Declarações: O pedido, o começ



Declarações: O pedido, o começo e o fim.

Capitulo VIII

Nem mesmo a manhã ensolarada daquele sábado recuperou Gabby da depressão. Só com muito sacrifício ela se levantou, desanimada e indisposta depois da noite mal dormida. Todo o esforço feito para disfarçar a tristeza no escritório refletia-se agora em seu péssimo estado de espírito.
Uma forte insegurança se abatera sobre ela. Perdera tudo de repente, o emprego, a paz, os planos para o futuro e, acima de tudo: Remo. O amor por ele ainda a atormentava, um sentimento sem esperanças e, no entanto, mais forte que sua vontade de vencê-lo.
A aproximação do término do aviso prévio era, ao mesmo tempo, um sonho e um pesadelo para ela. Quando se desvinculasse do escritório, a tortura diária de ver Remo todos os dias teria fim, mas o que lhe restaria, então? Apenas um vazio imenso, os dias todos iguais, sem colorido. E, por ironia, ao lado dele só poderia esperar tristezas e desilusões.
Reagindo contra a amargura, Gabby vestiu um jeans e uma camiseta listrada. Não podia se entregar daquele jeito à depressão. No inicio sofreria muito com a separação, mas, com o tempo, a dor passaria. Conheceria outros homens interessantes e carinhosos, com muito mais do que Remo a lhe oferecer em amor e afeição... Mas nenhum deles teria como Remo, o poder mágico de enfeitiçá-la a um simples olhar. Nenhum despertaria nela as sensações maravilhosas que conhecera com Remo, nenhum a tocaria, a beijaria como ele...
Lutando contra tais pensamentos, Gabby colocou o apartamento em ordem, tomou um café rápido e preparava-se para ligar a máquina de lavar roupas quando ouviu o toque da campainha. Resmungou contra o inoportuno capaz de visitá-la numa hora tão imprópria. Na certa uma vendedora de produtos de beleza ou uma vizinha desocupada.
Abriu a porta disposta a despachar quem quer que fosse o mais depressa possível... e perdeu a ação. Era Remo quem lhe sorria, irresistível dentro de uma calça jeans e uma camisa de cambraia azul-clara. Parecia um homem como qualquer outro, sem os ternos impecáveis ou as roupas de combate. Mas emanava dele um carisma especial, capaz de distingui-lo dos demais.
-- Ainda não desisti de nosso almoço – ele anunciou. – Podia bem ser hoje...
-- Acontece que eu também não desisti da minha resposta: não.

Onde encontrava forças para tratá-lo com tanta frieza? Gabby não encontrou resposta para a própria pergunta enquanto observa-lhe o rosto moreno, do qual já sentia saudade.
-- Me dê apenas um motivo plausível para me dispensar desse jeito, Gabby.
-- Ora, Remo, por favor, não vamos repetir a velha ladainha! Contente-se com um não seco: fora do expediente, não tenho obrigação nenhuma de ser plausível.
-- Nem de me deixar entrar um pouco, decerto.
-- Decerto!
-- Não me trate desse jeito, Gabby – ele pediu, humilde. – Até o pior dos réus tem direito a ser ouvido.
Com um suspiro resignado, ela deu-lhe passagem. Será que ele sabia o quanto àquela situação a torturava? Observou-o parado no meio da sala, esperando permissão para sentar-se. Nem parecia o advogado seguro, o guerrilheiro destemido! E, para desespero de Gabby, havia mais charme na humildade dele do que na segurança.
--Sente-se, Remo, mas já vou avisando que não tenho muito tempo.
-- Algum compromisso sério? – E, antes mesmo de ela responder, acrescentou: -- Já sei, não é da minha conta.
-- Exatamente.
-- Passe o dia comigo, Gabby, por favor.
-- E por que eu faria isso?
-- Por que estou sozinho, muito sozinho!
A sensibilidade da resposta a tocou. Tinha diante de si um homem fragilizado e carente que nunca vira em Remo. No entanto, a razão lhe ordenava cuidado. Naquelas condições, ele se tornava mais acessível... perigoso!
-- Por que não procura seus amigos? – perguntou, evasiva.
-- Como vou saber onde estão Marchal, Apollo e os outros à uma hora dessas?
-- Chantagem sentimental não, Remo! Quer me enganar que não tem nenhum amigo na cidade?
-- Pois não tenho. Acredite ou não, só tenho você...
-- E amigas?
-- Ninguém!
Gabby pensou por um momento. Que mal haveria em aceitar o convite? Mais alguns dias e separar-se-iam sem chance de retorno. Pelo menos, ela somaria mais uma imagem agradável da convivência dos dois que já possuía.
-- Tudo bem, eu lhe faço companhia... mas só no almoço!
Remo abriu para ela um sorriso satisfeito.
-- Para mim, está ótimo – afirmou, entusiasmado.

Gabby trocou o jeans por um vestido leve, mas discreto. Voltou à sala poucos minutos depois, os longos cabelos soltos, rosto colorido por uma maquilagem leve. Remo observou-a mudo de admiração.
-- Onde vamos almoçar? – Gabby perguntou, disfarçando o embaraço diante do olhar dele.
-- Você escolhe, está bem? Mas acho melhor nos apressarmos se quisermos comer bem. Os bons restaurantes lotam logo nos fins de semana...
O desejo ardia-lhe, intenso, nos olhos claros, quando Remo acompanhou-a até a porta. No entanto, ele sorria e logo iniciou uma conversa casual numa tentativa evidente de esconder os próprios sentimentos.
Como se ainda fosse cedo para almoçar, Remo levou-a até um parque próximo dali. Passearam lado a lado entre as arvores, percorrendo as alamedas sombreadas pelas ramagens dos arbustos. No lago, pequenos barcos cheios de crianças risonhas e barulhentas davam à paisagem um colorido especial.
Gabby observava Remo de modo disfarçado. O vento brando desmanchava-lhe os cabelos brilhantes, conferindo-lhe um aspecto descontraído, charmosamente selvagem. Difícil afastar-se dele, impossível tê-lo por perto... De qualquer forma, ela sofreria a agonia da incerteza e da solidão.
Remo tentava se redimir do incidente da Guatemala, daí por que a cercava de tanta consideração. Desejava-a, era verdade, mas já se conformava em perdê-la. Afinal, não deviam faltar mulheres atraentes interessadas na companhia dele. Não podia culpá-lo por isso. Desde o principio, soubera que sexo era só o que ele tinha a lhe oferecer.
Remo tocou-lhe os dedos de leve enquanto caminhavam à beira do lago.
--Está tão quieta! – comentou, sorrindo-lhe e lançando-lhe um olhar doce. – Ah, eu daria metade da minha vida para saber o que há dentro dessa linda cabecinha!
Ela deu de ombros, afastando os cabelos do rosto como pretexto para livrar-se do contato perturbador da mão de Remo.
-- Nenhum mistério insondável, R.J. Estava apenas planejando minha vida daqui pra frente...
--Longe de mim.
--Pensei que esse passeio fosse para descontrair. Se for para tocar nos assuntos do escritório, preferia ter ficado em casa.
--Mas é você mesma quem me lembra do escritório toda vez que me chama de R.J. Pelo menos hoje, me chame de Remo.
--Para que? Não há ninguém aqui para enganarmos com aquela farsa de namoradinhos felizes.
--Eu sei, queria só... matar as saudades.
Gabby suspirou, arrependida e exasperada ao mesmo tempo. Olhou para as águas tranqüilas do lado, sacudindo a cabeça com tristeza.
-- Está vendo como não da mais certo continuarmos juntos, Remo? Há muita magoa entre nós, estamos sempre nos ferindo de alguma maneira. Não tem mais jeito de voltarmos ao nosso relacionamento de antes.
-- Tem de haver, Gabby! – Segurou-a pelos ombros e voltou-se para ele, decidido. – Não posso perdê-la agora!
Hesitou por um momento antes de tomar-lhe o rosto entre as mãos com infinita ternura. Gabby queria protestar, afastar-se dele, mas não conseguiu. Precisava de Remo, desejava aquele contato tanto quanto ele. Por isso, não se esquivou quando os lábios ansiosos procuraram os seus, pressionando-lhe de leve com incrível sensualidade.

-- Não sei como pude magoá-la daquele jeito! – ele murmurou, fitando-a no fundo dos olhos. – Desde que voltamos daquela maldita viagem, não tenho paz. A sensação desagradável de ter agido como um canalha persegue-me até hoje!
-- Talvez por que minha presença reavive sua memória todos os dias. Quando eu for embora...
Remo tocou-lhe os lábios, impedindo-a de prosseguir.
-- Não é nada disso, Gabby. Me lembro sempre daquele momento, por que nunca fui tão injusto com alguém na vida. Quando a vi em meio ao fogo cruzado lá na mata, soube o quanto estava perto de perdê-la... e tive medo, um medo insuportável. Era difícil demais para eu admitir isso, por isso desabafei toda aquela contradição de sentimentos contra você. Mal sabia que, magoando-a, estaria me magoando ainda mais.
-- Remo...
-- Não, não diga nada agora. Sei que é muito difícil convencê-la. Eu a magoei demais, mostrei-lhe o pior da minha personalidade. Mas não sou aquele monstro, Gabby. Me dê uma chance de lhe provar isso!
A suplica na voz dele morreu em outro beijo, mais ardente, mais profundo. Gabby o desejava intensamente, queria levar viva dentro dela aquela lembrança quando partisse de Chicago. Entregou-se de corpo e alma a caricia sorvendo, ávida, as novas sensações vindas do contato. E quando Remo ergueu a cabeça, abriu os olhos devagar, admirando-lhe o rosto másculo cheio de paixão e de desejo.
-- Remo...
-- Pensei que nunca mais você diria meu nome assim, com tanta ternura.
-- Não torne as coisas mais difíceis para mim!
Remo acariciou-lhe os cabelos rubros e o rosto. Apesar de lutar contra o impulso de aceitá-lo sem reservas, Gabby naufragava devagar na poderosa aura de atração que ele emanava.
-- E acha fácil para mim deixá-la ir embora?
-- Claro que não! Antes, você precisa aplacar sua consciência.
-- Não é só isso, Gabby! Morro um pouco cada vez que me afasto de você. Deito e acordo pensando em você...
-- Tudo bem, você me deseja, disso eu já sabia. Mas eu quero muito mais, preciso de muito mais para ser feliz. Quero um companheiro, Remo, não um amante. Você já me deu muitas provas de que seria um amante excelente, mas sexo não é tudo.
-- Então olhe bem para mim e negue que me deseja também. Negue que se incendeia tanto quanto eu quando nos tocamos.
-- Você sabe que não posso, Remo.
-- Então por que trocar algo que já temos por um sonho?

Por que o amava demais para se contentar apenas com o desejo dele, respondeu em pensamento. Sorriu com amargura, sentindo algo se romper em sua alma.

-- Amor não é um sonho para mim, Remo – afirmou afastando-o de mansinho. – E terei um relacionamento com alguém que acredite nele, como eu.
-- Por que esperar tanto? Pode ter um relacionamento comigo quando quiser...
-- Sinto muito, Remo, mas não quero.
-- Por que não me ama.
Ela desviou o olhar para os barcos ancorados no pequeno cais. Se o encarasse naquele momento, Remo descobriria o sentimento forte, intenso e assustador vibrando-lhe no intimo.
-- Por que não daria certo – desconversou – Somos muito diferentes, viveríamos num verdadeiro inferno de brigas e desentendimentos.
-- Os casais que se amam também brigam, se desentendem...
-- Quando existe amor, isso não desgasta o relacionamento, às vezes até o fortalece. No nosso caso, só acumularíamos ressentimentos, terminaríamos nos odiando.
Remo soltou-a com relutância, a testa franzida numa expressão intrigada.
-- Se não significo nada para você, por que arriscou a vida para me salvar?
-- Como me conhece pouco, Remo! Depois de dois anos de convivência, claro que você significa alguma coisa para mim. O fato de eu não querer ser sua amante não quer dizer que eu o deixaria morrer, podendo salvá-lo.
-- Faria a mesma coisa por Amos, então.
-- Claro que sim! E, se isso o consola, fique sabendo que não quero nenhum homem em minha vida, pelo menos por enquanto. Tenho outros planos para meu futuro imediato, inclusive almoçar. Estou morte de fome!
-- Ainda não terminamos nossa conversa.
-- Já terminamos, sim. Por favor, Remo, não me pressione senão vou ser obrigada a voltar para casa e comer um sanduíche horrível de pão integral!
E, fazendo uma careta, retomou o caminho em direção ao carro. Já conhecia em si mesma a capacidade de ocultar seus verdadeiros sentimentos, embora jamais houvesse passado por uma prova tão dura. Era uma tortura recusar Remo tantas vezes quando, no fundo, só desejava fechar os olhos a todas as inconveniências e aceitá-lo. Os dois queimariam juntos numa paixão profunda, arrasadora e, depois...
E se ele a quisesse apenas por algumas noites? Se a abandonasse assim que tivesse saciado seu desejo? Ela não suportaria a dor de tê-lo apenas por pouco tempo, a insegurança de temer quando outra mulher se aproximasse dele. Seria um preço alto demais por alguns instantes de prazer.
Pensando nisso, encontrou forças para puxar uma conversa casual quando entraram no automóvel. Embora renitente a principio, o bom humor de Gabby contagiou Remo e logo falavam dos assuntos mais variados sem nenhuma sombra de ressentimento.
Ele escolheu um restaurante pequeno e elegante não muito longe do porque. Embora a comida estivesse deliciosa, Gabby fez um grande esforço para engoli-la. E, para piorar, teve de comer uma boa quantidade para justificar um apetite capaz de interromper uma conversa seria.
Apesar disso, a refeição transcorreu num clima agradável. Remo se mostrava atencioso e gentil, lembrando-a de como era o relacionamento dos dois antes do seqüestro de Marina. E o coração de Gabby comprimia-se no peito de saudades das insólitas aventuras ao lado dele, das conversas cheias de alegria e descontração.
Quando deram o almoço por encerrado, Gabby suspirou num alivio mesclado de agonia. Mesmo assim, sorriu fingindo bom humor.
-- Agora, preciso ir para casa. Deixei a roupa na maquina e preciso limpar o apartamento.
Ele mordeu o lábio, desapontado.
-- Isso não pode ficar para amanhã?
-- De jeito nenhum, amanhã tenho uma agenda cheia: lavar os cabelos, fazer as unhas etc... Segunda-feira faço a última entrevista para aquele emprego de digitadora e quero estar impecável. Boa aparência sempre conta um pouco, não acha?
-- A sua me convenceu.
Gabby simulou decepção, ignorando a chama de desejo ardendo nos olhos de Remo. E, apesar do sorriso, havia dor e tristeza na expressão dela.
-- Pensei que tivesse conseguido o emprego por causa da minha eficiência.
-- Só conheci sua capacidade de trabalho depois que a vaga já era sua.
-- Espero que não tenha se arrependido.
Remo observou-a, muito sério.
-- Nesse exato instante, estou arrependido sim, e muito! - afirmou por fim, amargo. Pagou a conta e saíram do restaurante em silêncio. Quase não conversaram durante o caminho. Gabby tinha impressão de haver convencido Remo de inviabilidade de um romance entre os dois. Uma vitória espinhosa, pensou, observando a paisagem fingindo distração.
Quando Remo parou o carro na porta do edifício, voltou-se para ela com um suspiro.
-- Nunca fui trocado por um monte de roupa suja, Gabby. Não é nada lisonjeiro, sabia?
-- Sempre se arrepende mais com as experiências desagradáveis... Bem, obrigada pelo almoço.
-- Não poderíamos repetir a dose amanhã? Você não terá o resto da tarde para cumprir sua agenda.
-- Melhor não Remo. Segunda-feira nos vemos no escritório, está bem?
Voltou-se para abrir a porta, mas ele segurou-a pelo braço.
-- Posso subir com você?
-- Não Remo.
-- Só por cinco minutos, tenho uma coisa importante para lhe dizer.
-- Não.
-- Prometo não tentar nada, Gabby. Só quero conversar com você. Dependendo do resultado da conversa, eu a dispenso da outra semana de aviso prévio.
Gabby hesitou alguns momentos. Não queria prolongar aquela despedida tão dolorosa para ela, mas algo na expressão de Remo a fez repensar tal atitude. O que perderia em ouvi-lo? Quando muito, ele insistira um pouco mais e acabaria desistindo de uma vez. E ela estaria livre de mais uma semana de angústia ao lado dele no escritório. Respirou fundo, armando-se de coragem. Precisaria muito domínio sobre as próprias emoções para recusá-lo agora sozinha com ele no apartamento

– Tudo bem Remo, mas se tentar alguma coisa...

-- Confie em mim, só quero lhe dizer uma coisa importante... Para mim, pelo menos.
Gabby desceu do carro já arrependida por haver cedido. Remo já usara de todos os argumentos para envolvê-la. Então, o que restara para ser dito? Decerto, ele desejava apenas uma última chance de resgatar o orgulho ferido por suas constantes recusas. E, se fosse assim, a magoaria ainda mais.
Não trocaram uma palavra no elevador. Gabby saiu na frente, abriu a porta do apartamento e o fez entrar. Convidou-o a sentar-se no sofá e acomodou-se numa poltrona tão logo fechou a porta.
-- Muito bem, sou toda ouvidos -- disse, olhando-o com uma atenção propositalmente ostensiva.
Remo sorriu, meio sem graça.
-- Não é um assunto muito fácil para mim -- justificou-se.
-- Ou, quem sabe, não haja assunto nenhum...
-- Não sou homem de armadilhas, Gabby! Não uso de subterfúgios para fazer o que quero.
-- Então fale de uma vez o que deseja.
Remo acendeu um cigarro e ergueu-se do sofá. Deu alguns passos pela sala, depois voltou-se para Gabby, angustiado.
-- Hoje de manhã, lá no parque... eu não lhe disse tudo sobre o que aconteceu na Guatemala - afirmou, depois de tragar profundamente o cigarro.
-- Então, voltamos ao velho assunto! Já lhe disse um milhão de vezes que a própria situação se explicou muito bem. O que ainda há para falar sobre aquilo?
-- Muita coisa! Você nunca se perguntou por que eu reagi daquela forma estúpida?
-- Não, mas você me respondeu assim mesmo. Foi uma forma de descarregar as tensões por causa...
-- FOI DE CIÚME! EU ESTAVA DOIDO DE CIÚME DO ZABINI! -- Gabby encarou-o, sem ação. As palavras de Remo haviam chegado aos seus ouvidos, mas ela não lhes compreendia direito o sentido.
-- Como é?!
-- Isso mesmo que você ouviu: eu estava desvairado de ciúme do Zabini e você, Gabby. Desde o momento em que apresentei você a ele, não tive sossego. Vi o modo como ele a olhava, seus sorrisos para ele, as brincadeiras entre vocês dois e me mordia de ciúme.
-- Então você levou a sério de verdade aquela história de sermos namorados.
-- Não brinque, Gabby!
-- Estava só tentando ser civilizada!- ela explodiu.- Eu devia esbofeteá-lo de novo por causa disso! Não sou um objeto de sua propriedade que ninguém pode tocar! Além do mais, mesmo se Zabini me interessasse muito, eu jamais o incentivaria. Estava lá como sua namorada! O que você pensa que eu sou?
-- Você é a mulher mais maravilhosa do mundo, querida. Tem toda razão de se zangar comigo por essa atitude absurda, mas... O que tem lógica quando se está apaixonado?
-- Não me venha com essa história de paixão Remo! Esse é o truque de sedução mais antigo da história da humanidade! É pretensioso demais para aceitar que alguma mulher no mundo o recuse. Sempre o achei vaidoso, mas não pensei que chegaria a esse ponto para dobrar a minha resistência.
Remo tragou o cigarro de novo e olhou para a brasa um instante, pensativo.
-- Eu não esperava outra reação de você – afirmou, ainda de cabeça baixa.—É o preço que tenho de pagar por não lhe confessar isso antes.
-- Confessar o que? Seu orgulho ofendido?
-- Não... Que a amo, muito, há muito tempo.
Apesar da voz calma, a expressão de Remo refletia um sofrimento tão intenso que Gabby vacilou em sua raiva.
-- Ora, Remo, não espera que eu acredite nisso... Espera?
-- Agora, não posso cobrar nada de você. Só estou falando sobre isso porque achei que tinha direito de saber.
-- Remo...
-- Deixe eu falar, coração!—Ele pediu ajoelhando-se ao lado da poltrona onde ela estava e segurando-lhe as mãos.
-- Depois você me mande embora, zomba de mim, faz o que quiser. Prometo aceitar sua decisão sem queixas, mas, antes, me escute.

Remo soltou um suspiro fundo em quanto apagava o cigarro sobre a mesinha de centro. Depois, voltou-se para Gabby, que o encarava, aturdida.

-- Não a culpo por não acreditar em mim, Gabby. Eu mesmo tive uma dificuldade incrível de enfrentar essa verdade... Mas eu a amo! Por isso o ciúme absurdo de Zabini, o medo de perdê-la durante o tiroteio, o fato de dizer a meus amigos que você era minha namorada... E até de levá-la comigo para Guatemala.
-- Então, você não precisava de um radioamador!
-- Precisava, sim, mais Zabini lida muito bem com aquela aparelhagem. Só quando voltamos percebi que usei isso como desculpa para tê-la perto de mim num dos piores momentos da minha vida. Até ali, eu pensava que sentia por você apenas uma atração física muito forte. Só me dei conta do que estava acontecendo comigo quando você insistiu no pedido de demissão... Só que já era um pouco tarde.
Gabby sacudiu a cabeça, incrédula.

-- Não dá para acreditar nisso Remo. Se você me amasse de verdade, não agüentaria esconder isso por tanto tempo. Teria me falado de amor, não de desejo.
-- Eu tentei, querida, juro!Todas as vezes que eu tocava no incidente na casa de Zabini, minha intenção era lhe contar... Mas você estava sempre tão distante de mim, demonstrava tanta segurança de não me querer na sua vida que eu perdi a coragem. Sempre me orgulhei de não precisar de ninguém e foi muito difícil admitir que dependo de você, como do ar que respiro!
Uma confusão de sentimentos fazia o coração de Gabby pulsar mais forte. Sonhara tanto com aquele momento e, agora, não sabia que atitude tomar. Queria demais acreditar em Remo, no entanto as defesas resistiam.
-- Remo...
-- Não diga nada, meu anjo, eu sei que você não me quer. Para ser franco, não a condeno, depois de tudo que houve. Só não queria que você fosse embora com a impressão de que eu desejo você apenas para um caso passageiro.
-- E não é isso?
Remo acariciou-lhe o rosto, um brilho intenso nos olhos castanhos.
-- Ah, Gabby, de você eu quero tudo: o sorriso, o talento, o companheirismo, a coragem, a cabeça, o corpo, a alma, o coração... E quero tudo para sempre!
Perplexa, Gabby fitou-o intensamente por alguns instantes, com medo de adivinhar o sentido oculto daquelas palavras.
-- Você está falando em...
-- Isso mesmo, meu anjo: casamento. Vim para cá decido a ter uma conversa séria com você.— E, sacudindo a cabeça com tristeza ele acrescentou: -- Estava tão certo de que você aceitaria que trouxe isso...
O coração de Gabby quase parou quando Remo retirou do bolso do jeans uma pequena caixa e exibiu-lhe uma linda aliança de ouro.
-- Sei que fui presunçoso, mas, se você me aceitasse, eu...
-- Você foi um bandido, isso sim! – ela interrompeu–o, chorando de felicidade. – Como pôde me deixar sofrendo por mais de uma semana, me maldizendo por amar um homem que só me queria como amante?
E, sem esperar resposta, beijou-o nos lábios com ardor apaixonado. Remo correspondeu a caricia intensamente, acariciando-lhe os cabelos, o pescoço, as costas.
-- Somos dois idiotas! – afirmou emocionado, enxugando as lágrimas do rosto delicado de Gabby – Perdemos tanto tempo correndo atrás de felicidade e ela estava bem debaixo de nossos narizes!
-- E eu pensando que você preferia a sua liberdade!... Iria se casar comigo mesmo se eu não o amasse?
-- E por que não? Sem você, nada tem valor e eu faria qualquer loucura para conservá-la ao meu lado. Se soubesse como eu me sentia quando chegava ao escritório e a encontrava cada dia mais linda... Era uma tortura notar que passava muito bem sem mim, que podia encontrar outro a qualquer momento.
-- Pois eu imaginava a mesma coisa a seu respeito. Por isso, caprichava na maquiagem todas as manhãs para você não reparar nas minhas olheiras.
-- E você não percebeu as minhas? Eu não uso maquiagem.
-- Desculpe amor, mas pensei que fosse só consciência pesada... Você mesmo me disse isso várias vezes.
-- Por puro orgulho. Achava humilhante implorar sua atenção. Depois, cheguei a conclusão de que perdê-la para sempre era algo mais insuportável para mim do que todas as humilhações do mundo.
Remo tomou-lhe a mão e, beijando-lhe carinhosamente, colocou a aliança no dedo.
-- Aceita se casar comigo, Srta. White?
-- Claro que sim... Se isso não atrapalhar meus planos para o futuro.
-- Ah, quer dizer que já se decidiu sobre isso?
-- Sim, resolvi seguir seus conselhos. Vou fazer a faculdade de Direito e atuar na área trabalhista. Depois do seqüestro de Marina, não quero nada com criminologia!
-- Então perdi minha parceira nas investigações?
-- Sinto muito Remo, mas não sou duas. Terei uma carreira para cuidar... Além dos nossos filhos. Alias, vou adorar ser mãe, esposa, mulher... -- Acariciou-lhe a nuca de mansinho, numa caricia insinuante.
Remo estremeceu, os olhos brilhantes de desejo.
-- Se continuar com essa conversa, vai se arrepender, meu anjo.
-- A culpa é sua. Foi você quem me ensinou.
-- Tenho muito mais coisas para lhe ensinar, mas as aulas começam só daqui a uma semana.
Gabby franziu a testa, exagerando uma cara de decepção.
-- Só?! Para que esperar tanto?
-- Por que será a data do nosso casamento. Depois do seqüestro de Marina, não quero complicações com mulheres solteiras.
Remo ergueu-se, resoluto, mas ela segurou-lhe a mão.
-- Certos aprendizados exigem uma preparação – afirmou, maliciosa. – E quanto mais cedo se começa, melhor é o resultado.
-- Gabby... Você deixou a roupa na máquina de lavar e tem de limpar o apartamento, esqueceu?
Ela ergueu-se da poltrona e deixou que ele a abraçasse.
-- Não esqueci, não... Tanto que fiz tudo isso hoje de manhã. Enquanto me arrumava, a maquina lavava a roupa e, antes de sairmos, coloquei tudo na secadora.
-- E você não tem vergonha de mentir assim para seu futuro marido?
-- Menti para meu ex-chefe, o que é muito diferente. Do meu futuro marido eu quero um beijo.
Remo se esmerou ao atender-lhe o pedido. Gabby aconchegou-se a ele ainda mais, sorvendo com avidez cada momento da caricia profunda, sensual. E a vida sorriu para os dois, cheia de promessas de felicidade.

Fim

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