto que a viu. Trocaria muito mais do que uma casa por alguns instantes de prazer...
-- Cale a boca! – Gabby gritou, fora de si. – Não lhe dou o direito de duvidar do meu procedimento! Fiz tudo como devia, minha consciência esta tranqüila. Se não acredita nisso, problema seu. Só me poupe de ouvir as sujeiras que estão em sua cabeça!
Desnorteada, pegou a bagagem e se preparou para sair do quarto. Percebendo-lhe a intenção, R.J. alcançou-a e segurou-a pelos ombros, voltando-a para si.
-- Comigo, sempre essa pose de santa, não é, meu anjo? – indagou cheio de escárnio – Com Zabini, é toda fogo, toda paixão... Zabini ou Blaise, como talvez você o chame depois...
Gabby perdeu os últimos resquícios de autocontrole e, num impulso, esbofeteou Remo com força. Com o susto, ele a soltou e ela tentou de novo alcançar a porta. Girava a maçaneta quando Remo segurou-a e puxou-a para si pela cintura.
-- Aprendeu depressa, querida – murmurou-lhe bem junto ao ouvido para, em seguida, beijá-la com desesperada sofreguidão. – Os mercenários não gostam de mulheres boazinhas. Preferimos as selvagens, as que precisamos convencer... E você fica mais linda quando zangada!
Enquanto falava, acariciava-lhe o corpo com toques hábeis, sensuais. Já tentava penetrar-lhe a mão sob a camiseta, em busca dos seios quando ela reagiu, debatendo-se. Mas ele segurou-a pelos ombros e voltou-a para si, colando-a ao corpo rígido de excitação e nervosismo.
E Gabby desconheceu-o por completo ao encará-lo. Havia nos olhos dele uma determinação selvagem misturada a dor e a humilhação. Por puro instinto, colocou os punhos cerrados no peito dele e empurrou-o para longe, numa tentativa de se libertar. No entanto, Remo se moveu um milímetro, apertando-a ainda mais contra si, com um sorriso cínico.
-- Foi assim com Zabini, ontem? – quis saber – Então, ele deve ter ficado louco! Aliás, você não precisa fazer nada para tirar qualquer homem do sério. Faz dois anos que eu enlouqueço toda vez que olho pra você...
Sem lhe dar chance de protestar, beijou-lhe de novo a boca, os lábios ansiosos pressionando os dela. Logo em seguida, sua língua penetrava-lhe a boca com voracidade, iniciando uma exploração sedenta e, ao mesmo tempo, doce e persuasiva. Acariciava-lhe os seios com habilidade possessiva e persuasiva, numa desvairada tentativa de arrastá-la consigo para o torvelinho de desejo no qual ele naufragava.
-- Te quero tanto! – gemeu, fitando-a nos olhos enquanto pressionava-lhe o corpo de encontro à porta fechada. – Me faça o homem mais feliz do mundo...
Não era Remo quem encarava enquanto erguia-lhe a camiseta e buscava-lhe os seios nus. Estarrecida, Gabby não o reconhecia nas feições duras, a boca crispada, uma palidez mortal. Inútil continuar lutando, pois ele se excitava ainda mais a cada tentativa de escapar. Com um soluço, abandonou-se quando Remo beijou-lhe o seio, provocando-lhe o mamilo com uma delicada sucção.
-- Deixe acontecer, meu anjo... Quero arder até o fim com você... Até o fim... - sugou-lhe os seios com maior possessão, arranhando-lhe as costas de mansinho numa caricia provocante. Gabby conteve outro soluço, mas não tinha lágrimas para derramar. Algo dentro dela morria naquele momento de forma dolorida, irremediável.
-- Faça o que quiser Remo, você e mais forte. Mas, por favor, não me peça para fingir.
Gabby ouvia a própria voz como um eco longínquo. Era como se aquela afirmação fria e determinada viesse de uma parte de seu ser que ela própria desconhecia até então. Remo também sentiu a vibração estranha no tom do apelo, pois fitou-a nos olhos, intrigado.
-- Não posso lutar contra a sua força física, só me machucaria com isso – Gabby afirmou. – Só lhe peço para acabar logo com isso. Quero sair deste maldito lugar, esquecer todo esse horror.
Perplexo Remo continuou a encará-la, como se não compreendesse o sentido exato daquelas palavras. Depois, soltou-a devagar, algo de dor e humilhação brilhando-lhe no fundo dos olhos claros. Afastou-se com uma expressão impenetrável no rosto pálido.
-- Apronte-se depressa – disse com frieza enquanto pegava a mala. – Também eu não vejo a hora de sair deste lugar.
Gabby afastou-se da porta quando Remo se aproximou e foi até a janela. Ouviu o barulho do trinco se abrindo para fechar-se logo em seguida. E então, só restou um vazio imenso que lhe saia da alma para contaminar o ambiente.
Enquanto trocava de roupa, pensava no que faria quando chegasse a Chicago. A primeira providencia seria pedir demissão. Não poderia trabalhar para R.J. depois de tantos mal-entendidos graves. Talvez ele a dispensasse das semanas de aviso prévio e, com isso, pouparia a ambos de muitos aborrecimentos. Depois, pensaria em como enfrentar as despesas mais imediatas enquanto não arranjasse outro emprego.
Minutos depois, Gabby saia do quarto vestindo um suéter verde e jeans no mesmo tom. Penteara os longos cabelos com cuidado e os prendera num alto rabo de cavalo. A maquilagem leve disfarçava a palidez, mas não a tristeza do rosto delicado.
Respirou fundo antes de entrar na sala. Ninguém perceberia o quanto Remo a magoara com sua falta de sensibilidade. Não lhe daria o prazer de vê-la lacrimosa por causa das acusações cruéis e absurdas que lhe fizera poucos minutos antes. Ele só merecia desprezo e indiferença... Embora ela ainda o amasse, apesar de tudo.
R.J. estava sentado numa poltrona, conversando amigavelmente com Zabini. Parecia muito relaxado, tão diferente do homem tenso e brusco de poucos minutos antes. Mas isso não a espantava, Gabby pensou com raiva. Só mesmo um excelente ator disfarçaria tão bem sua verdadeira personalidade durante dois anos.
Ela sorriu para Zabini e cumprimentou-o com ligeiro aceno de cabeça, ignorando como Remo a fuzilava com o olhar. Deixou a mala na porta e brincou com Marchal antes de sair para a varanda. Precisava reunir forças para suportar a presença de R.J. durante a viagem para Chicago.
-- Aconteceu alguma coisa?
A voz de Marchal interrompeu-lhe os pensamentos. Gabby voltou-se para ele com um sorriso casual.
-- Nada, por que pergunta?
-- Porque conheço Remo há muito tempo. Você está bem?
-- Cansada de toda essa loucura! Acho que só ficarei bem quando sair da vida de Remo de uma vez.
-- Então, a coisa foi grave!
-- Para mim foi, sim, muito grave.
-- Não se conquista um homem como Remo sem esforço, Gabby.
-- Mas eu nunca quis conquistá-lo! Sempre soube que éramos diferentes demais, que um relacionamento entre nós dois era muito difícil. Aliás, não quero homens na minha vida por enquanto e...
-- E, mesmo assim, se apaixonou por Archer – Marchal interrompeu-a com um sorriso compreensivo.
Gabby sorriu também. De nada adiantava mentir para alguém experiente como Marchal. Além disso, desabafar só lhe aliviaria o sofrimento.
-- Isso passa – retrucou dando de ombros.
-- Por que não lhe dá um tempo, Gabby? Para Archer, precisar de alguém é uma experiência nova... e assustadora. Ele viveu sozinho a maior parte da vida, esqueceu? Encara a solidão como sinônimo de liberdade.
-- Mas ele não precisa de mim, Marchal! Não me quer ao lado dele... Como companheira, entende?
-- Você que pensa. Você é a mulher ideal para Archer e ele sabe disso. Está esperneando contra os próprios sentimentos mais vai cair em si, voltar atrás.
-- Não quero que ele volte atrás. Não o quero em minha vida e não que ele sinta alguma coisa por mim... a não ser desejo. Não se constrói uma relação saudável apenas com atração física.
Marchal sacudiu a cabeça com um sorriso complacente.
-- E foi por atração física que ele lhe contou tudo sobre o passado dele, que a levava junto para encontros secretos? Remo não confia em ninguém, exceto em mim. Nem Marina sabe tudo sobre a vida dele.
-- Pois ele não confia em mim também.
-- Não se trata disso. Ele não confia e em Zabini... nem eu confiaria no lugar dele.
Gabby engoliu em seco uma resposta, pois Remo e Zabini chegaram na varanda. As despedidas foram breves e Gabby logo entrava no carro de Zabini e sentava-se no assento ao lado do banco do motorista, ocupado por Marchal. Remo acomodou-se atrás e bateu a porta com força, acenando para Zabini.
-- Volto em algumas horas, chefe -- Marchal comunicou a Zabini antes de dar a partida no veiculo.
A viagem até o aeroporto parecia não ter fim. O clima de tensão entre Remo e Gabby era insuportável. Nem mesmo os esforços de Marchal para manter uma conversa polida atenuava o silencio pesado dos dois.
Foi um alivio para Gabby ocuparem poltronas separadas no avião. Mesmo assim, a simples presença de Remo no mesmo ambiente a incomodava. Embora se fingisse concentrada na leitura do seu romance, pensava na convivência de ambos. Momentos felizes, repletos de ternura e companheirismo que jamais se repetiriam. Como viveria dali em diante sem o sorriso, as caricias, os beijos dele? E como superaria as eternas suspeitas de Remo, caso não tivesse forças para deixá-lo para sempre?
Após refletir durante toda a viagem, pela manhã Gabby desembarcou decidida em Chicago. Não havia outra saída senão a separação definitiva entre ela e Remo. Depois do lamentável incidente do dia anterior, nunca voltariam a conviver no escritório como antes.
Enfrentaram uma longa fila para desembarcar a bagagem na alfândega. Exausta e com os nervos em frangalhos, Gabby aceitou sem discussões o oferecimento de R.J. para levá-la ate em casa. Pelo menos, que pusessem um ponto final naquela viagem de maneira civilizada.
Já tomavam o caminho da cidade quando Remo voltou-se para ela com ar soturno.
-- Já decidiu o que vai fazer agora? – indagou com frieza.
-- Vou procurar um emprego na área de computação. Gosto de lidar com maquinas, com números...
-- Pensei que gostasse mesmo de Direito. É uma pena desperdiçar o conhecimento que conseguiu nesses dois anos.
-- Computadores tem várias aplicações. Há muitos escritórios de advocacia precisando desse serviço. Com um pouco de sorte, continuo na mesma área.
-- Que traição trabalhar para um concorrente meu! Já não basta... – Ele se interrompeu e acendeu um cigarro, fingindo indiferença. – Bem, a vida e sua. Segunda-feira de manhã terei de ligar para a agencia e pedir que mandem algumas candidatas. E, desta vez, Amos fará as entrevistas...
Ignorando a ironia amarga do comentário, Gabby olhou pela janela do automóvel. A cidade começava a despertar com sua agitada confusão de pessoas e veículos. A vida continuava como se nada houvesse acontecido e pensar nisso causava-lhe uma sensação insuportável de solidão.
Alguns minutos depois, Remo estacionou o carro diante do prédio dela e fez menção de descer.
-- Não se preocupe com a bagagem – Gabby afirmou, já abrindo a porta do veiculo, a bolsa de viagem em punho – Esta leve, posso muito bem levá-la sozinha.
-- Como quiser.
Ela desceu e preparava-se para bater a porta do automóvel quando ele a chamou.
-- Você vai trabalhar mais duas semanas para cumprir o aviso prévio – comunicou-lhe com frieza. – Problemas pessoais a parte, não arranjaremos uma substituta a sua altura de uma hora para outra. E não podemos ficar sem secretaria nem um dia sequer.
Gabby considerou aquilo como uma vingança sórdida. Teve vontade de esmurrar Remo, mas logo se rendeu as evidencias. Ela precisava de outro emprego e, sem uma carta de referência, ficaria quase impossível. E, pela expressão determinada de R.J. ele só lhe daria o documento após as duas semanas.
-- Está bem, Sr. Lupin – retrucou com exagerada polidez. – Segunda-feira nos veremos, então.
E, pegando a bagagem da calçada, entrou no prédio sem olhar para trás.

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