Revelações: O Resgate



Capitulo V


R.J. encarou Gabby com um sorriso amargo. Guardara aquele segredo por tanto tempo que, por um momento pensou estar sonhando. E, como em seus piores pesadelo, ela o fitava com calma indiferença dos juizes mais implacáveis.
-- Esta muito chocada, meu anjo? -- Quis saber, com certo sarcasmo.
-- Para ser franca, sempre achei essa historia de tropas de elite muito mal contada...
-- Posso saber porque? Ninguém jamais encontrou alguma falha no meu disfarce! - ele colocou as mãos na cintura, indignado.
-- Ninguém jamais trabalhou com você, como eu! Ex-integrantes das tropas de elite em geral seguem a carreira militar. E, quando dão baixa, tornam-se tradicionalistas, pacatos, conservadores, mesmo. Apenas uma experiência muito marcante apagaria esses valores. Os métodos que você usa no trabalho, por exemplo, nada tem a ver com a cabeça de um ex-militar, concorda?
R.J. sorriu, um tanto sem graça.
-- Tem razão -- admitiu por fim, com um suspiro. -- Devia ter imaginado que era perigoso trazer uma espertinha como você nessa missão...
Gabby observou-o: a camisa semi-aberta deixava evidentes cicatrizes pequenas mais profundas, disfarçadas pelos pêlos escuros no peito.
-- A grande temeridade foi tentar me seduzir, doutor. Qualquer cega ficaria curiosa sobre a origem de tantas cicatrizes. E, como não sou cega, gostaria de saber toda a historia.
Remo acabou de abotoar a calça e caminhou devagar até a janela. Olhou por um momento as árvores do jardim, como se fosse difícil iniciar o assunto.
-- Quando fui para o exercito, deixei Marina num internato muito caro, um dos melhores da região. Minha mãe conseguira uma bolsa de estudos para ela por três anos, pouco antes de falecer. Enquanto estava no serviço militar, fiquei tranqüilo, pelo menos o futuro da minha irmã estava garantido. Mas na época em que sai das tropas de elite, as coisas começaram a se complicar. A bolsa de estudos de Marina estava para vencer e não queriam renová-la. Não tínhamos dinheiro para pagar o internato e eu não possuía treinamento para mais nada a não ser guerrear. Tentei vários empregos, mas sem qualificação nenhuma, só conseguia cargos com salários péssimos...
Remo tirou a cigarreira do bolso e acendeu um cigarro.
-- Marchal estava recrutando pessoal para um serviço no Oriente Médio -- prosseguiu --- Nós nos conhecíamos das tropas de elite e ele sabia das minhas dificuldades. Ofereceu-me o emprego e eu aceitei. Passei quatro anos andando pelo mundo, ganhei muito dinheiro, para sustentar os estudos de Marina e muito mais. Com o tempo, me tornei confiante demais na minha capacidade de guerrilheiro, corria riscos desnecessários, fazia loucuras... Um dia, aconteceu o inevitável: o inimigo me despedaçou inteiro. Passei mais de um mês no hospital com os pulmões perfurados e várias costelas fraturadas. Todo mundo jurava que eu não ia agüentar, mas sobrevivi. Lutei como um leão pela minha vida porque queria vingança.
Sacudiu a cabeça, com um sorriso melancólico.
-- Quando sai do hospital, cumpri uma última tarefa: dei uma boa lição no homem que quase me matou. Depois, voltei aos Estados Unidos. Não queria mais viver fugindo, me escondendo, com medo da próxima bala, da próxima emboscada... Além disso, meus amigos um dia precisariam de um bom advogado, clientes não me faltariam se optasse por direito. Então, arranjei um emprego e entrei na faculdade. Com Marina já formada e noiva, só me restava cuidar da minha vida.
-- Um advogado foragido! -- Gabby comentou, como se pensasse em voz alta. -- Agora entendo porque você não se abre com ninguém.
-- Foragido é um termo muito forte. Digamos que eu precisei... evitar alguns países. se fosse reconhecido num deles, na certa seria processado. Mas nos EUA, sou um cidadão acima de qualquer suspeita.
-- E quem é o seqüestrador de Marina? Um inimigo de Remo ou de Archer?
Ele soltou um suspiro angustiado enquanto tragava o cigarro.
-- Serevo Snape, o homem que quase matou Archer.
-- Então você falhou na sua vingança.
-- Não queria matá-lo, só fazê-lo sofrer como eu sofri durante aquele maldito mês de internação. Pensei que, depois da revanche, estaríamos quites, mas ele deseja mais... Pois bem, que seja!
-- Desse jeito, essa historia nunca vai acabar, Remo, a não ser...
Gabby interrompeu-se aflita. Seria terrível se ele tivesse de pagar a liberdade da irmã com a própria vida.
-- A não ser que um de nós morra – ele concluiu – Deus do céu, pensei que isso fosse coisa do passado! Tenho feito o possível para esquecer tudo o que se relaciona com minha antiga atividade, mas, ao que parece, vou carregar essa maldição pelo resto da minha vida!
Gabby observou-o por um instante, incrédula.
-- Pelo seu jeito de levar a vida, não parece que queira esquecer de verdade. As suas atitudes são de quem gosta de correr perigo... Sente saudade das suas aventuras como mercenário, não sente?
-- Saudade não é bem o termo... Acho que aprendi a viver desse jeito e não me acostumo a ser um cidadão pacato, só isso. Fui sincero quando disse que cansei de fugir, me esconder, estar sempre a um passo da morte. É difícil explicar como, mas eu despertei. Hoje, me sinto útil de verdade e pretendo continuar com meu trabalho atual quando esse pesadelo terminar.
-- Por isso veio atrás de Marina, não e, Remo? O seqüestro era um caso pessoal, não político. Envolver os governos americano e italiano, só pioraria a situação...
-- É isso mesmo, meu anjo. Se eu avisasse a policia, Marina já estaria morta, agora.
-- E como você sabia que não se tratava de terrorismo internacional? Seu cunhado é um industrial importante, o objetivo poderia ser apenas arrecadar fundos para alguma causa revolucionária.
-- Revolucionários nunca pedem apenas dinheiro como resgate. Querem armas, mantimentos e principalmente a libertação de companheiros presos. Eles agem motivados por um ideal e raramente matam suas vitimas quando não conseguem suas exigências. Se Marina estivesse em mãos de guerrilheiros nacionalistas, em especial dessa região, eu estaria tranqüilo. Pagaríamos o resgate e Roberto usaria sua influencia para conseguir o cumprimento das outras exigências.
-- Mas esse tal Snape quer sua cabeça! Vai entregá-la assim, de mão beijada?
-- Claro que não! Vou lutar até o fim, gosto do perigo, mas não da morte. Mas preciso salvar minha irmã, ele é tudo o que eu tenho, entende?
Gabby baixou os olhos, inquieta. Compreendia muito bem as palavras e os sentimentos de Remo. No entanto uma sensação de perda muito forte insistia em torturá-la.
-- Eu entendo sim, Remo. – Murmurou, com tristeza.
-- Tive uma conversa muito seria com Zabini a noite passada. Avisei-o de que se a tocasse, eu o mataria.
Ela ergueu o queixo, insolente.
-- Já disse que posso me cuidar sozinha.
-- Mas ainda não me contou como aprendeu a lidar tão bem com armas. Agora que já conhece todos os meus segredos, não acha justo que eu também conheça alguns dos seus?
-- Não há segredo nenhum. Seis meses trabalhando com você bastaram para eu perceber que datilografia, taquigrafia e bons conhecimentos em computação não chegavam para ser sua secretaria. Afinal estávamos sempre as voltas com gangsters e marginais perigosos... Então, fiz o curso completo da academia militar de Chicago. Só queria aprender a atirar um pouco mais acabei me interessando tanto que cheguei ao estagio superior.
R.J. ergueu as sobrancelhas, espantado.
-- Isso significa que é especialista em explosivos e armas estrangeiras?
-- Isso mesmo doutor. Portanto, Zabini é quem deve ter cuidado comigo.
-- Mas por que nunca comentou isso comigo, Gabby?
-- Deus me livre! Do jeito que você se arriscava pensando que eu era uma mocinha indefesa, tive medo das loucuras que faria se soubesse dessas minhas habilidades! Agora, é melhor eu me vestir e revisar os códigos. E não comente com Drago que eu também entendo de explosivos. Isso poderia feri-lo em seus brios de machão.
Remo sorriu-lhe enquanto apanhava a jaqueta sobre a poltrona. Olhava-a agora com grande admiração, como jamais fizera antes.
-- Você é uma verdadeira caixinha de surpresas, Gabby! – exclamou, apagando o cigarro no cinzeiro da cômoda. – depois quero que me conte tudo sobre esse seu lado guerrilheiro.
Ela riu da brincadeira, enquanto R.J. saia do quarto. Quando se viu sozinha, porém sentiu-se imersa num imenso vazio, frio e impreenchível. A perspectiva de perder Remo para sempre causava-lhe uma dor profunda. Como pudera apaixonar-se por ele sem nem ao menos se dar conta disso? Perguntou-se desolada.
Tanto empenho em não se envolver com ele dera em nada! Remo ocupava-lhe todos os recantos da alma, coloria-lhe os dias, preenchi-a, completava-a. Só agora percebia a importância da presença dele em sua vida... exatamente quando talvez nunca mais o visse!
A custo, Gabby conteve as lagrimas, procurando na razão um apoio para o sofrimento. A paixão por Remo não mudaria em nada sua decisão de manter distancia dele. A inegável atração física existente entre ambos não bastava para um relacionamento saudável e enriquecedor. Ele não desejava laços afetivos com mulher alguma. Amargurado e desiludido pelo próprio passado, não teria disposição de investir em um romance duradouro. Dele, só podia esperar alguns momentos de prazer, corpos se entregando a satisfação de impulsos. E ela queria, precisava de muito mais para ser feliz.
Não, Remo não era homem para ela. Isso lhe dizia a voz da razão. Mas o coração, teimoso, imprudente, clamava por ele, iluminava-se a cada sorriso, pulsava mais forte a cada toque de Remo. E agora, contraia-se, angustiado, por sabê-lo em perigo.
Sem Remo, não haveria vida, nem futuro, nem alegria... E, ao lado dele, só lhe restava desilusões. Embora sem esperanças, o amor vibrava, dominador e irrecusável, por dentro de Gabby. Desejava ir com ele para frente de batalha, protegê-lo com a própria vida se fosse necessário. Mas quem ficaria no radio, dando retaguarda para o resgate?
Com um suspiro resignado, vestiu-se às pressas e reuniu-se aos outros na sala. Sorriu para todos com naturalidade, ignorando a insistente observação de Remo. Se o encarasse, de certo se desmancharia em lágrimas.
Reparou num homem magro, de olhos muito azuis, que não estava na fazenda na véspera.
-- Este é Samson – James apresentou-o – Ele foi nosso espião nos últimos dois dias.
-- E você é Gabby, não é? – O homem perguntou com um sorriso amigável – Como você agüenta trabalhar o tempo todo com esse sujeito?
-- Ah... Ele tem seus bons momentos... Embora não muitos, para ser franca.
Todos riram da brincadeira e se ergueram, preparando-se para partir. Gabby sentiu uma angustia intensa quando R.J. pegou um rifle automático e pendurou-o no ombro. De repente, teve consciência plena do perigo da situação. Até aquele instante, tudo não passara de palavras, planos e estratégias de combate discutidos longamente entre os integrantes do grupo. Mas a imagem de Remo armado deu a Gabby a dimensão exata dos riscos daquela operação. Conteve a tempo o impulso de pedir-lhe para não ir. Seria pura perda de tempo, pensou com amargura.
-- Gabby e Zabini, contamos com você – Remo afirmou, com seriedade. – Nossa segurança depende, em boa parte, da atenção de vocês dois na escuta. Avisem-nos a qualquer sinal de perigo, mesmo que seja uma simples suspeita.
Gabby sentiu brotar dentro de si uma coragem até então desconhecida. Nunca participara de um combate, e, apesar disso, tinha consciência nítida da responsabilidade de seu papel naquela missão. Jurou para si mesma que, se dependesse dela, Remo sairia daquele resgate sem nenhum arranhão.
-- Pode deixar, eu cuido de tudo – assegurou.
-- E não se preocupe, Gabby, não vou deixar que nada aconteça a esse convencido – Apollo brincou.
-- Obrigado Apollo.
-- Se bem que acho desperdício você se incomodar com esse chato – Samson resmungou, dando de ombros.
-- Dizem que a gente se acostuma até com as pulgas... Deve ser esse meu caso com Remo.
-- Sentimento mutuo, alias – ele interveio,fingindo zangada. – Zabini, cuide dela.
-- Já disse um milhão de vezes que sei me cuidar muito bem sozinha -- Gabby protestou.
-- Por isso mesmo me preocupo: você se cuida bem demais para o meu gosto! Fique de olho nela, Zabini, não a deixe cometer nenhuma loucura.
-- Pode ir sossegado, eu contenho os impulsos da Gabby. Se ela for pelo menos um pouco diferente de você, posso até conseguir resultados...
Todos riram, mas Gabby os trouxe de volta a realidade.
-- Melhor revisarmos os códigos, agora. Todo mundo deve sabê-los melhor do que os próprios nomes.
O grupo recitou em conjunto as palavras-chave, das quais dependia a segurança da operação. Quando terminaram, houve um momento de tensão. Os homens se entreolharam como se esperassem uma ordem para partir.
-- Boa sorte a todos – Gabby desejou-lhes com um sorriso confiante – Não se atrasem muito, senão eu e Zabini almoçaremos sozinhos!
-- Companheiros, vamos lá! – Marchal ordenou – Não vamos deixar os petiscos de Clara só para esses dois gulosos!
O grupo retirou-se rapidamente, sem dar tempo para despedidas prolongadas. Gabby não lamentou a atitude. Para que alongar a agonia de dizer adeus a Remo... talvez para sempre?
Fechou a porta da frente depressa, para não vê-lo perde-se na distância. Não havia dentro dela nenhum medo ou sofrimento, apenas um imenso vazio. Era como se prendesse a respiração depois de um duro golpe, para retardar a chegada da dor.
-- Quanto tempo eles vão demorar para chegar lá, Blaise? – Quis saber, voltando-se para Zabini.
-- Pelo menos duas horas. O terreno é difícil e eles precisam avançar com muita cautela para não serem descobertos.
Gabby observou o anfitrião por um instante. Uma sombra de preocupação nublava-lhe o rosto moreno. O costumeiro sorriso largo e sedutor desaparecera, deixando-lhe nas feições uma estranha lacuna.
-- Não fique preocupado -- tranqüilizou-o com um sorriso ameno -- Aqueles marmanjões sabem muito bem se cuidar.
-- Mas não estou preocupado!
Gabby sacudiu a cabeça, condescendente.
-- Como mentiroso, você faria grande carreira, sabia? Vou pegar um café e me sentar ao lado do radio.
Zabini olhou-a pensativo.
-- Gabby você gosta muito dele, não?
-- Gosto sim, mas se você lhe disser isso, eu nego tudo!
-- Pode se orgulhar de seu namorado, señorita. Nunca conheci homem mais capaz do que ele nessas situações. Uma vez eu o vi ressuscitar quando nós todos o dávamos como morto. Aquele bando de Chacais o acertou em cheio naquela época porque o pegaram a traição. Mas, agora, eu cuidei pessoalmente para que não haja surpresas.
-- Mas suponhamos que alguma coisa saia errada... eles conseguiriam escapar assim mesmo?
-- Então todos estarão nas mãos de Deus.
As palavras soturnas de Zabini ecoaram nos ouvidos de Gabby nas três horas posteriores. Embora não demonstrasse, a demora do comando em se comunicar a amedrontava. Talvez uma emboscada no meio do caminho os tivesse tornado prisioneiros também. E, nesse caso, não haveria salvação... Severo Snape não perderia a segunda chance de matá-lo.
Zabini já não estava sentado na ultima meia hora. Andava pela sala de um lado para o outro, numa visível impaciência. E o nervosismo dele contribuía para aumentar as apreensões de Gabby. Habituado a situações semelhantes, ele não estaria tão angustiado se aquele silêncio fosse normal...
Quando, por fim, o primeiro sinal de comunicação soou através do radio, Gabby identificou-se como o combinado e aguardou. Logo a voz de Remo chegava-lhe aos ouvidos, enchendo-lhe o coração de esperanças. Em mensagem cifrada, avisou-a de que o grupo chegara ao destino sem problemas e começaria o ataque dentro de 5 minutos. Gabby deu a entender que compreendera e encerrou a comunicação.
Uma estranha mistura de alegria e medo a invadiu. Remo estava vivo... ainda. Mas por quanto tempo? Snape não montara aquela armadilha por nada. Se conseguira atingir o inimigo, de certa teria capacidade de liquidá-lo de vez. Voltou-se para Zabini, tensa ante o perigo iminente.
-- Eles vão atacar dentro de cinco minutos -- Comunicou.
-- O pior é essa espera, não acha? Vou pedir a Clara mais café.
A angustia de Gabby cresceu quando Zabini saiu da sala. Os minutos se arrastavam numa torturante expectativa. Ela já imaginava Remo envolvido na batalha, cercado por tiros e explosões. Como desejaria estar ao lado dele naquele momento! Enfrentaria qualquer perigo com prazer para ajudá-lo.
Alguns minutos mais tarde, R.J. entrou em contato novamente. Um inferno de tiros e explosões quase encobria-lhe a voz tensa, noticiando que o resgate corria como eles esperavam.Mal Gabby acabara de encerrar a transmissão Zabini entrou afobado na sala.
-- Entre em contato com eles depressa! -- ordenou, aflito. -- Um de meus sentinelas avisou que um grupo de homens de Snape esta preparando uma emboscada para Archer!
Gabby tentou entrar em comunicação com R.J. sem nenhum sucesso. Insistiu diversas vezes, mas não obteve resposta.
-- Devem estar em combate -- Zabini afirmou, sério. -- Agora, só nos resta torcer para eles descobrirem os miseráveis a tempo.
Gabby olhou para o microfone, impotente. Depois, decidiu fazer novas tentativas, todas infrutíferas. Zabini posou-lhe a mão no ombro, consolador.
-- Não se desgaste, Gabby. Archer não responderá ao chamado até que a batalha termine.
-- Ele vai responder. Em algum momento, ele vai responder, Blaise.
E nesse instante, no receptor soou a voz aflita de Remo.
-- Fecharam nosso caminho -- avisou, atropelando as palavras -- Vamos tentar outra opção. Você e Zabini deixem a fazenda imediatamente, um grupo está indo para ai.
-- Muitos homens?
-- Sim, muitos! Snape tem um grupo maior do que supúnhamos. Saiam dai enquanto é tempo!
O radio silenciou e Gabby ergueu-se da cadeira, decidida.
-- O que você acha, Blaise? Não dá para enfrentá-los?
-- Melhor não arriscar. Madre de Dios, eu devia ter adivinhado...Clara!
A mulher entrou na sala assustada e Zabini deu-lhe uma ordem em espanhol. Seguiu-se uma acalorada discussão, durante a qual Gabby foi para a sala e apanhou um AK-47 e um rifle automático. Laremos foi ao encontro dela e parou no meio do aposento, espantado.
-- Então,conseguiu convencê-la? -- Gabby perguntou, jogando o rifle nas mãos dele.
-- Não, ela prefere se esconder no mato... sabe mesmo lidar com armas, señorita?
-- Espero que não tenha oportunidade de lhe provar isso, señor.
Nesse instante, o homem que os trouxera do aeroporto entrou e disse algumas frases a Zabini em espanhol. Ele assentiu e voltou-se para Gabby.
-- Meus homens vão cobrir nossa retirada -- informou -- Aquiles já tomou todas as providencias.
-- Então vamos, Remo pode estar precisando de reforços.
-- Você quer participar do ataque, Gabby?!
-- Claro! Não teria sentido abandonarmos a fazenda se não fosse para ajudar Remo!
-- Não subestime o grupo, señorita. Nos já fomos os melhores.
Gabby ergueu o queixo,insolente.
-- Mas isso não impediu Snape de quase matar Remo uma vez... Agora, vamos!
Zabini levou-a as pressas pra fora da casa. Em breve, já se embrenhavam pela mata densa das cercanias da fazenda. Gabby levava a arma nas mãos, os dedos tensos presos no gatilho, prontos pra acioná-lo. Nem por um segundo a lembrança de Remo a abandonava. Enquanto seguia Zabini pela trilha estreita, não via a hora de certificar-se de que ele estava bem ou pelo menos com vida.
-- Abaixe-se depressa! -- Zabini sussurrou de repente.
Gabby esgueirou-se para dentro da folhagem e ficou imóvel. Agradeceu a Deus pela selva das redondezas estar ainda quase intocada. a ramagem das arvores servia-lhe de esconderijo e ninguém perceberia a presença deles se ficassem bem quietos.
Ouviu passos perto de onde estavam e, algum tempo depois, divisou homens armados. O grupo formado por uns dez ou doze integrantes, caminhava sem pressa, embora com cautela. De certo, esperavam encontrar a fazenda desprotegida e prender sem dificuldades as pessoas com quem Remo poderia contar. Assim, facilitariam a vingança de Snape.
Gabby sentiu um arrepio só em pensar que tal estratégia quase dera certo. Impaciente, esperou pela passagem dos adversários. Uma coragem desconhecida a dominava. Tinha ímpetos de matar a todos, mas controlou esse impulso desesperado. Mais do que nunca, precisava de sangue frio, decisões refletidas com cuidado. Um deslize colocaria a vida de todos no grupo de Remo em perigo mortal.
Longos minutos se passaram até que os vultos e o ruído de passos se perdessem na distancia.
-- Podemos ir agora? -- perguntou para Zabini, ansiosa.
-- Calma, vamos esperar só mais um pouco, por segurança.
Como poderia ter calma com Remo em perigo? Exasperada, Gabby encarava os cuidados de Zabini como uma tortura, e só ficou mais tranqüila quando recomeçaram a caminhada. Atenta a cada som ou movimento, seguia os passos ágeis e rápidos de Zabini. Toda ela se transformara, impulsionada pela bravura e teimosia... ou seria apenas amor? Só uma coisa lhe importava naquele momento: estar com Remo, protegê-lo com a própria vida se preciso.
Avançavam devagar, pois Zabini interrompia a trajetória com freqüência para consultar o mapa. Já caminhavam a uma hora quando, por fim, ouviram tiros em algum ponto adiante.
-- Chegamos, señorita -- Zabini murmurou,com uma expressão estranha.
-- Eu sei. Estou ouvindo o barulho da UZI.
-- Queria ver uma guerrilha? Então, prepare-se! Garanto que é muito diferente da rotina de um escritório de advocacia.
Ele riu e, movimentado-se com cuidado, foi para trás de uma arvore. Depois de espreitar a mata com cuidado levantou-se num grito de entusiasmo.
-- Archer! Aqui!
Seguiu-se uma confusão de tiros e explosões. Em meio ao tumulto, R.J. apareceu segurando pelo braço uma mulher baixa e de cabelos escuros. Junto deles, Marchal, Apollo, Samson e Drago lhes davam cobertura, atirando sem parar. Em poucos minutos, alcançaram Gabby e Zabini.
-- Marina, esta é Gabby -- Remo apresentou; e fitando Gabby com um sorriso terno, acrescentou: -- Como é bom te ver, meu anjo! Está tudo bem?
-- Tudo ótimo!
-- Nem tanto -- Drago interveio, preocupado. -- Eles estão bem atrás de nós. Tem alguma C-4 pronta, Apollo?
-- Estou trabalhando nisso. Um pouco mais de calma e vamos acabar de vez com esse ratos. Então, só teremos que atraí-los.
-- Me avise quando chegar a hora -- Remo pediu.
-- Um grupo deles tomou minha fazenda -- Zabini comunicou -- Tivemos sorte de escapar a tempo.
-- Sinto muito, Zabini.
-- Você está bem, Marina? -- Gabby perguntou, segurando as mãos da moça com um sorriso afetuoso.
-- Alguns arranhões, mas nisso daremos um jeito -- a outra disse, corajosa -- O pior já passou. Gostaria de ajudar vocês, mas estou esgotada...
-- E tem razão de sobra para isso -- Remo desculpou-a, acariciando-lhe os cabelos. -- Mesmo assim, você é um excelente soldado, irmã.
-- E você, nem se fale! Eu sabia que viria mas nunca imaginei que seria tão eficiente! Agradeço a Deus por seu treinamento nas tropas de elite. Mas onde você conseguiu esse outros homens?
Remo baixou a cabeça, desconcertado.
-- Eu os contratei. Roberto me devolve depois esse dinheiro.
-- Roberto ficará tão feliz quando esse pesadelo acabar!
-- Mais um pouquinho de paciência, querida. -- E, voltando-se para Apollo, ele perguntou: -- Pronto?
-- Para quando quiser.
-- Agora, então. Vou atraí-los e você me dará cobertura.
R.J. saiu do mato e começou a atirar em direção a um arbusto distante, de onde vinham alguns disparos. O coração de Gabby gelou dentro do peito ao vê-lo ali, possível alvo das balas do inimigo. A custo conteve um grito de aflição quando viu um homem alto, forte e moreno surgir do meio do arvoredo e posicionar-se nas costas de R.J., apontando-lhe uma arma para a cabeça. Sem perceber a ameaça, Remo continuava atirando contra alvos fictícios.
Gabby não teve tempo para refletir: a consciência de que Remo caíra na sangrenta armadilha de Severo Snape a dominava. Correu para o centro da clareira, ergueu a arma mirou e puxou o gatilho. Atingido no ombro, o homem voltou-se para ela e apontou-lhe o rifle automático. Gabby se preparou para revidar. Com uma calma estanha como se vivesse um sonho, ela mirou de novo no adversário.
-- Gabby! -- Remo gritou, apavorado.
E nesse instante, ela puxou o gatilho. Logo em seguida, uma saraivada de disparos de ambos os lados a obrigou a atirar-se no chão. Pouco minutos depois, uma explosão terrível levantou uma nuvem de poeira, confundindo-lhe a visão... Então, um silencio mortal a rodeou por alguns segundos.
-- Tudo bem, acertamos em cheio! -- ouviu Marchal gritar, vitorioso.
Gabby ergueu-se do chão com dificuldade. Algo dentro dela a entorpecera, a cabeça pesava-lhe e doía um pouco. De repente, viu-se rodeada por todos do grupo.
-- Esta bem, señorita? -- Zabini perguntou, com gentileza.
Gabby sorriu, incapaz de responder. As palavras chegavam-lhe a mente como ecos longínquos, dificultando-lhe a compreensão. Remo abriu caminho entre os companheiros, amparando Marina. No rosto dele, uma expressão dura contrastava com os sorrisos de admiração e respeito dos demais.
-- Um tiro invejável, Gabby! -- Marchal elogiou, entusiasmado. -- Faltava alguém como você no nosso grupo!
Ela sorriu de novo, tentando sair do estupor.
-- Obrigada, Marchal, mas não me peça para repetir a façanha. Sou soldado de um tiro só. -- E, voltando-se para Zabini, acrescentou:
-- Tudo bem, só me dói um pouco o ombro, acho que cai de mal jeito... acabou tudo?
Fez menção de olhar para trás mas Remo aproximou-se e segurou-lhe o braço.
-- Não olhe! Vamos sair daqui bem depressa.
Gabby observou-o intrigada. De repente, a expressão dele se transformara por completo. Parecia outro, distante e insensível, algo de selvagem brilhando-lhe nos olhos escuros. Confusa com a mudança repentina e inexplicável, seguiu o grupo em silencio mata adentro.
-- Para onde estamos indo? -- perguntou a Zabini,depois de alguns minutos de caminhada.
-- Estamos andando em círculos ao redor da fazenda. Achamos que os homens de Snape já devem ter saído de lá, mas preferimos não arriscar. Apollo foi na frente dar uma espiada. É comum os grupos debandarem após a morte do chefe mas nunca se sabe...
-- Snape está morto? Tem certeza?
-- Claro que tenho! Todos nós presenciamos a morte dele.
Gabby voltou-se para ele atordoada. Uma idéia maluca lhe passava pela cabeça, maluca demais para ela aceitá-la.
-- É isso mesmo que você esta pensando,Gabby -- Laremos sorriu-lhe com admiração. -- aquele homem moreno era Severo Snape.
-- Aquele que eu... Eu o... matei?!
-- Exatamente, mas não pense mais nisso. Seu ombro está melhor?
-- Um pouco dolorido.
Não tanto quanto sua alma pensou aterrada. Nunca lhe passara pela cabeça tirar a vida de outra pessoa. Durante quase um ano e meio de treinamento na Academia Militar, disparara apenas contra alvos de madeira ou bexigas de plástico. E quando recebera o premio de primeira colocada em sua turma, jamais se imaginava numa situação terrível como aquela. Agora, nada a diferenciava dos outros integrantes do grupo. Também ela conhecia a sensação apavorante do perigo, a frieza de fazer mira num semelhante, o alivio por acertar o alvo... Se ao menos pudesse esquecer as ultimas horas de sua vida!
-- Estou tão cansada! – Marina murmurou – Não podemos dar uma paradinha?
-- Agüente mais um pouco, querida – R.J. pediu-lhe com gentileza – Logo descansaremos o quanto quisermos.
-- Esta bem, Remo. Ah Gabby... como eu invejo sua força, sua coragem! Nem parece cansada enquanto eu estou caindo aos pedaços!
-- Gente do interior se acostuma a fazer longas caminhadas desde cedo. E depois estou reservando todo o meu cansaço para quando chegarmos. Vou amontoar num canto e ninguém me tira de lá ate amanhã!
Marina acariciou-lhe os cabelos com um sorriso terno. Nesse instante, o som abafado de passos na trilha colocou todos em alerta. Gabby apontou a arma para a direção do ruído e teria atirado, se Apollo não aparecesse entre os arbustos com um sorriso tranqüilizador.
-- Tudo em ordem. Eles debandaram como ratos.
-- Ainda bem! – Marina suspirou, aliviada. – Não vejo a hora de falar com Roberto, nem que seja por telefone!
-- Quando chegarmos na fazenda, será a primeira coisa que faremos – Zabini prometeu – Olhe, já estamos em casa.
A visão da fazenda era tão reconfortante que Gabby quase chorou de alegria. O exterior da casa não apresentava sinais de violência, mas lá dentro tudo estava revirado, a mobília quebrada, o assoalho arranhado. Zabini não escondeu a irritação diante do resultado da breve invasão do inimigo.
-- Sinto muito pela sua casa, señor – Marina lamentou.
-- Señora, o mais importante é que esta salva – o anfitrião respondeu com uma cavalheiresca reverência. – posso consertar minha casa, mas nada poderia trazê-la de volta no caso de uma fatalidade.
-- Fico lhe devendo o maior dos favores, minha vida. – E, beijando Zabini no rosto, ela acrescentou, emocionada: -- Muchas gracias.
-- Foi um prazer, señora. Pena não ter podido fazer mais. Seu irmão tem mania de providenciar tudo sozinho!
-- Todo mundo esta bem? -- Gabby perguntou, olhando o grupo de maltrapilhos com ar de lastima. -- Bem dentro das possibilidades, é claro...
-- Entre mortos e ferido, sobrou alguma coisa, não se preocupe -- Apollo respondeu, rindo.
-- Então, vou fazer exatamente o que prometi: amontoar num canto. E ai de quem me incomodar!
-- Desse susto, você não morre Gabby! -- Marchal interveio -- Ninguém aqui e doido de contrariar alguém com a sua pontaria.
Todos fizeram comentários, entusiasmados com a façanha, exceto Remo. Amuado num canto, observava a alegria dos companheiros sem compartilhar dela. Embora magoada com aquela atitude, Gabby ignorou-lhe o mau humor. Conversou um pouco mais e depois pediu licença, levando Marina para o quarto.
-- Estou doida por um banho! -- Marina exclamou ao entrarem no aposento.
-- Não é pra menos! Depois da experiência horrível que você passou, deve dar vontade de lavar até a alma!
-- Poderia ter sido pior. Pelo menos, eles não me tocaram, o que me surpreendeu naquelas circunstancias.
O longo tempo que Marina demorou no banheiro foi providencial para Gabby. Sentando-se na poltrona, ela desabafou toda a tensão, a magoa, o desespero das ultimas horas num pranto convulsivo. Quando secou as lagrimas, sentia-se oca, como se tivesse perdido algo irrecuperável. Jamais seria a mesma pessoa depois daquela manhã de pesadelo.
Quando Marina saiu do banho, Gabby já recuperara o controle. Sorriu para ela com naturalidade, perguntando-se de onde lhe vinha tamanha presença de espírito.
-- Agora é sua vez -- Marina brincou, apontando para a porta do banheiro. -- Você também merece um belo banho. Afinal, foi a heroína da manhã!
-- Se é assim que uma heroína se sente, preferia ser covarde pelo resto da vida! Pareço mais um trapo humano, por fora e por dentro...
-- Você salvou a vida de Remo. Nunca vou lhe agradecer tanto quanto você merece, Gabby. Não leve em conta a cara feia dele. Acho que é orgulho ferido, mais passa logo.
-- Eu não esperava sorrisos depois dos maus bocados que passou. Não teve um minuto de sossego desde que soube do seqüestro. Tensão acumulada provoca alterações de comportamento quando se relaxa...
-- Eu que o diga! Nem sei direito o que senti quando vi Remo e os outros entrando naquele deposito! Bendito treinamento do exercito!
Um treinamento que quase custara a vida de Remo, Gabby completou em pensamento. Mesmo assim, concordou com Marina para não trair a confiança de Remo. Trancou-se no banheiro e mergulhou num repousante banho de imersão. Os sais perfumados aliviaram-lhe a contusão no ombro embora lhe piorasse a depressão. Conforme relaxava, o terrível incidente de algumas horas antes voltava-lhe a mente com impressionante nitidez. Um milhão de vezes reviveu a cena em todos os detalhes: Snape surgindo do meio do arvoredo, a arma apontada para Remo, o duelo travado entre ela e o mercenário, a explosão, a queda...
Como ela poderia saber que o homem moreno era Severo Snape, o grande chefe de uma rede internacional de mercenários? Nada lhe passara pela cabeça diante da ameaça a vida de Remo. Agira sob um impulso irrefreável e não sentia remorso algum. Mesmo se Snape a alvejasse, teria valido a pena salvar Remo. E, por ironia, ele a tratava como se tivesse sofrido a pior das ofensas...
De certo, voltaria ao normal depois de um bom descanso, Gabby confortou-se ao sair do banheiro. Por ordem de Zabini, Clara levou-lhe um lanche leve e, apos a refeição ela foi para a cama. Custou um pouco a pegar no sono, as imagens atribuladas do combate ainda perseguindo-a. E a pior de todas era a máscara de ferro que substituira a costumeira cordialidade de Remo.
Aos poucos, porém, a exaustão dominou-a. Depois de uma boa noite de sono, ele reconsideraria a própria posição. Perceberia a injustiça de interpretar mal a atitude de quem daria a vida por ele... Por amá-lo com desespero.
Pensando nisso, Gabby foi mergulhando aos poucos num mundo nebuloso e informe de um sono profundo, sem sonhos.



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